Crônica: Turista de Imobiliária
Walcyr Carrasco
TENHO ALMA CIGANA. Adoro mudar de casa.
Reformar, nem se fala. O som dos martelos quebrando azulejos é música para meus
ouvidos. Amaria ser corretor de imóveis. Assim, depois de trocar o endereço
três vezes em quatro anos, resolvi vender minha nova casa. Doidice? Meu lar era
um sonho. Rouxinóis, sabiás e rolinhas enfeitaram as árvores. Tantos pássaros
que a barulheira até me irritava. Comia amoras do pé. Estava a cinco minutos da
Paulista, do centro e das marginais. Só minha mãe fazia ressalvas:
— A casa tem escada. Quando estiver velho e com
reumatismo, você vai ter dificuldade para subir.
-— Mãe, ainda estou na casa dos 40.
Ela calava-se e assumia uma expressão sábia. A
mesma de todas as mães quando acabam os argumentos, mas ainda sentem que têm
razão.
Um dia acordei a mil. Chamei meu amigo José
Antônio, dono de uma imobiliária, e mandei avaliar. No outro dia, a frente estava
cheia de faixas, e eu com um sorriso atarraxado. E. incrível como tem gente
disposta a ver uma casa!
Veio uma pintora. Mal entrou, lançou-se aos
elogios.
— Meu lar, achei meu lar! Aqui será meu
estúdio... Aqui...
Parecia disposta a se mudar na semana seguinte.
Comecei a imaginar como torraria o dinheiro da venda. Pois sim! Nunca mais vi a
tal artista! Outra achava defeito em tudo. Desprezo total.
— Aquela parede está rachada — apontou com ar
de especialista.
— É só o reboco.
Fez cara de quem duvidava. Eu me senti culpado,
embora dissesse a verdade. Quase pedi:
— Desculpe-me por ter esta casa!
Arrasado, telefonei para a imobiliária:
— Não gostaria de fazer negócio com ela. Parece
loucura, mas...
— Sabe da última? A madame mora em um
apartamento pequeno e não tem onde cair morta. Gosta de fingir que é compradora
para passear na casa alheia. E conhecida de outras imobiliárias! — contou a
corretora Marilene.
Parece que é comum. Turista de imobiliária! E
eu sorrindo, fazendo-me de bonzinho... Até ofereci café! Ah, que raiva!
Preparei um tour, começando pela sala, quartos.
O problema era o quintal. Meu cachorro é um husky siberiano. Impossível
prendê-lo. Escala muros e grades como gato. Morder não morde, mas é grandão.
Estrategicamente, deixava para o fim. —
Bilu, bilu... Olhe que gracinha! Pode vir, ele não morde. — Não sei...
Tem uns dentões — reagia os interessados
— Que é isso, olhe que árvore linda! Viu? Um
passarinho!
Voou, voou!
O candidato encarava o cão, apavorado. Devo ter
perdido boas vendas por causa do salafrário! Um quarentão apaixonou-se pela
casa. Trouxe a mulher, os filhos, a mãe. Fez uma oferta em vários anos, com uma
quitinete inclusa. Quando neguei, ofendeu-se. Parecia estar fazendo um favor.
— Sua casa tem tijolo de ouro?
— Se não pode, não compre.
Poder, podia. Muitos compradores adoram
imaginar que o vendedor está a míngua. Almejam raspar o tacho.
Quase arranquei a faixa. Dali a dois dias
apareceu um casal. Viu a casa rapidamente. Achei que não se tinha
impressionado.
Meia hora depois, fez uma oferta. Logo fechamos. Conheci a família. Tem um filho pequeno que vai adorar o jardim e outro que pode ensaiar a banda na garagem. Ela já está planejando sua festa de aniversário. Fiquei feliz, porque sei que vão ser felizes. Agora vou mudar. Encontrei um apartamento. Já mandei quebrar os azulejos... Ah, o doce som dos azulejos quebrando! Tudo vai começar novamente!
Entendendo o texto
01. O que o autor revela sobre si mesmo no início
da crônica "Turista de Imobiliária"?
a) Ele é
um corretor de imóveis.
b) Ele tem alma cigana e adora mudar de casa.
c) Ele é
um pintor profissional.
d) Ele
vive em sua casa atual há muitos anos.
02. Qual era o cenário ao redor da casa do autor
que o fazia considerá-la um sonho?
a) O
barulho constante de carros.
b) A presença de
rouxinóis, sabiás e rolinhas nas árvores.
c) A
proximidade de uma estação de metrô.
d) A
vista para a cidade.
03. Por que a mãe do autor fazia ressalvas sobre a
casa?
a)
Porque a casa era pequena demais.
b) Porque o autor tinha dificuldade em subir a escada.
c)
Porque a casa tinha muitos pássaros.
d) Porque
o autor não tinha dinheiro para mantê-la.
04. O que o autor achou da atitude da pintora que
visitou a casa à venda?
a) Ele a
considerou uma cliente em potencial.
b) Ele
aprovou os elogios que ela fez à casa.
c) Ele ficou desapontado porque ela nunca mais apareceu.
d) Ele se
irritou com a pintora.
05. Qual foi a
atitude da outra pessoa que visitou a casa e encontrou defeitos em tudo?
a)
Elogiou a casa intensamente.
b) Desprezou a casa e apontou defeitos.
c) Ficou
em silêncio durante a visita.
d) Fez
uma oferta imediatamente.
06. O que o autor descobre sobre a mulher que
criticou a casa após a visita?
a) Ela
era uma crítica de arquitetura.
b) Ela não tinha intenção de comprar, apenas gostava de passear em casas
alheias.
c) Ela era
uma compradora legítima.
d) Ela
estava buscando um lar para sua família.
07. Qual é o problema que o autor enfrenta com seu
cachorro no quintal da casa à venda?
a) O
cachorro é muito pequeno e pode se perder.
b) O
cachorro não gosta do quintal.
c) O
cachorro é agressivo com os visitantes.
d) O cachorro é um husky siberiano que escala muros e grades.
08. Como o autor tenta convencer os interessados
sobre a segurança do quintal?
a)
Mostrando que o cachorro é pequeno e dócil.
b)
Dizendo que o cachorro não morde.
c)
Ignorando o problema do cachorro.
d) Pedindo
que os interessados venham somente à noite.
09. Por que o quarentão que se interessou pela casa
ficou ofendido?
a) Porque o autor recusou a oferta dele.
b)
Porque o autor pediu um preço muito alto.
c)
Porque o autor não queria incluir uma quitinete na venda.
d)
Porque o autor não ofereceu café durante a visita.
10. Qual é o desfecho da crônica em relação à venda
da casa?
a) O
autor não conseguiu vender a casa.
b) O autor vendeu a casa para um casal com filhos.
c) O
autor decidiu não vender a casa.
d) O
autor mudou para um apartamento e já começou a reformá-lo.
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