Texto: O PROGRESSO DA ELETRICIDADE
Quando anunciaram a construção da usina e garantiram: - “Desta vez é mesmo pra
valer, o engenheiro chega na outra semana”, logo se lembraram do Bento Pereira.
Todo mundo apostava como ele não havia de passar sem comprar algum aparelho,
qualquer tipo de novidade, dessas que sempre chegam com a eletricidade.
--- Homem progressista o sô Bento. A gente, aqui, não dá o devido valor – disse
Dona Hortência Fernandes, saboreando o licor de pequi que só a Marieta Aquino
era capaz de fazer.
--- Progressista e interesseiro – emendou a Marieta, para depois completar: - O
Bento? Aquilo é doido por dinheiro, feito João-tolo por bodoque.
Cada um tinha um pouco de razão. Bento Pereira era progressista, sim, mas sem
deixar de ser interesseiro. Ou, conforme ele próprio costumava dizer,
suavizando a coisa dum jeito meio pedante: gostava de usufruir dos benefícios
proporcionados pela civilização.
Naquele fim de mundo, acompanhava o progresso da humanidade pelos jornais do
Rio, que, mesmo chegando com três, quatro dias de atraso, mantinham o Bento
informado sobre os principais acontecimentos do País e do estrangeiro. (...)
Pois é, com a notícia da usina, ficou todo mundo apostando sobre o que o Bento
ia inventar. Quase esquecia de dizer: ele era dono da mais sortida casa
comercial do lugar, dessas que anunciam bebidas nacionais e estrangeiras, doces
e conservas, louças, ferragens e tecidos. Trocado em miúdos: vendia de tudo um
pouco.
Alta madrugada, na véspera da inauguração, deram notícia de um caminhão
descarregando misteriosa carga na venda do Bento Pereira Cada um falava uma
coisa, mas parecia certo que era uma enorme caixa, toda reforçada por fora. O
povo, de orelha em pé, tinha palpite pra dar e vender.
Bom, de palpite em palpite, de comentário em comentário, chegou o dia da
inauguração da luz. Festança de deixar saudade: discursos, espetáculo
pirotécnico (naturalmente antes de acenderem as lâmpadas), comeria e beberia à
vontade, gente de todas quinze bandas, aquilo mais parecia um formigueiro.
Além de tudo, o pessoal finalmente pode satisfazer a curiosidade: a mercadoria
misteriosa, chegada altas horas, era a tal de geladeira, agora já instalada na
venda do Bento Pereira. O dono, todo intimado, dava demonstração, abria a
porta, explicava o funcionamento, dizia que aquela neblinazinha lá dentro era
onde se formava o gelo, não demorava muito ficava pronto.
A notícia correu, logo foi juntando gente. Uns queriam saber quanto se pagava
para ver, outros, mais sabidos, perguntavam a que hora ia ter picolé. O Bento
não deu o braço a torcer. Picolé carecia de uns ingredientes que não tinham
chegado ainda, explicou, mas não queria decepcionar a freguesia. Estava
preparando uns cubos de gelo para daí a pouco.
Não passou muito tempo, veio chegando com os cubinhos amarrados em barbantes,
logo dependurados num arame esticado na entrada da venda. Do lado de fora, Um
cartaz anunciava o preço: um tostão.
--- É a dúzia, sô Bento? – perguntou o moleque.
--- A unidade, seu ignorante.
--- Mas por um tostão a gente compra uma penca de banana...
--- É, banana dá à toa. Geladeira, onde é que tem outra vinte léguas em roda?
Nisso, veio entrando gente, cada um querendo uma coisa, o dono fazendo questão
de atender, ele mesmo, sabe como é. Um pede pra ver um riscado, fica na dúvida,
quer olhar outra peça, não se agrada da padronagem, é aquele sebo. Aí entra um
querendo ser uma faca. Pega três diferentes, pergunta o preço, pechincha, acaba
saindo sem levar nenhuma; se resolver, volta depois.
Naquele lufa-lufa, Bento Pereira não sente o tempo passar. Quando tira o lápis
da orelha pra fazer uma conta, percebe uma gota de suor na testa.
Aí, de
repente se lembra: e os cubinhos?
Feito um cabrito, salta o balcão e chega até a porta. Cadê o gelo?
Uns meninos, espantados, olham o último pingo d’água escorrendo da ponta dos
barbantes e caindo no chão. Com o pulo do negociante, a meninada se escafedeu.
Bento, furioso, esbravejava:
--- Molecada vagabunda! Come meu gelo e ainda mija na porta.
Olavo Romano. Minas e
Seus Casos. págs. 101-104.
Editora
Ática, São Paulo, 1984.
Entendendo
o texto:
01 – Qual
é o personagem principal da história de Olavo Romano?
O personagem principal é Bento Pereira.
02 – Quem
era Bento Pereira?
Era um homem progressista, dono da mais sortida casa comercial da pequena
cidade onde morava.
03 – A
história se passou na época atual ou muitos anos atrás?
A história
se passou muitos anos atrás.
04 – Como
era o lugar onde morava Bento Pereira?
Era uma cidadezinha muito distante dos grandes centros, em pleno sertão.
05 – Que
diziam as pessoas a respeito de Bento Pereira?
Uns diziam que era amigo do progresso, outros, que era “doido por dinheiro” e
só tinha em vista seus próprios interesses.
06 – Que
acontecimento contribuiu para desencadear na localidade uma série de
comentários e palpites em torno de Bento Pereira?
A construção de uma usina hidrelétrica.
07 –
Assinale as afirmações verdadeiras com relação ao protagonista da história:
( ) Não lia os jornais nem se interessava pelo progresso da
humanidade.
(X) Gostava de usufruir dos benefícios proporcionados pela civilização.
( ) Tratava as crianças com muito carinho, delicadeza e paciência.
(X) Pensava
que o gelo, fora da geladeira, não se derretesse depressa.
( ) Não atendia os fregueses, apenas acompanhava o movimento da
loja.
08 – Como
o povo comemorou a inauguração da usina elétrica?
O povo a comemorou com uma grande festa, durante a qual houve discursos, fogos
de artifício e muita comida e bebida.
09 –
Indique o assunto a que o autor deu maior destaque na história:
(X) A
geladeira.
( ) A loja de Bento Pereira.
( ) A inauguração da usina elétrica (hidrelétrica)
10 – O
tom predominante da história de Olavo Romano é:
( ) Sério. (X)
Humorístico, divertido. ( ) Dramático.
11 – A
cena final é cômica? Por quê?
Sim, é cômica, porque o comerciante, não vendo mais os cubinhos de gelo pendurados,
pensou que os meninos os tivessem comido e urinado na porta da loja.
12 – Há
discurso direto (reprodução exata da fala das personagens) no texto? Em que
passagens do texto ocorre tal processo narrativo?
Sim, há. No segundo e terceiro parágrafos e no diálogo de um menino com Bento
Pereira.