Divulgação científica: Não há línguas primitivas – Fragmento
John Lyons
É bastante comum ouvir leigos falarem
sobre línguas primitivas, repetindo até o mito já desacreditado de que há
certos povos cujas línguas consistem apenas de umas poucas palavras
complementadas por gestos. A verdade é que todas as línguas até hoje estudadas,
não importa o quanto primitivas as sociedades que as utilizam nos possam
parecer sob outros aspectos, provaram ser, quando investigadas, um sistema de comunicação
complexo e altamente desenvolvido. Evidentemente toda a questão da evolução
cultural desde a barbárie até a civilização é em si mesma altamente
questionável. Porém não cabe ao linguista pronunciar-se sobre sua validade. O
que ele pode afirmar é que ainda não se descobriu uma correlação entre os
diferentes estágios de desenvolvimento cultural por que as sociedades passam e
o tipo de língua falado durante eles. Por exemplo, não há uma língua da Idade
da Pedra; ou, no tocante a sua estrutura gramatical geral, um tipo de língua
característico das sociedades essencialmente agrícolas por um lado, e das
modernas sociedades industrializadas, por outro.

Houve muitas especulações no século XIX
quanto ao desenvolvimento das línguas passando estruturalmente da complexidade
à simplicidade ou, alternativamente, da simplicidade à complexidade. A maior
parte dos linguistas se exime de especular sobre o desenvolvimento evolutivo
das línguas em termos tão gerais. Sabem que, se tiver havido qualquer
direcionamento na evolução linguística desde suas origens na pré-história até
os nossos dias, não há qualquer sinal de direcionamento, recuperável a partir
do estudo das línguas contemporâneas ou das do passado, das quais nos reste
algum conhecimento.
[...]
Desde o século XIX, quase todos os
linguistas, à exceção de muito poucos, abandonaram a questão da origem das
línguas por estar para sempre fora do escopo de uma investigação científica. A
razão para isso foi que, como acabamos de ver, durante o século XIX eles
notaram que, por mais longe que se voltasse na história de determinadas línguas
nos textos que duraram até nossos dias, era impossível discernir quaisquer
sinais de evolução de um estado mais primitivo para outro mais avançado.
[...]
Permanece o fato de que não só em todas
as línguas conhecidas o canal vocal-auditivo é o que é primeira e naturalmente
utilizado para a transmissão de sinais, como também todas as línguas conhecidas
são, grosso modo, igualmente complexas, no tocante à sua estrutura gramatical.
[...]
Evidentemente há diferenças consideráveis
nos vocabulários das diferentes línguas. Portanto, é possível que seja
necessário aprender uma outra língua ou pelo menos um vocabulário especializado
para que se possa estudar um assunto específico ou discorrer satisfatoriamente
sobre ele. Neste sentido uma língua pode adaptar-se melhor do que outra a
determinados fins específicos. O que não significa, entretanto, que uma seja
intrinsecamente mais rica ou pobre que a outra. Todas as línguas vivas, pode-se
presumir, são por natureza sistemas eficientes de comunicação. À medida que se
modificam as necessidades de comunicação de uma sociedade, também se modificará
a língua por ela falada, para atender às novas exigências. O vocabulário será
ampliado, seja tomando emprestadas palavras estrangeiras, seja criando-as a
partir de seus próprios vocábulos já existentes. O fato de que muitas línguas
faladas nos, por vezes, chamados países subdesenvolvidos não dispõem de
palavras correspondentes a conceitos e produtos materiais oriundos da moderna
ciência e tecnologia não implica que tais línguas sejam mais primitivas do que
as que têm tais itens. Demonstra tão-somente que certas línguas, pelo menos até
agora, não foram ainda utilizadas por aqueles que estão envolvidos no
desenvolvimento da ciência e da tecnologia.
LYONS, John. Linguagem
e linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, p. 37-40.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 138-139.
Entendendo a divulgação:
01 – Qual é o mito comum sobre
línguas primitivas que o autor busca desmistificar?
O mito comum é
que existem povos com línguas extremamente simples, consistindo de poucas
palavras e muitos gestos, e que essas línguas seriam "primitivas" em
comparação com outras.
02 – O que o autor afirma
sobre a complexidade das línguas estudadas, independentemente da cultura que as
utiliza?
O autor afirma
que todas as línguas estudadas, mesmo aquelas faladas por sociedades
consideradas "primitivas" sob outros aspectos, revelaram-se sistemas
de comunicação complexos e altamente desenvolvidos.
03 – Qual é a posição do autor
em relação à evolução cultural e sua suposta influência sobre a linguagem?
O autor questiona
a validade do conceito de evolução cultural da barbárie à civilização e afirma
que não cabe ao linguista pronunciar-se sobre isso. No entanto, ele destaca que
não há evidências de correlação entre os estágios de desenvolvimento cultural
de uma sociedade e o tipo de língua que ela fala.
04 – O que os linguistas
descobriram sobre a evolução das línguas ao longo do tempo?
Os linguistas
descobriram que, por mais que se investigue o passado de uma língua através de
textos históricos, não é possível encontrar sinais de evolução de um estado
mais primitivo para um mais avançado. Eles não encontraram nenhum
"direcionamento" na evolução linguística.
05 – Qual é a principal razão
para a maioria dos linguistas ter abandonado a questão da origem das línguas?
A principal razão
é que, como não é possível encontrar evidências de evolução linguística ao
longo do tempo, a questão da origem das línguas permanece fora do escopo da
investigação científica.
06 – Além da complexidade
gramatical, o que mais o autor destaca como característica comum a todas as
línguas conhecidas?
O autor destaca
que em todas as línguas conhecidas, o canal vocal-auditivo é o principal e
natural meio de transmissão de sinais.
07 – O que o autor argumenta
sobre as diferenças nos vocabulários das línguas e sua relação com a ideia de
línguas "mais ricas" ou "mais pobres"?
O autor argumenta
que as diferenças nos vocabulários refletem as necessidades de comunicação de
cada sociedade. Uma língua pode ser mais adaptada para discutir certos assuntos,
mas isso não significa que ela seja intrinsecamente mais rica ou pobre do que
outra. Todas as línguas vivas são sistemas eficientes de comunicação e se
adaptam às necessidades de seus falantes. A falta de palavras para conceitos
modernos em algumas línguas não indica primitividade, apenas que essas línguas
ainda não foram utilizadas por aqueles que desenvolvem a ciência e a
tecnologia.