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domingo, 17 de novembro de 2024

CRÔNICA: A ILUSÃO DO FIM DE SEMANA (FRAGMENTO) - AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - COM GABARITO

 Crônica: A ilusão do fim de semana – Fragmento

              Affonso Romano de Sant'Anna

        Há algo errado nisto.

        Onde havia florestas construímos cidades de concreto, asfalto e vidro. Aí vivemos. Ou melhor: trabalhamos. Mas como o lugar onde trabalhamos não é onde queremos viver, então no fim de semana rumamos para onde há floresta ou praia, onde, além do verde e do azul, se pode respirar.

        Chegamos. Acabamos de encostar o carro na garagem da casa de campo, fazenda ou do hotel nas montanhas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgh1wT-s0SsHVQw1QIGntN0ipkxO0siGTBAWjX4I5yW3SMVWJRFrIkDA8PmKoZtPIaTp0lyylIJ9GDe-dupdVRFXI2H3IZrNW3F5kx-i9CZkvbb7GT05pqfkma5xLkfG6SKqrqFKl-vjhZO9nZ7tgzuZVRYzeLq4vLU0npg4OPEB9hNB9o2JmaL47n7lEM/s1600/campo.jpg


        Chegar aqui não foi fácil. Duas, cinco, às vezes dez horas de engarrafamento. O verde e o azul, lá longe ainda, difíceis de alcançar. E a gente ali na estrada entalado num terrível rito de ultrapassagem.

        Mas digamos que a viagem foi normal. O simples fato de nos aproximarmos do verde já muda o clima psicológico dentro do carro. Vai ficando para trás a fuligem da cidade. E ao subir a serra começa uma descontração no diafragma. Aqueles que estavam tensos, indo para a natureza, já tornam suas frases mais macias, já começam a ficar mais amorosos. Algumas brigas de casal vão se diluindo na passagem da cidade para o campo.

        Enfim, chegamos. São desembarcadas as malas, as portas e janelas da casa e corpo se abrem e a clorofila começa a entrar pelos poros. As flores continuaram a elaborar suas cores em nossa ausência. Os pássaros continuaram a emplumar as estações. [...]

        À noite pode-se acender a lareira e ali se ficar prostrado com um copo de uísque ou vinho, uma xícara de chá ou café, olhando, olhando o fogo como um primitivo na caverna de si mesmo.

        Soa uma música ao piano, um concerto de Boccherini como se houvesse músicas fluindo diretamente do cosmos. [...]

        Todavia, essa incursão no paraíso vai acabar. O fim de semana escoou-se. Já começamos a refazer as malas e a ficar ansiosos e de mau humor. Vamos começar a descer a serra para retornar ao campo de concentração urbana. Mal sinalizadas, as estradas vez por outra nos deixam ver um cão morto no asfalto. [...]

        Aproximamo-nos da cidade. A temperatura começa a subir, um calor abafado vai grudando na pele. O mau cheiro irrita as narinas, o ruído agride os tímpanos. O ritmo do pulso é tenso e há um cruzar de buzinas, faróis, anúncios e sempre a possibilidade de uma emergente violência.

        Chegamos ao apartamento ou casa. Descarregamos tudo pelo elevador com ar de vitória e derrota. Na sala, jornais, correspondência acumulada. O dia seguinte já nos espreita na treva. Aí começaremos a fazer novos planos para fugir da cidade. Planejaremos outro feriado e contaremos quanto tempo falta para a aposentadoria.

        Há algo de errado nisto. E persistimos.

Sant”anna. Affonso Romano. Porta de colégio e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1997, p. 43-46. (Fragmento).

Fonte: Linguagem em Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 56-57.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a principal crítica social presente na crônica?

      A crônica critica a dicotomia entre a vida urbana e a vida rural, evidenciando a busca incessante do ser humano por um refúgio na natureza como forma de escapar das pressões da cidade. O autor questiona a ideia de que o fim de semana seja capaz de proporcionar um descanso verdadeiro e duradouro.

02 – Como o autor descreve a jornada para o campo?

      A jornada para o campo é descrita como um processo de transformação gradual. Á medida que se afasta da cidade, o autor percebe uma mudança no clima psicológico das pessoas, que se tornam mais relaxadas e menos tensas. No entanto, a beleza da natureza é contraposta à dificuldade em chegar até ela, com engarrafamentos e estresse.

03 – Qual é o significado da frase "O fim de semana escoou-se"?

      Essa frase simboliza a efemeridade do descanso e da paz proporcionados pela natureza. O fim de semana, assim como qualquer outro período de férias, é visto como um momento fugaz que não é capaz de solucionar os problemas da vida urbana.

04 – Como o autor retrata a volta para a cidade?

      A volta para a cidade é descrita como um choque, um retorno à realidade. O autor destaca a poluição, o ruído, a violência e o estresse como elementos característicos da vida urbana. Essa volta para a rotina é acompanhada por sentimentos de frustração e angústia.

05 – Qual é o papel da natureza na crônica?

      A natureza é representada como um refúgio, um lugar de paz e tranquilidade. No entanto, o autor questiona se a natureza é apenas uma ilusão, uma fuga temporária dos problemas da vida moderna. A natureza também serve como um símbolo daquilo que o homem perdeu ao construir as grandes cidades.

06 – Qual é a sensação geral que o autor transmite ao leitor?

      O autor transmite uma sensação de frustração e impotência diante da realidade. Ele questiona o modelo de vida atual e a busca incessante por um refúgio. A crônica evoca um sentimento de melancolia e insatisfação.

07 – Qual é a principal mensagem da crônica?

      A principal mensagem da crônica é a necessidade de refletir sobre o nosso modo de vida e buscar um equilíbrio entre a vida urbana e a vida em contato com a natureza. O autor sugere que a solução para os problemas da sociedade não está apenas em fugir para o campo, mas em transformar a cidade em um lugar mais humano e sustentável.

 

 

 

sábado, 21 de setembro de 2024

ARTIGO DE OPINIÃO: ENVELHECER - COM MEL OU FEL? AFFONSO R. SANT'ANNA - COM GABARITO

 ARTIGO DE OPINIÃO: Envelhecer – com mel ou fel?

           Affonso R. Sant'Anna

        Conheço algumas pessoas que estão envelhecendo mal. Desconfortavelmente. Com uma infelicidade crua na alma. Estão ficando velhas, mas não estão ficando sábias. Um rancor cobre-lhes a pele, a escrita e o gesto. São críticos azedos do mundo. Em vez de críticos, aliás, estão ficando cítricos sem nenhuma doçura nas palavras. Estão amargas. Com fel nos olhos.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9SJv-nUd8blr7zJf1W0PVIfN0Vk_nFk5Ze4EkKcsDASo0b7N7aOE3pK-EH3exhfDy6DhZR1OQDJKXgrIfeDKCupYGj_qxmMndtgqJtOWRh-bC2UTrhe0hmHkR5o4v-GskQBTitzDckXYKtL2R5D1M3JsMdNwXW4zZzxY6j0kMFUxm-ZUCO-p64j8cIMY/s320/IDOSO.jpg


        E alguns desses, no entanto, teriam tudo para ser o contrário: aparentemente tiveram sucesso em suas atividades. Maior até do que mereciam. Portanto, a gente pensa: o que querem? Por que essa bílis ao telefone e nos bares? Por que esse resmungo pelos cantos e esse sarcasmo público que se pensa humor?

        Isto está errado. Errado, não porque esteja simplesmente errado, mas porque tais pessoas vivem numa infelicidade abstrusa. E, ademais, dever-se-ia envelhecer maciamente. Nunca aos solavancos. Nunca aos trancos e barrancos. Nunca como alguém caindo num abismo e se agarrando nos galhos e pedras, olhando em pânico para o buraco enquanto despenca. Jamais, também, como quem está se afogando, se asfixiando ou morrendo numa câmara de gás.

        Envelhecer deveria ser como plainar. Como quem não sofre mais (tanto) com os inevitáveis atritos. Assim como a nave que sai do desgaste da atmosfera e vai entrando noutro astral, e vai silente, e vai gastando nenhum-quase combustível, flutuando como uma caravela no mar ou uma cápsula no cosmos.

        Os elefantes, por exemplo, envelhecem bem. E olha que é uma tarefa enorme. Não se queixam do peso dos anos, nem da ruga do tempo, e, quando percebem a hora da morte, caminham pausadamente para um certo e mesmo lugar – o cemitério dos elefantes, e aí morrem, completamente, com a grandeza existencial só aos sábios permitida.

        Os vinhos envelhecem melhor ainda. Ficam ali nos limites de sua garrafa, na espessura de seu sabor, na adega do prazer. E vão envelhecendo e ganhando vida, envelhecendo e sendo amados, e, porque velhos, desejados. Os vinhos envelhecem densamente. E dão prazer.

        O problema da velhice também se dá com certos instrumentos. Não me refiro aos que enferrujam pelos cantos, mas a um envelhecimento atuante como o da faca. Nela o corte diário dos dias a vai consumindo. E, no entanto, ela continua afiadíssima, encaixando-se nas mãos da cozinheira como nenhuma faca nova.

        Vai ver, a natureza deveria ter feito os homens envelhecerem de modo diferente. Como as facas, digamos, por desgaste, sim, mas nunca desgastante. Seria a suave solução: a gente devia ir se gastando até desaparecer sem dor, como quem, caminhando contra o vento, de repente, se evaporasse. E aí iam perguntar: cadê fulano? E alguém diria: gastou-se, foi vivendo, vivendo e acabou. Acabou, é claro, sem nenhum gemido ou resmungo.

Affonso Romano de Sant’Anna. Jornal do Brasil, 30 de julho de 1987.

Fonte: livro Língua e Literatura – Faraco & Moura – vol. 1 – 2º grau – Edição reformulada 9ª edição – Editora Ática – São Paulo – SP. p. 240-241.

Entendendo o texto:

01 – Qual a principal crítica do autor ao modo como algumas pessoas envelhecem?

      O autor critica o rancor, a amargura e a negatividade que algumas pessoas demonstram ao envelhecer, em vez de abraçar a sabedoria e a serenidade que a idade pode trazer.

02 – Qual a imagem ideal de envelhecimento apresentada pelo autor?

      A imagem ideal apresentada é a de um envelhecimento tranquilo, sereno, como o de um elefante caminhando para a morte com sabedoria ou de um vinho que amadurece e ganha sabor com o tempo.

03 – Por que o autor compara o envelhecimento ao processo de amadurecimento de um vinho?

      A comparação com o vinho serve para ilustrar como o envelhecimento pode ser um processo de aprimoramento, em que a experiência e a maturidade agregam valor e profundidade à vida.

04 – Qual a função da metáfora da faca no texto?

      A metáfora da faca representa um envelhecimento ativo e útil, em que o objeto se desgasta com o uso, mas mantém sua função e eficiência.

05 – Qual a diferença entre o envelhecimento comparado a uma faca e o envelhecimento comparado a um objeto que enferruja?

      O envelhecimento como uma faca representa um processo de desgaste gradual, mas que mantém a utilidade do objeto, enquanto o envelhecimento como um objeto que enferruja simboliza a perda de função e a deterioração.

06 – Qual a visão de mundo transmitida pelo autor através do texto?

      O autor transmite uma visão otimista e serena sobre a vida, defendendo a ideia de que o envelhecimento pode ser uma fase rica em experiências e aprendizados.

07 – Qual a importância da aceitação da morte na visão do autor sobre o envelhecimento?

      A aceitação da morte é fundamental para um envelhecimento tranquilo e sereno, pois permite que a pessoa viva o presente de forma plena e sem medos.

08 – Quais os principais recursos linguísticos utilizados pelo autor para construir sua argumentação?

      O autor utiliza metáforas, comparações e exemplos para tornar sua argumentação mais clara e persuasiva.

09 – Qual a estrutura argumentativa do texto?

      O texto apresenta uma estrutura argumentativa clara, com a apresentação de uma tese inicial (a importância de envelhecer bem), seguida de exemplos e argumentos que a sustentam.

10 – Qual o efeito da repetição de palavras e expressões no texto?

      A repetição de palavras e expressões como "envelhecer", "sábio" e "amor" reforça a ideia central do texto e cria um ritmo que envolve o leitor.

 

 

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

POEMA: CATANDO OS CACOS DO CAOS - AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA - COM GABARITO

 Poema: Catando os cacos do caos

Affonso Romano de Sant’Anna

Catar os cacos do caos, como quem cata no deserto
o cacto - como se fosse flor.
Catar os restos e ossos da utopia, como de porta em porta
o lixeiro apanha detritos da festa fria e pobre no crepúsculo se aquece na fogueira erguida com os destroços do dia.

Catar a verdade contida em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas, no pelo - do dia cão.

Recortar o sentido, como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso com a inconsútil emenda
à vista.

Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.

Catar os cacos de Dionísio e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido beber o vinho, ou sangue vertido.

Catar os cacos de Orfeu partido, pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer o fígado - como era antes.

Catar palavras cortantes no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras o brilho do diamante.

É um quebra-cabeça? Então de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada deixar gravada a emoção

Cacos de mim, Cacos do não, Cacos do sim, Cacos do antes
Cacos do fim

Não é dentro nem fora, embora seja dentro e fora
no nunca e a toda hora, que violento o sentido nos deflora.

Catar os cacos do presente e outrora e enfrentar a noite
com o vitral da aurora

                                            Affonso Romano de Sant’Anna

Entendendo o poema:

01 – De que se trata o poema?

      Trata-se de retalhos de vida que passamos a construir das peças que sempre sobram... como são cacos têm arestas e nem sempre é fácil encaixá-los no lugar certo.

02 – Na primeira estrofe o eu lírico fala em catar cacos, de onde?

      Mostra que o cacos se intensifica nos cacos. São estilhaços da alma espalhados no cotidiano.

03 – Por que o eu lírico evoca o precioso gesto de catar?

      Catar é juntar, é ultrapassar barreiras, incômodos fortalezas, cactos. Verter cacto em flor.

04 – Utopias invadem as almas em momentos aflitos, e como seria catar os restos da utopia?

      É dar voz ao coração regado pela liberdade, e a liberdade está nas palavras.

05 – Nos versos: “Catar os cacos de Dionísio e Baco, no mosaico antigo / e no copo seco erguido beber o vinho, ou sangue vertido.”. O eu lírico nesses versos cita o copo erguido, por quê?

      Talvez Dionísio e Baco estavam clamando pelo vinho, o vinho da concórdia, da audácia poética, necessária para que o mundo se reencontre na poesia.

 

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

POEMA: A PESCA - AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - COM GABARITO

 Poema: A pesca 

  Affonso Romano de Sant'Anna

O anil
O anzol
O azul

O silêncio
O tempo
O peixe

A agulha
vertical
mergulha

A água
A linha
A espuma

O tempo
O peixe
O silêncio

A garganta
A âncora
O peixe

A boca
O arranco
A rasgão


Aberta a água
Aberta a chaga
Aberto o anzol

Aquelíneo
Ágil-claro
Estabanado

O peixe
A areia
O sol.

                                              SANT’ANNA, Affonso Romano de. Poesia sobre poesia. Rio de Janeiro, Imago, 1975. p.145.

                                 Fonte: Livro – Português – 5ª Série – Linguagem Nova – Faraco & Moura – Ed. Ática -  2002 – p. 183.

Entendendo o poema:

01 – Qual o tema retratado no poema?

         De uma pescaria, desde sua preparação até pescar o peixe.

02 – Podemos afirmar que o poema retrata uma sequência de acontecimentos ou uma cena estática? Justifique.

       Sim, retrata uma sequência de acontecimentos. O começo do dia, a preparação; depois – à espera do peixe; e em seguida – o movimento da agulha dentro d’água, e assim por diante.

03 – Qual é a forma verbal usada para expressar ações?

         Presente do Indicativo

 04 - No poema a sequência dos versos procura reproduzir as ações envolvidas no ato de pescar. No entanto, há apenas um verbo. Identifique-o.

O verbo é mergulha.

05 - Que classes de palavras predominam no poema? Que efeito se obtêm com esse predomínio?

Substantivos. Um efeito de palavras soltas.

06 - Cada estrofe ou conjunto de estrofes representa um momento da pescaria. Identifique-o

  1° a 2° estrofe: Ele está se preparando para jogar a isca (começando a pescar);
    3° e 4° estrofe: Ele joga a linha na água;
    5° estrofe: Ele está esperando o peixe vir para pegar a isca;
    6° e 7° estrofe: Ele consegue pegar o peixe;
    8° e 9° estrofe: Ele tira o peixe do anzol e o peixe, se estabanando;
    10° estrofe: O peixe, enfim, pula pra areia.

07 - A penúltima estrofe é formada por adjetivos. Indique quais deles remetem à ideia de movimento e explique a importância desse traço para o poema.

Ágil-claro e estabanado. Pelo simples fato de ser passar a ideia de que o peixe está se debatendo para se libertar do homem.

08 -  A palavra aquelíneio não faz parte do léxico português. Em comparação com longilíneo (''de forma longa e fina''), que significado é possível atribuir a ela?

Significa: de forma, podemos dizer, de forma "aquática" e fina.

 

domingo, 27 de setembro de 2020

CRÔNICA: ASSALTOS INSÓLITOS - AFFONSO ROMANO SANTANNA - COM GABARITO

 CRÔNICA: ASSALTOS INSÓLITOS

                          Affonso Romano Santanna

   Assalto não tem graça nenhuma, mas alguns, contados depois, até que são engraçados. É igual a certos incidentes de viagem, que, quando acontecem, deixam a gente aborrecidíssima, mas depois, narrados aos amigos num jantar, passam a ter sabor de anedota.  

   Uma vez me contaram de um cidadão que foi assaltado em sua casa. Até aí, nada demais. Tem gente que é assaltada na rua, no ônibus, no escritório, até dentro de igrejas e hospitais, mas muitos o são na própria casa. O que não diminui o desconforto da situação.

   Pois lá estava o dito-cujo em sua casa, mas vestido em roupa de trabalho, pois resolvera dar uma pintura na garagem e na cozinha. As crianças haviam saído com a mulher para fazer compras e o marido se entregava a essa terapêutica atividade, quando, da garagem, vê adentrar pelo jardim dois indivíduos suspeitos.

   Mal teve tempo de tomar uma atitude e já ouvia:

   — É um assalto, fica quieto senão leva chumbo.

   Ele já se preparava para toda sorte de tragédias quando um dos ladrões pergunta:

   — Cadê o patrão?

  Num rasgo de criatividade, respondeu:

   — Saiu, foi com a família ao mercado, mas já volta.

   — Então vamos lá dentro, mostre tudo.

   Fingindo-se, então, de empregado de si mesmo, e ao mesmo tempo para livrar sua cara, começou a dizer:

   — Se quiserem levar, podem levar tudo, estou me lixando, não gosto desse patrão. Paga mal, é um pão-duro. Por que não levam aquele rádio ali? Olha, se eu fosse vocês levava aquele som também. Na cozinha tem uma batedeira ótima da patroa. Não querem uns discos? Dinheiro não tem, pois ouvi dizerem que botam tudo no banco, mas ali dentro do armário tem uma porção de caixas de bombons, que o patrão é tarado por bombom.

   Os ladrões recolheram tudo o que o falso empregado indicou e saíram apressados. Daí a pouco chegavam a mulher e os filhos. Sentado na sala, o marido ria, ria, tanto nervoso quanto aliviado do próprio assalto que ajudara a fazer contra si mesmo.

 

SANTANNA Affonso Romano. PORTA DE COLÉGIO E OUTRAS CRÔNICAS São Paulo: Ática 1995.

(Coleção Para gostar de ler.)

1)  O texto – Assaltos insólitos – pertence a que gênero textual:

a) conto                  b) crônica                  c) carta            d) notícia

 

 2) No texto a expressão “Pois estava o dito-cujo em sua casa” o termo destacado indica:

a) tempo            b) modo               c) causa                                 d) lugar

 

3) O dono da casa livra-se de toda sorte de tragédias, principalmente, porque

     a) aconselha a levar o som.

     b) mostra os objetos da casa.

     c) mente para os assaltantes.

     d) conta os defeitos do patrão.

     e) fazia sua atividade terapêutica.

 

4) A finalidade do texto é

    a) advertir sobre os possíveis lugares em que ocorrem assaltos.

    b) relatar um fato incomum ocorrido com um cidadão.

    c) expor uma opinião sobre um assunto sério.

    d) instruir o leitor como evitar uma tragédia.

    e) fazer o leitor refletir sobre um assalto.

 

5) No trecho “e o marido se entregava a essa terapêutica atividade”, a expressão destacada substitui

    a) fazer compras.

    b) ir no mercado.

    c) narrar anedotas.

    d) pintar a casa.

 

6) No texto, a expressão “-Paga mal, é um pão-duro” indica uma linguagem

    a) formal.

    b) técnica.

    c) regional.

    d) informal.

 

7) É exemplo de linguagem formal, no texto

    a) “dito-cujo”

   b) “adentrar”

   c) “pão-duro”

   d) “botam”

8) O texto “Assaltos insólitos” é uma crônica porque

   a) expressa a opinião de um jornal ou de uma revista sobre um assunto da atualidade.

   b) apresenta relatos de fatos com acréscimo de entrevistas e comentários.

   c) retrata acontecimentos do cotidiano com caráter crítico.

  d) sua função principal é a de divulgar uma informação visualmente.

  e) apresenta uma moral no final do texto.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

CRÔNICA: BARROCO, ALMA DO BRASIL - AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - COM GABARITO -

Crônica: Barroco, Alma do Brasil
           
 Affonso Romano de Sant’Anna

        Já se disse airosamente que o futebol brasileiro, com suas improvisações e dribles surpreendentes, teria algo a ver com o Barroco. As pernas tortas de Garrincha, a instabilidade que provocava no adversário, o improviso rápido e fulminante de Pelé ou as circunvoluções de Tostão marcaria um tipo de jogo oposto ao futebol-força praticado modernamente. Mas a encenação que, resumindo a alma brasileira, reúne espetacularmente as contradições barrocas é o desfile do carnaval na avenida.
        O carnaval carioca, congregando esculturas populares, música e dança, constitui-se numa ópera barroca e popular, numa grande procissão profana, numa exibição do triunfo da premonição dionisíaca e apocalíptica de que ‘‘tudo vai acabar na quarta-feira.’’
        Se fizéssemos uma coleta das afirmativas e alusões feitas nos últimos anos sobre a alma brasileira e o barroco seria um não acabar. (...) Roger Bastide, que veio ao Brasil dar uns cursos e acabou passando aqui a maior parte de sua vida, via em nossas florestas a continuação dos templos barrocos.
                            Affonso Romano de Sant’Anna. “Barroco, alma do Brasil”. Rio de Janeiro, Bradesco Seguros / Comunicação Máxima, 1997. p. 202.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 140-1.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com a crônica, qual o significado das palavras abaixo:
·        Airoso: Gentil, honroso.

·        Circunvolução: Movimento à volt de um centro; contorno sinuoso; saliência ondulada; voltas da coluna torcida.

·        Congregar: Reunir.

·        Profana: O que não é sagrado ou é contrário ao respeito devido às coisas sagradas.

·        Memento Mori: ‘‘lembra-te de que deves morrer’’.

·        Premonição: Aviso, pressentimento.

·        Dionisíaco: Cuja natureza é semelhante ao deus grego da alegria e do vinho.

02 – Para caracterizar a alma barroca do Brasil, o cronista utiliza algumas comparações que aproximam o futebol da arte barroca. Escreva em seu caderno as correlações que ele estabelece entre os fatos futebolísticos a seguir e o Barroco.
a)   A instabilidade que Garrincha provoca nos adversários.
Ao contrário da arte renascentista, o Barroco reflete os conflitos, a desarmonia e o desequilíbrio da época.

b)   As circunvoluções de Tostão.
A arquitetura barroca caracteriza-se pela profusão de formas e ornamentos; nos textos, a ordem inversa torna o discurso suntuoso.

03 – Ao referir-se às pernas tortas de Garrincha, o cronista também realiza uma associação com a arquitetura barroca. Veja a foto de um chafariz e explique esta associação.
      O chafariz possui ornamentos curvos, sinuosos.

04 – O Barroco é fruto da tentativa de conciliação entre o espiritualismo medieval (teocêntrico) e o humanismo renascentista (antropocêntrico), do que resultou o chamado “jogo dos” e a profusão de antíteses e paradoxos. Para o cronista, de que maneira este elemento estaria presente na alma brasileira?
      Através do carnaval.

05 – “A vida é passageira”, dizia o homem barroco. Essa consciência da transitoriedade da vida, relacionada à presença da morte e da degradação física e moral é outra característica do Barroco. Que verso citado pelo cronista retoma a ideia da frase latina “lembra-te de que deves morrer”, justificando assim a tolerância aos excessos do carnaval?
      “Tudo vai acabar na quarta-feira”.


quinta-feira, 9 de maio de 2019

POEMA: O LEITOR E A POESIA - AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - COM GABARITO

Poema: O Leitor e a Poesia
              Affonso Romano de Sant´Anna

Poesia
não é o que o autor nomeia,
é o que o leitor incendeia.

Não é o que o autor pavoneia,
é o que o leitor colhe à colmeia.

Não é o ouro na veia,
é o que vem na bateia.

Poesia
não é o que o autor dá na ceia,
mas o que o leitor banqueteia.


Affonso Romano de Sant´Anna. Melhores poemas. 3. ed. Seleção de
Donaldo Schuler. São Paulo: Global, 1997. p. 150.

Entendendo o poema:

01 – O poeta faz uma reflexão sobre o que é a poesia, tradicionalmente vista como fruto da criatividade ou da inspiração do poeta. Observe os versos em que o eu lírico diz o que a poesia não é, e os versos em que ele diz o que a poesia é.
a)   Em síntese, o que o eu lírico nega na definição de poesia?
Nega que a poesia seja aquilo que o poeta pensa ou o que ele pretende comunicar.

b)   O que o eu lírico afirma que é a poesia?
A poesia é o que nasce efetivamente do contato entre o poema e o leitor.

c)   Que novidade reside nesse conceito de poesia, considerando-se a visão tradicional?
A novidade está na inclusão do leitor como elemento constitutivo do poema. De acordo com o poema o leitor tem papel fundamental na consolidação dos sentidos do poema.

02 – De acordo com o poema, poesia é “o que o leitor incendeia”, “O que o leitor banqueteia”, “o que vem na bateia”. Que interpretação pode ser dada a essas definições de poesia?
      De acordo com o poema, a verdadeira poesia é colhida pelo leitor, como se ele fosse um garimpeiro. A poesia de verdade é aquela que é capaz de “incendiar” o leitor, isto é, estimular sua inteligência e sua sensibilidade e satisfazê-lo plenamente, como se ele estivesse num banquete.

03 – O poema é constituído por meio de paralelismos (estruturas de repetição) sintáticos e semânticos. Observe a estrutura destes dois versos: “Poesia. Não é o / que o autor nomeia”
             “Poesia. Não é o / que o leitor incendeia”.
a)   A que classe gramatical pertencem as palavras o e que nesses dois versos?
O: pronome demonstrativo (equivalente a aquilo). Que: pronome relativo.

b)   Qual é a função sintática dessas palavras nesses versos?
O: predicativo do sujeito. Que: objeto direto.

04 – Observe que tanto o pronome relativo quanto a oração adjetiva têm fundamental importância na construção dos sentidos do poema.
a)   Como se classificam as orações adjetivas empregadas no texto?
Orações subordinadas adjetivas restritivas.

b)   Considerando o tema e a finalidade do poema, responda: Por que as orações adjetivas foram empregadas com tanto destaque?
Como o objetivo do poeta é definir o que é poesia, é natural que empregue expressões apropriadas para indicar características, como adjetivos ou orações adjetivas. No caso, ele optou por orações adjetivas.


sábado, 10 de março de 2018

CRÔNICA: BILHETE AO FUTURO - AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - COM GABARITO

Bilhete ao Futuro

Bilhete ao Futuro de Affonso Romano de Sant´Anna.

        Bela ideia essa de Cristóvam Buarque, ex-reitor da Universidade de Brasília e ex-ministro da Educação, de pedir às pessoas do nosso país que escrevessem um “bilhete ao futuro”. O projeto teve a intenção de recolher, no final dos anos 80, no século passado, uma série de mensagens que seriam abertas em 2089, nas quais os brasileiros expressariam suas esperanças e perplexidades diante do tumultuado presente do fabuloso futuro.
        Oportuníssima e fecunda ideia.
        Ela nos colocou de frente ao século XXI, nos incitou a liquidar de vez o século XX e a sair da hipocondria político-social. Pensar o futuro sempre será um exercício de vida.
        O que projetar para amanhã? (...)

Entendendo o texto:

01 – Os dois parágrafos acima fazem parte do texto cujo autor é Affonso Sant’Anna. Esse tipo de produção textual é chamado de crônica, porque:
a) defende um tema.
b) tenta ludibriar o leitor.
c) faz o registro do dia-a-dia.
d) conta uma história antiga.
e) exalta as belezas do país amado.

02 – O acontecimento que originou esse texto está relacionado:
a) à promoção do reitor da Universidade de Brasília.
b) à realização do reitor como mestre da Universidade de Brasília.
c) ao pedido feito pelo reitor da Universidade às pessoas de Brasília.
d) à liquidação dos problemas do século XX.
e) ao pedido feito pelo ex-reitor da Universidade de Brasília aos brasileiros.

03 – Segundo o cronista, o bilhete ao futuro:
a) incitaria as pessoas a “sair da hipocondria político-social”.
b) incitaria as pessoas à revolta social e política no presente e no futuro.
c) incitaria as pessoas a liquidarem de vez com as ideias do século XX e do século XXI.
d) incitaria as pessoas a escreverem mensagens de desilusão.
e) incitaria as pessoas a se comunicarem por bilhetes, algo incomum nos dias atuais.

04 – Segundo o cronista:
a) futuro jamais deverá ser pensado pelos hipocondríacos político-sociais.
b) o amanhã é algo imprevisível; sempre haverá momentos tumultuados.
c) o estímulo à fuga da hipocondria político-social seria a oportunidade que a redação do bilhete oferece.
d) o povo não queria se comprometer com as políticas sociais da década.
e) a população tinha muita dificuldade para redigir o bilhete do futuro.

05 – A frase que exprime a conclusão do cronista sobre o significado de escrever um bilhete ao futuro é:
a) “O futuro e o presente só interessam ao passado.”
b) “O passado é importante e, no futuro, seja o que Deus quiser.”
c) “O presente é hoje e não é necessário preocupação com o futuro.”
d) “Pensar o futuro é um exercício de vida.”
e) “O futuro, a gente deixa para pensar amanhã.”

06 – As mensagens que as pessoas enviariam ao futuro são representadas, no texto, pelas palavras:
a) belezas e possibilidades
b) esperanças e perplexidades
c) angústias e esperanças
d) realizações e lembranças
e) frustrações e melancolias

07 – O tratamento adequado para se referir ao reitor de uma Universidade é:
a) Ilustríssimo Senhor
b) Vossa Magnificência
c) Excelentíssimo Senhor
d) Vossa Senhoria
e) Vossa Excelência

08 – As duas vírgulas que aparecem na primeira frase foram empregadas para expressar uma:
a) explicação
b) contrariedade
c) adversidade
d) enumeração
e) oposição.

09 – Um ser humano que sofra de hipocondria, segundo o texto, e considerando o sentido conotativo, é assim conhecido por:
a) apresentar obesidade descontrolada
b) possuir seríssimos  problemas de saúde
c) ser extremamente romântico
d) isolar-se socialmente
e) ser dependente de medicamentos.

10 – O pronome ela, destacado no texto, relaciona-se à palavra:
a) mensagem
b) hipocondria
c) esperança
d) intenção
e) ideia.