Crônica: Invasão na Chaminé
Walcyr Carrasco
UM DOS MEUS MAIORES DESEJOS era acender a
lareira. Tenho uma na chácara. Sou apaixonado pelo fogo. Pelas chamas
tremulando. Pelas cores. A maior parte do ano tenho de me contentar em observar
um resto de cinzas. Meses atrás estava deitado no sofá, lendo um policial. Um
dos meus vícios é gostar de mistério. O livro pode ser horrendo, mas vou até o
fim, mesmo descobrindo na primeira página o final da história. Nessa noite,
justamente quando o serial killer estava prestes a assassinar sua nova vítima
em um mar de sangue, ouvi ruídos na chaminé.
— Será impressão? — disse para mim mesmo, sabendo perfeitamente que não era.
O barulho aumentou. Pareciam pés raspando no
duto. Só Papai Noel tem o hábito desconfortável de entrar nas casas pelo
telhado e não pelas portas. Mania que, certamente, só Freud explica. Estava
longe do Natal. Que poderia ser? Um serial killer entrando pela chaminé, com um
facão erguido? Por que se dar a tanto trabalho se a casa estava inteiramente
aberta? Bem, assassinos de romances e filmes americanos têm essas
originalidades. Arrepiei. Um serial killer de Nova York estaria prestes a pular
dentro de minha sala? A troco do quê? Os ruídos aumentaram ainda mais. Corri a
chamar o caseiro. Quando veio, expliquei o mais calmamente possível:
— Há alguém na chaminé. Entre na lareira e veja
quem é.
Por que ele e não eu? Pelo simples motivo de
que ele é ele e eu sou eu!
Horrorizado, arriscou:
— E se for o Conde Drácula acordando, agora que
escureceu?
Refleti. Que mau gosto! Se eu fosse um vampiro,
encontraria acomodação melhor. Um túmulo bem quentinho. Ou o cofre de um banco
com cédulas confortáveis para deitar em cima! Mano, o caseiro, resolveu acender
a lareira.
— Seja o que for, a gente espanta com fogo e
fumaça.
Meu sonho de contemplar as chamas finalmente
realizado?
Não exatamente. Era uma noite de verão. Mal a
lenha começou a queimar, meu cérebro já estava derretendo. Segundos depois, um,
bando de morcegos saiu voando pela chaminé. Bateram as asas que nem loucos pela
sala. Eu e o caseiro corremos, enquanto os morcegos tentavam fugir das
lâmpadas. Era óbvio. A chaminé se transformara no lar dos voadores!
— Viu só? Não era o Drácula. Só seus filhos! —
comentei.
No dia seguinte fiscalizei o caseiro enquanto
ele despejava os restantes. Minha amiga Lalá reclamou:
— É um absurdo. Os morcegos são fundamentais
para o equilíbrio ecológico.
— Por isso não. Boto todos em uma gaiola e
mando para 'sua casa — ofereci.
Ela silenciou, estrategicamente.
Finalmente, nas últimas semanas, esfriou! Voei
para a chácara. No caminho, comprei um saco de lenha.
— Acenda a lareira, Mano! — ordenei ao caseiro.
Deitei-me, pronto para desfrutar o calor. A
sala ficou cheia de fumaça.
— E lenha verde! — explicou ele. — Não queima,
só...
— ...faz fumaça! — completei tossindo, enquanto
corria para a varanda.
O pobre
Mario ficou abanando a sala. Duas noites depois, encontramos lenha seca.
Convidei uns amigos.
— Vamos tomar um vinho diante da lareira.
Sentamos. O fiel Mano botou fogo. As chamas se
elevaram, majestosas.
Imediatamente, ouvi... piu, piu!
— Morcegos de novo? Mas morcego pia?
Um bando de andorinhas voou para dentro da
sala. Tinham tomado posse da chaminé, que devia estar obstruída no alto! Uma
delas queimou algumas penas no fogo e caiu. Minha amiga Vera gritou.
-— Salvem, salvem! Apaguem o fogo!
Pegou a andorinha na mão. Gorjeou, para fazer
amizade. A pobre ave parecia mais aterrorizada. Atravessar as chamas e ainda
ter de ouvir uma mulher daquele tamanho piando devia ser demais.
-— Como você pôde acender a lareira com as
andorinhas dentro? — brigou Vera.
— Mas eu... eu... — quis argumentar.
Pegou o marido pelo braço e partiu com a
andorinha. Soube que está sendo tratada melhor que um beija-flor. Já foi ao
veterinário. Acabará em um cabeleireiro para arrumar "as penas queimadas.
Quem sabe vai botar peruca!
Quanto à lareira, desisti. Continuo olhando as cinzas. Leio romances policiais e ouço ruídos aterrorizantes. Minha chaminé foi invadida outra vez. O que pode sair voando, se eu acender de novo? Um pterodáctilo? Melhor não saber. Que vença a vida.
Entendendo o texto
01. O que despertou o desejo do autor na crônica
"Invasão na Chaminé"?
A) Ler um romance policial.
B) Acender a lareira.
C) Observar as cinzas.
D) Ouvir ruídos misteriosos.
02. Como o autor
descreve sua paixão pelo fogo na crônica?
A) Pelos sons misteriosos.
B) Pelas chamas tremulando.
C) Pela presença do caseiro.
D) Pelas cores da lareira.
03. Quem o autor
inicialmente suspeita ser o invasor da chaminé?
A) Papai Noel.
B) Serial killer.
C) Caseiro.
D) Conde Drácula.
04. Por que o autor
decide chamar o caseiro para verificar a chaminé?
A) O caseiro é corajoso.
B) O autor tem medo de enfrentar o
invasor.
C) O caseiro é fã de vampiros.
D) O autor está ocupado lendo.
05. O que é
encontrado na chaminé quando a lareira é acesa pela primeira vez?
A) Lenha seca.
B) Morcegos.
C) Andorinhas.
D) Serial killer.
06. Qual é a reação
da amiga Lalá em relação aos morcegos?
A) Ela os
considera fundamentais.
B) Ela os quer em uma gaiola.
C) Ela os acha assustadores.
D) Ela os ignora.
07. Por que a sala
fica cheia de fumaça na segunda tentativa de acender a lareira?
A) Lenha verde.
B) Lenha seca.
C) Andorinhas.
D) Morcegos.
08. O que acontece
quando finalmente conseguem acender a lareira na presença dos amigos?
A) Chaminé é obstruída.
B) Morcegos invadem.
C) Andorinhas voam para dentro.
D) Todos se queimam.
09. Como a amiga
Vera reage à situação das andorinhas na lareira?
A) Fica feliz.
B)
Grita para apagar o fogo.
C) Pega uma andorinha na mão.
D) Ri da situação.
10. O que o autor
decide fazer em relação à lareira no final da crônica?
A) Continua tentando acender.
B) Desiste de acender.
C) Chama um profissional.
D) Transforma a chaminé em lar dos
morcegos.
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