CRÔNICA: Só quero um presente
Rubem Alves
Minhas
netas: no dia 15 o vô ficou mais velho. Bobagem, porque a gente envelhece o tempo todo; o tempo não para; é como o
rio. Só que a gente não percebe. Mas aí chega um dia que faz a gente parar e
prestar atenção: o dia do aniversário. No dia do aniversário a gente diz:
“Passou mais um ano da minha vida”. É o dia quando os números mudam. Quando me
perguntam: “Qual é a sua idade?” – eu respondo: “67”. Mas depois do dia 15 a
resposta é “68”.
Vocês
crianças, quando pensam em aniversário, dão risada e ficam felizes. Aniversário é dia de festa e presentes.
Toda criança quer que o tempo passe depressa para ficar mais velha, deixar de
ser criança e ficar adulta. Acham que ser criança é coisa ruim, porque crianças
não são donas do seu nariz, não fazem o que querem. Bom mesmo é ser grande. Os
grandes fazem o que querem e não precisam pedir permissão. Criança é passarinho
sem asas. Adulto é passarinho com asas: voam bem alto e vão aonde as crianças
não podem ir. No dia do aniversário as crianças olham para frente: imaginam que
está chegando o dia quando elas terão asas e poderão voar.
Os
grandes, no dia do aniversário, olham para trás. Eles têm saudades do tempo em
que eram crianças. É só depois que a gente deixa de ser criança que a gente
descobre que ser criança é muito bom.
Explico
de outro jeito. Imaginem que vocês vão fazer uma viagem. A felicidade da viagem
começa antes da viagem. A gente examina mapas, lê artigos sobre os lugares que
vão ser visitados, conversa com amigos que já foram, olha fotografias. E só de
imaginar fica feliz.
Depois
de feita a viagem é diferente. A felicidade ficou para trás. Só resta ver as
fotos e conversar…
Criança
é quem ainda não viajou e fica feliz imaginando a viagem. Viagem imaginada é
sempre feliz. Adulto é quem já viajou e fica feliz olhando as fotos da viagem.
Foi
por isso que resolvi mexer numa caixa de fotografias velhas – fotografias do tempo em que eu era
menino. Foi o tempo mais feliz da minha vida. Caí muitas vezes, cortei o pé com
cacos de vidro (eu andava sempre descalço), me espetei com espinhos e pregos,
cortei a mão com faca e serrote, fiquei doente, tive dor de dente, me queimei
(eu vivia correndo; entrei correndo na cozinha e dei uma topada com a
cozinheira que carregava uma panela de água fervente. A panela virou, a água
fervente entornou no meu braço e peito; doeu muito; fiquei todo empolado),
martelei o dedo, fui picado por marimbondos e abelhas, pus a mão em taturanas,
caí de árvores, senti muita dor. Mas as dores passavam logo. E a alegria
voltava. Fui um menino sempre alegre. Tudo no mundo me encantava. Menino, eu
não imaginava que, um dia, eu seria velho…
Pois
esse dia chegou. Meu aniversário me diz que agora sou velho. Ser velho tem
vantagens. Uma delas é ser avô. Se eu fosse jovem não seria avô, não teria
netas. E não estaria escrevendo agora pensando em vocês – porque vocês não
existiriam. Houve um tempo em que vocês não existiam. Vocês só existem porque
eu deixei de ser criança e fiquei velho. Vocês são, para mim, um motivo de
alegria.
[...]
Não
quero presentes comprados. Não preciso de nada. Um presente que vocês, minhas
netas, e os meus filhos, me poderiam dar é simples: ler as coisas que eu
escrevo. Cada coisa que eu escrevo – quero que cada uma delas seja gostosa como
um morango vermelho… Escrevo para dar felicidade.
Quero
que vocês sejam felizes.
ALVES, Rubem. Só quero um
presente. In: Quando eu era menino. Campinas: Papirus, 2003.
Entendendo o texto
01. Sobre qual assunto cotidiano a crônica trata?
Sobre as reflexões de um avô diante
do aniversário e da percepção do próprio envelhecimento.
02. Segundo o cronista, qual é a principal diferença
entre a criança e o adulto no dia do aniversário?
A criança
deseja que o tempo passe depressa para ficar adulta. Já os adultos sentem saudade
do tempo em que eram crianças.
03. Assinale (V) para as afirmativas verdadeiras e (F)
para as falsas.
( F ) O
cronista deseja um presente bem caro.
( V ) O
cronista pensa que a velhice tem suas vantagens, uma delas é ser avô.
( V ) As
netas são motivo de alegria para o cronista.
04. Considerando o desfecho da crônica, explique o
sentido do título.
O título “Só quero um presente” faz
referência ao pedido de presente de aniversário do avô, destacado no desfecho
da crônica: ele deseja que suas netas sejam felizes.
05. Leia os trechos e responda às questões.“[...] o
tempo não para; é como o rio.”
a.
Quais elementos são
comparados?
O tempo e o rio.
b.
Explique em que
consiste a comparação feita.
Tanto o
tempo quanto o rio têm como característica comum o fato de nunca pararem.
06. Leia o trecho e responda às questões.
(A) Criança
é passarinho sem asas.
(B) Adulto
é passarinho com asas: voam bem alto e vão aonde as crianças não podem ir.
a. Que elementos são comparados implicitamente em cada trecho?
A: crianças e passarinho sem asas;
B: adulto e passarinho com asas.
b. Explique em que consiste a comparação feita.
As asas são elementos
empregados para se referir à condição de liberdade. Assim, as crianças ainda
não se sentem livres, enquanto os adultos, sim.
c. Que efeito essa comparação implícita garante ao texto?
O emprego de
metáfora garante mais poeticidade e expressividade ao texto.
07. A crônica lida tem a finalidade de promover:
a.
o humor.
b.
a ironia.
c.
a
reflexão.
d.
a crítica.
08. Considerando
a crônica lida, é possível afirmar que ela pretende levar o leitor a concluir
que:
a.
a infância é a fase
mais importante da vida.
b.
a fase adulta é a
fase mais importante da vida.
c.
a velhice é a fase
mais importante da vida.
d.
todas as
fases da vida são importantes.