Prefácio: Poema-piada – Fragmento
Gregório Duvivier
Em 2017, a Ubu
lançou Poema-piada: breve antologia de poesia engraçada, organizada por
Gregório Duvivier. Este é o prefácio do livro, escrito pelo organizador, que
fala sobre a relação entre humor e poesia.
À primeira vista, o poeta e o humorista
pertencem a mundos diversos. O poeta-albatroz vê o mundo como o Google Earth:
do alto do satélite ou da torre de marfim. O céu é do poeta — como o chão é do
humor.
O humorista, ao contrário, vive na lama
— ou na sarjeta. Mendigo, bêbado ou caipira, o humorista tradicional é aquele
que enxerga o mundo sem qualquer transcendência ou metafísica. Tudo merece, pra
ele, a mesma quantidade de falta de respeito. Entre transcendência e imanência,
nuvens e sarjeta, céu e chão, a poesia e a piada não se encontrariam nunca,
como duas retas paralelas.
Mas pra isso é preciso entender poesia
de uma forma muito estrita – pra não dizer chata. A ideia de que a poesia fala
de temas mais nobres que a prosa, ou de que o poeta é um ser iluminado (ou, pra
usar um termo atual: diferenciado), acabou junto com a tuberculose. A torre de
marfim deu lugar a uma quitinete na praça Roosevelt.
A graça, por sua vez, deixou de ser
sinônimo de distração e passou a ser pensada, cada vez mais, como “cosa
mentale”, um exercício de inteligência — como as outras artes. Ainda há, claro,
quem ache que a poesia humorística é um gênero menor — “sorte a nossa”, dizia o
Antônio Candido sobre a crônica, “assim ela fica mais perto da gente”.
[...]
DUVIVIER, Gregório
(Org.). Prefácio. In: Poema-piada: breve antologia da poesia engraçada. São
Paulo: Ubu Editora, 2017.
Fonte: Língua
Portuguesa – Estações – Ensino Médio – Volume Único. 1ª edição, São Paulo, 2020
– editora Ática – p. 103-4.
Entendendo o prefácio:
01 – Você gosta de poesia? E
de piada? Acha possível aproximar piada e poesia?
Resposta pessoal
do aluno.
02 – Por que Duvivier afirma
que os poetas veem o mundo do alto do satélite ou da torre de marfim? A que
tipo de estereótipo essa afirmação faz referência?
A ideia de que os
poetas veem o mundo de cima está relacionada a uma concepção de que a pessoa
trata de dilemas existenciais e de temas sublimes e profundos, como o amor e a
morte. Essa afirmação faz referência ao estereótipo do poeta como um ser iluminado,
superior às outras pessoas, guiado por uma inspiração divina.
03 – Segundo o autor, o
humorista vive na lama, na sarjeta. O que isso significa?
Duvivier diz que
o humorista vive na lama, na sarjeta, porque, ao contrário do poeta, fala de
temas ordinários e, por vezes, condenados pela sociedade, o que o
desqualificaria.
04 – De acordo com Divivier,
por suas características, a poesia e a piada não se encontrariam nunca. Por
que, no entanto, elas se aproximam?
Porque, de um
lado, houve uma mudança na concepção de poesia, que passou a tematizar assuntos
do cotidiano. De outro lado, a piada, como humor, passou a ser um exercício de
inteligência e não apenas de distração, ou seja, o humor no poema faz o leitor
refletir sobre determinada situação e não apenas rir de forma despretensiosa,
como se poderia pensar.
05 – Converse com o
professor e os colegas: Por que há quem diga que a poesia humorística e a
crônica são gêneros menores? Como Duvivier contrapõe essa ideia?
Alguns críticos
consideram a poesia humorística e a crônica gêneros menores justamente por
causa do humor, já que o riso acabaria ressaltando o lado frágil e/ou ruim da
sociedade e do ser humano. Duvivier contrapõe essa ideia com a afirmação de
Antônio Candido de que, justamente por serem “menores”, esses gêneros se
aproximam das pessoas e da realidade.