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quinta-feira, 8 de outubro de 2020

POEMA: UMA CARNIÇA - CHARLES BAUDELAIRE - COM GABARITO

 Poema: Uma carniça

                                                    Charles Baudelaire

Lembra-te, meu amor, do objeto que encontramos
Numa bela manhã radiante:
Na curva de um atalho, entre calhaus e ramos.
Uma carniça repugnante.

As pernas para cima, qual mulher lasciva.
A transpirara miasmas e humores.
Eis que as abria desleixada e repulsiva.
O ventre prenhe de livores.

Ardia o sol naquela pútrida torpeza.
Como a cozê-la em rubra pira
E para o cêntuplo volver à Natureza
Tudo o que ali ela reunira.

E o céu olhava do alto a esplêndida carcaça
Como uma flor a se entreabrir.
O fedor era tal que sobre a relva escassa
Chegaste quase a sucumbir.

Zumbiam moscas sobre o ventre e, em alvoroço.
Dali saíam negros bandos
De larvas, a escorrer como um líquido grosso
Por entre esses trapos nefandos.

E tudo isso ia e vinha, ao modo de uma vaga.
Que esguichava a borbulhar.
Como se o corpo, a estremecer de forma vaga.
Vivesse a se multiplicar.

E esse mundo emitia uma bulha esquisita.
Como vento ou água corrente.
Ou grãos que em rítmica cadência alguém agita
E à joeira deixa novamente.

As formas fluíam como um sonho além da vista.
Um frouxo esboço em agonia.
Sobre a tela esquecida, e que conclui o artista
Apenas de memória um dia.

Por trás das rochas, irrequieta, uma cadela
Em nós fixava o olho zangado
Aguardando o momento de reaver àquela
Carniça abjeta o seu bocado.

– Pois há de ser como essa coisa apodrecida
Essa medonha corrupção
Estrela de meus olhos, sol da minha vida.
Tu, meu anjo e minha paixão!

Sim! Tal serás um dia, ó deusa da beleza.
Após a bênção derradeira.
Quando, sob a erva e as florações da natureza
Tornares afinal à poeira.

Então, querida, dize à carne que se arruína.
Ao verme que te beija o rosto
Que eu preservarei a forma e a substância divina
De meu amor já decomposto!

As flores do mal, Charles Baudelaire.

Fonte: Livro Se liga na língua. 9° ano. Ed. Moderna. 1° Ed. São Paulo, 2018, p. 28 e 29.

Entendendo o poema:

01 – Quais palavras e expressões usadas pelo poeta não fazem parte do vocabulário geralmente ligado à beleza?

      Carniça repugnante; carcaça; fedor; moscas; larvas; trapos nefandos; coisa apodrecida; medonha corrupção; verme.

02 – Qual imagem apresentada no poema poderia ser considerada feia ou desagradável?

      A figura de uma carcaça entreaberta, em decomposição e cheia de larvas, com moscas zumbindo ao redor dela.

03 – No poema, o eu lírico se dirige à pessoa amada. Quais palavras ou expressões a descrevem?

      Meu amor; estrela de meus olhos; sol da minha vida; meu anjo e minha paixão; deusa da beleza; querida.

04 – Compare a resposta da pergunta 1 de relação de sentido se estabelece entre as expressões?

      Contraste, oposição.

05 – Segundo o eu lírico, em que momento a pessoa amada se tornará semelhante à carniça que ele e ela observam? Copie os versos que se referem a tal momento.

      No momento em que a pessoa amada morrer, representado pela imagem sugerida nos versos “Após a bênção derradeira. / Quando, sob a erva e as florações da natureza / Tornares afinal à poeira.”

06 – Releia a estrofe final. Por que o poema pode ser considerado uma declaração de amor?

      Porque o eu lírico afirma que, apesar da ruína que inevitavelmente tomará a pessoa amada, ele preservará sua imagem e o amor que sente por ela.