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sábado, 24 de setembro de 2022

CONTO: O MELHOR AMIGO DE UM GAROTO - ISAAC ASIMOV - COM GABARITO

 Conto: O Melhor Amigo de um Garoto

             Isaac Asimov      

        – Onde está Jimmy, querida? – perguntou o Sr. Anderson.

        – Lá fora, na cratera – disse a Sra. Anderson. – Ele está bem. Está junto com Robobo… Sabe se já chegou?

        – Chegou. Está na estação de foguetes, fazendo os testes. Na realidade, eu mesmo mal posso esperar para vê-lo. Não vi nenhum de verdade desde que deixei a Terra, quinze anos atrás. Os que passaram nos filmes não contam.

        – Jimmy nunca viu nenhum – disse a Sra. Anderson.

        – Porque ele nasceu na Lua e não pode ir à Terra. E é por isso que estou trazendo um para cá. Acho que é o primeiro a aparecer na Lua.

        – Custou bastante caro – disse a Sra. Anderson com um ligeiro suspiro.

        – Manter Robobo também não é barato – disse o Sr. Anderson.

        Jimmy estava lá fora, na cratera, como sua mãe tinha dito. Pelos padrões da Terra, ele era espigado, um tanto alto para os seus dez anos de idade. Seus braços e pernas eram compridos e ágeis. Parecia mais gordo e troncudo, vestido com o traje espacial, mas podia lidar com a gravidade lunar como nenhum ser humano, nascido na Terra, seria capaz. O pai não podia acompanhar-lhe os passos quando ele esticava as pernas e entrava no salto de Canguru.

        A face exterior da cratera inclinava-se para o sul, e a Terra, que surgia baixa no céu meridional (onde sempre surgia, quando vista da Cidade Lunar) estava quase cheia, de modo que todo o declive da cratera ficava brilhantemente iluminado.

        O declive era suave e mesmo o peso do traje espacial não impedia que Jimmy disparasse em cima dele num salto flutuante que fazia a gravidade parecer não existente.

        – Venha, Robobo – ele gritou.

        Robobo, que podia ouvi-lo pelo rádio, guinchou e pulou atrás.

        Jimmy, embora fosse ágil, não podia correr mais depressa que Robobo, que não precisava de um traje espacial e tinha quatro pernas e tendões de aço. Robobo navegava sobre a cabeça de Jimmy, dando saltos imensos e aterrando quase sob os pés do garoto.

        – Não precisa se exibir, Robobo – disse Jimmy – e não saia de vista.

        Robobo guinchou outra vez o guincho especial que significava “Sim”.

        – Eu não confio em você, seu enrolador – gritou Jimmy, subindo num último salto, que o conduziu sobre a curva da beira superior da parede da cratera, e o largou do outro lado, num declive interno.

        A Terra mergulhou abaixo do topo da parede da cratera e, de imediato, ficou escuro como breu em volta de Jimmy. Uma escuridão amistosa e quente, que dissipava a diferença entre solo e céu, exceto pelo brilho das estrelas.

        Na verdade, Jimmy não devia brincar no lado escuro da parede da cratera. Os adultos diziam que era perigoso, mas isso acontecia porque nunca estiveram ali. O chão era macio e ondulado, e Jimmy conhecia a localização exata de cada uma das poucas rochas.

        Além disso, como podia ser perigoso correr no escuro se Robobo estava bem ali a seu lado, pulando em volta, guinchando e cintilando? Mesmo sem cintilar, Robobo podia dizer onde estava, e onde Jimmy estava, pelo radar. Jimmy não podia se machucar enquanto Robobo estivesse por perto, detendo-o quando ele se aproximava demais de uma rocha, ou pulando sobre ele para mostrar o quanto o amava, ou circulando em volta e guinchando baixo e assustado quando Jimmy se escondia atrás de uma rocha, embora nessas ocasiões Robobo soubesse todo o tempo, e suficientemente bem, onde ele estava. Certa vez, Jimmy se esticou imóvel no chão e fingiu estar ferido. Robobo acionou o rádio alarme e o pessoal da Cidade Lunar chegou ali às pressas. O pai de Jimmy disse-lhe poucas e boas sobre aquele pequeno embuste, e Jimmy nunca mais o repetiu.

        Quando estava se lembrando disso, Jimmy ouviu a voz do pai no seu rádio individual de ondas longas.

        – Jimmy, volte. Tenho uma coisa para lhe contar.

        Jimmy tirou o traje espacial e se lavou. Você sempre precisa se lavar quando vem de fora. Mesmo Robobo tinha de ser borrifado, mas ele gostava disso. Ficava de gatinhas, o pequeno corpo, com menos de meio metro de comprimento, tremia e exibia uma minúscula cintilação. A cabecinha, sem boca, possuía dois grandes olhos vidrados e uma protuberância onde ficava o cérebro. Ele guinchou até ouvir a voz do Sr. Anderson:

        – Quieto, Robobo!

        O Sr. Anderson sorria.

        – Temos uma coisa para você, Jimmy. Ainda está na estação de foguetes, mas estará conosco amanhã, depois de todos os testes terminarem. Achei que tinha de lhe contar isso agora.

        – É da Terra, papai?

        – Um cachorro da Terra, filho. Um cachorro de verdade. Um cãozinho “terrier” escocês. O primeiro cachorro na Lua. Não precisará mais de Robobo. Não podemos ficar com os dois, você sabe. Ele ficará com algum outro menino ou menina.

        O Sr. Anderson pareceu esperar que Jimmy dissesse alguma coisa.

        – Você sabe o que é um cachorro, Jimmy. É a coisa real. Robobo não passa de uma imitação mecânica, um robô boboca. Ê isso que seu nome significa.

        Jimmy fez cara feia.

        – Robobo não é uma imitação, papai. É o meu cachorro.

        – Não um cachorro verdadeiro, Jimmy. Robobo é apenas aço, fiação e um simples cérebro positrônico. Não é um ser vivo.

        – Ele faz tudo que eu quero que ele faça, papai. Ele me compreende. Sem dúvida, é um ser vivo.

        – Não, filho. Robobo é só uma máquina. É apenas programado para se comportar do modo como se comporta. Um cachorro está vivo. Você não vai mais querer Robobo depois de ter o cachorro.

        – O cachorro precisará de um traje espacial, não é?

        – Sim, naturalmente. Mas será um dinheiro bem empregado e o cão se acostumará. E não precisará usá-lo na Cidade. Você vai ver a diferença quando ele estiver aqui.

        Jimmy olhou para Robobo, que estava guinchando outra vez, um guincho lento, muito baixo, parecendo amedrontado. Jimmy estendeu os braços e Robobo deu um salto para eles.

        – Qual será a diferença entre Robobo e o cachorro? – Jimmy perguntou.

        – É difícil explicar – disse o Sr. Anderson – mas será fácil de perceber. O cachorro realmente gostará de você. Robobo está apenas ajustado para agir como se gostasse de você.

        – Mas, papai, não sabemos o que há dentro de um cachorro ou quais são as suas sensações. Talvez seja também apenas um modo de agir.

        O Sr. Anderson franziu a testa.

        – Jimmy, você saberá a diferença quando experimentar o amor de uma coisa viva.

        Jimmy segurou Robobo com força. Também estava franzindo a testa e o olhar desesperado em seu rosto significava que não estava disposto a mudar de ideia.

        – Mas qual é a diferença no modo como eles agem? E quanto ao modo como eu sinto? Eu gosto de Robobo e isso é o que importa.

        E o pequeno robô-boboca, que nunca fora abraçado com tanta força em toda a sua vida, guinchou rápidos e altos guinchos… guinchos felizes.

Asimov, Isaac. O melhor amigo de um garoto. In: Os melhores contos de Isaac Asimov. São Paulo: Editora LeBooks, 2018. (Coleção Os Melhores Contos).

Fonte: Estações e Linguagens – Rotas da Ciência e Tecnologia – Ensino Médio – Editora Ática – 1ª edição, São Paulo, 2020. p. 93-7.

Entendendo o conto:

01 – Você tem animal de estimação? Qual? Ele vive dentro de casa? Como se chama?

      Resposta pessoal do aluno.

02 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Guinchou: produziu um som agudo.

·        Positrônico: que é formado artificialmente por uma partícula chamada pósitron, nome dado ao elétron positivo.

03 – Em relação a aspectos da construção do conto, responda no caderno.

a)   Qual é o enredo da história?

A história trata da relação de Jimmy com seu cachorro-robô e do momento em que sua família decide dar um cachorro de verdade para ele. Quando avisam que o cão chegou à Lua e que Jimmy terá de se desfazer do cachorro-robô, o menino não gosta da ideia, sugerindo que prefere continuar com o robô de estimação.

b)   Quais são as personagens da trama?

As personagens são o Sr. Anderson; a Sra. Anderson; Jimmy, o filho do casal; e Robobo, o cachorro-robô de estimação de Jimmy.

c)   Os nomes que as personagens recebem contribuem para a caracterização delas no conto? Explique.

Sim. Sr. e Sra. Anderson são nomes que caracterizam um típico casal estadunidense; Jimmy, que é diminutivo de Jim, caracteriza uma criança; e o nome Robobo caracteriza o robô que imita um cachorro, que “não passa de uma imitação mecânica, um robô boboca”.

d)   Quando e onde se passa a história?

A história se passa na Lua, quinze anos depois de o Sr. Anderson ter chegado lá. Outra marca temporal que pode ser mencionada é o fato de que Jimmy tem dez anos de idade.

e)   O narrador é uma das personagens? Ele sabe o que as personagens pensam e sentem? Cite trechos do conto para comprovar qual é o foco narrativo do conto.

O narrador não é uma personagem, mas é onisciente, ou seja, sabe o que as personagens pensam e sentem. Isso pode ser observado no trecho: “Quando estava se lembrando disso, Jimmy ouviu a voz do pai no seu rádio individual de ondas longas”. O narrador sabe de que Jimmy estava se lembrando, o que significa que sabe o que ele estava pensando.

f)    O texto se inicia com o diálogo entre o Sr. e a Sra. Anderson, o que cria certo suspense no conto. Que estratégia é usada pelo narrador para construir esse efeito de sentido?

O conto tem início com um diálogo entre o Sr. e Sra. Anderson, em que eles usam frases com sujeito elíptico “[...] Sabe se já chegou?”; “— Chegou. Está na estação de foguetes, fazendo os testes”; “— Custou bastante caro [...]”. Além disso, fazem referências ao assunto por meio de pronomes sem antecedentes expressos anteriormente, usam artigo não acompanhado do substantivo que determina, e usam o pronome indefinido nenhum em função adjetiva sem apresentar o substantivo a que se refere. Por meio dessas estratégias, o narrador cria uma atmosfera de suspense e prende a atenção do leitor até o clímax da história, quando o Sr. Anderson conta para Jimmy que chegou um cachorro da Terra para ele. O objetivo é explorar a identificação de elementos linguísticos que contribuem para a criação do suspense no diálogo entre o Sr. e Sra. Anderson em torno do cachorro que veio da Terra.

04 – Você já tinha lido algum outro conto do escritor Isaac Asimov? A leitura desse texto fez com que você se interessasse por conhecer mais obras dele? Por quê? Comente com os colegas.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Esta atividade é uma oportunidade para que os estudantes compartilhem gostos e interesses, identificando eventuais afinidades, respeitando e valorizando diferentes pontos de vista.

05 – Leia novamente estes trechos do conto e responda às questões no caderno.

Trecho I – Você sabe o que é um cachorro, Jimmy. É a coisa real. Robobo não passa de uma imitação mecânica, um robô boboca. É isso que seu nome significa.

Trecho II – Os adultos diziam que era perigoso, mas isso acontecia porque nunca estiveram ali.

Trecho III – Além disso, como podia ser perigoso correr no escuro se Robobo estava bem ali a seu lado, pulando em volta, guinchando e cintilando?

a)   O trecho I caracteriza o uso do discurso direto. De quem é a fala nesse trecho? Que efeito pode gerar esse uso do discurso direto?

O discurso direto acontece quando o narrador reproduz fielmente a fala da personagem. A fala é do Sr. Anderson.

b)   Nos trechos II e III, observa-se o uso do discurso indireto livre, trazendo o ponto de vista de uma personagem. De qual personagem é esse ponto de vista? Que efeito o uso do discurso indireto constrói nesse trecho?

Nos dois trechos, em que se usa o discurso indireto livre, personagem e narrador se confundem, não ficando claro de quem é o posicionamento. Os pontos de vista são de Jimmy. Ainda que o narrador não seja Jimmy, o uso do discurso indireto livre sinaliza o ponto de vista de Jimmy como sendo o ponto de vista narrativo. Essa é uma maneira de o narrador levar o leitor a pensar que o ponto de vista de Jimmy corresponde à verdade.

06 – Que acontecimento muda os rumos da história? O desequilíbrio instaurado nesse momento é solucionado ao final?

      A história muda de rumo quando o Sr. Anderson fala para o filho que ele vai ganhar um cachorro da Terra e que terá de doar Robobo a outra criança. Jimmy não fica feliz com o fato de ter de trocar Robobo por um cachorro terráqueo. O conto não deixa clara a solução do desequilíbrio. Quando Jimmy declara que gosta de Robobo e isso é o que importa, demonstra que não mudou de opinião.

07 – Quais são as características dessa história que a definem como um conto de ficção científica?

      A história transcorre em uma época em que os seres humanos não vivem mais na Terra, mas na Lua, e lá existe uma estação de foguetes; os animais de estimação são robôs que guincham em vez de latir; a presença de um cachorro vindo da Terra causa estranhamento.

08 – Releia este trecho do conto e discuta a questão com os colegas.

        “– Qual será a diferença entre Robobo e o cachorro? – Jimmy perguntou.

        – É difícil explicar – disse o Sr. Anderson – mas será fácil de perceber. O cachorro realmente gostará de você. Robobo está apenas ajustado para agir como se gostasse de você.

        – Mas, papai, não sabemos o que há dentro de um cachorro ou quais são as suas sensações. Talvez seja também apenas um modo de agir.”

·        Qual é o contraste que existe entre o pensamento do pai e o do menino sobre os “modos de agir” do Robobo e do cachorro terráqueo?

      Para o pai, o modo de agir de Robobo é apenas resultado de treinamento e programação: o robô não expressa sentimentos reais. Já os cães terráqueos, que são seres vivos e não máquinas, expressariam sentimentos verdadeiros. Para Jimmy, não haveria como garantir que os cães terráqueos agem movidos por sentimentos verdadeiros, já que não se sabe o que se passa dentro de um cachorro.

09 – Você acha que a situação apresentada no conto pode se tornar realidade um dia? Compartilhe com os colegas a sua opinião.

      Resposta pessoal do aluno.

 

 

 

quinta-feira, 14 de abril de 2022

CONTO: OS CARROS AUTOMÁTICOS - ISAAC ASIMOV - COM GABARITO

 CONTO: Os carros automáticos

           Isaac Asimov

        Sentamos no banco embaixo do velho carvalho. Dali dava para avistar toda a extensão do pequeno lago e a rodovia particular que tínhamos do lado oposto. Era um dia quente, os carros estavam do lado de fora, distraindo-se – uns trinta deles, pelo menos. Mesmo a distância eu podia ver que Jeremiah estava entregue à sua brincadeira de costume, acompanhando em marcha lenta um dos modelos mais sérios, mais antigos, e de repente arrancando em plena potência, cantando pneus e o ultrapassando com estridência em questão de segundos. Há duas semanas ele tinha assustado o velho Angus, fazendo-o perder a direção e sair do asfalto; aí tive que desligar seu motor por dois dias.

        Pelo que vejo agora, não adiantou muito; parece que não há nada a fazer. Jeremiah é um desses modelos esportivos, eles são assim mesmo, dão o maior trabalho.

        -- Muito bem, Sr. Gellhorn – falei. – Quais são as informações que deseja?

        Mas o cara estava distraído, olhando em redor.

        -- Que lugar fantástico, Sr. Folkers.

        -- Pode me chamar de Jake. Todo mundo chama.

        -- Ok, Jake. Quantos carros você tem aqui?

        -- Cinquenta e um. Todo ano chegam mais um ou dois. Houve um ano em que vieram cinco. Até agora não perdemos nenhum. Estão todos funcionando perfeitamente. Temos até mesmo um Mat-O-Mot de 2015 em perfeito funcionamento. Um dos primeiros automáticos. Foi o primeiro carro que trouxemos para cá.

        O velho Matthew. Agora ele costumava ficar na garagem a maior parte do dia, afinal de contas ele era o avô de todos os carros positrônicos. Da época em que os carros automáticos eram utilizados apenas por veteranos de guerra, paraplégicos e chefe de Estado. Mas naquela época Samson Harridge era meu patrão, ele era rico o bastante para ter um carro automático. Eu era seu chofer.

        Pensar naquilo fez com que me sentisse velho. Sou do tempo em que não existia um único automóvel no mundo capaz de encontrar sozinho o caminho de casa. Já dirigi umas coisas enormes e desajeitadas cujo motorista não podia tirar as mãos do volante por um só momento. Monstrengos desse tipo matavam dezenas de milhares de pessoas todo ano.

        Os automáticos resolveram esse problema. Um cérebro positrônico pode reagir muito mais rápido do que um cérebro humano, claro, e as pessoas não tinham que manter as mãos nos controles o tempo inteiro. Sentavam ao volante, digitavam as instruções sobre o trajeto e o carro fazia o resto sozinho.

        Hoje em dia todo mundo já está acostumado, mas eu me lembro de quando surgiram as primeiras leis retirando das autoestradas os carros velhos e só autorizando viagens em carros automáticos. Deus do céu, que balbúrdia. Disseram que isso era fascismo, que era comunismo, mas o fato é que as estradas ficaram muito mais tranquilas e as mortes por acidentes pararam como por encanto; um número muito maior de pessoas passou a viajar com muito mais segurança.

        Claro que os automáticos eram de dez a cem vezes mais caros do que os carros manuais, e não havia muita gente que pudesse pagar esse preço. A indústria começou a derivar para a produção de ônibus automáticos. A qualquer momento você podia chamar uma empresa e em poucos minutos ter um desses ônibus à sua porta, indo na direção que você queria. Você tinha que viajar ao lado de outras pessoas que iam para o mesmo lado, mas qual era o problema?

        Samson Harridge, no entanto, tinha um automóvel particular, e eu fui contra ele desde o instante em que o vi. Naquele tempo, eu não via o tal carro como “Matthew”, não podia imaginar que ele se tornaria no futuro o decano de nossa Fazenda. A única coisa que eu sabia era que aquele carro ia me jogar no desemprego, por isto o odiei.

        Falei:

        -- Bem, acho que não vai mais precisar de mim, Sr. Harridge.

        -- Ora, Jake, que bobagem está me dizendo? – foi a resposta dele. – Você não está pensando que vou deixar essa geringonça tomar conta de mim, não é mesmo? Você é quem vai ficar ao volante.

        Eu falei:

        -- Mas esse carro funciona sozinho, Sr. Harridge. Ele capta e analisa a imagem da estrada, evita os obstáculos, sejam eles carros ou pedestres, e arquiva os trajetos na memória.

        -- Sim, é o que dizem. Mesmo assim, prefiro que você esteja sentado ao volante, no caso de alguma coisa não correr bem.

        É engraçado como a gente pode chegar a se afeiçoar a um carro. De um dia para o outro eu já o tinha batizado de Matthew e passava a maior parte do tempo dando polimento nele, checando o motor. Um cérebro positrônico funciona melhor quando está em contato permanente com o seu “corpo”, ou seja, o chassi, de modo que ajuda bastante se a gente mantiver o tanque cheio para que o motor possa ficar ligado dia e noite. Depois de algum tempo acostumei-me tanto àquilo que bastava ouvir o som do motor para saber como Matthew estava se sentindo.

        O Sr. Harridge também gostava muito de Matthew, ao seu modo. Ele não tinha ninguém mais para gostar. Tinha ficado sem três esposas, através da viuvez ou do divórcio; e acabou vivendo mais tempo do que cinco filhos e três netos. Desse modo, quando morreu não foi surpresa para ninguém que ele fizesse converter suas propriedades numa Fazenda para Automóveis Aposentados, onde eu era o curador e Matthew o primeiro membro de uma família que viria a se tornar ilustre.

        Minha vida passou a ser apenas isso. Nunca me casei. Você não pode ser casado e ao mesmo tempo se dedicar a carros automáticos de uma maneira adequada.

Sonhos de Robô. São Paulo, Record, 1991. p. 151-153.

Fonte: Português – Linguagem & Participação, 6ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1ª edição – 1998, p. 231-4.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Carvalho: tipo de árvore.

·        Extensão: tamanho.

·        Estridência: barulho em tom alto.

·        Positrônico: referente ao pósitron antipartícula do elétron (parte do átomo).

·        Paraplégicos: pessoas com problemas de locomoção, com paralisia de certos membros.

·        Balbúrdia: confusão.

·        Fascismo: sistema político muito autoritário.

·        Comunista: pensamento político que proíbe a propriedade particular dos meios de produção.

·        Decano: o mais velho.

·        Geringonça: máquina estranha, engenhoca.

·        Converter: transformar.

·        Curador: aquele que cuida de uma instituição cultural.

·        Adequada:  certa, correta.

02 – Onde acontecem os fatos apresentados no texto?

      Os fatos acontecem em um museu de automóveis automáticos.

03 – Quando acontecem esses fatos?

      Esses fatos acontecem num futuro distante, em algum ponto do século XXI.

04 – Quem são Jeremiah e Matthew?

      São carros automáticos: Jeremiah é um carro esportivo, brincalhão e “sem juízo”; Matthew é o mais velho dos carros automáticos, o primeiro que foi trazido pelo milionário.

05 – Quem é o narrador? O que sabemos dele?

      O narrador é Jake Folkers, motorista do falecido milionário Samson Harridge. Jake é solteiro e cuida do museu dos carros automáticos.

06 – Como são os carros automáticos? Que habilidades eles têm?

      Os carros automáticos dirigem a si mesmos. Chegam a ter vida própria: captam e analisam a imagem da estrada, evitam obstáculos e arquivam os trajetos na memória.

07 – Qual é a grande vantagem dos automóveis automáticos sobre os atuais?

      A vantagem é a segurança. Os automóveis automáticos praticamente não sofrem acidentes, evitando automaticamente carros e pedestres.

08 – Como se sentia o senhor Harridge quanto aos carros automáticos?

      Devia gostar muito deles porque destinou sua fortuna para um museu de carros automáticos.

09 – E Jake Folkers, como se sentia com relação aos carros automáticos?

      Igualmente, devia gostar deles, pois nem se casou para dedicar-se ao museu de carros automáticos “de maneira adequada”.

10 – O texto se passa no século XXI. As personagens se comportam de modo diferente dos seres humanos?

      A pergunta é especulativa. As personagens se comportam como os seres humanos atuais. A diferença reside no comportamento das máquinas.

11 – Você gostaria de possuir um carro automático? Por quê?

      Resposta pessoal do aluno.

 

 

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

TEXTO: OS PSICO-HISTORIADORES 4 (FRAGMENTO) - ISAAC ASIMOV - FUNDAÇÃO - COM GABARITO

 Texto: Os psico-historiadores 4 (Fragmento)


Capitulo 4.

        – Boa tarde, senhor – disse Gaal. – Eu... Eu...

        – Você não achava que fôssemos nos ver antes de amanhã? Normalmente, não mesmo.  É que, se formos utilizar seus serviços, precisamos trabalhar rápido. Está ficando cada vez mais difícil obter recrutas.

        – Não estou entendendo, senhor.

        – Você estava conversando com um homem na torre de observação, não estava?

        – Sim. O primeiro nome dele é Jerril. Não sei mais nada sobre ele.

        – O nome dele não é nada. Ele é agente da Comissão de Segurança Pública. Ele o seguiu desde o aeroporto.

        – Mas por quê? Sinto muito, mas estou muito confuso.

        – O homem da torre não disse nada a meu respeito?

        Gaal hesitou.

        – Ele se referiu ao senhor como Corvo Seldon.

        – Ele disse por quê?

        – Disse que o senhor prevê desastres.

        – E prevejo. O que Trantor significa para você?

        Todos pareciam estar perguntando sua opinião sobre Trantor. Gaal se sentia incapaz de responder outra coisa além da palavra “glorioso”.

        – Você disse isso sem pensar. E se usar a psico-história?

        – Não pensei em aplicá-la ao problema.

        – Antes de acabar seu trabalho comigo, jovem, aprenderá a aplicar a psico-história a todos os problemas de forma natural; observe – Seldon tirou sua calculadora do bolso do cinto. Diziam que ele guardava uma dessas debaixo do travesseiro, para usar em momentos de insônia. Seu acabamento cinza brilhante estava ligeiramente desgastado pelo uso. Os dedos ágeis de Seldon, cheios de manchas da idade, brincavam com arquivos e teclas que preenchiam sua superfície. Símbolos vermelhos despontavam na parte superior.

        – Isto representa a condição do Império atualmente – ele afirmou.

        Ficou esperando.

        Por fim, Gaal disse:

        – Certamente, isso não é uma representação completa.

        – Não, não é completa – disse Seldon. – Fico feliz por você não ter aceito minha palavra cegamente. Entretanto, é uma aproximação que servirá para demonstrar a proposição. Você aceita isso?

        – Se for submetida à minha verificação posterior da derivação da função, sim. – Gaal estava evitando, cuidadosamente, uma possível armadilha.

        – Ótimo. Adicione a isso a conhecida probabilidade de assassinato imperial, revoltas de vice-reis, a recorrência contemporânea de períodos de depressão econômica, a taxa cada vez menor de explorações planetárias, a...

        E continuou.  À medida que cada item era mencionado, novos símbolos ganhavam vida a seu toque, e se fundiam à função básica que se expandia e se modificava.

        Gaal só o interrompeu uma vez.

        – Não vejo a validade dessa transformação de conjunto.

        Seldon a repetiu mais devagar.

        – Mas isso – disse Gaal – é feito por meio de uma sócio-operação proibida.

        – Ótimo. Você é rápido, mas ainda não é rápido o bastante. Ela não é proibida nesta conexão. Deixe-me fazer isso por expansões.

        O procedimento demorou muito mais e, no final, Gaal disse, humildemente:

        – Agora percebi.

        Finalmente, Seldon parou.

        – Isto é Trantor daqui a três séculos. Como você interpreta isso? Hein? – inclinou a cabeça para o lado e ficou esperando.

        Gaal disse, sem acreditar:

        – Destruição total! Mas... Mas isso é impossível. Trantor nunca foi...

        Seldon estava repleto da intensa empolgação de um homem que só havia envelhecido no corpo.

        – Vamos, vamos. Você viu como se chegou ao resultado. Coloque isso em palavras. Esqueça o simbolismo por um momento.

        – À medida que Trantor se tornar mais especializado, vai se tornar mais vulnerável, menos capaz de se defender – disse Gaal. – Além disso, à medida que ele se torna, cada vez mais, o centro administrativo do Império, também se torna um prêmio maior. À medida que a sucessão imperial se tornar cada vez mais incerta e as rixas entre as grandes famílias crescerem mais, a responsabilidade social desaparece.

        – Chega. E a probabilidade numérica de destruição total em três séculos?

        – Não saberia dizer.

        – Mas certamente você sabe realizar uma diferenciação de campo?

        Gaal se sentiu sob pressão. Seldon não lhe ofereceu a calculadora. Ela estava sendo mostrada a uns trinta centímetros de seus olhos. Calculou furiosamente e sentiu a testa molhada de suor.

        – Cerca de 85%? – ele perguntou.

        – Não está mal ¾ disse Seldon, projetando o lábio inferior –, mas não está bom. A cifra correta é 92,5%.

        – E por isso o senhor é chamado Corvo Seldon? – disse Gaal. – Nunca vi nada disso nas publicações acadêmicas.

        – Mas é claro que não. Esse tipo de coisa não se publica. Você supõe que o Império poderia expor sua fragilidade dessa maneira? Esta é uma demonstração muito simples de psico-história. Mas alguns dos nossos resultados vazaram para a aristocracia.

        – Isso é ruim.

        – Não necessariamente. Tudo é levado em conta.

        -- Mas é por isso que estou sendo investigado?

        – Sim. Tudo a respeito do meu projeto está sendo investigado.

        – O senhor está em perigo?

        – Ah, sim. Há uma probabilidade de 1,7% de que eu seja executado, mas naturalmente isso não deterá o projeto. Também já levamos isso em consideração. Bem, não importa. Você me encontrará, suponho, na Universidade amanhã?

        – Sim – disse Gaal.

ASIMOV, Isaac. Fundação. Tradução Fabio Fernandes. São Paulo: Aleph, 2009, p. 26-28.

Fonte: Língua Portuguesa – Programa mais MT – Ensino fundamental anos finais – 9° ano – Moderna – Thaís Ginícolo Cabral. p. 19-22.

Entendendo o texto:

01 – O diálogo que você acabou de ler se inicia por uma fala aparentemente apreensiva de Gaal. Por que ele parece nervoso? Como o texto sinaliza esse sentimento?

      Gaal parece nervoso por estar finalmente conhecendo Hari Seldon e sua polêmica teoria. Para marcar essa hesitação e o sentimento apreensivo do personagem, são usadas repetições e reticências. Há também outro momento da narrativa em que o narrador sinaliza que ele parece responder às perguntas com cuidado por sentir que está prestes a cair em uma armadilha.

02 – Mesmo sem ler os dois capítulos que antecedem esse, sabemos, pelo diálogo entre os dois personagens, o que aconteceu com Gaal antes de conversar com Hari Seldon. De que modo?

      Para retomar os eventos anteriores, há uma parte da conversa em que Gaal responde a Hari que o nome do homem com o qual estava conversando é Jerril, e Hari afirma que aquele nome não é verdadeiro e que o homem, é na verdade, um agente da comissão de Segurança Pública que o estava seguindo.

03 – Podemos dizer que o conflito é uma parte da história em que surge uma tensão que obriga os personagens a modificarem seu trajeto e o modo como percebem a realidade. Um dos primeiros conflitos da história se anuncia nesse diálogo entre os personagens. Qual é esse conflito?

      Hari Seldon convida Gaal a fazer um cálculo matemático usando uma técnica chamada por ele de psico-história. Quando o jovem pesquisador começa a completar o cálculo, ele percebe que as contas parecem indicar que o império humano que colonizou quase toda a galáxia será destruído em poucos anos.

04 – Por que Hari Seldon foi apelidado de “Corvo Seldon”?

      Por desenvolver uma teoria que prevê catástrofes que culminarão na destruição do Império Galáctico construído pela humanidade (o corvo é considerado uma ave de mau agouro).

05 – Gaal aponta um aspecto como a principal causa dos problemas que farão com que o Império seja destruído. Qual fala nos ajuda a localizar essa informação?

      Essa informação encontra-se na seguinte fala de Gaal: “– À medida que Trantor se tornar mais especializado, vai se tornar mais vulnerável, menos capaz de se defender – disse Gaal. – Além disso, à medida que ele se torna, cada vez mais, o centro administrativo do Império, também se torna um prêmio maior. À medida que a sucessão imperial se tornar cada vez mais incerta e as rixas entre as grandes famílias crescerem mais, a responsabilidade social desaparece.” Gaal afirma que, entre as principais causas da ruína iminente do Império, estão o fato de a raça humana, de modo ganancioso, preocupar-se com a ampliação dos territórios colonizados sem considerar a responsabilidade social pelas pessoas que habitam esses lugares e a ganância das famílias dos imperadores, que farão de tudo para tomar o poder sem medir as consequências éticas de suas ações.

 

 

TEXTO: OS PSICO-HISTORIADORES (FRAGMENTO)- ISAAC ASIMOV - ENCICLOPÉDIA GALÁCTICA - COM GABARITO

 Texto: Os psico-historiadores (Fragmento)

       Hari Seldon – ...  Nascido no ano 11.988 da Era Galáctica: falecido em 12.069. As datas são mais conhecidas, em termos da atual Era da Fundação, como de – 79 a 1 E.F. Nascido numa família de classe média de Helicon, setor de Arcturus (onde seu pai, como reza uma lenda de autenticidade duvidosa, cultivava tabaco nas usinas hidropônicas do planeta), desde cedo revelou uma fantástica habilidade em matemática. Os relatos sobre sua habilidade são inumeráveis e, alguns deles, contraditórios. Dizem que, aos dois anos de idade, ele...

        ...  Sem dúvida, suas maiores contribuições foram no campo da psico-história. Quando Seldon começou, este campo era pouco mais do que um conjunto de axiomas vagos; ele o transformou numa ciência estatística profunda...

        ... A maior autoridade existente para saber detalhes de sua vida é a biografia escrita por Gaal Dornick que, quando jovem, conheceu Seldon dois anos antes da morte do grande matemático. A história do encontro...

Enciclopédia galáctica

Capitulo 1

        Seu nome era Gaal Dornick, e ele era apenas um caipira que nunca havia visto Trantor antes. Isto é, não na vida real. Ele já o vira muitas vezes em hipervídeo e, ocasionalmente, em incríveis reportagens tridimensionais cobrindo uma coroação imperial ou a abertura de um Conselho Galáctico. Muito embora tivesse vivido toda a sua vida no mundo de Synnax, que orbitava uma estrela na periferia da Corrente Azul, ele não estava isolado da civilização. Naquela época, nenhum lugar na Galáxia estava.

        Havia quase vinte e cinco milhões de planetas habitados na Galáxia então, e nenhum deles deixava de prestar obediência ao Império cujo trono ficava em Trantor. Era o último meio século no qual essa afirmação poderia ser feita.

        Para Gaal, a viagem era o clímax indubitável de sua vida jovem e acadêmica. Ele já havia estado no espaço antes, e por isso essa jornada, como viagem em si, pouco significava para ele. Na verdade, sua única viagem anterior tinha sido até o único satélite de Synnax para obter os dados sobre a mecânica de deslocamento de meteoros de que precisava para sua dissertação, mas viagem espacial era tudo a mesma coisa; não importava se a pessoa viajava meio milhão de quilômetros ou muitos anos-luz.

        Ele havia se preparado só um pouquinho para o Salto pelo hiperespaço, um fenômeno que as pessoas não experimentavam em viagens interplanetárias simples. O Salto permanecia, e provavelmente assim seria para sempre, o único método prático de viajar entre as estrelas. A viagem pelo espaço comum não podia ser mais rápida do que a da luz comum (um pouco de conhecimento científico que pertencia aos poucos itens conhecidos desde a aurora esquecida da história humana), e isso teria significado muitos anos no espaço até mesmo entre os sistemas habitados mais próximos. Através do hiperespaço, essa região inimaginável que não era espaço nem tempo, nem matéria nem energia, nem algo nem nada, era possível atravessar a extensão da galáxia no intervalo entre dois instantes de tempo.

        Gaal havia esperado pelo primeiro desses saltos com um pouco de medo no estômago, e acabou não sendo nada além de um ínfimo tremor, um pequeno solavanco interno que cessou um instante antes que ele pudesse ter certeza de que o havia sentido.

        E isso foi tudo.

        E, depois, tinha ficado apenas a nave, grande e reluzente, a produção de 12 mil anos de progresso imperial; e ele próprio, com seu doutorado em matemática recém-obtido e um convite do grande Hari Seldon para ir a Trantor e se juntar ao vasto, e um tanto misterioso, Projeto Seldon.

        O que Gaal esperava, depois da decepção do Salto, era aquela primeira visão de Trantor. Ele ficou espreitando o Mirante. As persianas de aço eram erguidas em momentos anunciados e ele estava sempre ali, observando o brilho forte das estrelas, apreciando o incrível enxame nebuloso de um aglomerado estelar, como um gigantesco enxame de vaga-lumes apanhados em pleno voo e paralisados para sempre.  Em um momento havia a fumaça fria, azul-embranquecida de uma nebulosa gasosa a cinco anos-luz da nave, espalhando-se pela janela como leite, preenchendo o aposento com um tom gelado, e desaparecendo de vista duas horas depois, após outro Salto.

        A primeira visão do sol de Trantor foi a de uma partícula dura e branca totalmente perdida dentro de uma miríade de outras, e reconhecível somente porque fora apontada pelo guia da nave. As estrelas eram espessas, ali no centro galáctico. Mas, a cada Salto, ele brilhava mais, superando o resto, fazendo com que elas empalidecessem e reduzissem o brilho.

        Um oficial apareceu e disse:

        – O mirante ficará fechado durante o resto da viagem. Preparar para o pouso.

        Gaal o seguiu, puxando a manga do uniforme branco com o símbolo da Espaçonave-e-Sol do Império.

        – Seria possível me deixar ficar? Eu gostaria de ver Trantor – ele perguntou.

        O oficial sorriu e Gaal ficou vermelho. Lembrou-se de que falava com um sotaque provinciano.

        – Vamos pousar em Trantor pela manhã – respondeu o oficial.

        – Eu quis dizer que queria vê-lo do espaço.

        – Ah. Desculpe, meu rapaz. Se isto aqui fosse um iate espacial, poderíamos dar um jeito. Mas estamos descendo voltados para o sol. Você não gostaria de ficar cego, queimado e cheio de cicatrizes de radiação ao mesmo tempo, gostaria?

        Gaal começou a se afastar.

        O oficial disse, atrás dele:

        – De qualquer maneira, Trantor seria apenas uma mancha cinza, garoto. Por que é que você não faz uma excursão espacial assim que chegar lá? São bem baratinhas.

        Gaal olhou para trás.

        – Muito obrigado.

        Era infantil se sentir decepcionado, mas a infantilidade é uma coisa que acontece quase tão naturalmente a um homem quanto a uma criança, e Gaal sentiu um nó na garganta. Ele nunca vira Trantor se descortinando em toda a sua incredibilidade, grande como a vida, e não imaginara que teria de esperar mais ainda para isso.

ASIMOV, Isaac. Fundação. Tradução Fabio Fernandes. São Paulo: Aleph, 2009, p. 12-15.

Fonte: Língua Portuguesa – Programa mais MT – Ensino fundamental anos finais – 9° ano – Moderna – Thaís Ginícolo Cabral. p. 14-19.

Entendendo o texto:

01 – Retome as hipóteses que você levantou na subseção Antes de ler:

a)   Converse com seus colegas e o professor sobre como você imaginou a viagem das pessoas de um planeta a outro no futuro e sobre como o livro descreve a viagem de Gaal.

Resposta pessoal do aluno.

b)   Que hipóteses você levantou sobre o título da primeira parte do livro? Com base na leitura da 1ª parte do texto, é possível deduzir o conceito de psico-historiador?

Resposta pessoal do aluno.

02 – Nessa edição do texto, os editores trocaram as palavras Superespaço e Supervídeo, tal como foram escritas originalmente pelo autor, por Hiperespaço e Hipervídeo. O que justificaria essa troca?

      A troca feita pelos editores se justificaria pelo fato de tornar o texto mais acessível ao maior número possível de leitores de hoje em dia.

03 – Antes de lermos o Capítulo 1, encontramos um hipertexto, um texto que antecede a leitura do início da história. Como ele foi organizado e o que revela ao leitor?

      Esse hipertexto está organizado em forma de verbete, no caso da “Enciclopédia Galáctica” e faz a ambientação da história para o leitor, apresentando dois de seus principais personagens, o jovem Gaal Dornick e o misterioso cientista Hari Seldon.

04 – Enquanto lemos o primeiro capítulo, vamos, pouco a pouco, conhecendo um dos principais personagens do romance, o jovem Gaal Dormick. Que informações obtemos sobre ele no início dessa leitura?

      Gaal é retratado como um jovem pesquisador caipira que vive em Synnax, astro que orbita uma estrela na periferia da Corrente Azul, longe, portanto, dos grandes centros da Galáxia; encontra-se apreensivo por fazer uma viagem até Trantor, considerado a sede do Império que comandava vinte e cinco milhões de planetas habitados na Galáxia. Também informa que ele faz uma pesquisa de doutorado sobre a movimentação de meteoros e que ele parece estar ansioso com a viagem feita pelo espaço, com um pouco de medo do que pode ocorrer no caminho e apreensivo sobre o misterioso e vasto Projeto Seldon.

05 – Ao longo do primeiro capítulo da saga Fundação, há menção a diferentes cenários espaciais. Quais são? Eles existem de fato ou foram criados pelo autor do livro?

      Trantor, a sede do Império Galáctico; Synnax, o local de onde Gaal veio; e a Corrente Azul, além de diversas referências a nebulosas. Esses lugares são fictícios.

06 – Um aspecto fascinante das narrativas de ficção científica é a descrição de cenários intergalácticos ou futuristas que não existem, mas podemos imaginar quando lemos essas histórias. Em que parte do trecho essa descrição é feita pelo narrador quando Gaal chega a Trantor?

      Quando Gaal chega a Trantor, o narrador descreve o que ele vê do espaço pela janela da nave da seguinte forma:

“[...] era aquela primeira visão de Trantor. Ele ficou espreitando o Mirante. As persianas de aço eram erguidas em momentos anunciados e ele estava sempre ali, observando o brilho forte das estrelas, apreciando o incrível enxame nebuloso de um aglomerado estelar, como um gigantesco enxame de vaga-lumes apanhados em pleno voo e paralisados para sempre.  Em um momento havia a fumaça fria, azul-embranquecida de uma nebulosa gasosa a cinco anos-luz da nave, espalhando-se pela janela como leite, preenchendo o aposento com um tom gelado, e desaparecendo de vista duas horas depois, após outro Salto.

        A primeira visão do sol de Trantor foi a de uma partícula dura e branca totalmente perdida dentro de uma miríade de outras, e reconhecível somente porque fora apontada pelo guia da nave. As estrelas eram espessas, ali no centro galáctico. Mas, a cada Salto, ele brilhava mais, superando o resto, fazendo com que elas empalidecessem e reduzissem o brilho.”

07 – Ao fazer sua viagem, Gaal realiza uma espécie de Salto no hiperespaço que possibilita uma viagem com tranquilidade entre regiões distantes umas das outras por diversos anos-luz. O que seria a velocidade da luz? É possível, hoje, realizarmos viagens como essa?

      A medida de anos-luz faz referência à distância percorrida pela luz durante um ano, ou seja, à velocidade de 300 mil km/s, maneira como se organiza a velocidade da luz. A luz das estrelas, para chegar à Terra, por exemplo, viaja cerca de 300.000 km por segundo. Asimov retrata um futuro distante em que o ser humano poderá realizar viagens com essa velocidade naturalmente, o que ainda hoje é impossível.

08 – Por que Gaal é descrito pelo narrador e pelo funcionário da nave como um caipira?

      O termo caipira geralmente carrega um sentido pejorativo e preconceituoso, ligado à falta de refinamento ou de informação. Na obra Fundação, Trantor é o centro de um Império intergaláctico num futuro em que a raça humana colonizou quase toda a galáxia. Por viver longe do centro do império e não estar acostumado com viagens espaciais, Gaal é retratado pelo narrador e por esse personagem como um caipira. Isso também fica evidenciado no trecho em que Gaal pede ao oficial que o deixe no Mirante para observar Trantor, mas este o alerta sobre a questão do Sol, que pode queimá-lo, e o informa da possibilidade de uma excursão “baratinha”.