Entrevista: Chega de mágica
Thaís Oyama
Menos mago e mais interessado em prestígio, Paulo Coelho diz que
telepatia é “sacal” e se proclama de vanguarda
Fama e fortuna Paulo Coelho já tem de
sobra. Agora, quer respeito. O escritor de 32 milhões de livros vendidos no
mundo, amado pelo público e espinafrado pela crítica, decidiu partir para um
novo patamar; o que ele escreve não só vende como, afirma, tem qualidade, sim.
“Estou absolutamente convencido de que o que faço é bom”, diz. Aos que chamam
de tosco seu estilo, que ele prefere classificar de “direto”, replica: “Burro é
quem não sabe explicar”. Nessa trajetória em busca do reconhecimento, o
escritor parece ter sacrificado o mago, como ele próprio se classificava na
fase esotérica. O novo Paulo Coelho não troca uma discussão acadêmica (até na
própria Academia Brasileira de Letras, se o destino assim o permitir) por
encontro algum com mestres enigmáticos e entidades de outros planos. Diz que
não faz mais ventar, afirma ter preguiça de conversar com seus discípulos e
declara preferir o fax à telepatia, agora definida como “um negócio sacal”.
Mágica mesmo continua sua autoestima: na entrevista a seguir, Paulo Coelho
alinha entre suas referências literárias vultos do porte de Henry Miller e
Jorge Luís Borges.
Veja
– Seus livros têm falado cada vez menos de esoterismo. O senhor ainda se
considera um mago?
Coelho
– A ideia do mago é muito mais uma questão de percepção do universo. É uma maneira
de olhar o mundo além da realidade concreta. Mas eu tenho vários livros que não
tocam em magia. Meus livros falam de questões filosóficas.
Veja
– Seria esse o ponto comum entre eles, na sua opinião?
Coelho
– O ponto em comum é uma coisa chamada estilo. Do meu primeiro livro até
agora, eu tenho mantido um estilo que é absolutamente direto, enxuto. Vou
cortando, cortando, até chegar à essência da coisa. No começo, isso foi mal
interpretado. Achavam que era uma coisa superficial. Mas é essa característica
que dá aos meus livros o seu aspecto único.
Veja
– Depois de tanto sucesso, as críticas ainda o incomodam?
Coelho – Eu
sou um autor muito polarizador: as pessoas me amam ou me odeiam. Estou
acostumado. Mas a única crítica que me magoou não foi dirigida a mim. Foi
quando disseram que meu leitor era burro. Eu não quero generalizar, mas existe
um fascismo cultural no país.
Veja
– O senhor se sente perseguido pela crítica?
Coelho –
Acho que são perseguidos por ela todos os que não se enquadram num certo
padrão, que é o de valorizar o que é incompreensível e inacessível. Só que,
felizmente, isso só vale para a crítica, que se isolou da realidade. As pessoas
que escrevem esse tipo de coisa ficam numa torre de marfim, sem saber o que se
passa em torno delas. Acham que estão abafando, que está todo mundo escutando o
que elas dizem. Só que não sabem que ninguém dá ouvidos a elas. De que adianta
um livro que impressiona mas que não é lido? O que eu disse sobre James Joyce é
verdade: ele é ilegível, ilegível.
Veja
– Mas livros como Ulisses e Finnegans Wake, de Joyce, são considerados
marcos do modernismo, talvez dos mais geniais do século XX. O senhor acha que a
sua obra irá sobreviver também?
Coelho
– O fato de uma obra sobreviver não quer dizer que ela seja lida. Eu tentei
ler Ulisses, não consegui e achei que era burro. Só que eu não sou burro,
Ulisses é que é ilegível. Mas as pessoas se acovardam muito para falar dessas
coisas. Você tem sempre de passar a ideia de que entendeu tudo. E a culpa não é
sua, a culpa é dos caras que escreveram. Eles têm a obrigação de ser claros.
Burro é quem não sabe se explicar. Mesmo um livro como Sidarta, do Hermann
Hesse, é uma coisa mal-acabada. O cara não soube acabar o livro, entendeu?
Termina com aquela frase: “Tem que olhar o rio”. Que rio, pô? Acho que Hermann
Hesse não sabia como terminar o livro e meteu essa história aí de rio.
Veja
– Hesse é um prêmio Nobel...
Coelho
– Sim, mas eu tenho o direito de dizer isso sobre ele, até porque foi um
escritor que me marcou muito. O fato de Sidarta acabar mal não invalida o resto
do livro.
Veja
– Houve uma época em que o senhor dizia que era capaz de promover magias
como fazer ventar, por exemplo. Hoje se arrepende dessas declarações?
Coelho
– Não me arrependo, porque isso é verdade.
Veja
– O senhor pode fazer ventar agora?
Coelho
– Não, não faço mais. Isso é bobagem. Não preciso mais fazer demonstrações
públicas.
Veja
– E magias em benefício próprio? O senhor dizia que costumava abrir o
trânsito com a força do pensamento. Ainda faz isso?
Coelho
– Não, de jeito nenhum. Não vou gastar energia com isso. Já fiz, já passou.
Veja
– Não fica mais invisível, como dizia ficar?
Coelho
– Não, isso é inútil. Gasto minha energia em outras coisas agora.
Veja
– Então, o senhor abriu mão da magia?
Coelho
– Talvez desse tipo de magia. Acho que faz parte do aprendizado brincar um
pouquinho. Depois, tem de falar sério. Descobri que essas coisas não são
importantes. Esse negócio de fazer chover, por exemplo. Pô, o que que isso vai
me ajudar? Além disso, já cheguei a dar três grandes demonstrações públicas do
que eu sou capaz e acho que basta.
Veja
– Quais foram elas?
Coelho
– Uma foi para o jornal O Globo, em 1987. Eu disse que fazia ventar, a
jornalista pediu para eu fazer e eu fiz (na reportagem mencionada, a jornalista
não pede ao escritor que faça ventar. Relata ter ficado impressionada com o
fato de uma forte ventania ter ocorrido logo após ela ter perguntado se ele era
de fato um mago). A segunda foi para a Marília Gabriela, assim que o presidente
Fernando Collor foi eleito. Ela me perguntou como seria o seu governo. Eu
disse: daqui a dois anos ele se ferra (a apresentadora informou, por meio de
sua assessoria, que o episódio não ocorreu em seu programa). A terceira foi
quando o Jô Soares me perguntou se eu sabia o nome do namorado da Zélia (então
ministra da Economia, que teve um romance com o colega Bernardo Cabral). Eu dei
as iniciais (o apresentador disse que nunca perguntou a Paulo Coelho o nome do
namorado da ex-ministra. Informado de que o próprio escritor havia relatado o
episódio, disse que talvez não se lembrasse).
Veja – É uma etapa ultrapassada, então?
Coelho
– Digamos que foi um período de brincadeira, e brincar é permitido a todo
mundo, até porque a vida é muito lúdica. Eu não tiro o valor dessa época em que
via essa coisa da magia até com um certo deslumbramento.
[...]
Veja – O senhor não se acha devidamente respeitado?
Coelho
– O respeito principal eu tenho, que é o respeito do meu leitor. E não
tenho complexo. Eu sou um ótimo escritor. Um ótimo escritor. Eu sou vanguarda.
Veja – Quais as características de sua
obra que a fazem ser vanguarda, na sua opinião?
Coelho
– Primeiro o fato de ela ser rejeitada pelo sistema acadêmico. E depois o
fato de o público gostar dela. Porque o público sempre pensa à frente.
[...]
Veja
– O senhor tem uma boa autoestima, não?
Coelho – Eu diria que sou uma pessoa
absolutamente convencida do que faço e absolutamente convencida de que o que
faço é bom.
Veja
– O dizia que, na qualidade de mago, tinha alguns discípulos no Brasil e
fora dele. Ainda tem?
Coelho
– Infelizmente. Quer dizer, retiro o infelizmente. Tenho porque sou
obrigado. Mas eu não tenho o menor saco. Tenho muita preguiça e muito pouca
paciência.
Veja – E o
senhor ainda fala com J., empresário que mora na Holanda e a quem o escritor se
refere como seu mestre em alguns de seus livros?
Coelho
– Falo eventualmente.
Veja
– O senhor dizia que costumava falar com ele inclusive por telepatia.
Coelho – Não, não. Telepatia dá muito
trabalho, um negócio sacal. É por telefone ou fax mesmo.
COELHO, Paulo. Chega de mágica. In:
Veja, Abril, São Paulo, p. 15, 22 ago. 2001. Entrevista concedida a Thaís
Oyama.
Fonte: Livro – Língua
Portuguesa – Heloísa Harue Takazaki – ensino médio – Coleção Vitória-Régia –
Volume único – IBEP. 2004, p. 137-9.
Entendendo a entrevista:
01 – Pra você, em uma
entrevista, o diálogo travado é totalmente espontâneo? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno.
02 – Na sua opinião, no
cotidiano, as conversas são tão ordenadas como na entrevista reproduzida?
Justifique.
Resposta pessoal do aluno.
03 – Qual é a impressão que
você tem de Paulo Coelho ao ler essa entrevista? Comentem entre todos.
Resposta pessoal
do aluno.
04 – Paulo Coelho é um
escritor que, apesar de vender milhões de livros e ter uma vaga na Academia
Brasileira de Letras, continua taxado pela crítica de escritor ruim e suas
obras, superficiais. A entrevista parece conduzir-se na defesa do escritor que
vende milhões de livros ou coloca em xeque as veleidades literárias dele?
Coloca em xeque.
05 – Muitas obras de Paulo
Coelho fazem menção a um suposto poder mágico que o escritor declarou possuir
em entrevistas anteriores. A entrevista dá a entender que esse poder mágico é
legítimo ou uma farsa?
É uma farsa.
06 – Em geral, o tom da
entrevista é favorável ao entrevistado ou não? Explique.
Não é favorável.
A entrevistadora questiona o tempo todo as afirmações de Paulo Coelho, atribui-lhe
características negativas como presunção, vaidade excessiva, e faz questão de
pedir “provas” de suas habilidades como mago.