CRÔNICA: O CORONEL E O LOBISOMEM
Num repente, relembrei estar em noite de lobisomem – era sexta-feira.
Já um estirão era andado quando, numa roça
de mandioca, adveio aquele figurão de cachorro, uma peça de vinte palmos de
pêlo e raiva…
Dei um pulo de cabrito e preparado estava para a
guerra do lobisomem. Por descargo de consciência, do que nem carecia,
chamei os santos de que sou devocioneiro:
Em presença de tal apelação, mais brabento apareceu
a peste. Ciscava o chão de soltar terra e macega no longe de dez braças
ou mais. Era trabalho de gelar qualquer cristão que não levasse o nome de
Ponciano de Azeredo Furtado. Dos olhos do lobisomem pingava labareda, em risco
de contaminar de fogo o verdal adjacente. Tanta chispa largava o penitente que
um caçador de paca, estando em distância de bom respeito, cuidou que o mato
estivesse ardendo. Já nessa altura eu tinha pegado a segurança de uma figueira
e de lá de cima, do galho mais firme aguardava a deliberação do lobisomem.
Garrucha engatilhada, só pedia que o assombrado desse franquia de tiro.
Sabidão, cheio de voltas e negaças, deu ele de executar macaquice que
nunca cuidei que um lobisomem pudesse fazer. Aquele par de brasas espiava aqui
e lá na esperança de que eu pensasse ser uma súcia deles e não uma
pessoa sozinha. O que o galhofista queria é que eu, coronel de ânimo
desenfreado, fosse para o barro denegrir a farda e deslustrar a patente.
Sujeito especial em lobisomem como eu não ia cair em armadilha de pouco pau. No
alto da figueira estava, no alto da figueira fiquei.
(JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO. O Coronel e o
Lobisomem. José Olympio, 11a Edição, Rio de Janeiro)
COMPREENSÃO DO TEXTO
01. Dê o significado das seguintes palavras que aparecem no texto:
a) estirão – caminhada longa
b) carecia – precisava, necessitava
c) macega – qualquer
erva daninha
d) negaças – engodo, isca
e) súcia – multidão de bandidos,
malfeitores
f) denegrir – tirar a
fama ou o crédito, infamar
02. O tempo (momento em que transcorre a ação) e o espaço (local onde ocorre a ação) estão adequados ao fato narrado? Justifique.
Sim. Pois descreve o
encontro de um lobisomem, personagem folclórica que segundo seus criadores, só
aparece à noite em lugares ermos ou florestas. O texto informa que era “noite
de lobisomem – sexta-feira… numa roça de mandioca”.
03. Em que pessoa é narrado o texto? Quem é o narrador?
É narrado em 1a
pessoa. O narrador é Ponciano de Azeredo Furtado.
04. Pode-se afirmar que o lobisomem é esperto? Justifique sua resposta com elementos do texto.
Sim. O texto informa
que o lobisomem era “sabidão, cheio de voltas e negaças, deu ele de executar
macaquice que nunca cuidei que um lobisomem pudesse fazer. Aquele par de brasas
espiava aqui e lá na esperança de que eu pensasse ser uma súcia deles e não uma
pessoa sozinha.”
05. Aponte uma passagem do texto que indica que o coronel sentiu medo do lobisomem.
“Já nessa altura eu tinha pegado a
segurança de uma figueira e lá de cima, do galho mais firme aguardava a
deliberação do lobisomem.”
06. Quais nomes o narrador emprega para designar o lobisomem?
“figurão de cachorro”, “peste”,
“penitente”, “assombrado”, “sabidão”, “par de brasas”, “galhofista”.
07. Indique passagens do texto que revelam a fúria do lobisomem.
“Ciscava o chão de
soltar terra e macega no longe de dez braças ou mais.” “Dos olhos do lobisomem
pingava labareda…”
08. Na frase: “Sujeito especial em lobisomem como eu, não ia cair em armadilha de pouco pau”, qual o sentido das expressões em destaque?
Especial – a palavra se refere
ao narrador que se considerava um profundo conhecedor de lobisomem;
Armadilha de pouco pau – emboscadas fáceis de serem descobertas
antes de ser cair nelas.
09. Pode-se afirmar que o coronel é vaidoso? Justifique sua resposta com elementos do texto.
Sim. “Era trabalho de
gelar qualquer cristão que não levasse o nome de Ponciano de Azeredo Furtado.”
“…eu, coronel de ânimo desenfreado…”, “Sujeito especial em lobisomem como eu
não ia cair em armadilha de pouco pau.”
10. Aponte duas características do ambiente sociocultural em que se desenrola a ação.
As características socioculturais que se pode identificar no
texto: a) A crença em figuras folclóricas existente entre as pessoas
simples e de pouco conhecimento científico que moram na zona rural das cidades;
b) A figura de um protetor rural – o coronel – muito comum em
lugares onde as autoridades não fazem chegar a sua ação.