Conto: A ilha perdida – Fragmento
Maria
José Dupré
Capítulo
I
Na fazenda do Padrinho, perto de
Taubaté, onde Vera e Lúcia gostavam de passar as férias, corre o rio Paraíba.
Rio imenso, silencioso e de águas barrentas. Ao atravessar a fazenda ele fazia
uma grande curva para a direita e desaparecia atrás da mata. Mas, subindo-se ao
morro mais alto da fazenda, tornava-se a avistá-lo a uns dois quilômetros de
distância e nesse lugar, bem no meio do rio, via-se uma ilha que na fazenda chamavam
de Ilha Perdida. Solitária e verdejante, parecia mesmo perdida entre as águas
volumosas.
Quico e Oscar, os dois filhos do
Padrinho, ficavam horas inteiras sentados no alto do morro e conversando a
respeito da ilha. Quem viveria lá? Seria habitada? Teria algum bicho escondido
na mata? Assim a distância, parecia cheia de mistérios, sob as copas altíssimas
das árvores; e as árvores eram tão juntas umas das outras que davam a impressão
de que não se poderia caminhar entre elas.
[...]
Por
ocasião de umas férias, justamente em fins de novembro, chegaram à fazenda
Henrique e Eduardo, os dois primos mais velhos de Oscar e Quico. Eram dois
meninos de doze e catorze anos, fortes e valentes. Montavam muito bem e sabiam
nadar. Logo nos primeiros dias, percorreram sozinhos grande parte da fazenda;
subiram e desceram morros, andaram por toda parte e ao verem o riozinho, onde
Vera e Lúcia tinham ido pescar uma vez com Padrinho, apelidaram-no de “filhote
do Paraíba”.
Madrinha avisava:
—
Vocês não devem andar tão longe de casa; de repente não sabem mais voltar e
perdem-se por aí. Eles riam-se e diziam que não havia perigo; continuavam a dar
grandes passeios e, quando ouviam o sino dar badaladas, tratavam de voltar
depressa.
[...]
Tinham resolvido seguir para a ilha na
terça-feira e estavam ainda no domingo. Precisavam preparar tudo no dia
seguinte.
[...]
Com o esforço que fez ao empurrar a
canoa, Henrique caiu dentro da água molhando-se todo. Não deu a perceber que
ficara aborrecido; pulou para cima da canoa e segurou os dois remos. Eduardo,
sentado no banco que havia no meio, segurou-se fortemente nas bordas da canoa e
olhou para Henrique, cheio de admiração. Com toda calma, Henrique havia
depositado o remo quebrado no fundo e com o outro impelia a canoa para longe da
margem. Ela começou a deslizar rio abaixo e Eduardo sentiu o coração dar um
salto dentro do peito. Pensou coisas horríveis nesse momento: “E se Henrique
perdesse aquele remo? E se não soubessem voltar? E se o rio enchesse mais?”
Estava muito arrependido e teve vontade
de gritar: “Henrique, vamos voltar, eu não quero ir”. Mas não teve coragem.
Ficou quietinho, equilibrando-se com as duas mãos e olhando o rio que corria,
majestoso e tranquilo. Henrique sabia mesmo remar; fez a canoa deslizar sempre
ao lado da margem, de modo que quase podiam segurar os galhos das árvores que
pendiam sobre a água. Eduardo começou a achar bonito e Henrique disse:
— Devem ser seis horas agora; o sol
está começando a esquentar.
[...]
Capitulo
II
Foi com verdadeira emoção que os dois
meninos puseram pé em terra; estavam afinal na célebre ilha. Tudo fora tão
fácil, pensou Eduardo, e Henrique era tão bom remador, não deviam arrepender-se
da mentira pregada aos padrinhos. [...]
Capitulo
III
[...]
Ficaram uns instantes em silêncio
ouvindo os rumores da mata. Ouviram pios de aves, coaxar de sapos, cricri de
grilos; de repente Henrique aproximou-se mais do irmão e segurou-lhe o braço:
— Ouviu?
Eduardo também ouvira um rastejar
esquisito ao seu lado, mas fez-se de forte:
— Isso é sapo, dos grandes.
Henrique
sussurrou:
— Sapo não rasteja, pula. Deve ser
alguém que anda na mata ou algum bicho grande...
— Que tolice. Quem há de ser?
Houve silêncio outra vez. De súbito os
rumores foram aumentando; galhos quebravam-se não muito longe deles. Henrique
tornou a dizer:
— O que será? Parece que anda alguém na
mata; acho que é gente.
[...]
O barulho aumentou; o coração de
Eduardo deu um salto:
— Não é possível que seja gente;
andamos o dia todo por aí e não vimos nada, vamos continuar a procurar a canoa.
— De repente, choramingou: — Henrique, estou com um pouco de medo...
— Medo de quê?
— Não sei, de tudo.
— Eu não penso senão na canoa que temos
que encontrar. Coragem...
Continuaram a caminhar ao acaso, um
segurando a mão do outro, tal a escuridão. A noite caíra completamente.
[...]
Cochilaram de madrugada, Henrique
recostado no ombro de Eduardo. Eduardo não queria dormir, mas não suportou; de
repente estendeu-se nas moitas, enrolou-se no paletó e, sentindo a cabeça do
irmão encostada em seu ombro, dormiu profundamente; não pensou mais em sapos
nem em bicho algum.
Quando acordaram, viram o rio ali bem
perto e o sol que já ia surgindo; levantaram-se e olharam à volta. Eduardo
admirou-se:
— Olhe quanta coisa o rio vem trazendo.
O que será isso?
Ambos olharam espantados; o rio havia
crescido durante a noite de uma maneira assustadora. Estava volumoso e as águas
não eram mansas como no dia anterior; eram vagalhões pesados que passavam
levando galhos enormes e outras coisas. Henrique empalideceu:
— É a enchente, Eduardo! Decerto choveu
muito na cabeceira do rio. Que horror!
[...]
Maria José Dupré. A ilha
perdida. 39. ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 7-8,12,16,20,29-31,33 e 35.
Fonte: Língua Portuguesa – Português –
Apoema – Editora do Brasil – São Paulo, 2018. 1ª edição – 6° ano. p. 155-7.
Entendendo o conto:
01 – Os irmãos Eduardo e
Henrique estavam de férias.
a) Para onde eles foram?
Para a fazenda do padrinho, perto de Taubaté. (Taubaté fica no Vale
do Paraíba, no interior de São Paulo).
b) Pelo lugar passa o Rio Paraíba. Quais adjetivos o caracterizam na narrativa?
Imenso, silencioso, barrento, volumoso (as águas são barrentas e
volumosas).
c) Qual deles indica que a água do rio não é transparente?
Barrento indica que a água não é cristalina, mas turva, lamacenta.
d) Que importância tem o rio na narrativa?
É remando nesse rio que os meninos chegarão à ilha. Também é do rio
que virá a enchente que os assustará.
02 – Na narrativa, fala-se
de uma ilha.
a) Como os moradores da fazenda a chamam? Por que a chamam assim?
Eles a chamam de Ilha Perdida, porque a ilha é solitária e parece
perdida entre as águas do rio.
b) Oscar e Quico ficavam curiosos sobre a ilha. Como é possível saber disso?
Eles ficavam horas imaginando como seria a ilha, se ela era
habitada, se havia bichos.
c) Como a ilha é apresentada no texto? O que o leitor imagina sobre ela?
Como um lugar desabitado, onde ninguém havia estado, o que cria um
clima de mistério para o leitor.
d) Por que você acha que os meninos decidiram ir à ilha?
Porque eram aventureiros, queriam descobrir o que havia lá.
03 – Como os meninos foram
até a ilha? Como estava o rio?
Os meninos foram
de canoa e o rio estava tranquilo.
04 – Os meninos contaram ao
pessoal da fazenda que iam para a ilha? Por que permaneceram na ilha à noite?
Justifique as respostas com trechos do texto.
Eles não contaram
que iam para a ilha; “não deviam arrepender-se da mentira pregada aos
padrinhos”. Permaneceram na ilha porque não achavam a canoa; “Eu não penso
senão na canoa que temos que encontrar”.
05 – Anoiteceu na ilha.
a) À noite o ar misterioso da ilha aumentou? Por quê?
Sim. Com a escuridão os meninos não conseguiam ver nitidamente o que
estava a sua volta.
b) Como os meninos souberam que havia animais na ilha?
Pelo barulho dos animais: coaxar dos sapos, pio das aves, cri-cri
dos grilos.
c) Que tipo de barulho assustou os meninos? Eles conseguiram identificar o que era?
Além do som dos animais, eles ouviram um barulho diferente ao lado
deles, que parecia o ruído de algo ou alguém rastejando. Eduardo achou que
fosse um sapo; Henrique, uma pessoa, mas não conseguiram identificar a causa do
barulho.
d) A progressão dos acontecimentos, o encadeamento deles, ocorre de que modo? Eles aumentam ou diminuem de intensidade?
Os acontecimentos vão se tornando cada vez mais assustadores. A
progressão da narrativa vai criando maior intensidade.
e) Que efeito de sentido essa progressão cria na narrativa?
O suspense aumenta com a progressão, deixando as personagens mais
assustadas e o leitor mais curioso para saber como será o desdobramento dos
fatos.
06 – Releia estes
fragmentos.
“Ficaram
uns instantes em silêncio ouvindo os rumores da mata. Ouviram pios de aves,
coaxar de sapos, cricri de grilos; de repente Henrique aproximou-se mais do
irmão e segurou-lhe o braço:
[...]
Houve silêncio outra vez. De súbito os
rumores foram aumentando; galhos quebravam-se não muito longe deles. [...]”.
O que as expressões “de repente” (repetida várias vezes no texto) e “de súbito” indicam sobre as ações e o andamento da narrativa? Que efeito de sentido o uso delas cria na narrativa?
As expressões
indicam que algo inesperado aconteceu. Elas aumentam o mistério da narrativa,
reforçando o clima de aventura.
07 – “Continuaram a
caminhar” ao acaso, “um segurando a mão do outro, tal a escuridão”.
a) De acordo com o contexto de uso da expressão destacada, como os meninos caminharam?
Eles caminharam sem saber para onde iam.
b) O que a expressão “ao acaso” reforça na narrativa?
Reforça o fato de que os meninos estavam perdidos, sem rumo.
08 – Amanheceu e os meninos
ouviram o barulho do rio.
a) Ao chegar à margem do rio, o que eles viram? Como se sentiram?
Eles viram que o rio havia trazido muitas coisas. No primeiro
momento, Eduardo ficou admirado com as coisas que passavam pelo rio; depois, os
dois se espantaram com o volume das águas e, finalmente, ficaram horrorizados
ao perceber que era uma enchente.
b) Os meninos poderiam percorrer o rio assim? O que você acha que aconteceu?
Não. Com o volume de água e a correnteza forte, eles não poderiam
entrar no rio, pois seria muito perigoso. A resposta da segunda é pessoal.
09 – Analise o narrador da
aventura.
a) Ele narra a história em 1ª ou em 3ª pessoa? Ele observa ou participa da narrativa?
Escreve em 3ª pessoa, narrando o que observa.
b) Ele vai revelando as complicações da história de que maneira? Que efeito essa estratégia cria no texto?
Ele narra aos poucos, criando um efeito de suspense.