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quarta-feira, 4 de junho de 2025

ENTREVISTA COM: LÉA FAGUNDES SOBRE INCLUSÃO DIGITAL - FRAGMENTO - MARCELO ALENCAR - COM GABARITO

 Entrevista com: Léa Fagundes sobre a inclusão digital – Fragmento

        Pioneira no uso da informática educacional no Brasil, Léa Fagundes cobra políticas públicas para o setor e defende a ajuda mútua entre professores e alunos

Por Marcelo Alencar

        [...]

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1TkbsxN3SUHWtelMfkC0eKxdn8ZObzXsNZUfQHOhIeoZCdjI_YZ5vaGGEK8rrXE968ucjowb2dKEZAoYY48w8u0nWCg9UmyPbPJnAzFqZn16UYs2dikVjSefWd_nRSsdbDK5EZjPNrWMeeFA0Xf2y1Cz-EzH4ItY89FJx9CVdnPcmnavEUSrFcOv5yoc/s1600/images.jpg


        A senhora coordena programas ligados à inclusão digital em escolas públicas. Que lições tirou dessa experiência?

        Na década de 1980, descobri que o computador é um recurso "para pensar com", e que os alunos aprendem mais quando ensinam à máquina. Em escolas municipais de Novo Hamburgo, crianças programaram processadores de texto quando ainda não existiam os aplicativos do Windows, produziram textos de diferentes tipos, criaram protótipos em robótica e desenvolveram projetos gráficos.

        Hoje, encontro esses meninos em cursos de ciência da computação, mecatrônica, engenharia e outras áreas. Na Escola Parque, que atendia meninos de rua em Brasília, a informática refletiu na formação da garotada, melhorando sua auto-estima e evidenciando o desempenho de pessoas socialmente integradas. Alguns desses garotos foram contratados como professores e outros como técnicos.

        Os alunos da rede pública têm o mesmo desempenho no uso da informática que os de escolas particulares e bem equipadas?

        Sim. A tese de doutorado que defendi em 1986 me permitiu comprovar o funcionamento dos mecanismos cognitivos durante a construção de conhecimentos.

        Nos anos 1990 iniciei as experiências de conexão e confirmei uma das minhas hipóteses: as crianças pobres consideradas de pouca inteligência pelas escolas, quando se conectam e se comunicam no ciberespaço, apresentam as mesmas possibilidades de desenvolvimento que os alunos bem atendidos e saudáveis.

       
A educação brasileira pode vencer a exclusão digital?

        Há excelentes condições para que isso aconteça. No Brasil já temos mais de 20 anos de estudos e experiências sobre a introdução de novas tecnologias digitais na escola pública. Esses dados estão disponíveis. O Ministério da Educação vem criando projetos nacionais com apoio da maioria dos estados, como o Programa Nacional de Informática Educativa (Proninfe) e o Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo). Muitas organizações sociais e comunitárias também colaboram nesse processo.

        O que mais emperra o uso sistemático da informática nas escolas públicas?

        A falta de continuidade dos programas existentes nas sucessivas administrações. Não se pode esperar que educadores e gestores tomem a iniciativa se o estado e a administração da educação não garantem a infraestrutura nem sustentam técnica, financeira e politicamente o processo de inovação tecnológica.

        Como o computador pode contribuir para a melhoria da educação?

        Inclusão digital não é só o amplo acesso à tecnologia, mas a apropriação dela na resolução de problemas. Veja a questão dos baixos índices de alfabetização e de letramento, por exemplo. Uma solução para melhorá-los seria levar os alunos a sentir o poder de se comunicar rapidamente em grandes distâncias, ter ideias, expressá-las como autores e publicar seus escritos no mundo virtual.

        [...].

Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/planejamento-e-financiament/podemos-vencer-exclusao-digital-425469.shtml. Acesso em: 18/7/2012.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 316-317.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual a principal descoberta de Léa Fagundes sobre o uso do computador na educação na década de 1980?

      Léa Fagundes descobriu que o computador é um recurso "para pensar com" e que os alunos aprendem mais quando ensinam à máquina.

02 – Que exemplos a entrevistada cita para ilustrar o sucesso da informática educacional em escolas públicas?

      Ela cita que, em Novo Hamburgo, crianças programaram processadores de texto, produziram diferentes tipos de textos, criaram protótipos em robótica e desenvolveram projetos gráficos. Na Escola Parque em Brasília, a informática melhorou a autoestima dos garotos e evidenciou seu desempenho, levando-os a serem contratados como professores e técnicos.

03 – Segundo Léa Fagundes, existe diferença no desempenho de alunos da rede pública e particular no uso da informática? Qual a sua hipótese comprovada?

      Não, ela afirma que não há diferença. Sua hipótese comprovada é que crianças pobres, consideradas de pouca inteligência, quando se conectam e se comunicam no ciberespaço, apresentam as mesmas possibilidades de desenvolvimento que alunos bem atendidos e saudáveis.

04 – O que Léa Fagundes aponta como o principal obstáculo para o uso sistemático da informática nas escolas públicas brasileiras?

      O principal obstáculo é a falta de continuidade dos programas existentes nas sucessivas administrações governamentais, que não garantem a infraestrutura nem o suporte técnico, financeiro e político necessário.

05 – Qual a diferença entre "acesso à tecnologia" e "inclusão digital" na visão de Léa Fagundes?

      Para Léa Fagundes, inclusão digital não é apenas o amplo acesso à tecnologia, mas sim a apropriação dela na resolução de problemas.

06 – De que maneira o computador pode, segundo a entrevistada, contribuir para a melhoria dos índices de alfabetização e letramento?

      Ao permitir que os alunos sintam o poder de se comunicar rapidamente em grandes distâncias, ter ideias, expressá-las como autores e publicar seus escritos no mundo virtual.

07 – Quais são as condições existentes no Brasil que, para Léa Fagundes, favorecem a superação da exclusão digital?

      Ela menciona que o Brasil já possui mais de 20 anos de estudos e experiências sobre a introdução de novas tecnologias digitais na escola pública, dados disponíveis, e que o Ministério da Educação (MEC) vem criando projetos nacionais com apoio da maioria dos estados (como Proninfe e Proinfo), além da colaboração de diversas organizações sociais e comunitárias.

 

ENTREVISTA: QUE MISTÉRIO TEM CLARICE? - RENATO CORDEIRO GOMES - COM GABARITO

 Entrevista: Que mistério tem Clarice? (Texto-montagem)

                   Renato Cordeiro Gomes

        Não gosto de dar entrevistas: as perguntas me constrangem, custo a responder, e, ainda por cima, sei que o entrevistador vai deformar fatalmente minhas palavras.

        Assim, para não correr esse risco e não haver constrangimento, não aconteceu nenhuma entrevista, apesar do bate-papo descontraído e, por fim, amigo, numa sala acolhedora, no Leme, onde moram Clarice e seus mistérios.

        Houve não-perguntas, mas há respostas (?). Revelação! Diante da máquina de escrever, ELA fala:

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEcCzORaUpfkWM2OYNL0l7VsMYv9SveI9vTMkHFo4CuXG-ApdkRQQIRIvS4yUDqDCHzrwROba_zbUJpMc-HYyvEZ2GgYXjiCY6r3j3eu4ko_ja914U_SZC8tkp0x7MYjazA6U_5FnTM4J1reeaQjV6InqqkFX-v0_td4AV1rmbXexziIzfbKRUPESGoxc/s320/Ruins_of_Chechelnyk_synagogue.jpg


        Explicação de uma vez por todas

        Recebo de vez em quando carta perguntando-me se sou russa ou brasileira, e me rodeiam de mitos.

        Vou esclarecer de uma vez por todas: não há simplesmente mistério que justifique mitos, lamento muito. E a história é a seguinte: nasci na Ucrânia, terra de meus pais. Nasci numa aldeia chamada Tchetchelnik, que não figura no mapa de tão pequena e insignificante. Quando minha mãe estava grávida de mim, meus pais já estavam se encaminhando para os Estados Unidos ou Brasil, ainda não haviam decidido: pararam em Tchetchelnik para eu nascer, e prosseguiram viagem. Cheguei ao Brasil com apenas dois meses de idade.

        Sou brasileira naturalizada, quando, por uma questão de meses, poderia ser brasileira nata.

        Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor. Comecei a escrever pequenos contos logo que me alfabetizaram, e escrevi-os em português, é claro. Criei-me em Recife, e acho que viver no Nordeste ou Norte do Brasil é viver mais intensamente e de perto a verdadeira vida brasileira que lá, no interior, não recebe influência de costumes de outros países. Minhas crendices foram aprendidas em Pernambuco, as comidas que mais gosto são pernambucanas. E através de empregadas, aprendi o rico folclore de lá.

        Somente na puberdade vim para o Rio com minha família: era a cidade grande e cosmopolita que, no entanto, em breve se tornava para mim brasileira-carioca.

        Quanto a meus rr enrolados, estilo francês, quando falo, e que me dão um ar de estrangeira, trata-se apenas de um defeito de dicção: simplesmente não consigo falar de outro jeito. Defeito esse que meu amigo Dr. Pedro Bloch disse ser facílimo de corrigir e que ele faria isso para mim. Mas sou preguiçosa, sei de antemão que não faria os exercícios em casa. E além do mais meus rr não me fazem mal algum. Outro mistério, portanto, elucidado.

        O que não será jamais elucidado é o meu destino. Se minha família tivesse optado pelos Estados Unidos, eu teria sido escritora? Em inglês, naturalmente, se fosse. Teria casado provavelmente com um americano e teria filhos americanos. E minha vida seria inteiramente outra. Escreveria sobre o quê? O que é que amaria? Seria de que Partido? Que gênero de amigos teria? Mistério.

        A gente nasce para alguma coisa, da qual vamos tomando consciência à medida que cumprimos nossa existência, num ato de doação. Para que você nasceu, Clarice?

        As três experiências

        Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O "amar os outros" é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

        E nasci para escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que, foi esta que eu segui. Talvez porque para as outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E, no entanto, cada vez que vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estreia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.

        Quanto a meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe. Meus dois filhos foram gerados voluntariamente. Os dois meninos estão aqui, ao meu lado. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias, eu lhes dou o que é possível dar. Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo. Mas tenho uma descendência, e para eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia. Sei que um dia abrirão as asas para o voo necessário, e eu ficarei sozinha. É fatal, porque a gente não cria os filhos para a gente, nós criamos para eles mesmos. Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres.

        Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte, mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é o meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.

        Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse à minha espera. E eu vou de encontro ao que me espera.

        Sou uma pessoa muito ocupada: tomo conta do mundo. Lucidamente apenas falo de algumas das milhares de coisas e pessoas de quem eu tomo conta. Também não se trata de um emprego, pois dinheiro não ganho com isso. Fico apenas sabendo como é o mundo.

        Mas por que você toma conta do mundo, se isto lhe dá trabalho?

        É que nasci assim, incumbida. E sou responsável por tudo o que existe, inclusive pelas guerras e pelos crimes de lesa-corpo e lesa-alma. Sou inclusive responsável pelo Deus que está em constante cósmica evolução para melhor.

        O saber e o não-saber

        Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e – por ser um campo virgem – está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é a minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade. 

        O mistério da criação artística

        Quando comecei a escrever, que desejava atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranquila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.

        Dois modos

        Como se eu procurasse não aproveitar a vida imediata mas sim a mais profunda, o que me dá dois modos de ser: em vida, observo muito, sou ativa nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido. Escrevendo, tenho observações por assim dizer passivas, tão interiores que se escrevem ao mesmo tempo em que são sentidas, quase sem o que se chama de processo.

        E por isso que no escrever eu não escolho, não posso me multiplicar em mil, me sinto fatal a despeito de mim.

        A criação artística é um mistério que me escapa, felizmente.

        Aceitando o risco

        Minhas intuições se tornam mais claras ao esforço de transpô-las em palavras. É neste sentido, pois, que escrever me é uma necessidade. De um lado, porque escrever é um modo de não mentir o sentimento (a transfiguração involuntária da imaginação é apenas um modo de chegar); de outro lado, escrevo pela incapacidade de entender se não usar o processo de escrever. Escrever é compreender melhor. Se às vezes tomo sem querer um ar hermético, é que não só o principal é não mentir o sentimento como porque tenho incapacidade de transpô-lo de um modo claro sem que mentisse – e mentir o pensamento seria tirar a única alegria de escrever. Assim, tantas vezes tomo um ar involuntariamente hermético, o que acho bem chato nos outros. Depois da coisa escrita, poderia eu friamente torná-la menos hermética, mais explicativa? Mas é que respeito um certo tom peculiar ao mistério natural da criação não substituível (esse mistério) por clareza outra nenhuma. Também porque acredito que a coisa se esclarece sozinha com o tempo: assim como num copo d'água, uma vez depositado no fundo o que quer que seja, a água fica clara. Se jamais a água ficar limpa, pior para mim. Aceito o risco. Aceitei risco bem maior, como todo o mundo que vive. E se aceito o risco não é por liberdade arbitrária ou inconsciência ou arrogância: a cada dia que acordo, por hábito até, aceito o risco. Sempre tive um profundo senso de aventura, e a palavra profundo está aí querendo dizer inerente. Este senso de aventura é o que me dá o que tenho de aproximação mais isenta e real em relação a viver e, de cambulhada, escrever.

        Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resulta mais numa tentativa. O que também é um prazer. Pois nem tudo eu quero pegar. Às vezes quero apenas tocar. Depois o que toco às vezes floresce e os outros podem pegar com as duas mãos.

        Às vezes tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que, ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia.

        Literatura e justiça

        Minha tolerância em relação a mim, como pessoa que escreve, é perdoar eu não saber como me expressar de um modo "literário" (isto é, transformando na veemência da arte) da "coisa social". Desde que me conheço o fato social teve em mim importância maior do que qualquer outro: em Recife os mocambos foram a primeira verdade para mim. Muito antes de sentir "arte", senti a beleza profunda da luta. O problema de justiça é em mim um sentimento tão óbvio e tão básico que não consigo me surpreender com ele - e, sem me surpreender, não consigo escrever. E também porque para mim escrever é procurar. O sentimento de justiça nunca foi procura em mim, nunca chegou a ser descoberto, e o que me espanta é que ele não seja igualmente óbvio em todos. Na verdade sinto-me engajada. Tudo o que escrevo está ligado, pelo menos dentro de mim, à realidade em que vivemos.

        Autocrítica

        Esta autocrítica tem que ser complacente, porque se fosse aguda demais isso talvez me fizesse nunca mais escrever. Mas eu queria escrever, algum dia talvez. Embora sentindo que, se voltasse a escrever, seria de um modo diferente do meu antigo: diferente em quê? Não me interessa. Minha autocrítica a certas coisas que escrevo, não importa no caso se boas ou más, – falta a elas chegar àquele ponto em que a dor se mistura à profunda alegria, e a alegria chega a ser dolorosa – pois esse ponto é o aguilhão da vida.

        E quantas vezes conseguimos o encontro máximo de um ser com outro ser, quando com espanto dizemos: "Ah!". Às vezes esse encontro consigo próprio se consegue através do encontro de um ser com outro ser.

        Não, eu não teria vergonha de dizer tão claramente o que eu quereria para o futuro: quereria o máximo, e o máximo deve ser atingido e dito com a matemática perfeição da música ouvida e transposta para o profundo arrebatamento que sentimos. Não transposta, pois é a mesma coisa. Deve, eu sei que deve haver um modo em mim de chegar a isso.

        Às vezes sinto que esse modo eu o conseguiria através simplesmente de meu modo de ver mais evoluído. Uma vez sendo, no entanto, que se fosse conseguido seria através da misericórdia. Não da misericórdia transformada em gentileza da alma. Mas da profunda misericórdia transformada em ação, mesmo que seja a ação das palavras. E assim como "Deus escreve direito por linhas tortas", através de nossos erros correria o grande amor que seria a misericórdia.

        Aproximação gradativa

        Se eu tivesse que dar um título à minha vida seria: à procura da própria coisa.

        Mistério

        Sou tão misteriosa que não me entendo. Não, positivamente não me entendo. Bem, mas o fato é que, mesmo não me entendendo, vou lentamente me encaminhando – e também para o quê, não sei. De um modo geral, para mais amor por tudo... Sinto que me encaminho para o mais humano.

        Os mistérios: estes. De Clarice.

Seleta de Clarice Lispector, 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 291-294.

Entendendo a entrevista:

01 – Por que Clarice não gosta de dar entrevistas?

      Clarice não gosta de dar entrevistas porque as perguntas a constrangem, ela tem dificuldade em responder e acredita que o entrevistador fatalmente deformará suas palavras.

02 – Qual a verdadeira nacionalidade de Clarice e como ela se sente em relação a isso?

      Clarice nasceu na Ucrânia, mas chegou ao Brasil com apenas dois meses de idade. Ela se considera brasileira naturalizada e fez da língua portuguesa sua vida interior, usando-a para seu pensamento mais íntimo e para escrever.

03 – De onde Clarice absorveu grande parte de sua identidade cultural brasileira?

      Clarice se criou em Recife, e acredita que viver no Nordeste ou Norte do Brasil é vivenciar a verdadeira vida brasileira. Ela aprendeu suas crendices e gostos culinários em Pernambuco e, através de empregadas, absorveu o rico folclore local.

04 – Como Clarice explica seus "rr enrolados" que a fazem soar como estrangeira?

      Ela explica que é apenas um defeito de dicção e que não consegue falar de outro jeito. Ela também menciona que um amigo, Dr. Pedro Bloch, disse que seria fácil de corrigir, mas ela é preguiçosa para fazer os exercícios.

05 – Quais são as três experiências para as quais Clarice afirma ter nascido?

      Clarice afirma ter nascido para amar os outros, para escrever e para criar seus filhos.

06 – De que forma Clarice descreve a criação artística e o processo de escrita?

      Clarice vê a criação artística como um mistério que lhe escapa. Ela descreve a escrita como uma necessidade para não mentir o sentimento e para compreender melhor as coisas, além de ser uma fonte de "inesperadas surpresas" onde ela se torna consciente de coisas que antes não sabia que sabia.

07 – Qual é o sentimento de Clarice em relação à justiça social e como isso se relaciona com sua escrita?

      Para Clarice, o problema da justiça é um sentimento "óbvio e básico" que a "engaja". Embora não consiga escrever sobre isso de forma "literária" (transformando-o em veemência artística), ela afirma que tudo o que escreve está ligado à realidade em que vivemos.

 

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

ENTREVISTA: A TURMA DO MAURÍCIO - FRAGMENTO - FELIPE MACHADO - COM GABARITO

 Entrevista: A turma do Maurício – Fragmento

        Aos 85 anos, Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, prepara a versão de seus personagens em idade adulta e aposta nos filmes com atores reais

        Ninguém no Brasil tem uma família tão grande quanto Maurício de Sousa. Além dos dez filhos biológicos, ele é responsável pela criação de mais de 400 personagens [...]. Sua saga começou aos 19 anos, quando mudou-se para a capital e escreveu reportagens policiais na Folha de S. Paulo. Em 1959, aos 24, realizou o sonho: publicou no jornal uma tirinha com um personagem seu, o cão Bidu e seu dono, Franjinha. Aí vieram Mônica e Magali, inspiradas nas filhas, Cebolinha e Cascão. [...].

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijfk7Q_gCSNXVooB6r_dPFb7oQ6OMQSYFlM8CVf75kmNGYcBHsiaIpQdPf4x1N97JGl2pwJS9o6_EGJQ5G3qKn5cHkKPugpe8l5XHVCKl1RL_MwdUoYAKSTu2ea80mcyBZrFf3ys4ddEm4NtLJCOZuZSqMZ2iI0mFSvu1RHBAw7LApPNJ0VuF4GL6nlUM/s320/GF_Turma-da-monica.jpg


 Depois do sucesso da Turma da Mônica Jovem, que mostra os personagens com idades de adolescentes, Maurício estuda uma maneira de adaptá-los para a vida adulta. [...] O plano é ambicioso: a idade da turma acompanhará o tempo cronológico dos leitores, ou seja, o primeiro ano traria Mônica com 25 anos, no ano seguinte com 26, e assim por diante. “Ainda precisamos definir como seria a relação entre eles, quem casaria com quem, quem teria filhos com quem”, explica.

        ENTREVISTA

        “Todos nós somos substituíveis”

        Você tem feito campanhas de conscientização; até o Cascão lavou as mãos contra o coronavírus. Quadrinhos devem ter função social?

        Criei esses personagens há 60 anos inspirados nas minhas filhas, mas percebi que não estava falando só sobre crianças próximas. Sempre tento descobrir como podemos ajudar crianças com problemas e suas famílias.

        Como manter os leitores jovens que estão envelhecendo?

        Ninguém envelhece hoje, só fica com mais idade. E eles gostam de continuar a se ver nas histórias. Não quero que falem: “a Turma já foi criança, jovem e adulta, vai fazer agora a da terceira idade?” [...] A ideia é construir histórias atuais, em tempo real. [...]

        A notícia de que a Mônica fez 60 anos deixou muita gente surpresa. Como você se sente tendo uma filha que virou um personagem universal?

        Fico feliz da vida. Tenho duas Mônica para cuidar, a real e a desenhada.

        [...]

        Tivemos recentemente a morte do Quino, influente cartunista argentino. Há uma nova geração chegando?

        A gente nunca sabe, mas sempre aparece algum jovem. Todos nós somos substituíveis, às vezes demora um pouquinho, mas sempre chega alguém. Tem muita criança aí rabiscando para ser o Maurício de Sousa do futuro. O importante e dar material para desenhar e deixar brincar.

        [...]

MACHADO, Felipe. A turma do Maurício. ISTO É, [São Paulo], 3 nov. 2020. Disponível em: https://istoe.com.br/a-turma-do-mauricio. Acesso em: 5 maio 2021.

Fonte: Maxi: Séries Finais. Caderno 1. Língua Portuguesa – 7º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 42-43.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual a principal novidade que Maurício de Sousa está preparando para a Turma da Mônica?

      Maurício de Sousa está preparando uma nova fase para a Turma da Mônica, na qual os personagens envelhecerão em tempo real, acompanhando o crescimento dos leitores. A ideia é mostrar os personagens na vida adulta, explorando novas relações e desafios.

02 – Qual a importância da Turma da Mônica na vida de Maurício de Sousa?

      A Turma da Mônica é uma parte fundamental da vida de Maurício de Sousa. Os personagens foram inspirados em seus filhos e, ao longo dos anos, se tornaram uma família para ele. Além disso, Maurício enxerga a importância de usar os quadrinhos para abordar temas sociais e ajudar crianças e famílias.

03 – Como Maurício de Sousa pretende manter os leitores jovens interessados na Turma da Mônica?

      Para manter os leitores jovens, Maurício de Sousa pretende criar histórias atuais e relevantes, que acompanhem os acontecimentos do mundo real. A ideia é mostrar que os personagens também envelhecem e enfrentam os desafios da vida adulta, mas sem perder a essência e o humor que os caracterizam.

04 – Qual a visão de Maurício de Sousa sobre o futuro dos quadrinhos e a importância de incentivar novos talentos?

      Maurício de Sousa acredita que sempre haverá novos talentos surgindo nos quadrinhos, e que é importante incentivar crianças a desenhar e criar suas próprias histórias. Ele destaca a importância de oferecer materiais e oportunidades para que os jovens desenvolvam sua criatividade.

05 – Como Maurício de Sousa vê a relação entre seus personagens e a realidade?

      Maurício de Sousa acredita que seus personagens são uma representação da realidade, mas também possuem uma vida própria. Ele busca criar histórias que reflitam os desafios e as alegrias da vida, mas também que sejam divertidas e inspiradoras.

06 – Qual o papel social que Maurício de Sousa atribui aos quadrinhos?

      Para Maurício de Sousa, os quadrinhos têm um papel social importante. Eles podem ser utilizados para educar, conscientizar e promover valores positivos. Ele utiliza seus personagens para abordar temas relevantes, como a importância da higiene e a luta contra o preconceito.

07 – Qual a sensação de ter criado um personagem tão popular e duradouro como a Mônica?

      Maurício de Sousa se sente muito feliz e realizado por ter criado um personagem tão querido e duradouro como a Mônica. Ele destaca a importância da família que construiu ao redor da Turma da Mônica e a alegria de ver que seus personagens continuam a fazer parte da vida de tantas pessoas.

 

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

ENTREVISTA: "LIVRO PARA CRIANÇA NÃO PRECISA SER EDUCATIVO", DIZ VENCEDORA DO JABUTI -FRAGMENTO - COM GABARITO

 Entrevista: “Livro para criança não precisa ser educativo”, diz vencedora do Jabuti – Fragmento

        A vida da escritora Marina Colasanti, 77, é um livro de histórias. Começa na África, em um país chamado Eritreia, onde nasceu.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjj1I-x1WYJ1tmGVcOdyjc6bUI7UF5GYZl5F6sfl5UXRoTezpe40FvFXUV0gWLuH7O8BHWJleo3EkKAtNjSC-8VFudknZPwHEEFgzYVwHPWpQr-tLR4wNp1ywIGgMwbDXUps8LkZvVdngXsUkHJkeOCUVNeO9ahNq1JL4v-wAa8D4jOwNxeO787rYSjG3E/s320/Marina-Colasanti.jpg


        Depois, vem a Segunda Guerra Mundial e a infância na Itália. Aos dez anos de idade, ela passa a viver no Brasil, em um palacete no Rio.

        Autora de poemas, crônicas e até contos de fadas, Colasanti adicionou um novo capítulo a sua vida: ganhou o Jabuti de melhor livro de 2014 com o infantil “Breve” história de um pequeno amor – seu sétimo Jabuti, um dos prêmios literários mais importantes do Brasil.

        “Não esperava. É raro que um livro para crianças seja considerado o melhor do ano”, disse a escritora à Folhinha. Leia a entrevista a seguir.

        Folhinha: Foi uma surpresa ganhar o Jabuti de melhor livro do ano?

        Marina Colasanti: É muito raro que um livro para crianças vença como o melhor do ano. Foi uma surpresa absoluta.

        Folhinha: O prêmio mostra uma valorização da literatura infantil?

        Marina Colasanti: Gostaria de dizer que sim. Mas há um certo demérito ligado à literatura infantil, como se não fosse necessário ser escritor para escrever livros para crianças. Veja uma coisa: se algum escritor brasileiro ganhasse o Nobel, todos fariam muito barulho, concorda? Porém, o Brasil já ganhou por três vezes o Hans Christian Andersen [considerado o Nobel da literatura infantil], e ninguém fala sobre isso.

        Por outro lado, a literatura infantil e juvenil está na ponta mais valorizada do mercado, que tem altíssimo interesse por esse tipo de livro. Há muita demanda, muito lançamento. Mas muitas vezes sem um cuidado literário.

        Folhinha: Como assim?

        Marina Colasanti: A produção de livros sofre de duas doenças. Uma é o descrédito da inteligência infantil por parte dos adultos. Eles acreditam que qualquer coisa pode ser publicado e que a criança não vai perceber que o livro é ruim. O outro problema é que a literatura infantil tem um pé amarrado na educação, como se ela servisse para carregar conhecimentos, princípios morais, como uma cápsula que tivesse outra coisa dentro. E isso envenena a literatura.

        As grandes obras são grandes porque escaparam disso. Por exemplo, o [Lewis] Carroll, que era educador, não colocou nada de educativo na Alice. Fez um baita sucesso. Toda a produção do [Carlo] Collodi é extremamente educativa, menos uma: Pinóquio, que é uma obra genial. Esse envenenamento pela educação é um problema não só do Brasil. A literatura é formadora e ensina por si, e não por ensinamentos embutidos.

        [...]

        Folhinha: Quando terminei “Breve” história de um pequeno amor, fiquei com a dúvida: É um livro para criança?

        Marina Colasanti: Adoro quando essa pergunta aparece no fim. É o melhor atestado de qualidade que o livro pode ter. Se uma obra infantil não toca um adulto, ele também não vai tocar a criança. Eu nunca escrevi para distrair ninguém. Não sou um palhaço. Eu quero tocar, emocionar, sacudir, fazer refletir. Nada disso é possível se aquilo que você escreve não toca pontos profundos do leitor.

        Folhinha: É possível tocar esses pontos com um pombo como personagem principal?

        Marina Colasanti: A criança não se identifica apenas com o “eu”, como se fosse um espelho. É um erro achar que a melhor chave de leitura é a identificação. A criança busca a identidade no outro, no melhor amigo, no convívio com os irmãos. Achar que livro infantil sempre tem que ter criança é deixar a literatura mais pobre.

        [...]

        Folhinha: A criança de hoje é muito diferente da de sua época?

        Marina Colasanti: A principal mudança foi a valorização do desejo da criança. A gente até podia ter vontades, mas isso não significava que seriam atendidas pelos adultos. Hoje, o desejo da criança é uma ordem. Ela quer algo e ponto. Na minha época, no máximo, a criança gostaria de alguma coisa. Mas ela segue precisando de cuidados, com medo da morte, pavor do escuro. A criança continua a mesma, embora o cotidiano seja muito diferente.

        Folhinha: Outra mudança foi o aparecimento do digital. Como isso se reflete na literatura?

        Marina Colasanti: O livro não vai acabar. O que pode mudar é a chamada sacralização do livro. Ler sempre foi um momento importante. Não sabemos se, com a popularização do digital e livros mais baratos, o valor da leitura não será quebrado. Tudo é muito recente.

MOLINERO, Bruno. Livro para criança não precisa ser educativo, diz vencedora do Jabuti. Folha de S. Paulo. 3 jan. 2015. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folhinha/2015/01/1568552-livro-para-crianca-nao-precisa-ser-educativo-diz-vencedora-do-jabuti.shtml. Acesso em: 20 abr. 2021.

Fonte: Maxi: Séries Finais. Caderno 2. Língua Portuguesa – 6º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 23-25.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual a principal surpresa para Marina Colasanti ao ganhar o prêmio Jabuti?

      A principal surpresa foi o fato de um livro infantil ter sido considerado o melhor livro do ano, já que é raro que isso aconteça.

02 – Qual a visão de Marina Colasanti sobre a valorização da literatura infantil no Brasil?

      Apesar de haver uma grande demanda e interesse por livros infantis, a autora acredita que há um certo descrédito em relação à literatura infantil, como se não fosse necessário ser um escritor de verdade para escrever para crianças.

03 – Quais os principais problemas que Marina Colasanti identifica na produção de livros infantis atualmente?

      Os principais problemas são o descrédito da inteligência infantil e a tendência de transformar a literatura infantil em um veículo para transmitir ensinamentos morais e educativos, em vez de permitir que as histórias toquem e emocionem as crianças.

04 – Qual a importância de uma obra infantil tocar o adulto leitor?

      Para Marina Colasanti, se uma obra infantil não toca um adulto, ela também não conseguirá tocar uma criança. A literatura infantil deve ser capaz de emocionar e fazer refletir tanto crianças quanto adultos.

05 – Por que Marina Colasanti acredita que a criança não se identifica apenas com personagens que se assemelham a ela?

      A autora acredita que a criança busca a identidade no outro, em personagens diferentes de si mesma, como amigos, irmãos e até mesmo animais.

06 – Como Marina Colasanti vê as mudanças na criança ao longo do tempo?

      A principal mudança que a autora observa é a valorização do desejo da criança, que hoje em dia tem suas vontades mais atendidas. No entanto, as crianças continuam tendo as mesmas necessidades básicas, como medo da morte e do escuro.

07 – Qual o impacto do digital na literatura infantil, na visão de Marina Colasanti?

      A autora acredita que o livro não irá desaparecer, mas que a forma como ele é consumido pode mudar. A popularização do digital pode alterar a valorização da leitura, mas ainda é cedo para saber como isso irá se desenrolar.

08 – Qual a importância de um livro infantil tocar pontos profundos do leitor?

      É fundamental que um livro infantil toque em questões profundas e emocionais, para que possa gerar reflexão e conexão com o leitor.

09 – Por que Marina Colasanti considera a pergunta "É um livro para criança?" um elogio?

      Essa pergunta indica que o livro transcende as barreiras entre o mundo adulto e infantil, sendo capaz de emocionar e envolver leitores de todas as idades.

10 – Qual a mensagem principal que Marina Colasanti quer transmitir com suas obras infantis?

      A autora busca tocar, emocionar, sacudir e fazer refletir seus leitores, independentemente da idade. Ela acredita que a literatura infantil tem o poder de transformar e enriquecer a vida das pessoas.

 

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

ENTREVISTA: QUERO BATALHAR IGUAL MINHA MÃE, MAS TER UMA VIDA MELHOR, DIZ VITÓRIA, 11- FRAGMENTO - PAULO SALDANHA - COM GABARITO

 Entrevista: Quero batalhar igual minha mãe, mas ter uma vida melhor, diz Vitória, 11. – Fragmento

        Vitória olha com admiração para a história da mãe, e da avó, que vende temperos na feira e é apontada como sua confidente. Quer ser batalhadora como as duas, mas espera para si um futuro melhor. “Acho que a gente tem que pensar em coisas grandes”, diz. “Eu acho muito fundamental as pessoas que têm oportunidade de estudar, olhar assim pro caderno e ver uma fonte de aprendizagem”.

        Aluna do 6º ano da escola municipal de ensino fundamental do CEU Três Pontes, no Jardim Romano, zona leste de São Paulo, Vitória Railane Nobre Santos tem 11 anos. Mora no mesmo bairro com a mãe, avó e a irmã mais velha.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLv9zfSfPFgmZrkzhoCRIRMVaFAgcJn7YGA7Ds1ngsJ1hWX_EDfM2NDGBvAZz1hWCCKJtnkdy0eep2MqfHa8k3_Af0cdflBpBYICFs1UOfwMuSBY2R8vs4zXAJuzTeVYvBg2WerXVNIt4vfpz4yQpa0nP4uqaVdRNYYXH66LKQRHjgLgECeSdgnpG0Oyk/s1600/CEU.jpg


        [...] Para ela, a educação é um caminho para uma vida melhor da de seus familiares – mas também uma oportunidade de entender o mundo atual e poder intervir mais na sociedade. [...]

        Vitória, me conta um pouco sobre a sua rua, seu bairro, sua casa. Você gosta de morar aqui?

        Eu moro aqui mesmo no Jardim Romano e adoro por causa das minhas colegas, das amizades que eu tenho na rua, mas dentro de casa é mais diferente, porque eu tenho uma irmã de 14 anos, que se acha “adultona”, quer mandar em mim. Um modo de eu me distrair é aqui mesmo, na escola, com as minhas amigas, ou quando eu passo na rua e converso com alguma pessoa que eu gosto.

        [...]

        Mas você nasceu no Ceará?

        Não, eu fui para o Ceará quando tinha 1 ano de idade. Aí eu fiquei lá até os meus seis. Eu me considero uma cearense, no caso. O meu pai veio do Ceará, minha mãe veio do Ceará, a família todinha do meu pai veio do Ceará, então sangue de cearense está aqui em mim, né? Às vezes, minha mãe reclama porque o meu jeito de falar é igual ao deles. Mas foram seis anos num lugar aprendendo a viver da maneira daquele estado. É muito difícil chegar aqui e, de uma hora para outra, aprender a falar igual eles fazem.

        Mas eu acho bonito o sotaque do Ceará. Você acha? Tem orgulho dele?

        Sim, eu uso todo dia, então é difícil não achar bonito. É uma maneira de expressar um lugar muito humilde, que eu gosto e onde eu queria ter nascido. A minha vida praticamente foi feita lá.

        [...]

        Você queria opinar sobre o que vai ser ensinado [na escola]?

        Eu queria que a gente aprendesse um pouco mais sobre eras antigas e sobre deputados, essas coisas. Quando os deputados a gente começar a aprender, mas isso é o que a gente não aprende.

        Por que você acha importante?

        Porque se a gente aprendesse mais coisas sobre a política, ia pensar e falar com os nossos pais antes de votarem. É fácil chegar lá, digitar o número e votar. Agora, quando os políticos começam a acabar com o nosso Brasil, as pessoas só colocam a culpa neles, mas não pensam em quem vota. Então, acho que era fundamental aprender. Eu vi lá na TV que eles roubam R$ 1,6 bi da gente por ano. É dinheiro que eles podiam doar para um orfanato ou um daqueles tipos de casa para morador de rua. Mas não, eles gastam com iate, dessas coisas porque minha mãe levanta muito cedo para trabalhar, minhas tias trabalham muito, suam muito para ganhar R$ 100 por mês. Trabalha de doméstica, então eu vejo como ela sofre para ganhar um pouco de dinheiro para os deputados fazerem isso.

        Como você vê o seu futuro? Você quer ser igual a sua mãe ou a sua vó?

        Tipo, quero ser batalhadora igual a minha mãe, a minha avó, sim. Só que eu queria ter um futuro melhor do que o delas. Acho que a gente tem que pensar em coisas grandes. Minha mãe não pôde estudar porque trabalhava das 5h até de tarde, lá no Parque Dom Pedro, no Brás. Eu acho muito fundamental as pessoas que têm oportunidade de estudar, olhar assim para o caderno e ver uma fonte de aprendizagem porque tem muita gente que não estudou, não sabe ler, não sabe escrever. Inclusive, fui eu que ensinei minha avó a assinar o nome dela porque ela não sabia. Como a coitada trabalhava muito, não tinha tempo de ir para a escola. a minha mãe estudou até o sétimo ano, mas foi muitas poucas coisas que ela aprendeu.

SALDANA, Paulo. Tem coisas que a escola não ensina, a gente aprende na vida, diz Beatriz. 13 fev. 2019. Folha de S. Paulo. Disponível em: http://temas.folha.uol.com.br/crianca-do-dia/educacao/tem-coisas-que-a-escola-não-ensina-a-gente-aprende-na-vida-diz-Beatriz-11.shtml. Acesso em: 20 abr. 2021.

Fonte: Maxi: Séries Finais. Caderno 2. Língua Portuguesa – 6º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 19-20.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual a principal aspiração de Vitória para o futuro?

      Vitória deseja ter um futuro melhor do que o de seus familiares, com mais oportunidades de estudo e trabalho. Ela valoriza a educação como ferramenta para transformar sua vida e a vida da comunidade.

02 – Como Vitória descreve sua relação com a família?

      Vitória tem uma relação próxima com sua mãe e avó, admirando a força de trabalho e a luta delas. No entanto, ela também descreve as dificuldades de conviver em casa, como a diferença de idade com sua irmã.

03 – Qual a importância da educação para Vitória?

      A educação é vista por Vitória como um caminho para a ascensão social e para a transformação da sociedade. Ela acredita que o conhecimento é fundamental para entender o mundo e poder intervir nele.

04 – Qual a visão de Vitória sobre a política?

      Vitória demonstra preocupação com a política e a corrupção. Ela acredita que a educação política é fundamental para que as pessoas possam tomar decisões mais conscientes e exigir dos seus representantes.

05 – Como Vitória se sente em relação à sua origem e cultura?

      Vitória tem orgulho de suas raízes cearenses e valoriza a cultura de sua família. Ela vê seu sotaque como parte de sua identidade e como uma forma de expressar sua história.

06 – Quais são os desafios que Vitória enfrenta em sua comunidade?

      Vitória vive em uma comunidade com desafios como a falta de oportunidades, a desigualdade social e a corrupção. Ela observa as dificuldades que seus familiares enfrentam e busca soluções para melhorar a vida de todos.

07 – Qual a importância das amizades para Vitória?

      As amizades são um refúgio para Vitória, um espaço onde ela se sente acolhida e pode se divertir. As relações interpessoais são importantes para ela, tanto dentro quanto fora de casa.

08 – Qual a influência da história de vida de sua família na visão de futuro de Vitória?

      A história de luta e superação de sua família serve de inspiração para Vitória. Ela deseja seguir os passos de suas parentes, mas com mais oportunidades e conhecimentos.

09 – Quais são os temas que Vitória gostaria de aprender mais na escola?

      Vitória demonstra interesse em aprender mais sobre história, política e cidadania. Ela acredita que esses conhecimentos são essenciais para entender o mundo e poder participar ativamente da sociedade.

10 – Qual a mensagem que Vitória transmite com sua história?

      Vitória transmite uma mensagem de esperança e determinação. Apesar dos desafios, ela acredita no poder da educação e da união para construir um futuro melhor. Sua história inspira outras pessoas a lutarem por seus sonhos e a fazer a diferença em suas comunidades.