Crônica: Meu Pai, o Homem que Torcia por Mim
Walcyr Carrasco
SEMPRE QUE VEJO UM CANÁRIO, lembro do meu pai. Cresci
cercado por gaiolas, repletas de espécimes
coloridos. Ajudava a dar alpiste, a encher os bebedouros de água. Acompanhava
as fêmeas chocando os ovos, pequenos e pintados. Era fantástico ver os
filhotinhos piando. Minha mãe preparava uma papa de ração, que meu pai dava com
uma colherinha. `As vezes eram tantos os cuidados que eu sentia ciúme. E se
gostasse mais dos canários que de mim?
Meu pai não era dado a expansões carinhosas.
Talvez porque fosse criado em um meio em que homem não expressava os sentimentos.
Talvez porque nunca recebeu muito carinho de seu próprio pai. Saiu de casa aos
treze anos e foi morar com um irmão. Teve um problema nos olhos e quase ficou
cego, ainda adolescente. Mais tarde, quando quis continuar os estudos, já
estava casado e com filhos. Tentou, mas não pôde seguir adiante.
Era ferroviário. Telegrafista. Profissão
simples, mal remunerada. A pobreza, na minha infância no interior, era mais
digna do que a de hoje em dia. Afinal, ele conseguiu batalhar por um projeto de
vida para os filhos. A duras penas, mas conseguiu. Sua maior crença era nos
fazer estudar. Meus dois irmãos começaram a aprender música aos seis anos de
idade. Eu preferi estudar inglês, desde os dez. Ia à escola pública. Na época o
colégio do Estado era prestigiado. Lutava-se para entrar, pela qualidade do
ensino. Os professores eram pessoas respeitadas na cidade. Tratadas de maneira
especial, pois, afinal, eram professores! Tudo isso pode parecer estranho hoje
em dia, quando se ouve falar de escolas depredadas e de alunos que ameaçam os
mestres. Mas houve um tempo, e não há tantos anos assim, em que o ensino
merecia tratamento especial. Todos os esforços da família eram orientados para
nossa educação. Até a fuga dos canários causaria menos dor a meu pai do que ver
um filho repetir o ano.
Ganhei minha primeira máquina de escrever aos
treze. Já anunciava aos quatro ventos meu desejo de ser escritor. Um dia —: não
era Natal nem aniversário — ele veio com a máquina. Modelo simples, portátil.
Comprada em prestações a perder de vista. Coloquei a primeira folha de papel
sulfite e experimentei a primeira tecla. Nunca vou esquecer a sensação, o
cheiro de tinta e a letra surgindo no papel!
Ao longo da vida, tive a chance de sentir seu
apoio, várias vezes. Mesmo quando resolvi partir pelo mundo, de mochila nas
costas, não ouvi uma palavra de recriminação. Quando voltei, ele continuava
torcendo por mim. .
Ficou doente por quase vinte anos. Algum tempo
antes da grande partida, teve a percepção de que não duraria muito. Foi ao
cartório e fez o documento, pedindo para ser cremado. E outro para doar seus
órgãos. Entretanto, quando aconteceu, pareceu tão de repente, tão
despropositado! Fica sempre a sensação de que poderia ter ficado conosco por
mais tempo, de que faltou falar sobre tantas coisas!
Quando fomos examinar seus papéis, encontramos
uma carta, endereçada a todos nós. Escrita para ser aberta depois da partida.
Dizia como tinha sido bom ser nosso pai. A palavra de carinho que, em vida, foi
tão difícil pronunciar. Para cada um tinha uma mensagem especial. Lembrava que
a vida não termina aqui, neste mundo. Fosse para onde fosse, prometia continuar
pensando em nós.
Até hoje, quando lembro dessa carta, sinto os
olhos marejados de lágrimas.
Meu pai era um homem simples, mas teve grandeza.
E o mais importante, ele torcia por mim. Para mim, esse é o significado maior
de um pai. Alguém capaz de torcer, sempre, sem nenhuma condição, nenhuma
imposição. Porque a única condição entre pai e filho deve ser sempre o amor.
Entendendo o texto
01. O que o autor faz sempre que vê um canário?
a) Lembra
do pai.
b) Compra um novo
pássaro.
c) Alimenta o
canário.
d) Solta o canário.
02. Qual era a
profissão do pai do autor?
a) Professor.
b) Médico.
c) Ferroviário.
d) Músico.
03. Por que o pai do
autor não era dado a expansões carinhosas?
a)
Porque não gostava do autor.
b) Porque nunca recebeu muito carinho de
seu próprio pai.
c) Porque tinha problemas nos olhos.
d) Porque não sabia expressar sentimentos.
04. O que o pai do
autor desejava para seus filhos?
a) Tornarem-se músicos.
b) Fazerem carreira no ferroviário.
c) Estudarem.
d) Criarem canários.
05. Como o autor
descreve o período de sua infância em relação à pobreza?
a) Digno.
b) Desprezível.
c) Desesperador.
d) Humilhante.
06. O que o autor
ganhou aos treze anos que indicava seu desejo de ser escritor?
a) Um livro.
b) Uma máquina de escrever.
c) Um computador.
d) Uma caneta.
07. Quando o autor
decidiu partir pelo mundo, qual foi a reação de seu pai?
a) Ficou zangado.
b) Apoiou e torceu por ele.
c) Não se importou.
d) Pediu para que ele não fosse.
08. Por quanto tempo
o pai do autor ficou doente?
a) 10 anos.
b) 15 anos.
c) 20 anos.
d) 25 anos.
09. O que o pai do
autor fez antes de falecer em relação ao seu funeral?
a) Escreveu uma carta pedindo para ser enterrado.
b) Fez um testamento.
c) Foi ao cartório e fez um documento
pedindo para ser cremado.
d) Não fez nenhum preparativo.
10. O que o autor
encontrou ao examinar os papéis de seu pai após sua morte?
a) Uma lista de presentes.
b) Uma receita de família.
c) Uma carta
endereçada a todos.
d) Um diário pessoal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário