Crônica: Família Unida
Walcyr Carrasco
Todos
os anos, mães e filhos se encontram para um novo round. São os tais laços de família que,
frequentemente, se transformam em nós.
—
Acho que a mamãe não está regulando bem. Fez tender para o almoço. Está cansada
de saber que estou de regime — geme a mais nova.
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvjCOyo_QNL4atdkcK5KcpvqgWzPPfYwHN19JJdtTsB6lp60qw3hhyKRIDRcK42OpO2u0NBTca6qOst7xPCNi8iHX_QTxtBh2G1rPfkgFe8TnMld2id61iDo841BsgZzeVpfHU2TSGTSD1ZSFImIdEyfCWrJilISBaCiHy1ld2cni3SmLe-Y7cYm0A9kI/s320/FAMILIA.jpg
— E a idade... ela não é mais o que era — diz
a mais velha.
Saltitante,
a mãe mostra a mesa com um sorrisinho. Não só o tender criminoso, adornado com
pêssegos em calda. Mas também a maionese, que todos adoravam quando meninos, e
o quindim de sobremesa. Só falta uma garrafa de colesterol puro. O mais velho,
com uma ponte de safena, morre de pavor de ter infarto à mesa. Mas come. Seja
dito o que for, um dos grandes objetivos de qualquer mãe é engordar os filhos.
—
Está uma delícia, mamãe — suspira a mais nova.
A
mãe não resiste:
—-
Vai repetir? Pensei que estivesse de regime. Você não tem mesmo força de
vontade.
A
filha quase atira o prato no chão. Se comesse pouco, a mãe reclamaria:
—
Desse jeito você acaba doente.
Surgem
as recordações dos bons tempos.
—
Zelito, por que você chegou atrasado? Eu me lembro daquela noite que passei
acordada é depois soube que tinha batido o carro e quase foi preso. Fico
nervosa.
Por
que ela tem de se lembrar sempre daquela noite em que ele dirigiu sem carta? A
única, ilegalidade em toda a sua vida de juiz!
—
Mamãe, isso faz vinte anos. Eu tinha 15.
—
Eu nunca esqueci.
Quem
disse que mãe esquece? A não ser, é claro, nos momentos estratégicos.
—
Gilda, me passe a salada.
Silêncio
mortal. Choque. O filho do meio balbucia.
—
Mãe, esta é a Soraia. Você trocou os nomes. A Gilda é minha ex-mulher.
—
Desculpe, Soraia... eu sei que você não se importa. É a idade. Mas é que eu
adorava a Gilda!
Um
neto bate com um martelinho no chão!
—
Não faça barulho.
—
Você está reprimindo o Arturzinho —- revolta-se a nora.
-—
Gislaine, mamãe tem razão. É uma tortura — defende o caçula.
Gislaine
se levanta, puxando o menino pela mão, e sai. O marido, irritado, corre atrás.
-—Vocês
atacam minha mulher só porque ela era manicure!
Todos
contemplam a mesa desfalcada. A mãe, arrasada.
—
Com ela por perto, não posso dizer um ah! O que será desse menino?
O
grupo descasca a cunhada. Até que ela volta, com o filho e o marido. Senta-se,
um sorriso torto. Tocam a campainha, a mais nova vai atender. É o namorado. A
mãe suspira:
—
Já casou duas vezes. Nem fala mais em noivo ou marido. Só em namorado. Quando
essa menina vai se acertar na vida?
—
Mãe, ela já tem 34 anos. Não meta o bico — palpita a mais velha, esta, sim,
casada e atormentada com os filhos adolescentes, que fugiram do almoço.
—
Eu não me meto em nada — avisa a mãe, feroz. — Mas, se isso é o que chamam de
liberdade, eu dispenso.
A
mais nova entra com um sujeito de bermuda e cabelos de cantor de reggae, dez
anos mais novo. Todos trocam olhares venenosos. A filha avisa que já vão. Surge
o convite materno:
—
Sente-se... coma um pouquinho... eu mesma fiz — murmura gentil.
Ele
recusa educadamente. Ela insiste. Ele se senta e come metade do pernil, dois
terços da maionese e um naco do tender, acompanhado por três cervejas. Depois,
levanta-se:
—
Desculpem por bancar o cachorro magro, mas tenho de ir.
Mal
ele sai com a filha a tiracolo, a mãe geme:
—
E um morto de fome. Imaginem só... criar uma filha, dar estudo, para depois ela
virar vendedora de bijuteria e arrumar um namorado desses.
Exalta-se
o caçula:
—
Mãe, será que você tem de criticar tudo?
Uma
lágrima furtiva. A velha mexe humildemente o garfo no prato.
—
Viu o que você fez? Magoou sua mãe — ataca a nora.
Olhos
arregalados, ele dispara:
—
Quem magoou foi você, quando brigou por causa de seu filho.
— Artur, você vai deixar seu irmão falar assim
comigo?
—
Ela tem razão, Zelito... você...
Olhos
cintilantes, a mãe pede, com voz angelical:
—
Filhos, não briguem por minha causa. Tudo o que quero é uma família unida!
Entendendo a crônica:
01 – Quais são as
principais queixas dos filhos durante o almoço preparado pela mãe?
a) A falta de variedade de pratos.
b) O excesso de comida não saudável.
c) A preocupação com a saúde da mãe.
d) A insistência da mãe para repetir os
pratos.
02 – Por que o filho
mais velho come mesmo tendo preocupações com sua saúde?
a) Porque a mãe o convenceu.
b) Porque adora a comida da mãe.
c) Porque tem medo de discutir com a mãe.
d) Porque está faminto.
03 – Qual foi o
acontecimento que a mãe relembra de forma inoportuna durante o almoço?
a) A formatura do filho mais novo.
b) O acidente de carro do filho mais velho.
c) O divórcio do filho do meio.
d) O nascimento do neto.
04 – Por que a mãe
confunde o nome da nora durante o almoço?
a) Por estar nervosa.
b) Por ter problemas de memória.
c) Por preferir a ex-nora.
d) Por não gostar da atual nora.
05 – Qual é a reação
da nora diante da repreensão da mãe?
a) Ela concorda.
b) Ela fica revoltada.
c) Ela se desculpa.
d) Ela se retira com o marido e o filho.
06 – Como a mãe se
sente quando a mais nova chega com um acompanhante inusitado?
a) Encantada.
b) Preocupada.
c) Desgostosa.
d) Surpresa.
07 – Qual é o motivo
do acompanhante recusar a comida educadamente?
a) Por não gostar da comida.
b) Por ter pressa.
c) Por não querer causar problemas.
d) Por estar de dieta.
08 – O que a mãe
lamenta após a saída da filha com o acompanhante?
a) A falta de educação do acompanhante.
b) O comportamento da filha.
c) A profissão da filha.
d) O estado financeiro da filha.
09 – Como os filhos
reagem à discussão entre a nora e o caçula?
a) Ficam indiferentes.
b) Defendem a nora.
c) Ignoram.
d) Apoiam o caçula.
10 – Qual é o desejo
final da mãe diante das discussões entre os filhos?
a) Que parem de brigar.
b) Que a respeitem mais.
c) Que se sintam culpados.
d) Que se afastem.