Causo: Num rancho às margens do Rio Pardo
Equipe Xico da Kafua
Era um matuto dos bons e vivia num
rancho às margens do Rio Pardo, perto de Cajuru. Seu Ico era o apelido dele.
Acreditava em tudo que via e ouvia. E tinha opiniões muito firmes sobre coisas
misteriosas. Adorava contar casos de assombração e outros bichos:
— Fui numa caçada de veado no
primeiro dia da quaresma! Ai, ai, ai! Num pode caçá na quaresma, mas eu num
sabia. Aí apareceu a assombração! Arma penada do otro mundo. E os cachorro
disparô. Foro tudo pro corgo pra modi fugi da bicha... Veado que é bão nem nu
pensamento, pruque eis tamém pressintiru a penuria passanu ali pertu!
— Mas
era assombração mesmo, seu Ico?
— Pois u que havera di sê? Esse
mundo é surtido!
Pois no mundo sortido do seu Ico também
tinha saci!
— Quando é que o senhor viu saci,
seu Ico?
— Ara! Vi a famia toda, num foi um
saci só... Tinha o saci, a sacia gravi (ele queria dizer grávida), e os sacizim
em riba da mãe, tudo pulano numa perna...
— E o que eles fizeram ou disseram
pro senhor?
— Nada... O saci cachaço inda
ofereceu brasa pro meu paiero (tradução: o saci-pai acendeu o cigarro de palha
dele). Gardicido!, eu disse... e entrei pa dentro modi num vê mais as
tranquera...
E mula sem cabeça? Ah, seu Ico garante
que existe:
— Essa eu nunca vi, mas ouvi o
rinchado dela umas par de veis... E otro que eu tamém vi foi o tar de lobisome!
Ê bicho fei! Mai num feis nada... desvirô num cachorro preto e sumiu presse
mundão de meu Deus. Agora, em dia de pescaria, aparece muito é caboco-d'água.
Um caboquim pretim e jeitado que mora dentro do rio... Ah, e tem que vê tamém o
caapora. Grandão qui nem ele só, com um corpo peludo. Bichu fei! E o curupira!
Vichi Maria, é fei dimais, tem pé virado pa trais...
— E com tudo isso o senhor ainda
se arrisca a ir pro meio do mato, seu Ico?
— Pois vô sem medo! Qué sabê? – Dá
uma gargalhada rouca e faz um ar maroto. – Qual! Tenho muito, mais muito mais
medo é de gente vivo!
EQUIPE Xico da Kafua,
24 nov. 2007. Disponível em: https://www.xicodakafua.com.br/causos_detalje.php?cod=9.
Acesso em: 8 jan. 2015.
Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 6º
ano – Ensino Fundamental – IBEP 4ª Edição São Paulo 2015 p. 159-161.
Entendendo o causo:
01 – Complete a alternativa
a seguir com as informações corretas sobre o texto.
Nesse texto. Um narrador fala sobre seu
Ico, um homem do interior que diz ter visto diferentes tipos de assombrações. Para descrever o matuto, o narrador
apresenta sua conversa com ele.
Ico, interior e
assombrações.
02 – Releia as perguntas ou
comentários que o narrador dirige a seu Ico.
— Mas
era assombração mesmo, seu Ico? [...]
— Quando é que o senhor viu saci,
seu Ico? [...]
— E o que eles fizeram ou disseram
pro senhor?
· Qual é a intenção do narrador ao fazer essas perguntas?
Ele faz perguntas a seu Ico para direcionar a conversa, estimular o
contador a falar sobre diferentes assuntos ou aprofundar a descrição do que ele
já está contando.
03 – O narrador, além de
mostrar ao leitor os causos de seu Ico, retrata-o como uma personagem bem
interiorana. Destaque palavras, expressões ou frases que identifiquem seu Ico
como tal.
“Um matuto dos bons”; “Vivia num rancho”;
“acreditava em tudo que via e ouvia”; “tinha opiniões muito firmes sobre coisas
misteriosas”; “adorava contar casos de assombração e outros bichos”.
04 – É possível dizer que há
dois narradores no texto que você leu: um que conta a história de seu Ico e
outro que é o próprio Ico – personagem que também narra suas histórias ao longo
do texto.
· Considerando essas informações, responda: Qual dos dois narradores pode ser considerado um "contador de causos"?
Seu Ico, pois é ele quem narra histórias que envolvem assombrações e
personagens lendários.
05 – Quais são os seres
sobrenaturais citados por seu Ico?
Assombração (alma
penada), família de sacis, mula sem cabeça, lobisomem, caboclo-d'água, caipora
e curupira.
06 – Releia o trecho a
seguir e responda às próximas questões.
“— Fui
numa caçada de veado no primeiro dia da quaresma! Ai, ai, ai! Num pode caçá na
quaresma, mas eu num sabia. Aí apareceu a assombração!”
a) Seu Ico faz referência a uma crendice popular relacionada a um fato religioso. Qual é ela?
Atividades que não podem ser realizadas durante a quaresma (quarenta
dias que antecedem a Páscoa cristã), como caçar.
b) As crendices populares estão presentes no cotidiano. Cite algumas que você conhece.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: acreditar que atitudes como passar
embaixo de escada, ver gato preto em noite de sexta-feira, quebrar espelho
trazem azar.
07 – Você já viu um contador
de causo pessoalmente ou pela TV? Conte para seus colegas.
Resposta pessoal
do aluno. Professor, incentive a socialização das vivências.
08 – Copie das frases a
seguir as palavras cujo significado você desconheça. Primeiro, tente descobrir
o sentido dos termos, observando a relação que estabelecem com outras palavras.
Depois, pesquise as palavras no dicionário e anote o significado que seja mais
adequado ao contexto.
a) "Era um matuto dos bons [...]".
Era um caipira dos mais típicos, dos mais autênticos, original.
b) "Dá uma gargalhada rouca e faz um ar maroto."
Dá uma gargalhada rouca e faz um ar de esperto, brejeiro.