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quarta-feira, 6 de novembro de 2024

CRÔNICA:AMOR E OUTROS MALES - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: Amor e outros males

              Rubem Braga

        Uma delicada leitora me escreve: não gostou de uma crônica minha de outro dia, sobre dois amantes que se mataram. Pouca gente ou ninguém gostou dessa crônica; paciência. Mas o que a leitora estranha é que o cronista "qualifique o amor, o principal sentimento da humanidade, de coisa tão incômoda". E diz mais: "Não é possível que o senhor não ame, e que, amando, julgue um sentimento de tal grandeza incômodo".

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsAUf0yCp6cUGpQQF1rR5k63EZUDaTQ3vXH_FZ3rayeTxHsOp8K5cQSz0ggtTd5nzeatKlAM31saW0mfjnjQATGdGVCh3EvBOsiUeHzg7YarX0VtSlRaxxrxl_q1OyIVMq-tShlf6jZxXS2-gKiWPZM62NhVqC1aBkf7kPY_JN92PlSnaAlFbZ-hQVYj4/s1600/AMOR.jpg


        Não, minha senhora, não amo ninguém; o coração está velho e cansado. Mas a lembrança que tenho de meu último amor, anos atrás, foi exatamente isso que me inspirou esse vulgar adjetivo – "incômodo". Na época eu usaria talvez adjetivo mais bonito, pois o amor, ainda que infeliz, era grande; mas é uma das tristes coisas desta vida sentir que um grande amor pode deixar apenas uma lembrança mesquinha; daquele ficou apenas esse adjetivo, que a aborreceu.

        Não sei se vale a pena lhe contar que a minha amada era linda; não, não a descreverei, porque só de revê-la em pensamento alguma coisa dói dentro de mim. Era linda, inteligente, pura e sensível – e não me tinha, nem de longe, amor algum; apenas uma leve amizade, igual a muitas outras e inferior a várias.

        A história acaba aqui; é, como vê, uma história terrivelmente sem graça, e que eu poderia ter contado em uma só frase. Mas o pior é que não foi curta. Durou, doeu e – perdoe, minha delicada leitora – incomodou.

        Eu andava pela rua e sua lembrança era alguma coisa encostada em minha cara, travesseiro no ar; era um terceiro braço que me faltava, e doía um pouco; era uma gravata que me enforcava devagar, suspensa de uma nuvem. A senhora acharia exagerado se eu lhe dissesse que aquele amor era uma cruz que eu carregava o dia inteiro e à qual eu dormia pregado; então serei mais modesto e mais prosaico dizendo que era como um mau jeito no pescoço que de vez em quando doía como bursite. Eu já tive um mês de bursite, minha senhora; dói de se dar guinchos, de se ter vontade de saltar pela janela. Pois que venha outra bursite, mas não volte nunca um amor como aquele. Bursite é uma dor burra, que dói, dói, mesmo, e vai doendo; a dor do amor tem de repente uma doçura, um instante de sonho que mesmo sabendo que não se tem esperança alguma a gente fica sonhando, como um menino bobo que vai andando distraído e de repente dá uma topada numa pedra. E a angústia lenta de quem parece que está morrendo afogado no ar, e o humilde sentimento de ridículo e de impotência, e o desânimo que às vezes invade o corpo e a alma, e a "vontade de chorar e de morrer", de que fala o samba?

        Por favor, minha delicada leitora; se, pelo que escrevo, me tem alguma estima, por favor: me deseje uma boa bursite.

Fonte: Português – José De Nicola – Ensino médio – Volume 1 – 1ª edição, São Paulo, 2009. Editora Scipione. p. 80.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a principal crítica da leitora à crônica de Rubem Braga?

      A leitora critica a maneira como o autor qualifica o amor como algo "incômodo", discordando da ideia de que um sentimento tão intenso possa ser visto dessa forma.

02 – Como Rubem Braga justifica sua visão sobre o amor, especialmente no contexto da crônica?

      Rubem Braga justifica sua visão a partir de uma experiência pessoal de amor não correspondido, que lhe causou grande sofrimento. Ele descreve as sensações físicas e emocionais associadas a essa experiência, como uma dor constante e invasiva.

03 – Qual a relação entre a dor física e a dor emocional explorada na crônica?

      O autor estabelece uma analogia entre a dor física (como a bursite) e a dor emocional causada pelo amor não correspondido. Ambas são descritas como intensas, persistentes e capazes de afetar profundamente a vida de uma pessoa.

04 – Qual o efeito da lembrança do amor não correspondido na vida do cronista?

      A lembrança do amor não correspondido é uma presença constante na vida do cronista, causando-lhe sofrimento e angústia. Ele a compara a um fardo que carrega consigo, uma dor que o acompanha em todos os momentos.

05 – Qual a intenção do autor ao utilizar a expressão "boa bursite" no final da crônica?

      Ao desejar uma "boa bursite", o autor expressa seu desejo por uma dor física que seja menos complexa e mais fácil de lidar do que a dor emocional causada pelo amor não correspondido. É uma forma de ironia, onde ele busca alívio em uma dor física, mesmo que seja dolorosa.

06 – Qual a importância da crônica para a compreensão da visão de Rubem Braga sobre o amor e o sofrimento?

      A crônica revela uma visão complexa e ambivalente sobre o amor. Rubem Braga demonstra que o amor pode ser tanto uma fonte de alegria quanto de grande sofrimento, e que a experiência amorosa pode deixar marcas profundas na alma humana.

07 – Como a crônica "Amor e Outros Males" se relaciona com a obra de Rubem Braga como um todo?

      A crônica se encaixa na obra de Rubem Braga por abordar temas universais como o amor, a dor, a saudade e a passagem do tempo. O autor utiliza uma linguagem simples e direta para expressar sentimentos complexos, o que é característico de seu estilo.

 

domingo, 7 de abril de 2024

CONTO: NEGÓCIO DA ROÇA - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Conto: NEGÓCIO DA ROÇA

           Rubem Braga

        -- Comprei um cavalo por 700 cruzeiros e vendi por 900. Não ganhei nem perdi.

        -- Mas como? Se você comprou por 700 e vendeu por 900, como é que você não ganhou nem perdeu?

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgckxteLPRlopnCVEg5Z3TZwb-CzMdxhsTnKKUgLL3D_CAdqPKKxVvjmQMjOPr_2PD0_R11ftDw8nF2BZphNPY_E7N32EYnjmDouFB_kg1AIA0fo19PdqFM2WxRE-XK4KPH3WoegX4wokBKKHFdhp6uuEFUeDrl-1AcMyQwYTtztRcjSkEzWuqTVGrse9o/s320/CAVALO.jpg


        -- Não ganhei nem perdi.

        -- Você não disse que comprou por 700?

        -- Comprei.

        -- E não vendeu por 900?

        -- Vendi.

        -- Então você ganhou 200.

        -- Não ganhei nem perdi.

        -- Mas como?

        -- Comprei o cavalo por 700 contos e não paguei. Vendi por 900 e não me pagaram. Não ganhei nem perdi.

Rubem Braga. Recado de primavera. 3. Ed. Rio de Janeiro: Record, 1985. p. 46.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 6ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 2ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2002. p. 233.

Entendendo o conto:

01 – Qual o significado da palavra cruzeiro no conto?

      É a antiga moeda brasileira, anterior ao real.

02 – Qual é o tema principal do conto "Negócio da Roça" de Rubem Braga?

      O conto trata de uma situação humorística que envolve uma negociação aparentemente simples, mas confusa, relacionada à compra e venda de um cavalo.

03 – Quem são os personagens principais nesse diálogo sobre o negócio do cavalo?

      Os personagens principais são dois interlocutores cujos nomes não são especificados no texto.

04 – Como o vendedor explica que não ganhou nem perdeu dinheiro na transação do cavalo?

      O vendedor explica que embora tenha comprado o cavalo por 700 cruzeiros e vendido por 900, ele não recebeu o dinheiro da venda nem pagou pelo cavalo, portanto, não houve lucro ou prejuízo real.

05 – Qual é a ironia presente na conversa entre os personagens sobre o negócio do cavalo?

      A ironia reside na maneira como o vendedor manipula a informação, sugerindo uma transação financeira lucrativa quando na verdade ele não efetuou nenhum pagamento ou recebimento.

06 – Como o conto ilustra a astúcia ou malandragem do personagem vendedor?

      O vendedor demonstra sua astúcia ao distorcer a realidade da transação para dar a impressão de lucro, quando na verdade não houve troca real de dinheiro.

07 – Qual é a mensagem subjacente transmitida por meio deste diálogo no conto?

      O conto brinca com a ideia de como as pessoas podem manipular informações para criar ilusões de sucesso ou lucro, embora a realidade financeira seja outra.

08 – Como a linguagem e o estilo de Rubem Braga contribuem para o humor presente nesta história?

      O estilo simples e coloquial de Rubem Braga, combinado com o diálogo intrigante e absurdo dos personagens, cria um tom humorístico e irônico, revelando a natureza cômica da situação de negociação do cavalo.

 

 

 

 

domingo, 19 de novembro de 2023

CRÔNICA: HOMEM NO MAR - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 CRÔNICA: Homem no Mar

                   Rubem Braga

       De minha varanda vejo, entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende ao sol. O vento é nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das águas, pequenas espumas que marcham alguns segundos e morrem, como bichos alegres e humildes; perto da terra a onda é verde.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxeK13VF-yDToqguHPqJ0OPWUN8Gv3Rd59A5FvhLxdvCKfPXgMmT8ur6ac5h2MfS1fQdvvHUBCuGMptpS3s1DJHbbQJNKKl1Hk8fsJIiSSjvD4u516Ad6cRh1nIHdTL6hewnBJm-fsx1plnVIwF4q6EN4_MbapwHt0Kbwk0lX8O7js8-YEEDpSibaZ5UQ/s1600/MAR.jpg


        Mas percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando. Ele nada a uma certa distância da praia, em braçadas pausadas e fortes; nada a favor das águas e do vento, e as pequenas espumas que nascem e somem parecem ir mais depressa do que ele. Justo: espumas são leves, não são feitas de nada, toda sua substância é água e vento e luz, e o homem tem sua carne, seus ossos, seu coração, todo seu corpo a transportar na água.

      Ele usa os músculos com uma calma energia; avança. Certamente não suspeita de que um desconhecido o vê e o admira porque ele está nadando na praia deserta. Não sei de onde vem essa admiração, mas encontro nesse homem uma nobreza calma, sinto-me solidário com ele, acompanho o seu esforço solitário como se ele estivesse cumprindo uma bela missão. Já nadou em minha presença uns trezentos metros; antes, não sei; duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás das árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça, e o movimento alternado de seus braços. Mais uns cinquenta metros, e o perderei de vista, pois um telhado a esconder? Que ele nade bem esses cinquenta ou sessenta metros; isto me parece importante; é preciso que conserve a mesma batida de sua braçada, e que eu o veja desaparecer assim como o vi aparecer, no mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento, sereno. Será perfeito; a imagem desse homem me faz bem.

       É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os traços de sua cara. Estou solidário com ele, e espero que ele esteja comigo. Que ele atinja o telhado vermelho, e então eu poderei sair da varanda tranquilo, pensando — "vi um homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza e correção; esperei que ele atingisse um telhado vermelho, e ele o atingiu".

       Agora não sou mais responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu o seu. Admiro-o. Não consigo saber em que reside, para mim, a grandeza de sua tarefa; ele não estava fazendo nenhum gesto a favor de alguém, nem construindo algo de útil; mas certamente fazia uma coisa bela, e a fazia de um modo puro e viril.

       Não desço para ir esperá-lo na praia e lhe apertar a mão; mas dou meu silencioso apoio, minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a esse nobre animal, a esse homem, a esse correto irmão.

Janeiro, 1953.

Extraído do livro "A Cidade e a Roça", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 11.

Entendendo o texto

01.Qual é o elemento central da crônica "Homem no Mar" de Rubem Braga?

a) A paisagem marítima.

b) O vento nordeste.

c) A admiração pelo homem nadando.

d) Praia deserta.

02. Como o narrador descreve as espumas no mar em relação ao homem que nada?

a) Como bichos alegres e humildes.

b) Como obstáculos perigosos.

c) Como símbolos de fragilidade.

d) Como elementos perturbadores.

03. O que o narrador espera que o homem alcance para se sentir tranquilo e satisfeito em sua observação?

a) Um barco à deriva.

b) Uma ilha distante.

c) Um telhado vermelho.

d) Um banco de areia.

04. Qual é o sentimento predominante do narrador em relação ao homem que nada no mar?

a) Desprezo.

b) Admiração.

c) Indiferença.

d) Desconfiança.

05. O que o narrador destaca como importante sobre o esforço do homem nadando nos últimos cinquenta metros?

a) Sua velocidade.

b) Sua resistência.

c) Sua batida de braçada.

d) Sua interação com as espumas.

06.No primeiro parágrafo da crônica, identificamos onde o cronista se encontra ao observar o fato cotidiano que inspira o texto.

a) Que lugar é esse?

     A varanda da casa.

b) Qual é o ângulo de visão que o cronista tem do mar? Explique.

     Vê o mar de cima entre as árvores e telhados.

c) Como o clima está nesse dia?

    Ensolarado, brilhante, há muito vento.

07. No segundo parágrafo, o cronista apresenta o fato que vê no mar.

a) o que o cronista percebe ao comparar o nadador às espumas do mar?

As espumas parecem ir mais depressa do que o homem.

b) Como ele avalia e justifica essa percepção?

Considera razoável que as espumas sejam mais rápidas que o homem, e feitas de água vento e luz, enquanto o nadador tem sua carne, seus ossos, seu coração e todo o seu corpo a transportar na água. 

08. A partir do terceiro parágrafo, o cronista revela seus sentimentos em relação à cena que observa.

a) Quais são os sentimentos do cronista em relação ao nadador?

Ele sente admiração e solidariedade em relação ao homem.

b) De que forma ele justifica esses sentimentos?

O cronista não sabe porque admira o nadador, mas acompanha sua ação, como se cumprisse uma missão.

c) O interesse do cronista pelo nadador é correspondido/ Explique.

Não o cronista avalia que o nadador nem suspeita que seja observado, e admirado por ele.

d) Que pistas indicam que o cronista observa o nadador com atenção?

Ele sabe que o homem nadou cerca de 300 metros, desde que começou a observá-lo, e afirma que já o perdeu de vista duas vezes, mas esperou que ele reaparecesse. Ele também sabe que dali a 50, 60 metros o homem vai sair de seu campo de visão.

09.  No quarto parágrafo, o cronista afirma: “É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os traços de sua cara” Que item explica a importância desse fato na crônica?

I. Esse fato é importante porque, se o homem fosse jovem, o cronista não ficaria tão admirado por ele nadar bem.

II. A passagem comprova que a admiração do cronista pelo nadador não se prende a nenhuma característica particular daquele indivíduo.

III. de acordo com o trecho, podemos perceber que o homem nada a uma grande distância do cronista, o que justifica a sua admiração por ele.

 

10.  Ainda o quarto parágrafo, apesar de avaliar que o nadador não sabe que está sendo observado, o cronista afirma: “Estou solidário com ele, e espero que ele esteja comigo” Explique o que você entende dessa afirmação.

O cronista parece imaginar ter feito um pacto com o nadador: se o cronista continuar a observá-lo ele continuará nadando.

11.  No segundo parágrafo, o cronista admite que admira o nadador, mas não sabe o motivo desse sentimento. No quinto, ele chega a uma conclusão. Qual?

Conclui que mesmo sem realizar um grande gesto, ou construir algo útil, o homem fazia algo belo de modo puro e vigoroso.

12. Em sua opinião, a cena na praia que chamou a atenção do cronista teria tido o mesmo efeito sobre outros observadores? Por quê?

Resposta pessoal.

13.Considerando o que você observou a respeito dos sentimentos expressos na crônica, qual é a reflexão proposta no texto?

O cronista propõe uma reflexão sobre o que desperta os nossos sentimentos em relação aos outros o que nos faz admirar ou não alguém.

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

CRÔNICA: AULA DE INGLÊS - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: Aula de Inglês

               Rubem Braga

        -- Is this an elephant?

        Minha tendência imediata foi responder que não; mas a gente
não deve se deixar levar pelo primeiro impulso. Um rápido olhar que lancei à professora bastou para ver que ela falava com seriedade, e tinha o ar de quem propõe um grave problema.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9rQfFyoY3ddIXXXBTFOz09NBQJBXrjo_Ukiklkib2OXq4zutB_CkD1a76WTlDZR6tZtdbZDsmXhLFWKZMKw1K6HsGKuq51XxgpDGU0Rq3ryWalzb2MlKe9TnEoOoZSH4T61s3CwpLLo9xr8qqgPbwMzdWzjgf8DWBfrdAcfILXPKqFZbz1Czbp_jSXgQ/s320/INGLES%20CAPA.jpg


        Em vista disso, examinei com a maior atenção o objeto que ela me apresentava.

        Não tinha nenhuma tromba visível, de onde uma pessoa leviana
poderia concluir às pressas que não se tratava de um elefante. Mas se tirarmos a tromba a um elefante, nem por isso deixa ele de ser um elefante; mesmo que morra em consequência da brutal operação, continua a ser um elefante; continua, pois um elefante morto é, em princípio, tão elefante como qualquer outro. Refletindo nisso, lembrei-me de averiguar se aquilo tinha quatro patas, quatro grossas patas, como costumam ter os elefantes. Não tinha. Tampouco consegui descobrir o pequeno rabo que caracteriza o grande animal e que, às vezes, como já notei em um circo, ele costuma abanar com uma graça infantil.

        Terminadas as minhas observações, voltei-me para a professora e disse convincentemente:

        -- No, it's not!

        Ela soltou um pequeno suspiro, satisfeita: a demora de minha resposta a havia deixado apreensiva. Imediatamente perguntou:

        -- Is it a book?

        Sorri da pergunta: tenho vivido uma parte de minha vida no
meio de livros, conheço livros, lido com livros, sou capaz de distinguir um livro à primeira vista no meio de quaisquer outros objetos, sejam eles garrafas, tijolos ou cerejas maduras – sejam quais forem. Aquilo não era um livro, e mesmo supondo que houvesse livros encadernados em louça, aquilo não seria um deles: não parecia de modo algum um livro. Minha resposta demorou no máximo dois segundos.

        -- No, it's not!

        Tive o prazer de vê-la novamente satisfeita -- mas só por alguns segundos. Aquela mulher era um desses espíritos insaciáveis que estão sempre a se propor questões, e se debruçam com uma curiosidade aflita sobre a natureza das coisas.

        -- Is it a handkerchief?

        Fiquei muito perturbado com essa pergunta. Para dizer a verdade, não sabia o que poderia ser um handkerchief; talvez fosse hipoteca... Não, hipoteca não. Por que haveria de ser hipoteca? Handkerchief! Era uma palavra sem a menor sombra de dúvida antipática; talvez fosse chefe de serviço ou relógio de pulso ou ainda, e muito provavelmente, enxaqueca. Fosse como fosse, respondi impávido:

        -- No, it's not!

        Minhas palavras soaram alto, com certa violência, pois me repugnava admitir que aquilo ou qualquer outra coisa nos meus arredores pudesse ser um handkerchief.

        Ela então voltou a fazer uma pergunta. Desta vez, porém, a pergunta foi precedida de um certo olhar em que havia uma luz de malícia, uma espécie de insinuação, um longínquo toque de desafio. Sua voz era mais lenta que das outras vezes; não sou completamente ignorante em psicologia feminina, e antes dela abrir a boca eu já tinha a certeza de que se tratava de uma palavra decisiva.

        -- Is it an ash-tray?

        Uma grande alegria me inundou a alma. Em primeiro lugar porque eu sei o que é um ash-tray: um ash-tray é um cinzeiro. Em segundo lugar porque, fitando o objeto que ela me apresentava, notei uma extraordinária semelhança entre ele e um ash-tray. Era um objeto de louça de forma oval, com cerca de 13 centímetros de comprimento.

        As bordas eram da altura aproximada de um centímetro, e nelas havia reentrâncias curvas -- duas ou três -- na parte superior. Na depressão central, uma espécie de bacia delimitada por essas bordas, havia um pequeno pedaço de cigarro fumado (uma bagana) e, aqui e ali, cinzas esparsas, além de um palito de fósforos já riscado. Respondi:

        -- Yes!

        O que sucedeu então foi indescritível. A boa senhora teve o rosto completamente iluminado por onda de alegria; os olhos brilhavam -- vitória! vitória! -- e um largo sorriso desabrochou rapidamente nos lábios havia pouco franzidos pela meditação triste e inquieta. Ergueu-se um pouco da cadeira e não se pôde impedir de estender o braço e me bater no ombro, ao mesmo tempo que exclamava, muito excitada:

        -- Very well! Very well!

        Sou um homem de natural tímido, e ainda mais no lidar com
mulheres. A efusão com que ela festejava minha vitória me perturbou; tive um susto, senti vergonha e muito orgulho.

        Retirei-me imensamente satisfeito daquela primeira aula; andei na rua com passo firme e ao ver, na vitrine de uma loja, alguns belos cachimbos inglêses, tive mesmo a tentação de comprar um. Certamente teria entabulado uma longa conversação com o embaixador britânico, se o encontrasse naquele momento. Eu tiraria o cachimbo da boca e lhe diria:

        -- It's not an ash-tray!

        E ele na certa ficaria muito satisfeito por ver que eu sabia falar inglês, pois deve ser sempre agradável a um embaixador ver que sua língua natal começa a ser versada pelas pessoas de boa-fé do país junto a cujo governo é acreditado.

A crônica acima foi extraída do livro "Um pé de milho",
         Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1964.

Entendendo a crônica:

01 – Como o narrador inicialmente reage à pergunta da professora sobre o objeto em questão?

      O narrador inicialmente considera responder que não, mas decide não se deixar levar pelo primeiro impulso.

02 – Por que o narrador examina cuidadosamente o objeto que a professora lhe apresenta?

      Ele examina o objeto porque percebe que a professora fala com seriedade e parece estar propondo um problema sério.

03 – O que o narrador considera ao avaliar se o objeto é um elefante?

      Ele considera a falta de uma tromba visível, mas pondera que mesmo sem a tromba, um elefante continua a ser um elefante.

04 – Qual é a primeira pergunta da professora após a pergunta sobre o objeto ser um elefante?

      A primeira pergunta da professora é se o objeto é um livro.

05 – Como o narrador responde à pergunta sobre o objeto ser um livro?

      O narrador responde que não, definitivamente não é um livro.

06 – Como a professora reage à resposta do narrador sobre o objeto não ser um livro?

      A professora fica momentaneamente satisfeita com a resposta do narrador.

07 – O que o narrador sente em relação à palavra "handkerchief" (lenço) quando a professora a menciona?

      O narrador sente-se perturbado pela palavra "handkerchief" e acha-a antipática.

08 – Qual é a resposta do narrador quando a professora pergunta se o objeto é um "ash-tray" (cinzeiro)?

      O narrador responde "Yes!" (Sim) quando a professora pergunta se o objeto é um cinzeiro.

09 – Como a professora reage quando o narrador responde que o objeto é um cinzeiro?

      A professora fica muito alegre e expressa sua satisfação pela resposta correta.

10 – Qual é o sentimento do narrador após a aula de inglês?

      O narrador sente-se imensamente satisfeito após a aula de inglês e fica tentado a comprar um cachimbo inglês.

 

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

CRÔNICA: UM PÉ DE MILHO - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: UM PÉ DE MILHO

                Rubem Braga

        Os americanos, através do radar, entraram em contato com a Lua, o que não deixa de ser emocionante. Mas o fato mais importante da semana aconteceu com o meu pé de milho.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirmSJdOpPf8maZvGoH3oYGTDOTK4FUJNNopg63TsLph7Zr_Ppgm5erRgNf-eEOm2XNtH03ayJu_pfxphJuGV412iQ7aV_UcDcoyNIE8mpQTiOkUnqHfgclSFacAFEc2XXToAp_jADY0DpE2o1JfqfCnQX_4HXuGxBDBBV68FswP5KgUvcr-i-2yVRoN5A/s1600/MILHO.jpg


        Aconteceu que no meu quintal, em um monte de terra trazido pelo jardineiro, nasceu alguma coisa que podia ser um pé de capim — mas descobri que era um pé de milho. Transplantei-o para o exíguo canteiro na frente da casa. Secaram as pequenas folhas, pensei que fosse morrer. Mas ele reagiu. Quando estava do tamanho de um palmo veio um amigo e declarou desdenhosamente que na verdade aquilo era capim. Quando estava com dois palmos veio outro amigo e afirmou que era cana.

        Sou um ignorante, um pobre homem de cidade. Mas eu tinha razão. Ele cresceu, está com dois metros, lança as suas folhas além do muro — e é um esplêndido pé de milho. Já viu o leitor um pé de milho? Eu nunca tinha visto. Tinha visto centenas de milharais — mas é diferente.

        Um pé de milho sozinho, em um canteiro, espremido, junto do portão, numa esquina de rua — não é um número numa lavoura, é um ser vivo e independente. Suas raízes roxas se agarram no chão e suas folhas longas e verdes nunca estão imóveis. Detesto comparações surrealistas — mas na glória de seu crescimento, tal como o vi em uma noite de luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, as crinas ao vento — e em outra madrugada parecia um galo cantando.

        Anteontem aconteceu o que era inevitável, mas que nos encantou como se fosse inesperado: meu pé de milho pendoou. Há muitas flores belas no mundo, e a flor de milho não será a mais linda. Mas aquele pendão firme, vertical, beijado pelo vento do mar, veio enriquecer nosso canteirinho vulgar com uma força e uma alegria que fazem bem. É alguma coisa de vivo que se afirma com ímpeto e certeza. Meu pé de milho é um belo gesto da terra. E eu não sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever: sou um rico lavrador da Rua Júlio de Castilhos.

Crônica extraída da obra 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro: Record, 2014.

Entendendo a crônica:

01 – “Detesto comparações surrealistas – mas na glória de seu crescimento, tal como o vi em uma noite de luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, as crinas ao vento – e em outra madrugada parecia um galo cantando”. Sobre esse fragmento, é correto afirmar:

a)   O enunciador evidencia uma contradição gerada pela sua percepção que transcende a realidade.

b)   A linguagem utilizada pelo cronista caracteriza-se pelo uso predominante de termos no sentido denotativo.

c)   O termo “na glória do seu crescimento” expressa uma ideia de modo.

d)   Os elementos linguísticos “mas” e “e” agrupam dois enunciados, estabelecendo entre eles uma relação de oposição.

e)   O elemento linguístico “tal” constitui um marcador textual que retoma “comparações”.

02 – Assinale a opção errada quanto ao emprego dos verbos:

a)   Se reescrevêssemos o segundo período do último parágrafo no imperfeito, ele assim ficaria: “Havia muitas flores belas no mundo, e a flor de milho não seria a mais linda”.

b)   O cronista, com habilidade, mescla algumas vezes o presente com o imperfeito, como se observa nos dois períodos iniciais do terceiro parágrafo.

c)   No geral, o autor escreve no presente sobre fatos acontecido em passado recente.

d)   O verbo “trazer”, no segundo parágrafo, está empregado numa construção em que a voz é passiva.

e)   Passa para voz passiva, a frase “Já viu o leitor um pé de milho?” ficaria assim: “Um pé de milho já foi visto pelo leitor?”.

03 – O motivo que levou o autor a escrever a crônica foi:

a)   os americanos terem estabelecido comunicação com a lua.

b)   ter nascido um pé de milho em seu canteiro.

c)   o pé de milho de seu canteiro ter pendoado.

d)   o pé de milho de seu canteiro ter conseguido sobreviver ao transplante.

e)   ter sido confirmada a sua opinião de que o que nascia era um pé de milho.

04 – A expressão sublinhada em: “Os americanos, através do radar, ...”, indica:

a)   lugar.

b)   instrumento.

c)   meio.

d)   causa.

e)   Condição.

05 – “...nasceu alguma coisa que podia ser um pé de capim...”, “...e declarou desdenhosamente que aquilo era capim.”; os dois elementos sublinhados no texto indicam, respectivamente:

a)   desprezo / desconhecimento;

b)   desconhecimento / desprezo;

c)   desconhecimento / desconhecimento;

d)   desprezo / desprezo;

e)   afetividade / menosprezo.

06 – A substituição correta do termo sublinhado por um sinônimo está em:

a)   “Transplantei-o para o exíguo canteiro...” = raso;

b)   “...e declarou desdenhosamente que aquilo era capim” = depreciativamente;

c)   “...veio enriquecer o nosso canteirinho vulgar...” = popular;

d)   “Anteontem aconteceu o que era inevitável...” = imprevisível;

e)   “...que se afirma com ímpeto e certeza” = velocidade.

07 – Nos excertos há um sintagma substantivo + adjetivo. Assinale a alternativa em que a troca da posição entre esses vocábulos traz mudança de sentido.

a)   “Transplantei-o para o exíguo canteiro da casa”.

b)   “Secaram as pequenas folhas”.

c)   “...em um canteiro espremido...”.

d)   “...e é um esplêndido pé de milho”.

e)   “Sou um ignorante, um pobre homem da cidade.”

08 – Assinale o item que contém um vocábulo que não pertence ao mesmo campo semântico das demais.

a)   quintal/ jardineiro/ capim.

b)   folhas/canas/milharais.

c)   lavoura/ raízes/chão.

d)   flores/pendão/terra.

e)   lavrador/ pé de milho/cavalo.

09 – O fato de comparar o pé de milho a um cavalo empinado e a um galo cantando destaca uma característica do pé de milho, que é o(a):

a)   altivez;

b)   solidão;

c)   mediocridade;

d)   colorido;

e)   beleza.

10 – O item em que o adjetivo tem valor objetivo e não representa uma opinião do cronista é:

a)   “...esplêndido pé de milho...”;

b)   “...um pobre homem da cidade...”;

c)   “Um pé de milho sozinho...”;

d)   “...muitas flores lindas no mundo...”;

e)   “...nosso canteirinho vulgar...”.

11 – O cronista compõe inicialmente sua crônica em primeira pessoa do singular, mas no quinto parágrafo muda para a primeira pessoa do plural: “... mas que nos encantou...”, “...veio enriquecer nosso canteirinho vulgar...”; isto significa que:

a)   o cronista enganou-se na estruturação do texto;

b)   a crônica passou a considerar também o leitor como participante;

c)   outras pessoas devem viver com o cronista;

d)   o canteiro devia pertencer ao condomínio;

e)   o cronista ampliou as apreciações para todo o gênero humano.

12 – “Já viu o leitor um pé de milho?” Transpondo-se essa oração para a ordem direta, obtém-se:

a)   Um pé de milho já foi visto pelo leitor?

b)   Um pé de milho o leitor já viu?

c)   Já viu um pé de milho, leitor?

d)   O leitor um pé de milho já viu?

e)   O leitor já viu um pé de milho?