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segunda-feira, 17 de junho de 2024

CRÔNICA: GALINHA AO MOLHO PARDO - (FRAGMENTO) - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 Crônica: Galinha ao molho pardo – Fragmento

              Fernando Sabino

        Ao chegar da escola, dei com a novidade: uma galinha no quintal. O quintal de nossa casa era grande, mas não tinha galinheiro, como quase toda casa de Belo Horizonte naquele tempo. Tinha era uma porção de árvores: um pé de manga sapatinho, outro de manga coração-de-boi, um pé de gabiroba, um pé de goiaba branca, outro de goiaba vermelha, um pé de abacate e até um pé de fruta-do-conde. No fundo, junto do muro, um bambuzal. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjR5wNe17ZA7TS0XUobwCO1u9MlRX2cOefsSctkC2EYn6neKlYqnH7oxaVRDF7pMuszY_SCbGy2SDdCXp16g_Ny9ywP58-yczfgKSzViCw8Ivt52B9G9y_7CAzIXAS8e2BPjnwrDR9D4nKcL768vOOUKvLIeue8jf0-ehypxfLnnqYZiuNtTuCFpB4eo3U/s320/GALINHA.jpg


De um lado, o barracão com o quarto da Alzira cozinheira e um quartinho de despejo. Do outro lado, uma caixa de madeira grande como um canteiro, cheia de areia que papai botou lá para nós brincarmos. Eu brincava de fazer túnel, de guerra com soldadinhos de chumbo, trincheira e tudo. Deixei de brincar ali quando começaram a aparecer na areia uns montinhos fedorentos de cocô de gato. Os gatos quase nunca apareciam, a não ser de noite, quando a gente estava dormindo. De dia se escondiam pelos telhados. Tinham medo de Hindemburgo, que era mesmo de meter medo, um pastor alemão deste tamanho. Não sabiam que Hindemburgo é que tinha medo deles. cachorro com medo de gato: coisa que nunca se viu. Quando via um gato, Hindemburgo metia o rabo entre as pernas e fugia correndo.

        Pois foi no fundo do quintal que eu vi a galinha, toda folgada, ciscando na caixa de areia. Havia sido comprada por minha mãe para o almoço de domingo: Dr. Junqueira ia almoçar em casa e ela resolveu fazer galinha ao molho pardo.

        Eu já tinha visto a Alzira matar galinha, uma coisa terrível. […]

        Como se fosse a coisa mais natural deste mundo, a Alzira me contou o que ia acontecer com a nova galinha.

        Revoltado, resolvi salvá-la.

        Eu sabia que o Dr. Junqueira era importante, meu pai dependia dele para uns negócios. Pois no que dependesse de mim, no domingo ele ia poder comer tudo, menos galinha ao molho pardo.

        Era uma galinha branca e gorda, que não me deu muito trabalho para pegar. Foi só correr atrás dela um pouco, ficou logo cansada. Agachou-se no canto do muro, me olhou de lado como as galinhas olham e se deixou apanhar.

        Não sei se percebeu que eu não ia lhe fazer mal. Pelo contrário, eu pretendia salvar a sua vida. O certo é que em poucos minutos ficou minha amiga, não fugiu mais de mim.

        – O seu nome é Fernanda – falei então. e joguei um pouquinho de água na cabecinha dela: – Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.

        Assim que escureceu, Ela se empoleirou muito fagueira num galho da goiabeira, enfiou a cabeça debaixo da asa e dormiu. Então eu entendi por que dizem que quem vai para a cama cedo dorme com as galinhas.

        No dia seguinte era sábado, não tinha aula. Passei o tempo inteiro brincando com ela. levei horas lhe ensinando a responder sim e não com a cabeça.

        -- Você sabe o que eles estão querendo fazer com você, Fernanda?

        Ela mexia a cabecinha para os lados, dizendo que não.

        -- Pois nem queira saber. Cuidado com a Alzira, aquela magrela de pernas compridas. É a nossa cozinheira. Ruim que só ela. Não deixa a Alzira nem chegar perto de você.

        Ela mexia com a cabecinha para cima e para baixo, dizendo que sim.

        -- Estão querendo matar você para comer. Com molho pardo.

        Os olhinhos dela piscaram de susto. O corpo estremeceu e ali mesmo, na hora, ela botou um ovo. De puro medo.

        -- Mas eu  não vou deixar – procurei tranquilizá-la, apanhando o ovo com cuidado, para enterrar na areia depois e ver se nascia pinto.

        E acrescentei:

        -- Hoje não precisa de ter medo, que o perigo todo vai ser amanhã.

        Eu sabia que para fazer a galinha ao molho pardo tinham de matar quase na hora, por causa do sangue, que era aproveitado para preparar o molho.

        -- Vou esconder você num lugar que ninguém é capaz de descobrir.

        Junto do tanque de lavar roupa costumava ficar uma bacia grande de enxaguar. A Maria lavadeira só ia voltar na segunda-feira. Antes disso ninguém ia mexer naquela bacia. Assim que escureceu, escondi a Fernanda debaixo dela. Fiquei com pena de deixar a coitada ali sozinha:

        -- Você se importa de ficar ai debaixo até passar o perigo?

        Ela fez com a cabeça que não.

        -- Então fica bem quietinha e não canta nem cacareja nem nada. Principalmente se ouvir alguém andando aqui fora.

        Ela fez com a cabeça que sim.

        -- Amanhã, assim que puder eu volto. Dorme bem, Fernanda.

        Naquela noite, para que ninguém desconfiasse, jantei mais cedo e fui dormir com as galinhas.

        […]

SABINO, Fernando. O menino no espelho. Rio De janeiro: Record, 2003, p. 14-19.

Fonte: Maxi: Séries Finais. Caderno 2. Língua Portuguesa – 6º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 88-90.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a razão da presença da galinha no quintal da casa do narrador?

      A galinha tinha sido comprada para o almoço de domingo, cujo prato seria “galinha ao molho pardo”, no qual haveria a presença do Dr. Junqueira.

02 – O narrador descreve o quintal de sua casa de infância. O que você destacaria dessa descrição, que lhe parece muito diferente dos quintais de hoje?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – Já inteirado com a galinha, o narrador resolveu batizá-la, dando-lhe um nome. Qual é a relação entre o nome dado à galinha e o narrador?

      O nome dado à galinha foi Fernanda. A relação existente entre os dois fatos é que o narrador se chama Fernando (versão masculina do nome da galinha).

04 – Como o menino descreve a cozinheira Alzira?

      Ele a descreve como magrela de pernas compridas e ruim.

05 – O que fez o narrador para esconder a galinha da família?

      Ele a escondeu debaixo de uma grande bacia.

06 – O narrador revela que foi capaz de estabelecer uma comunicação com a galinha. Como se percebe essa comunicação no texto?

      O narrador afirma que a galinha respondia ao que ele falava, movimentando a cabeça de modo afirmativo ou negativo.

07 – Explique o significado da expressão “dormir com as galinhas” de acordo com o texto.

      A expressão significa dormir mais cedo, isso porque as galinhas dormem muito cedo também.

 

 

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

CRÔNICA: VALE POR DOIS - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 CRÔNICA: VALE POR DOIS

                   Fernando Sabino

         Pela manhã, ao sair de casa, olha antes à janela:

        - Estará fazendo frio ou calor?

        Veste um terno de casimira, torna a tirar, põe um de tropical. Já pronto para sair, conclui que está frio, devia ter ficado com o de casimira. Enfim... Consulta aflitivamente o céu nublado: será que vai chover?

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjh5W4203htdmgZaGIS4oSWjWIFIZIUZaX62LgkWaBDlfdr1rbMEvPtelo0ujG3pj4CPMgCnQuZmbNhbJ4a3PvkgkSRGmuPcbf4oyf-oqsM-TT4K-a4MHN7XleTiKkdCkE1SxAI_83t7theo4gMaIFhONnuNZcKkX9PcR89bSD62kg3rVemZSFxnESL5R4/s1600/CAFE.jpg


        Volta para pegar o guarda-chuva — um homem prevenido vale por dois: pode ser que chova. Já no elevador, resolve mudar de ideia: mas também pode ser que não chova. Carregar esse trambolho! Torna a subir, larga em casa o guarda-chuva.

        Já na esquina, coça a cabeça, irresoluto: de ônibus ou de táxi? Se passar um lotação jeitoso eu tomo. Eis que aparece um: não é jeitoso. Vem em disparada, quase o atropela para deter-se ao sinal que lhe fez. Não, não entro: esse é dos doidos, que saem alucinados por aí.

        Deixa que os outros passageiros entrem — quando afinal se decide — também a entrar, é barrado pelo motorista: não tem mais lugar. De táxi, pois. Logo virá outro — pensa, irritado, e se vê de súbito entrando num lotação. Ainda bem não se sentara, já se arrependia: é um absurdo, são desvairados esses motoristas, como é que deixam gente assim tirar carteira? Assassinos — assassinos do volante. Melhor saltar aqui, logo de uma vez. Poderia esperar ainda dois ou três quarteirões, ficaria mais perto...

Deu o sinal: salto aqui, decidiu-se. O lotação parou.
— Pode tocar, foi engano — balbuciou para o motorista.

        Já de pé na calçada, vacila entre as duas ruas que se oferecem: uma, mais longa, sombreada; outra, direta, castigada pelo sol. Não iria chover, pois: sua primeira vitória neste dia.

         — Se for por esta rua, chego atrasado, mas por esta outra, com tanto calor...

         Só então se lembra que ainda não tomou café: entra no bar da esquina e senta-se a uma das mesas.
              - Um
             O garçom lhe informa que não servem cafezinho nas mesas, só no balcão. Pensa em sair, chega mesmo a empurrar a cadeira para trás, mas reage: pois então tomaria outra coisa ora essa. Como também pode simplesmente sair do bar sem tomar nada, não é isso mesmo?

         — Me traga uma média — ordena, com voz segura que a si mesmo espantou. Interiormente sorri de felicidade — mais um problema resolvido.

         —     Simples ou com leite? Pergunta o garçom, antes de servir. Ele ergue os olhos aflitos para o seu algoz, e sente vontade de chorar.

Entendendo o texto

01. O tema da crônica de Fernando Sabino é:
a) o protesto contra a violência.
b) a prevenção de acidentes.
c) a indecisão humana.
d) a modernização das grandes cidades.

02. Apenas uma, entre as frases abaixo, confirma sua resposta à questão 1:
a) "Só então se lembra que não tomou café."
b) "Vem em disparada, quase o atropela, para deter-se ao sinal que lhe fez."
c)" - Me traga uma média - ordena, com voz segura que a si mesmo espantou."
d) "Já na esquina, coça a cabeça, irresoluto: de ônibus ou de táxi?"

03.Pode-se considerar como símbolo de homem prevenido:
a) o táxi         

b) o terno de casimira           

c) o cafezinho         

d) o guarda-chuva

04. "Coçar a cabeça" é um gesto característico de quem:
a) já tomou uma decisão.
b) não está pensando no assunto.
c) está em algum dilema.
d) se sente aborrecido.

05. "Não iria chover, pois: sua primeira vitória neste dia." Por que o autor afirma que a personagem conseguiu uma vitória?

O autor afirma que a personagem conseguiu uma vitória porque decidiu não levar o guarda-chuva, acreditando que não iria chover, o que se mostrou verdadeiro.

06. A personagem teve um rápido momento de decisão quando:
a) pensa sobre qual das duas ruas iria escolher.
b) deixa passar um táxi vazio.
c) ordena ao garçom que lhe traga uma média.
d) olha à janela, antes de sair de casa, pela manhã.

07. O autor faz uma crítica a alguém. Transcreva a passagem que reproduz a crítica.

"Assassinos — assassinos do volante."

08. A personagem passa por todos os estados de espírito citados abaixo, exceto:
a) aflição           b) irritação          c) desespero         

d) satisfação     e) revolta

09. O que o protagonista faz ao sair de casa pela manhã para decidir sobre a roupa que usará?

O protagonista olha pela janela para avaliar o clima, veste um terno de casimira, troca por um de tropical, e, ao concluir que está frio, volta para pegar o guarda-chuva.

10. Por que o protagonista decide levar o guarda-chuva, mesmo indeciso sobre o tempo?

O protagonista decide levar o guarda-chuva porque acredita que "um homem prevenido vale por dois" e teme que possa chover. No entanto, muda de ideia e deixa o guarda-chuva em casa.

11. Como o protagonista decide sobre o meio de transporte para chegar ao seu destino?

O protagonista fica indeciso entre pegar um ônibus ou um táxi. Ele cogita entrar em um ônibus lotação, mas desiste ao considerá-lo perigoso. Finalmente, decide pegar um táxi.

12. O que acontece quando o protagonista entra no bar da esquina para tomar café?

O garçom informa ao protagonista que não servem café nas mesas, apenas no balcão. Inicialmente, o protagonista pensa em sair, mas decide ficar e pedir uma média, resolvendo mais um problema.

13. Qual é a reação do protagonista quando o garçom pergunta se a média deve ser simples ou com leite?

O protagonista, interiormente surpreso com sua própria voz segura, pede uma média. No entanto, ao ser questionado sobre se deseja a média simples ou com leite, ele sente vontade de chorar e olha aflito para o garçom.

 

 

domingo, 7 de agosto de 2022

CRÔNICA: CONVERSINHA MINEIRA - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 Crônica: Conversinha mineira

               Fernando Sabino

        -- É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo?

        -- Sei dizer não senhor: não tomo café.

        -- Você é dono do café, não sabe dizer?

        -- Ninguém tem reclamado dele não senhor.

        -- Então me dá café com leite, pão e manteiga.

        -- Café com leite só se for sem leite.

        -- Não tem leite?

        -- Hoje, não senhor.

        -- Por que hoje não?

        -- Porque hoje o leiteiro não veio.

        -- Ontem ele veio?

        -- Ontem não.

        -- Quando é que ele vem?

        -- Tem dia certo não senhor. Às vezes vem, às vezes não vem. Só que no dia que devia vir em geral não vem.

        -- Mas ali fora está escrito "Leiteria"!

        -- Ah, isso está, sim senhor.

        -- Quando é que tem leite?

        -- Quando o leiteiro vem.

        -- Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de quê?

        -- O quê: coalhada? Então o senhor não sabe de que é feita a coalhada?

        -- Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite. Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui na sua cidade?

        -- Sei dizer não senhor: eu não sou daqui.

        -- E há quanto tempo o senhor mora aqui?

        -- Vai para uns quinze anos. Isto é, não posso agarantir com certeza: um pouco mais, um pouco menos.

        -- Já dava para saber como vai indo a situação, não acha?

        -- Ah, o senhor fala da situação? Dizem que vai bem.

        -- Para que Partido?

        -- Para todos os Partidos, parece.

        -- Eu gostaria de saber quem é que vai ganhar a eleição aqui.

        -- Eu também gostaria. Uns falam que é um, outros falam que outro. Nessa mexida...

        -- E o Prefeito?

        -- Que é que tem o Prefeito?

        -- Que tal o Prefeito daqui?

        -- O Prefeito? É tal e qual eles falam dele.

        -- Que é que falam dele?

        -- Dele? Uai, esse trem todo que falam de tudo quanto é Prefeito.

        -- Você, certamente, já tem candidato.

        -- Quem, eu? Estou esperando as plataformas.

        -- Mas tem ali o retrato de um candidato dependurado na parede, que história é essa?

        -- Aonde, ali? Ué, gente: penduraram isso aí...

Fernando Sabino. A mulher do vizinho. 15. ed. Rio de Janeiro: Record, 1988. p. 136-138.

             Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 298-300.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado da palavra agarantir?

      Variedade regional da palavra “garantir” usada em alguns locais do interior de Minas Gerais, de São Paulo, de Goiás, etc.

02 – Em relação ao envolvimento de cada um dos interlocutores no diálogo, no caderno, indique:

(1)  Para o dono da leiteira.

(2)  Para o freguês.

a)   Não é cooperativo. (1).

b)   Não se dispõe à interação com o outro. (1).

c)   Recusa-se a interpretar o sentido da fala do outro. (1)

d)   Faz perguntas inadequadas porque não leva em conta a reação de desagrado do outro. (2).

e)   Duvida da informação do outro. (2).

03 – Escolha a alternativa que não explica o insucesso na busca de interação.

a)   As falas ficaram isoladas. Cada fala só fez sentido para quem a proferiu.

b)   Um dos interlocutores não tinha conhecimentos linguísticos suficientes para entender o sentido da fala do outro.

c)   Não houve aceitação, cooperação e disponibilidade de um dos interlocutores.

d)   A fala de um dos interlocutores foi inadequada, pois não levou em consideração a situação do outro: profissão, local de trabalho, questões culturais.

e)   Um dos interlocutores não quis se comprometer e respondeu de forma vaga.

04 – Qual é a relação entre o título da crônica e o tema por ela abordado?

      A opinião do senso comum, que considera os mineiros pessoas introspectivas, que falam pouco e preferem não revelar suas opiniões.

05 – Com que objetivo o freguês usou os seguintes recursos: o vocativo meu amigo, o pronome de tratamento você e o diminutivo cafezinho?

      Para se aproximar do interlocutor. Esses recursos em geral facilitam a interação entre os interlocutores.

06 – Qual dos interlocutores usou a forma de tratamento mais cerimoniosa? Qual foi a forma usada? Com que intenção?

      O dono da leiteira usou o pronome de tratamento senhor para indicar distanciamento.

 

 

sexta-feira, 18 de março de 2022

CRÔNICA: O SEGREDO - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 Crônica: O segredo

              Fernando Sabino

        [...]

        Estava empenhado nisso, quando senti que havia alguém em pé atrás de mim. Uma voz de homem, que soou familiar aos meus ouvidos, perguntou:

        -- Que é que você está fazendo?

        Sem me voltar, tão entretido estava com as formigas, expliquei o que se passava. Logo consegui restabelecer o tráfego delas, recompondo a fila através da ponte. O homem se agachou a meu lado, dizendo que várias formigas seguiam por um caminho, uma na frente de duas, uma atrás de duas, uma no meio de duas. E perguntou:

        -- Quantas formigas eram?

        Pensei um pouco, fazendo cálculos. Naquele tempo eu achava que era bom em aritmética: uma na frente de duas faziam três; uma atrás de duas eram mais três; uma no meio de duas, mais três.

        -- Nove! Exclamei, triunfante.

        Ele começou a rir e sacudiu a cabeça, dizendo que não: eram apenas três, pois formiga só anda em fila, uma atrás da outra. 

        Então perguntei a ele o que é que cai em pé e corre deitado.

        -- Cobra? – ele arriscou, enrugando a testa, intrigado. 

        Foi a minha vez de achar graça:

        -- Que cobra que nada! É a chuva – e comecei a rir também.

        -- Você sabe o que é que caindo no chão não quebra e caindo n'água quebra?

        -- Sei: papel.

        Gostei daquele homem: ela sabia uma porção de coisas que eu também sabia. Ficamos conversando um tempão, sentados na beirada da caixa de areia, como dois amigos, embora ele fosse cinquenta anos mais velho do que eu, segundo me disse. Não parecia. Eu também lhe contei uma porção de coisas. Falei na minha galinha Fernanda, nos milagres que um dia andei fazendo, e de como aprendi a voar como os pássaros, e a minha ventura de escoteiro perdido na selva, as espionagens e investigações da sociedade secreta Olho de Gato, o sósia que retirei do espelho, o Birica, valentão da minha escola, o dia em que me sagrei campeão de futebol, o meu primeiro amor, o capitão Patifaria, a passarinhada que Mariana e eu soltamos. Pena que minha amiga não estivesse por ali, para que ele a conhecesse. Levei-o a ver o Godofredo em seu poleiro:

        -- Fernando! – berrou o papagaio, imitando mamãe: – Vem pra dentro, menino! Olha o sereno!

        -- Hindemburgo apareceu correndo, a agitar o rabo. Para surpresa minha, nem o homem ficou com medo do cachorrão, nem este o estranhou; parecia feliz, até lambeu-lhe a mão. Depois mostrei-lhe o Pastoff no fundo do quintal, mas o coelho não queria saber de nós, ocupado em roer uma folha de couve.

        O homem me disse que tinha de ir embora – antes queria me ensinar uma coisa muito importante:

        -- Você quer conhecer o segredo de ser um menino feliz para o resto da sua vida?

        -- Quero – respondi.

        O segredo se resumia em três palavras, que ele pronunciou com intensidade, mãos nos meus ombros e olhos nos meus olhos:

        -- Pense nos outros.

        Na hora achei esse segredo meio sem graça. Só bem mais tarde vim a entender o conselho que tantas vezes na vida deixei de cumprir. Mas que sempre deu certo quando me lembrei de segui-lo, fazendo-me feliz como um menino.

        O homem se curvou para me beijar na testa, se despedindo:

        -- Quem é você? – perguntei ainda.

        Ele se limitou a sorrir, depois disse adeus com um aceno e foi-se embora para sempre. 

In: SABINO, Fernando, O Menino no espelho. São Paulo, Record, 1984. p. 15-18.

Fonte: Português – Linguagem & Participação, 6ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1ª edição – 1998, p. 64-7.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Soar: fazer barulho, produzir som.

·        Poleiro: vara onde as aves pousam e dormem.

·        Entretido: ocupado; distraído.

·        Pronunciar: falar, expressar verbalmente, articular.

·        Recompondo: formando outra vez.

·        Intensidade: força.

·        Intrigado: curioso; interessado; desconfiado.

·        Aceno: gesto de mão em movimento.

·        Sósia: alguém tão semelhante que parece igual.

02 – Quem são as personagens do texto? Descreva cada uma delas.

      As personagens do texto são um menino e um adulto. O primeiro é arteiro, alegre, comunicativo e mistura fantasia e realidade. O adulto é muito simpático, parece conviver bem com crianças.

03 – Nem todas as características das personagens são claramente apontadas pelo autor: algumas são percebidas pelo leitor por meio de inferências que o texto sugere. A partir dos trechos abaixo, que inferência poderíamos fazer:

a)   Sobre o garoto, em “Sem me voltar, tão entretido estava com as formigas, expliquei o que se passava. Logo consegui restabelecer o tráfego delas, recompondo a fila através da ponte”?

É provavelmente um garoto sensível, imaginativo e bom observador, pois é capaz de dedicar-se a algo tão lento como a caminhada das formigas.

b)   Sobre o adulto em “Ficamos conversando um tempão, sentados na beirada da caixa de areia [...] lhe contei uma porção de coisas [...] tinha de ir embora – antes queria me ensinar uma coisa muito importante”?

Sugestão: gostava de crianças, tinha facilidade de conversar com elas, despertava simpatia e confiança, tinha experiência de vida.

04 – O menino revela simpatia pelo estranho, por reconhecer semelhanças entre eles. Indique o trecho em que isso ocorre.

      “Gostei daquele homem: ele sabia uma porção de coisas que eu também sabia”.

05 – Que segredos sobre sua própria vida o menino revela ao estranho?

      Falou da galinha Fernanda, dos milagres que andou fazendo, de como aprendeu a voar como os pássaros, das suas aventuras como detetive e escoteiro, do sósia que retirou do espelho, do valentão da escola, do dia em que foi campeão de futebol, do primeiro amor, do capitão Patifaria, da passarinhada que soltou junto com Mariana. Levou-o para ver o papagaio Godofredo.

06 – Dessa série de acontecimentos que o menino conta ao estranho, todos lhe parecem verdadeiros? Faça um comentário a respeito.

      Alguns são parte do mundo de fantasia que envolve seu universo de brincadeiras, como o sósia que retirou do espelho e o fato de ter aprendido a voar como os pássaros.

07 – Quando o menino entendeu o conselho do homem? Por quê?

      O menino entendeu o conselho do homem muito mais tarde. Faltava-lhe maturidade.

08 – Por que o menino deixou de seguir o conselho que o homem lhe dera?

      Provavelmente, porque na maioria das vezes estava preocupado consigo mesmo e não com os outros, como age tanta gente.

09 – Qual é a sua opinião sobre o conselho do homem?

      Resposta pessoal do aluno.

 

CRÔNICA: FESTA DE ANIVERSÁRIO - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 Crônica: Festa de aniversário

              Fernando Sabino

     Leonora chegou-se para mim, a carinha mais limpa deste mundo:

        -- Engoli uma tampa de Coca-Cola. 

        Levantei as mãos para o céu: mais esta, agora! Era uma festa de aniversário, o aniversário dela própria, que completava seis anos de idade. Convoquei imediatamente a família:

        -- Disse que engoliu uma tampa de Coca-Cola.

        A mãe, os tios, os avós, todos a cercavam, nervosos e inquietos.

        -- Abra a boca, minha filha. Agora não adianta: já engoliu. Deve ter arranhado. Mas engoliu como? Quem é que engole uma tampa de cerveja? De cerveja não: de Coca-Cola. Pode ter ficado na garganta -- urgia que déssemos uma providência, não ficássemos ali, feito idiotas. Tomei-a ao colo: -- Vem cá, minha filhinha, conta só para mim. Você engoliu coisa nenhuma, não é isso mesmo?

        -- Engoli sim, papai -- ela afirmava com decisão.

        Consultei o tio, baixinho:

        -- O que é que você acha?

        Ele foi buscar uma tampa de garrafa, separou a cortiça do metal:

        -- O que você engoliu: isto... ou isto?

        -- Cuidado que ela engole outra -- adverti.

        -- Isto -- e ela apontou com firmeza a parte de metal.

        Não tinha dúvida: Pronto-Socorro. Dispus-me a carregá-la, mas alguém sugeriu que era melhor que ela fosse andando: auxiliava a digestão.

        No hospital, o médico limitou-se a apalpar-lhe a barriguinha, cético:

        -- Dói aqui, minha filha?

        Quando falamos em radiografia, revelou-nos que o aparelho estava com defeito: só no Pronto-Socorro da cidade.

        Batemos para o Pronto-Socorro da cidade. Outro médico nos atendeu com solicitude.

        -- Vamos já ver isto.

        Tirada a chapa, ficamos aguardando ansiosos a revelação. Em pouco o médico regressava:

        -- Engoliu foi a garrafa.

        -- A garrafa?! -- exclamei. Mas era uma gracinha dele, cujo espírito passava ao largo da minha aflição: eu não estava para graças. Uma tampa de garrafa! Certamente precisaria operar -- não haveria de sair por si mesma.

        O médico pôs-se a rir de mim:

        -- Não engoliu coisa nenhuma. O senhor pode ir descansado.

        -- Engoli -- afirmou a menininha.

        Voltei-me para ela:

        -- Como é que você ainda insiste, minha filha?

        -- Que eu engoli, engoli.

        -- Pensa que engoliu -- emendei.

        -- Isso acontece -- sorriu o médico -- até com gente grande. Aqui já teve um guarda que pensou ter engolido o apito.

        -- Pois eu engoli mesmo -- comentou ela, intransigente.

        -- Você não pode ter engolido -- arrematei, já impaciente. -- Quer saber mais que o médico?

        -- Quero. Eu engoli, e depois desengoli -- esclareceu ela.

        Nada mais havendo a fazer, engoli em seco, despedi-me do médico e bati em retirada com toda a comitiva. 

Quadrante. Rio de Janiro, Editora do Autor, 1962.

Fonte: Português – Linguagem & Participação, 6ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1ª edição – 1998, p. 46-7.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o conteúdo desta crônica?

      É de conteúdo humorístico, de mal-entendido que aconteceu durante a festa de aniversário.

02 – Por que ela é considerada uma crônica?

      Porque transforma um assunto corriqueiro, como uma festa de aniversário, em matéria para uma crônica.

03 – Como em todo texto narrativo, tem alguém que conta a história. Quem é o narrador deste texto?

      É o pai de Leonora.

04 – Quem são as personagens do texto?

      Leonora, seu pai, familiares e os médicos do pronto-socorro.

05 – Qual o fato que se narra nesse texto?

      O desespero de um pai que pensa que a filha engoliu uma tampa de refrigerante.

 

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

CRÔNICA: O GATO SOU EU - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 Crônica: O gato sou eu

              Fernando Sabino

        – Aí então, eu sonhei que tinha acordado. Mas continuei dormindo.

        – Continuou dormindo?

        – Continuei dormindo e sonhando. Sonhei que estava acordado na cama, e ao lado, sentado na cadeira, tinha um gato me olhando.

        – Que espécie de gato?

        – Não sei. Um gato. Não entendo de gatos. Acho que era um gato preto. Só sei que me olhava com aqueles olhos parados de gato.

        – A que você associa essa imagem?

        – Não era uma imagem: era um gato.

        – Estou dizendo a imagem do seu sonho: essa criação onírica simboliza uma profunda vivência interior. É uma projeção do seu subconsciente. A que você associa ela?

        – Associo a um gato.

        – Eu sei: aparentemente se trata de um gato. Mas na realidade o gato, no caso, é a representação de alguém. Alguém que lhe inspira um temor reverencial. Alguém que a seu ver está buscando desvendar o seu mais íntimo segredo. Quem pode ser essa alguém, me diga? Você deitado aí nesse divã como na cama em seu sonho, eu aqui nesta poltrona, o gato na cadeira… Evidentemente esse gato sou eu.

        – Essa não, doutor. A ser alguém, neste caso o gato sou eu.

        – Você está enganado. E o mais curioso é que, ao mesmo tempo, está certo, certíssimo, no sentido em que tudo o que se sonha não passa de uma projeção do eu.

        – Uma projeção do senhor?

        – Não: uma projeção do eu. O eu, no caso, é você.

        – Eu sou o senhor? Qual é, doutor? Está querendo me confundir a cabeça ainda mais? Eu sou eu, o senhor é o senhor, e estamos conversados.

        – Eu sei: eu sou eu, você é você. Nem eu iria pôr em dúvida uma coisa dessas, mais do que evidente. Não é isso que eu estou dizendo. Quando falo no eu, não estou falando em mim, por favor, entenda.

        – Em quem o senhor está falando?

        – Estou falando na individualidade do ser, que se projeta em símbolos oníricos. Dos quais o gato do seu sonho é um perfeito exemplo. E o papel que você atribui ao gato, de fiscalizá-lo o tempo todo, sem tirar os olhos de você, é o mesmo que atribui a mim. Por isso é que eu digo que o gato sou eu.

        – Absolutamente. O senhor vai me desculpar, doutor, mas o gato sou eu, e disto não abro mão.

        – Vamos analisar essa sua resistência em admitir que eu seja o gato.

        – Então vamos começar pela sua insistência em querer ser o gato. Afinal de contas, de quem é o sonho: meu ou seu?

        – Seu. Quanto a isto, não há a menor dúvida.

        – Pois então? Sendo assim, não há também a menor dúvida de que o gato sou eu, não é mesmo?

        – Aí é que você se engana. O gato é você, na sua opinião. E sua opinião é suspeita, porque formulada pelo consciente. Ao passo que, no subconsciente, o gato é uma representação do que significo para você. Portanto, insisto em dizer: o gato sou eu.

        – E eu insisto em dizer: não é.

        – Sou.

        – Não é. O senhor por favor saia do meu gato, que senão eu não volto mais aqui.

        – Observe como inconscientemente você está rejeitando minha interferência na sua vida através de uma chantagem…

        – Que é que há, doutor? Está me chamando de chantagista?

        – É um modo de dizer. Não vai nisso nenhuma ofensa. Quero me referir à sua recusa de que eu participe de sua vida, mesmo num sonho, na forma de um gato.

        – Pois se o gato sou eu! Daqui a pouco o senhor vai querer cobrar consulta até dentro do meu sonho.

        – Olhe aí, não estou dizendo? Olhe a sua reação: isso é a sua maneira de me agredir. Não posso cobrar consulta dentro do seu sonho enquanto eu assumir nele a forma de um gato.

        – Já disse que o gato sou eu!

        – Sou eu!

        – Ponha-se para fora do meu gato!

        – Ponha-se para fora daqui!

        – Sou eu!

        – Eu!

        – Eu! Eu!

        – Eu! Eu! Eu!

SABINO, Fernando. O gato sou eu. In: ________. Os melhores contos de Fernando Sabino. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 173-6.

Fonte: Língua Portuguesa – Programa mais MT – Ensino fundamental anos finais – 9° ano – Moderna – Thaís Ginícolo Cabral. p.142-8.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavra abaixo:

·        Onírico: que diz respeito a sonhos.

·        Reverencial: que manifesta reverência, respeito profundo.

·        Subconsciente: que existe na mente, mas não está ao alcance imediato da consciência.

02 – Converse com a turma e o professor a respeito das hipóteses levantadas antes da leitura.

a)   A situação engraçada imaginada por você, com base no título, foi tratada na crônica?

Resposta pessoal do aluno.

b)   Que situação você imaginou? O que o levou a imaginar essa situação?

Resposta pessoal do aluno.

c)   O paciente e o psicanalista se entenderam na conversa?

Não.

d)   Você imaginava que eles iriam se entender?

Resposta pessoal do aluno.

03 – Embora essa seja uma crônica narrativa, ela não apresenta narrador.

a)   A ausência de intervenções do narrador compromete o entendimento da história narrada? Por quê?

Não. As informações sobre os personagens, suas reações e os demais elementos da estrutura narrativa da crônica são todos perceptíveis com base no diálogo entre os personagens.

b)   Essa característica de a ação ser inteiramente construída pelo diálogo entre os personagens aproxima a crônica “O gato sou eu” de outro gênero textual. Qual?

(  ) Conto.

(X) Texto dramático.

(   ) Poema.

Justifique a resposta que você assinalou.

Essa característica aproxima a crônica do texto dramático, no qual comumente não há narrador, pois a ação é toda construída pelos diálogos entre personagens.

04 – O paciente conta ao psicanalista algo que provoca uma tensão na conversa entre eles.

a)   Qual é o fato contado que provoca essa tensão?

O fato de o paciente ter sonhado com um gato é o que provoca a tensão na conversa entre ele e o psicanalista.

b)   Quanto a estrutura narrativa, como pode ser classificada essa tensão?

(   ) Apresentação.

(X) Conflito.

(   ) Clímax.

(   ) Desfecho.

Explique sua resposta.

Do ponto de vista narrativo, isso e um conflito, pois ambos, psicanalista e paciente, acreditam ser o gato, o conflito se dá pois um procura dissuadir o outro dessa ideia.

05 – A palavra , na frase a seguir, costuma ser classificada como um advérbio de lugar.

        – Aí então, eu sonhei que tinha acordado.”

SABINO, Fernando. O gato sou eu. In: ________. Os melhores contos de Fernando Sabino. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 173.

a)   Considerando o contexto, é possível afirmar que essa palavra faz referência a um lugar? O que ela expressa?

Não faz referência a um lugar; expressa uma continuidade, complemento a algo que já fora dito.

b)   Com base nesse sentido, é possível afirmar que essa frase de abertura coincide com o início da conversa?

Não.

c)   A brevidade é uma das marcas do gênero crônica. Levante hipótese que justifique o uso dessa palavra na abertura do texto.

Uma hipótese possível é que, ao começar a crônica por essa palavra, o autor enfoca, logo na abertura, o conflito da narrativa, o que contribui para a brevidade característica da crônica.

06 – Releia o trecho a seguir e escreva no final de cada parágrafo quem é o personagem que está falando, se paciente ou psicanalista.

        “– [...] Acho que era um gato preto. Só sei que me olhava com aqueles olhos parados de gato. Paciente.

        – A que você associa essa imagem? Psicanalista.

        – Não era uma imagem: era um gato. Paciente.

        – Estou dizendo a imagem do seu sonho: essa criação onírica simboliza uma profunda vivência interior. É uma projeção do seu subconsciente. A que você associa ela? Psicanalista.

        – Associo a um gato.” Paciente.

SABINO, Fernando. O gato sou eu. In: ________. Os melhores contos de Fernando Sabino. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 173.

a)   Na fala do psicanalista, o sentido da palavra imagem é literal ou figurado? Explique.

Para o psicanalista, o sentido de imagem é figurado, pois, para ele o gato “simboliza” algo, no caso, “uma profunda vivência interior”, portanto imagem tem um sentido de representação simbólica.

b)   E na fala do paciente? Explique.

Para o paciente, o sentido de imagem é literal, pois para ele o gato não pode ser uma representação, reprodução visual, daí afirmar: “Não era uma imagem: era um gato”.

07 – Leia o trecho a seguir e as afirmações sobre ele. Depois marque a alternativa correta.

        “– Eu sei: aparentemente se trata de um gato. Mas na realidade o gato, no caso, é a representação de alguém. Alguém que lhe inspira um temor reverencial. Alguém que a seu ver está buscando desvendar o seu mais íntimo segredo. Quem pode ser essa alguém, me diga? Você deitado aí nesse divã como na cama em seu sonho, eu aqui nesta poltrona, o gato na cadeira… Evidentemente esse gato sou eu.”

SABINO, Fernando. O gato sou eu. In: ________. Os melhores contos de Fernando Sabino. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 173.

I – O psicanalista acredita despertar temor no paciente.

II – Para o psicanalista, o gato simboliza alguém desconhecido pelo paciente.

III – A palavra que sintetiza o conteúdo da fala do psicanalista é “representação”.

a)   Todas as informações estão corretas.

b)   Somente I e III estão corretas.

c)   Somente I e II estão corretas.

d)   Somente III é correta.

08 – Releia este trecho e, antes de responder às questões, identifique a quem pertence cada turno de fala.

        “– Você está enganado. E o mais curioso é que, ao mesmo tempo, está certo, certíssimo, no sentido em que tudo o que se sonha não passa de uma projeção do eu. Psicanalista.

        – Uma projeção do senhor? Paciente.

        – Não: uma projeção do eu. O eu, no caso, é você. Psicanalista.

        – Eu sou o senhor? Qual é, doutor? Está querendo me confundir a cabeça ainda mais? Eu sou eu, o senhor é o senhor, e estamos conversados.” Paciente.

SABINO, Fernando. O gato sou eu. In: ________. Os melhores contos de Fernando Sabino. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 174.

a)   A que classe de palavras pertence a palavra eu na frase do psicanalista “O que se sonha não passa de uma projeção do eu”?

A palavra eu é um substantivo.

b)   E na frase do paciente “Eu sou eu”, a que classe gramatical a palavra eu pertence?

A palavra eu, nessa frase, é um pronome.

c)   Explique o efeito de humor produzido nesse trecho com base nas diferenças de classe gramatical da palavra eu.

O paciente em sua fala, demonstra compreender que o psicanalista se refere à individualidade do ser, ao “eu” como pronome pessoal (1ª pessoa do singular), um ser que se diferencia de outro, enquanto o psicanalista se refere à subjetividade do indivíduo, ao “eu” como substantivo.

d)   Explique som suas palavras o que o psicanalista quis dizer ao paciente com: “O eu, no caso, é você.”

Resposta pessoal do aluno.

09 – Cabe ao psicanalista analisar as falas do paciente. Em um momento da crônica, porém, é o paciente que passa a analisar o psicanalista.

a)   Transcreva a fala do paciente que marca essa mudança de atitude.

“– Então vamos começar pela sua insistência em querer ser o gato. Afinal de contas, de quem é o sonho: meu ou seu?”

b)   Ao analisar o psicanalista, o paciente busca convencê-lo de quê?

Busca convencê-lo de que ele é o gato, e não o psicanalista.

c)   Que argumento ele usa para isso?

O argumento de que, como o sonho no qual aparece o gato é dele (do paciente), o gato é ele e não o psicanalista.

d)   O psicanalista concorda com esse argumento? Explique.

Não, ele acredita que o argumento do paciente é suspeito porque foi produzido pela consciência, o que contrasta com a imagem do gato que, segundo o psicanalista, é produto do inconsciente.

10 – Releia o trecho:

        “-- Ponha-se para fora do meu gato!

         -- Ponha-se para fora daqui!”

SABINO, Fernando. O gato sou eu. In: ________. Os melhores contos de Fernando Sabino. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 175.          

a)   A primeira fala apresenta um trocadilho. Qual pode ser?

Em vez de o paciente dizer “Ponha-se para fora do meu quarto!”, ele diz “Ponha-se para fora do meu gato!”.

b)   Explique o uso desse trocadilho no contexto da crônica.

O psicanalista e o paciente reivindicam ser o gato. Ao dizer “Ponha-se para fora do meu gato!”, o paciente expressa o desejo de o psicanalista desistir da ideia de ser o gato.