Texto: Amarelinho
O amarelinho gostava de ficar com o
nariz achatado nas vitrinas namorando os televisores coloridos funcionando.
Legal! Muito mais bonito do que os branco e preto! Ele ficava até que aparecia
um empregado para implicar:
-- Menino, vá embora!
-- Por quê?
-- Porque aí não é lugar de meninos!
-- Eu tô só vendo...!
-- Mas fica esfregando a mão no vidro,
suja tudo! Não sabe ver só com os olhos? Vamos, vá embora, menino!
Ele ia. Caminhava um pouco. Magoado,
com raiva, querendo brigar. Então, virava-se para trás, fingia que estava com a
metralhadora nas mãos e...
-- Pápápápápá! – fazia com a boca
imitando o disparo da automática. – Matei você!
Em seu mundo de oito anos, o Amarelinho
imaginava a vítima caída no chão, morta no meio de uma poça de sangue. Igual
ele via na televisão. Aí, ele fugia em um velocíssimo carrão, cujos pneus
chiavam pelo asfalto das avenidas. E pronto! – estava vingado.
Só assim, depois de feita a justiça
pelas próprias mãos, que ia embora, à procura de outra vitrina para, outra vez,
ficar lambendo com os olhos.
Estava no jardim público, quando passou
uma mulher e perguntou:
-- Menino, você não tem pai?
-- Não...
-- Nem mãe?
Fez que sim.
-- Então é melhor ir pra casa, menino!
Tão pequeno, aí, sozinho na rua a essas horas? Onde você mora?
-- Na favela.
A mulher abriu a bolsa e tirou uma
nota.
-- Tome, é pra comprar um doce...
Ele pegou a nota e ficou olhando para a
mulher. Um doce custava o dobro. O que iria comprar com aquela nota?
A mulher foi embora. O Amarelinho
enfiou a nota e a mão no bolso do short encardido e continuou passeando. Viu um
Papai Noel de vermelho que batia um sininho. Ele tinha barba branca, esquisita,
não parecia nascer no rosto dele. Papai Noel nem olhou. O Amarelinho encolheu
os ombros, entrou no bar, comprou balas. Desembrulhou uma, enfiou na boca, e a
outra guardou para mais tarde.
Na esquina havia uma grande loja de
brinquedos. Ele estava passando por lá quando... viu!
Os olhos arregalaram! Ela estava
dependurada, igualzinha à de verdade, o cano de aço, o gatilho, o casco de
madeira: a mais linda metralhadora que jamais tinha visto em toda a sua vida!
Muita gente na loja. Hipnotizado pela
arma de brinquedo, ele também entrou. Olhou. Não contente, esticou a mão,
passou o dedo. Chegou a rir enquanto fazia pápápápápá com a boca. Nisso
aproximou-se um vendedor carrancudo:
-- Vá embora, moleque!
-- Só tô vendo, moço!
-- E precisa passar a mão suja? Vá
embora.
-- Quanto custa?
-- Um dinheirão. Não é pro seu bico, é
só pra filho de gente rica. Vá embora, menino!
E empurrou-o para fora.
O Amarelinho saiu. Porém, na calçada,
tornou a olhar para a arma. Vendo aquilo, o empregado deu-lhe um carreirão. O Amarelinho correu. Pouco mais adiante,
parou, virou-se para trás, fez gesto de quem empunhava a metralhadora:
-- Pápápápápá, matei você! – disse,
cuspindo de lado e imaginando o vendedor morto na calçada.
Em seguida, retomou o caminho e foi
embora. Porém repetindo:
-- Eu quero uma metralhadora daquelas!
Amarelinho,
Ganymédes José.
Fonte: Livro –
Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 5ª Série - Marilda Prates – Ed.
Moderna, 2005 – p.132-3.
Entendendo o texto:
01 – Que informações o texto
nos dá sobre Amarelinho, sua vida e sua família?
Segundo o texto.
Amarelinho é um garoto pobre, que mora na favela. É órfão de pai.
02 – “Igual ele via na televisão”.
a)
A que espécie de programas Amarelinho
assistia?
Assistia a filmes violentos, com cenas de assassinato e fuga, do
tipo “mocinho e bandido”.
b)
A atitude de Amarelinho mostra que ele se
identifica com que personagens desses filmes?
Ele provavelmente se identificava com os “bandidos”.
c)
A história das personagens com que Amarelinho
se identificava seria parecida com a dele?
Nos filmes policiais, os “bandidos” são, muitas vezes, pessoas
marginalizadas pela sociedade como Amarelinho e que acabam optando pelo crime.
d)
Você já assistiu ao tipo de filme ao qual o
texto se refere? Acha que ele influencia o seu comportamento? De que maneira?
Resposta pessoal do aluno.
e)
Nem todas as pessoas que têm uma vida igual a
de Amarelinho reagem como ele. Por quê? Justifique sua resposta.
Algumas pessoas são mais conformadas. Outras têm espírito de luta.
Outras ainda preferem a não-violência.
03 – O empregado da primeira
loja e o vendedor da segunda loja comportam-se de maneira semelhante. Descreva
o comportamento dos dois.
Ambos afirmam que
ali não é lugar para Amarelinho e que ambos acreditam que o menino está sujo e
pode sujar a vitrine ou a mercadoria.
04 – A reação de Amarelinho
é semelhante tanto na primeira loja quanto na segunda. Por quê?
Porque recebeu o
mesmo tratamento por parte dos vendedores, ofereceu a eles uma mesma resposta,
ou seja, seu sonho de vingança.
05 – A atitude de Amarelinho
em relação a mulher que lhe deu uma nota para comprar um doce foi diferente.
Por quê?
Porque ele reagiu de forma diferente a um
tratamento diferente.
06 – A barba do Papai Noel
não parecia nascer do rosto dele. Parecia falsa.
a)
Por que Amarelinho deu de ombros, não se
importou com a indiferença de Papai Noel?
Porque para Amarelinho, o Papai Noel era falso tanto por sua barba
falsa, quanto por sua atitude de desprezo.
b)
O presente da mulher e a indiferença do Papai
Noel não parecem afetar muito Amarelinho. Por quê?
Porque ele está habituado a receber auxílio que não auxilia
realmente e indiferença. Ambos fazem parte de sua história e contribuem para
que sua vida seja o que é.
07 – As atitudes das
personagens podem ser consideradas atos de violência? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal
do aluno.