CRÔNICA: CEIÇÃO
Athos Damasceno
A escada tem vinte e oito degraus. E liga as tirânicas necessidades da mesa de D. Marfisa ao comércio ambulante e rumoroso que lhe passa pela frente do sobrado. Ao longo dessa escada, circulam pra baixo e pra cima, incansavelmente, duas pernas finas e esfoladas. São as pernas de Maria da Conceição – a Ceição. Agora, a carrocinha do verdureiro para defronte à casa de D. Marfisa. E, Dona Marfisa comanda:
- Ceição, dá um pulinho lá e pergunta o
que é que ele tem de bom, hoje.
Conceição vai e volta:
- Tem abobra, chuchu, couve, repolho,
agrião…
- Pergunta pra ele se tem alface. Ceição
vai e volta:
- Mandou dizer que tem.
- Pergunta pra ele se a alface é nova.
Ceição vai e volta:
- Mandou dizer que é.
- Pergunta pra ele quanto é o pé. Ceição
vai e volta:
- Mandou dizer que é cinquenta…
- Pergunta pra ele se não acha caro.
Ceição vai e volta:
- Mandou dizer que não, que é até barato.
- Então, pede dois pés. Ceição vai e
volta:
- Tai, madrinha. D. Marfisa apanha os pés
de alface, olha-os, examina-os.
- Bem. Agora, dá um pulinho lá e pergunta
pra ele se tem troco pra uma nota de duzentos. Ceição vai e volta:
- Mandou dizer que tem.
- Pergunta pra ele se não é melhor
assentar no caderno. Ceição vai e volta:
- Mandou dizer que, se a senhora quiser,
ele assenta.
- Diz pra ele que não. Leva o dinheiro e
paga já. Não quero mais saber de caderno. Ceição vai e volta:
- Mandou dizer que é pra senhora conferir
o troco.
D. Marfisa confere:
- Tá certo. Mas esta nota parece que é
falsa. Dá um pulinho lá e diz pra ele que me mande outra. Ceição vai e volta.
Volta e geme:
- Tai, madrinha.
Então as duas pernas dobram, vergam – os
ossos de Ceição quase se desmancham no assoalho asseadíssimo do sobrado da
madrinha.
Ontem, D. Marfisa estava dizendo para a
cozinheira:
- Como tu vês, Josefa, eu poupo o mais
possível essa negrinha…
(Athos Damasceno, Persianas Verdes. Editora Globo,
Porto Alegre, 1967).
INTERPRETAÇÃO DO TEXTO
1.Pelas
indicações do texto, entendemos que três pessoas vivem no sobrado. Quais são?
D. Marfisa, Ceição e Josefa.
2. Depois da
chegada do verdureiro até o fim da transação, a menina desceu e subiu a escada
do sobrado:
a. ( ) vinte e duas vezes b. ( ) oito vezes
c. (X) dez vezes d. ( )
trinta e três vezes.
3. D.
Marfisa poderia ter diminuído muito o trabalho de Ceição se desse mais de uma
ordem de cada vez. Por que não o fez?
Porque não tinha ideia do esforço
que era subir e descer a escada, seguidas vezes, em espaço de tempo tão
pequeno.
4. Mesmo
recebendo as ordens uma a uma, Ceição poderia por conta própria reduzir seu
trabalho. Que deveria fazer para que isso acontecesse?
Deveria antecipar-se às ordens,
pedindo o maior número de informações ao verdureiro como: verduras existentes
para venda, preço.
5. D.
Marfisa tinha Ceição sob sua responsabilidade talvez como agregada que
recebesse da madrinha, em troca do trabalho, sua manutenção (casa, comida e
roupa) e educação. Na sua opinião, D. Marfisa estava demonstrando qualquer
interesse pela formação da menina? Por que?
Resposta pessoal do aluno.
6. Com o
texto, o autor quis demonstrar que:
a. (X)
certas pessoas não percebem o quanto estão explorando os seus subalternos.
b. ( ) existem pessoas incapazes
de cumprir mais de uma ordem de cada vez.
c. ( ) as pessoas caridosas
acolhem os filhos alheios e os cercam de cuidados.
d. ( )
até uma simples compra exige certos cuidados para que não haja exploração.
7. Identifique
a frase cuja palavra “nota” tem o mesmo significado na frase a seguir: “…
pergunta pra ele se tem troco para uma nota de duzentos.”
a. (X) Tanto trabalho para receber
apenas esta nota de gorjeta!
b. ( ) Fiquei mais aliviado
quando vi a nota que tirei em Português.
c. ( ) O Frederico ficou
boquiaberto quando o garçom lhe apresentou a nota.
d. ( ) O esforço foi grande, mas
ainda há uma nota desafinada no piano.
8. Ceição
anunciou incorretamente uma das verduras vendidas pelo verdureiro.
Identifique-a e escreva-a corretamente.
Ceição falou “abobra” e o correto é
“abóbora”.
9. Identifique
e substitua a expressão existente nas frases que equivale à palavra
“asseadíssimo(a)”:
a. No sobrado da madrinha, o
assoalho era muito limpo.
No sobrado da madrinha, o assoalho era
asseadíssimo.
b. Gertrudes era uma empregada
prestativa e muito limpa.
Gertrudes era uma empregada
prestativa e asseadíssima.
c. As
ruas da cidade, por serem muito limpas, refletem a boa educação do povo.
As ruas da cidade, por serem
asseadíssimas, refletem a boa educação do povo.
d. Dava gosto ver os filhos da
Eulália. Sempre muito limpos.
Dava gosto ver os filhos da
Eulália. Sempre asseadíssimos.
e. Se você quer o sanitário da
escola muito limpo, dê o exemplo e não o suje.
Se você quer o sanitário da escola
asseadíssimo, dê o exemplo e não o suje.