Conto: O homem que quis laçar Deus
Silvio Romero Havia um homem que era muito pobre e
com muita família. No lugar em que morava, havia uma estrada muito grande e se
dizia que por ali passava Deus e o mundo. Ouvindo dizer isto o homem, e querendo
saber a razão por que Deus o tinha feito tão pobre, armou um laço e assentou-se
na estrada à espera de Deus.
Levou assim muito tempo, e todos que
passavam perguntavam o que estava ali fazendo. Ele respondia que queria pegar
Deus. Afinal, estando já desenganado de que nada fazia, já ia para casa, quando
apareceu-lhe um velhinho e deu-lhe quatro vinténs, dizendo que só comprasse um
objeto que custasse aqueles quatro vinténs. Nem mais barato, nem mais caro.
O homem foi para casa muito contente,
imaginando no que havia de comprar com aquele dinheiro. Lembrou-se de um
compadre negociante rico que tinha, o qual estava para fazer viagem a buscar
sortimentos para sua loja. Dirigiu-se o compadre pobre para a casa do compadre
rico e pediu-lhe que comprasse qualquer coisa que custasse aqueles quatro
vinténs.
Fez o compadre a sua viagem e chegando
na cidade não encontrou nada por aquele preço. Foi ao mercado e ainda nada. Só
encontrava objetos por três vinténs, um tostão, meia pataca, dois mil réis,
três, etc.
Ia já para casa, quando ouviu um
menino mercar: “quem quer comprar um gato? Custa quatro vinténs.” O homem
ficou muito contente e comprou o gato. Era um animal raro naquele lugar. Chegando
o negociante em casa do amigo onde estava hospedado, e que também era do
comércio, este ficou desejoso de possuir aquele animal e pediu ao amigo para
deixar o gato passar a noite na loja, onde havia muito rato, que lhe davam um
grande prejuízo.
No outro dia quando abriram a casa,
tinha uma quantidade tão grande de ratos mortos que causou admiração. Aí o
negociante dono da casa ofereceu uma grande soma de dinheiro ao amigo pelo
gato.
Este recusou, dizendo ser o gato de um
seu compadre muito pobre, que o tinha encarregado de comprar um objeto qualquer
com quatro vinténs. Insistiu muito o negociante e afinal ofereceu
tanto dinheiro que o amigo não pôde recusar e vendeu o gato. Voltou o compadre
rico de sua viagem, mas chegando em casa teve tanta pena de dar o dinheiro ao
compadre, que o enganou com uma peça de chita, muito ordinária, dizendo ter
comprado aquilo com os quatro vinténs.
O compadre pobre ficou muito contente
e, chegando em casa, a mulher desmanchou logo a fazenda em camisas para os filhos.
Mas como Deus não quer nada mal feito, assim que o compadre saiu com a peça de
chita, o rico caiu com uns ataques muito fortes e já para morrer. A mulher o
aconselhou a que se confessasse, que ele estava muito mal, e chegando o padre e
sabendo do segredo, mandou-o restituir todo o dinheiro do compadre pobre. Este
veio a chamado do rico, que logo melhorou, só com a presença dele.
Mas o ricaço, não tendo coragem de
entregar o dinheiro, ainda enganou o outro com outra peça de fazenda ordinária.
O
pobre não cabia de si de contente, e mal tinha saído, já o rico estava outra
vez morre não morre. É chamado de novo a toda pressa o compadre pobre, sendo
ainda uma vez enganado com outra peça de fazenda, mas desta vez o rico já
estava quase expirando, e não teve outro remédio senão declarar ao companheiro
que aquelas barricas que ali estavam eram dele com todo o dinheiro que
continham.
Ouvindo isto, o pobre quase que não se
segurava em pé, tal foi o choque que sentiu, e como louco correu a dar novas à
família, que não sabia como explicar tamanha felicidade. Houve oito dias de
festas e o pobre ficou logo cercado de muitos amigos, entre eles o rico que
ficou bom da moléstia esquisita, assim que entregou o dinheiro.
Romero, Sílvio. folclore brasileiro; cantos e contos populares do brasil. 3 v. Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1954. Coleção Documentos Brasileiros.
Entendendo o conto:
01 – Em relação à estrutura
textual do conto.
a)
Quantos parágrafos tem o conto?
O conto tem onze parágrafos.
b)
Narrador:
·
Participa da história.
·
Conta os fatos sem participar.
c)
Em relação ao discurso das personagens.
·
Presença de discurso: - Direto.
-
Indireto.
d)
Qual é a tipologia predominante no conto:
·
Narrativa.
·
Argumentativa.
·
Descritiva.
02 – Qual é o tema do conto?
A avareza do homem rico.
03 – Quais os personagens
que fazem parte dessa narrativa?
O homem pobre,
seu compadre rico, um velhinho, um menino, a mulher do homem pobre, o padre, o
negociante e a mulher do homem rico.
04 – Que fato provocou o
desenrolar dos acontecimentos descritos no texto?
O fato do homem
pobre ter acreditado num ditado popular “por ali passava Deus e o mundo”; ele
resolveu ficar numa estrada perto de sua casa para laçar Deus.
05 – Em que momento surge o
conflito da história?
Quando o compadre
rico não quer dar ao homem pobre o dinheiro da venda do gato.
06 – Por que o homem pobre
desistiu de laçar Deus?
Porque
apareceu-lhe um velhinho e deu-lhe quatro vinténs.
07 – O compadre rico
enganava o homem pobre dando-lhe o quê?
Uma peça de chita muito ordinária.
08 – O que acontecia com o
ricaço quando enganava seu compadre pobre?
Tinha uns ataques
fortes e ficava entre a vida e a morte.
09 – Qual o desfecho
(epílogo ou conclusão) da história?
O compadre rico
declara ao homem pobre que aquelas barricas que ali estavam eram dele com todo
o dinheiro que continham.