FRAGMENTO DO LIVRO: O MISTÉRIO DO 5 ESTRELAS
Marcos Rey
—
Me traga os jornais de sempre — pediu o hóspede passando ao bellboy uma nota
amassada.
—
Esse dinheiro não vai dar, senhor.
—
Tem razão. Um momento.
Quando
abriu o guarda-roupa para apanhar a carteira, Leo viu pelo espelho interno do
móvel que o Barão tinha companhia: um homem pequeno, com pinta de índio
vestindo roupas civilizadas, lavava concentradamente as mãos na pia do
banheiro. Devia ser uma daquelas muitas pessoas que o Barão ajudava, pensou o
rapaz.
O volumoso hóspede do 222 demorava para
encontrar a carteira nos bolsos de seus paletós, enquanto o bellboy aspirava
vários cheiros do apartamento: o de charutos já fumados e amanhecidos, um mais
agradável de lavanda e ainda outro de maçã, sempre vendo pelo espelho o tal
homenzinho a lavar as mãos e a enxugá-las em toalhas de papel que ia jogando
numa cesta. Depois, com o súbito receio de ser visto pelo espelho do
guarda-roupa, fechou a porta do banheiro com uma cotovelada.
Afinal
o Barão reapareceu com mais dinheiro e um novo sorriso.
— O troco é seu, meu filho. Leo disparou pelos
corredores acarpetados do Emperor Park Hotel, esperou e apanhou o elevador e
passou pela portaria. Novato ainda no emprego provava com a velocidade das
pernas seu interesse pelo trabalho. À entrada do edifício, em seu belo uniforme
branco com debruns dourados, viu o Guima (Guimarães), o porteiro, antigo amigo
de sua família, a quem devia o salário, aquelas gorjetas todas e a nova profissão.
Ao entrar pela primeira vez com o Guima, há dois meses, no imenso e rico
saguão do Park, como o chamavam simplesmente os funcionários, Leo ficou
deslumbrado. No seu mundo da Bela Vista, o bairro do Bexiga, onde nascera e
morava, jamais pisara num ambiente tão bonito, moderno e fofo. "Isso que é
um cinco estrelas", explicou o porteiro com orgulho de proprietário.
"Mas o que é um cinco estrelas?" Guima olhou-o como se sua ignorância
lhe fizesse pena e disse que a qualidade dos hotéis é medida pela quantidade de
estrelas que ostenta. Cinco é o máximo, só para estabelecimentos de nível
internacional.
Era
uma sexta-feira; na segunda, já fardado e registrado, Leo começava a trabalhar
no Emperor Park Hotel como bellboy, mensageiro, das 8 às 18 horas, quando
voltava para casa, jantava às pressas e corria para a escola noturna. O horário
era puxado e o serviço de cansar as pernas, mas as gratificações compensavam.
Recebia gorjetas inclusive em dinheiro estrangeiro. Logo conheceu a cor do
dólar, da libra, do peso, do franco, da peseta, que trocava por cruzeiros lá
mesmo na casa de câmbio do Park.
Leo
precisou de um mês para percorrer os vinte e tantos andares do hotel, sem
contar os subterrâneos destinados às garagens, lavanderia, depósito de gêneros
alimentícios, adega, almoxarifados, um labirinto frio e deserto em muitas horas
do dia.
Não era, porém, no proletário subsolo que o
rapaz da Bela Vista encontrava satisfações e interesses. Gostava de vagar pelo
saguão, sempre cheio de hóspedes que chegavam ou partiam, numa confusão de
malas, rótulos e idiomas, de espiar a piscina, no quarto andar, com suas águas
muito cloradas, dum verde para ricos, o restaurante, com seus odores
caprichados, a luxuosa boate, o imponente salão de convenções, o tropical
garden, pequena floresta onde serviam gelados e sanduíches, a sauna, que vendia
calor e fumaça, a quadra de shopping, com suas lojas sofisticadas, e no alto,
lá em cima, o belo bar-terraço, coisa de cinema, com pista de dança, solário e
um mirante envidraçado para se ver São Paulo inteira, à luz do sol, elétrica ou
de vela em jantares ou ocasiões especiais.
A
maioria dos hóspedes do Park também parecia ter cinco estrelas estampadas na
testa: gente importante, preocupada com telefonemas internacionais, políticos, desportistas
e artistas famosos que recebiam jornalistas ou deles fugiam, evitando fotos e
entrevistas. Logo na primeira quinzena de Park Leo esteve a dois metros de
distância de Vera Stuart, atriz do cinema norte-americano, carregou as malas
dum automobilista francês de Fórmula 1, e levou uma garrafa de mineral ao
apartamento de um dos reis do petróleo do Oriente Médio, vestido em trajes
típicos.
Havia,
ainda, hóspedes que moravam no hotel: dona Balbina, viúva rica e solitária,
Mister O'Hara, que embora muito idoso e doente dirigia uma grande empresa quase
sem sair do apartamento, o anão Jujuba, ídolo infantil da televisão, e o Barão.
Certamente Barão era apenas apelido do homem gordo que mandou Leo comprar
jornais, conhecido benemérito, protetor de inúmeras instituições assistenciais.
Leo
voltou com os jornais e tocou a campainha do 222. Desta vez o hóspede não abriu
de imediato a porta. Antes que o fizesse, o bellboy ouviu ruídos.
— Quem é? — perguntou o Barão, o que nunca fazia.
— Sou eu, o bellboy. Trouxe os jornais. A porta abriu pouco e
lentamente, o suficiente apenas para mostrar o rosto do hóspede. O Barão muito
pálido, como um doente, teimava em sorrir, mas não devia estar bem porque suas
mãos, trêmulas, deixaram cair os jornais. Leo abaixou-se para apanhá-los quando
viu, sob a cama, dois pés calçados, apontando para a porta. Pegou os jornais e
ao levantar-se notou que havia uma mancha vermelha, provavelmente de sangue, no
robe do gordo do 222.
— Obrigado — disse o Barão, segurando confusamente os jornais e
apressando-se em fechar a porta.
Mesmo diante da porta fechada, Leo
deteve-se ainda um momento para relembrar e fixar na memória a cena que acabara
de ver. Daí por diante começariam seus problemas.
Guima, assim que o viu, aproximou-se:
— Diga a dona Iolanda que domingo passo lá pra filar macarronada.
Leo estava agora mais assustado do que no momento em que vira os pés
debaixo da cama.
— Guima, sabe o que eu vi?
O porteiro sentiu que o rapaz estava sob forte tensão e ficou muito
preocupado. Para um bellboy não era interessante ver certas coisas. Aliás, o
perfeito mensageiro não tem olhos nem ouvidos: apenas pernas e cortesia.
— Alguma mulher sem roupa?
— Não, acho que vi um cadáver.
[...]
01.
Em
geral, as histórias de detetive apresentam ao leitor algumas informações
relacionadas ao espaço da narrativa.
a)
Identifique,
no texto, o espaço em que os fatos narrados acontecem. Faça uma breve descrição
desse espaço.
Os fatos narrados acontecem no Emperor Park Hotel, um cinco estrelas
bonito, moderno e requintado.
b)
Há
outros espaços mencionados na história. Identifique-os e explique por que eles
são citados.
A Bela Vista, no bairro do Bixiga, é mencionada por ser o lugar onde
Leo nasceu e morava.
c)
Você
já ouviu falar sobre esses lugares? Esses lugares são fictícios, ou seja, foram
inventados pelo autor? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal.
Sugestão: Esses lugares não são fictícios. Bela Vista é um distrito
situado na região central da cidade de São Paulo, onde fica localizado o bairro
conhecido como Bixiga.
02.
A
descrição é um recurso que permite melhor visualização dos elementos que
compõem a narrativa. Assim, aponte características que descrevem:
a)
o
Hotel Emperor Park:
O saguão do hotel estava sempre cheio de hóspedes, a piscina tinha
um verde para ricos, a boate era luxuosa, havia um imponente salão de
convenções, quadra de shopping com lojas sofisticadas, um belo terraço-bar,
etc.
b)
a
maioria dos hóspedes do hotel:
Os hóspedes eram pessoas importantes, como atrizes de cinema,
automobilistas, reis do petróleo, etc.
c)
os
hóspedes que moravam no hotel:
Uma viúva rica e solitária; um idoso, que era diretor de uma grande
empresa; um anão, ídolo infantil da televisão, etc.
03.
Entre
os personagens comuns nas narrativas de detetive estão a vítima, o(s)
suspeito(s) e o detetive, ou alguém que desempenha o papel de esclarecer o
mistério.
a)
É
possível identificar esses personagens no trecho que você leu? Explique sua
resposta.
Sim, provavelmente, o homem que Leo viu pelo reflexo do espelho é a
vítima, o Barão e o suspeito e Leo é o personagem encarregado de esclarecer o mistério.
b)
Como
esses personagens são caracterizados no texto?
O homem que Leo viu refletido no espelho era pequeno, tinha a
aparência de índio vestindo roupas civilizadas; o Barão é descrito como gordo,
mole e displicente, prestava assistência a inúmeras instituições; Leo nasceu e
morava no Bela Vista, trabalhava como mensageiro no hotel das 8h às 18h e
estudava à noite, demonstrava interesse pelo trabalho.
c)
O
autor de histórias de detetive costuma deixar traços e pistas ao longo da
história a fim de fazer revelações ou confundir o leitor, conduzindo a
narrativa a um final quase sempre surpreendente. Que informações no texto
permitiram que você identificasse esses personagens? Explique sua resposta.
Quando Leo bate à porta, atendendo ao chamado do Barão, é recebido
com um sorriso largo, e o homem pequeno com aparência de índio, pelo reflexo do
espelho, fecha a porta do banheiro com uma cotovelada, com receio de ser visto.
Quando Leo bate à porta novamente para entregar os jornais, o Barão pergunta
quem é, o que nunca fazia, demora para atende-lo e, ao abrir a porta, o que faz
pouco e lentamente, mostra-se pálido, teimando em sorrir. Não parecia bem, pois
suas mãos estavam trêmulas, deixando cair os jornais. Leo, então, abaixa-se
para apanhá-los, quando vê, sob a cama, dois pés calçados apontando para a porta,
pega os jornais e, ao se levantar, nota que havia uma mancha vermelha no robe
do Barão, provavelmente de sangue.
04.
Outro
elemento que caracteriza as histórias de detetive é um crime ou um mistério a
ser desvendado. Identifique esse elemento no trecho lido.
O enigma a ser desvendado é se os pés visto sob a cama eram do homem
visto anteriormente no quarto, descobrir se ele realmente está morto e, em caso
afirmativo, descobrir onde está o corpo e provar quem o matou.