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terça-feira, 30 de agosto de 2022

PALESTRA: CINCO IDEIAS EQUIVOCADAS SOBRE OS ÍNDIOS - (FRAGMENTO) - JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE - COM GABARITO

 Palestra: Cinco ideias equivocadas sobre os índios – Fragmento 

     José Ribamar Bessa Freire

        Boa noite. Eu queria agradecer ao acadêmico Domício Proença Filho e o Marco Lucchesi pelo convite para participar desta mesa ao lado da Graça Graúna, né?, a quem eu já conheço de algum tempo. É... eu gostaria de... de situar é... o problema de uma forma até mais... é... informal, em tom de conversa mesmo. [...]

        Eu quero compartilhar com vocês o discurso de abertura da Sessão Magna do Quarto Centenário do Brasil, no dia 4 de maio de 1900. Brasil festejava seus quatrocentos anos. Aqui na Glória se realizou uma missa, cardeal veio, celebrou, etc., e as comemorações tiveram início com um discurso de um engenheiro e político carioca, que depois se tornaria prefeito da cidade, o Paulo de Frontin. Ele foi conhecido por ter ampliado o potencial de abastecimento de água do Rio de Janeiro, não é?, que era a capital do Brasil. É... no discurso de abertura do Quarto Centenário, eu vou ler bem devagar, porque eu acho que é extremamente importante esse discurso, ele diz o seguinte: “O Brasil não é o índio; este, onde a civilização ainda não se estendeu, perdura com os seus costumes primitivos, sem adiantamento nem progresso. Descoberto em 1500 pela frota portuguesa ao mando de Pedro Álvares Cabral, o Brasil é a resultante direta da civilização ocidental, trazida pela imigração, que lenta, mas continuadamente, foi povoando o solo. A religião”, continua Paulo de Frontin no seu discurso, “a religião, a mais poderosa força civilizadora da época, internou-se pelos longínquos e ínvios sertões brasileiros e, sob o influxo de Nóbrega e Anchieta, conseguiu assimilar número considerável de aborígenes, que assim se incorporaram à nação brasileira”. E aí ele arremata no final: “Os selvícolas, esparsos, ainda abundam nas nossas majestosas florestas e em nada diferem dos seus ascendentes de 400 anos atrás. Eles não são nem podem ser considerados parte integrante da nossa nacionalidade; a esta cabe assimilá-los e, não o conseguindo, eliminá-los”.

        O discurso de abertura... quer dizer, ele falou aquilo que está um pouco na boca de qualquer brasileiro, mas ele estava ali numa função oficial. Era um engenheiro, que passou pela escolaridade, teve escolaridade, teve universidade, não é?, um bom engenheiro, um bom prefeito do Rio de Janeiro, não é?, ele estava ali como presidente da... da... das comemorações dos quatrocentos anos do Brasil. [...] Eu só estou citando porque é difícil a gente acreditar que é... uma autoridade pública, abrindo o aniversário de quatrocentos anos do Brasil, diga que essa... que o Brasil não tem nada que ver com o índio, que cabe à nação brasileira assimilá-los e, se não conseguir, eliminá-los, né? Bom, o discurso choca... mas a prática, ela está aí também, seguindo um pouco essa orientação.

        Eu, eu fiquei pensando, eu escrevi um artigo, que eu trabalho também com meus alunos em sala de aula, que são os cinco equívocos, os cinco grandes equívocos, que o brasileiro comete quando pensa no índio. Todos esses equívocos e mais um sexto equívoco ainda, eles estão presentes nesse curto discurso aqui, nesse trecho curto do discurso do Paulo de Frontin.

        Ele... primeiro... primeiro grande equívoco: eliminar os índios como matriz formadora da nacionalidade brasileira. Quer dizer, a presença indígena é muito forte na cultura brasileira, embora nós não tenhamos um conhecimento, porque não foi feito um inventário dessa contribuição, não é? Teve uma tese de doutorado defendida na Unicamp alguns anos atrás que mostra que aquele “r” caipira do interior de São Paulo, de “morte”, “porta”, “Dirceu”, que esse “r” retroflexo, ele é um som da língua ofaié xavante, que era falada no interior de São Paulo, em Bauru. Quando eu li isso, quer dizer, eu me dei conta de como essa enorme variedade dialetal existente no Brasil, ela poderia ser explicada se nós fizéssemos um inventário da contribuição que os índios deram na formação do Brasil moderno, contemporâneo. Então, é um erro, um equívoco muito grande, um preconceito excluir os índios da matriz formadora de nossa nacionalidade, mas é o que acontece com muita frequência. [...]

        No discurso do Paulo de Frontin tem também um outro equívoco, que é de situar os índios apenas no passado, é considerar como é... é... integrantes de um passado que não existe mais e o que passou, passou. Num texto escrito em 1997 sobre a biodiversidade vista do ponto de vista de um índio, o Jorge Terena, que é um índio que morreu há alguns atrás, grande sociólogo indígena, índio Terena, ele escreveu que uma das consequências mais graves do colonialismo foi justamente tachar de primitivas as culturas indígenas, considerá-las como obstáculos à modernidade e ao progresso. Eu quero compartilhar uma pequena citação do que ele disse, do que ele escreveu. Ele disse: “Eles veem a tradição viva como primitiva, porque não segue o paradigma ocidental. Assim, os costumes e as tradições, mesmo sendo adequados para a sobrevivência, deixam de ser considerados como estratégia de futuro, porque são ou estão localizadas no passado. Tudo aquilo que não é do âmbito do Ocidente é considerado do passado, desenvolvendo uma noção equivocada em relação aos povos tradicionais, sobre o seu espaço na história”. Então, os índios efetivamente fazem parte do nosso passado, mas eles estão encravados aqui no nosso presente e, queira Deus, que no futuro desse país, porque, se não, nós estaríamos muito mais empobrecidos seguramente, não é?

        É... os dados revelados pelo IBGE na semana passada, o Censo de 2010, mostra a existência de mais de 830 mil índios. A população indígena está crescendo no Brasil. Tem um fenômeno novo que é o fato de que mais de 350 mil índios estão vivendo hoje nas cidades, né? E aí isso gera um outro equívoco, que é aquele equívoco de considerar como índio autêntico, né?, só aquele índio que foi descrito pelo Pero Vaz de Caminha, né?, e tal como ele descreveu. Aquele que tá lá no mato, na floresta, né? É... o José Saramago ou o Alçada Batista, aqui citado, nenhum dos dois escrevia como o Pero Vaz de Caminha, mas ninguém diz que eles não eram portugueses autênticos. Também não se vestiam como Pedro Álvares Cabral, os portugueses de hoje... ninguém diz que não são autênticos. Então, a gente aceita, quer dizer, que, como qualquer cultura, todas as culturas são vivas e mudam, mas, quando se trata da questão indígena, está tão internalizada aquela imagem do índio nu, na floresta, etc., etc., que a gente não percebe que pas... que quinhentos anos, cinco séculos passaram e que os índios, no contato com a sociedade colonial, depois com a sociedade imperial, com a sociedade nacional brasileira, eles, como todas as outras culturas, também foram se modificando. No discurso do Paulo de Frontin citado aqui no início, ele também congela essas culturas e ele considera essas culturas como culturas atrasadas. Ele faz isso por pura ignorância, ele desconhece, na época também não existia uma... Hoje já existe, quer dizer, hoje nós temos uma quantidade expressiva de trabalhos na área de Antropologia, Etnologia, que nos dão conta dos conhecimentos que os índios trouxeram para a... a... a sociedade nacional. Portanto, considerar essas culturas como culturas atrasadas é desconhecer que esses povos produziram saberes, ciência, arte refinada, literatura, poesia, música, religião, não é?

        [...]

        Bom, meu tempo se esgotou. Eu me... coloco à disposição depois, na discussão, para conversar e responder às perguntas. Muito obrigado.

BESSA FREIRE, José Ribamar. Seminário realizado em abril de 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PcDsQE223sg. Acesso em: 24 nov. 2015.

       Fonte: Língua Portuguesa – Se liga na língua – Literatura, Produção de texto, Linguagem – 2 Ensino Médio – 1ª edição – São Paulo, 2016 – Moderna – p. 173-8.

Entendendo a palestra:

01 – Que cuidados o falante tem ao inserir esse discurso?

      O palestrante o contextualiza, informando quando ocorreu o discurso, onde e quem o proferiu.

02 – Diga que tese é essa.

      Tese: criticar o tratamento da questão indígena no Brasil, mostrando que continua a existir uma visão excludente.

03 – Em que outro trecho do parágrafo se faz o mesmo tipo de referência?

      Outra referência é feita no trecho em que o falante comenta sua leitura de uma tese universitária.

04 – O que pretende José Bessa ao se referir aos limites do conhecimento sobre os índios no início do século XX?

      Ao reconhecer os limites do conhecimento sobre os índios, o falante evita que a crítica seja considerada inadequada e reforça a ideia de que ela se aplica inteiramente na atualidade.

05 – Releia os parágrafos iniciais das duas exposições, os quais aludem à situação de produção dos textos.

I. “Bom dia a todos. Ahn... é um prazer tá aqui de volta. Eu tive aqui há umas... quatro semanas atrás falando pra pais. [...] É uma experiência nova para mim falar pra pessoas na faixa de idade de vocês. Eu, em geral, tenho como interlocutores pessoas mais velhas. Então, vocês, ahn..., por favor, me desculpem se eu ficar um pouco mais formal do que vocês tão acostumados a se relacionar, né?”

II. “Boa noite. Eu queria agradecer ao acadêmico Domício Proença Filho e o Marco Lucchesi pelo convite para participar desta mesa ao lado da Graça Graúna, né?, a quem eu já conheço de algum tempo. É... eu gostaria de... de situar é... o problema de uma forma até mais... é... informal, em tom de conversa mesmo. [...]”

a)   As duas aberturas fazem referência à questão da linguagem. Qual é a preocupação comum aos dois falantes?

A preocupação de explicar ao público o nível de linguagem que empregarão: Pompeia admite que talvez seja formal demais para seus ouvintes, e Bessa afirma que deseja um tom de conversa.

b)   De que maneira Guto Pompeia procurou conquistar a simpatia do público adolescente a quem se dirige?

Ele se desculpa por não estar habituado a conversar com jovens, já que geralmente conversa com interlocutores mais velhos.

c)   Veja uma fotografia da palestra de Guto Pompeia e responda: em sua opinião, o espaço ocupado pelo palestrante e sua posição favorecem essa aproximação com o público? Por quê?

Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A análise do espaço, constituído por uma mesa, e da posição do falante, sentado, sugere uma apresentação menos dinâmica, aparentemente menos atraente para o público.

06 – Leia o trecho correspondente ao momento registrado.

        “Eu só estou citando porque é diFÍcil a gente a-cre-di-tar que é... uma autori- DAde PÚblica, aBRINdo o aniverSÁrio de quatrocentos anos do Brasil, diga que essa... que o Brasil não tem nada que ver com o índio, que cabe à nação brasileira assimilá-los e, se não conseguir, e-li-mi-ná-los, né? Bom, o discurso choca... mas a prática, ela está aí também, seguindo um pouco essa orientação.”

a)      Nesse trecho, destacamos em maiúsculas as sílabas pronunciadas com bastante intensidade pelo falante e dividimos as palavras cujas sílabas foram ditas separadamente. Relacione esses recursos de pronúncia ao conteúdo do texto.

Os recursos de pronúncia chamam a atenção para a atitude de indignação do falante diante do conteúdo que ele explora, reforçando sua crítica à maneira como a causa indígena era compreendida pela autoridade pública citada.

b)      Observe, na foto, que o palestrante gesticula enquanto fala. Que efeito um gestual mais enfático tem na interação com o ouvinte?

Um gestual enfático torna a apresentação mais dinâmica, o que contribui para manter a atenção do ouvinte.

07 – Releia um trecho da parte inicial da mesma palestra.

        “Eu quero compartilhar com vocês o discurso de abertura da Sessão Magna do Quarto Centenário do Brasil, no dia 4 de maio de 1900. Brasil festejava seus quatrocentos anos. Aqui na Glória se realizou uma missa, cardeal veio, celebrou, etc., e as comemorações tiveram início com um discurso de um engenheiro e político carioca, que depois se tornaria prefeito da cidade, o Paulo de Frontin. Ele ficou conhecido por ter ampliado o potencial de abastecimento de água do Rio de Janeiro, não é?, que era a capital do Brasil.”

a)   Explique a seguinte afirmação: O trecho “Aqui na Glória se realizou uma missa, cardeal veio, celebrou, etc.” é pouco importante do ponto de vista da informação, mas eficiente para conquistar o ouvinte.

A narração do momento de enunciação do discurso é dispensável para sua compreensão, mas ajuda a criar uma imagem daquela situação. Essa imagem torna o discurso mais concreto para o ouvinte, que está sendo introduzido no assunto.

b)   Reflita sobre a lógica do texto e explique: por que é fundamental apresentar Paulo de Frontin ao público?

A intenção do produtor do texto é mostrar que mesmo uma autoridade pública bem conceituada e com boa formação tinha dificuldade para analisar a questão indígena sem equívocos ou preconceitos, uma prática que se estende aos demais brasileiros.

08 – Veja outro recurso empregado na mesma palestra para mobilizar o ouvinte.

        “O José Saramago ou o Alçada Batista, aqui citado, nenhum dos dois escrevia como o Pero Vaz de Caminha, mas ninguém diz que eles não eram portugueses autênticos. Também não se vestiam como Pedro Álvares Cabral, os portugueses de hoje... ninguém diz que não são autênticos.”

a)   Que ideia o palestrante quer tornar clara para o ouvinte?

A ideia de que a identificação de um povo não depende de reconhecer nele características de seu passado. Portanto, é equivocada a visão que mantém o indígena como um ser preso à floresta e a formas ancestrais de vida e de pensamento.

b)   Por que a comparação empregada é um recurso argumentativo eficaz?

A comparação constrói um raciocínio lógico incontestável: se a ideia de evolução é válida para os portugueses, aplica-se igualmente ao povo indígena.

09 – Compare agora dois trechos da palestra de Guto Pompeia.

I. “E você poder fazer o que quer é aquilo que é caracterizado pelo fato de você ter liberdade, mas você usar a liberdade é diferente de você ter a liberdade. Porque você ter a liberdade é você PODER fazer o que quer; você usar a liberdade é você FAZER o que quer, né?”

II. “Se vocês entram num restaurante, pegam um cardápio, no cardápio tem trinta pratos que vocês podem comer... Vocês não vão comer os trinta pratos, por isso vocês têm que escolher um prato, né?, pra comer.”

a)   De que modo a analogia com o restaurante explica a relação entre “ter liberdade” e “usar a liberdade”, abordada na fala?

Em um restaurante, o cliente tem a liberdade de escolher qualquer prato disponível, mas o uso dessa liberdade corresponde à escolha de um único prato, exigindo uma seleção e uma série de abdicações.

b)   Levando em conta o público a que se destina a palestra, qual é a função do uso desse tipo de analogia?

A exposição de Guto Pompeia trata de um tema de ordem filosófica e analogias como essa favorecem a compreensão dos dados por torná-los mais concretos e próximos do público, no caso, os adolescentes.

c)   Observe o uso do termo “você/vocês” nos dois exemplos. Por que a função de “você” no primeiro trecho está mais próxima da função de um pronome indefinido do que de um pronome de tratamento?

Como pronome de tratamento, “você” se refere ao interlocutor, como ocorre no segundo trecho em estudo. No primeiro trecho, “você” generaliza, tendo uso similar a “alguém”.

d)   Toda a palestra é marcada pela repetição de “você” e “vocês”. Essa repetição parece ser involuntária, constituindo um defeito de estilo? Justifique.

Não. A repetição cumpre um papel de ênfase e aproxima o texto, que traz uma verdade filosófica geral, para um universo mais particular, concreto e próximo do ouvinte.

PALESTRA: MANUAL DE INSTRUÇÃO PARA O USO DA LIBERDADE - (FRAGMENTO) - JOÃO AUGUSTO POMPEIA - COM GABARITO

 Palestra: Manual de instrução para o uso da liberdade – Fragmento

               João Augusto Pompeia

         Bom dia a todos. Ahn... é um prazer tá aqui de volta. Eu tive aqui há umas... quatro semanas atrás falando pra pais. [...] É uma experiência nova para mim falar pra pessoas na faixa de idade de vocês. Eu, em geral, tenho como interlocutores pessoas mais velhas. Então, vocês, ahn..., por favor, me desculpem se eu ficar um pouco mais formal do que vocês tão acostumados a se relacionar, né?

        [...] Por que falar deste tema agora para vocês, né? E a razão disso é exatamente o momento de vida que vocês estão vivendo. Vocês estão começando a exercer uma liberdade que tende a se ampliar aí nos próximos anos. Vocês estão na iminência de começar a tomar algumas decisões que têm implicações pro resto da vida de vocês, como a escolha da profissão, e acho que, por isso, nesse momento, pensar um pouquinho sobre o uso da liberdade pode ser uma coisa interessante, né?

        E acho que a gente tinha que começar primeiro dando uma caracterização, não exatamente uma definição precisa, mas uma caracterização do que que eu tô chamando de “liberdade”. É uma palavra que vai ter muitos significados. E eu queria tomar uma... uma referência, né?, bem simples, e aí eu recorri inclusive a Aristóteles, embora ele seja um autor complexo, à definição que ele dá a uma certa altura. Ele diz assim: “Liberdade é uma pessoa poder fazer o que quer”.

        Essa definição, ela é bastante concreta e bastante simples, né? E parece que satisfaz, pelo menos num primeiro momento. E você poder fazer o que quer é aquilo que é caracterizado pelo fato de você ter liberdade, mas você usar a liberdade é diferente de você ter a liberdade. Porque você ter a liberdade é você PODER fazer o que quer; você usar a liberdade é você FAZER o que quer, né? E como o número das possibilidades que a gente tem é muito maior do que o número de coisas que a gente de fato chega a fazer, quando você vai usar a liberdade, quando você vai passar do TER LIBERDADE pra condição de SER LIVRE, você necessariamente tem que escolher, né?

        Então, o uso da liberdade impõe que necessariamente vocês façam a escolha. Se vocês entram num restaurante, pegam um cardápio, no cardápio tem trinta pratos que vocês podem comer... Vocês não vão comer os trinta pratos, por isso vocês têm que escolher um prato, né?, pra comer. Algumas vezes, nas discussões entre os filósofos aparece isso. Se a gente fosse imortal, se a gente vivesse num tempo infinito, a escolha da profissão, por exemplo, seria só uma escolha de ordem. Que profissão você quer ser primeiro? Porque, pra quem não vai morrer nunca, com o passar do tempo você acabaria fazendo todas as profissões.

        O diabo é que nós somos mortais, nós temos um tempo limitado, e esse tempo limitado impõe que as escolhas ganhem uma radicalidade muito grande. Quando você escolhe alguma coisa, você, na verdade, abre mão das demais. Então isso torna a escolha uma coisa bastante complicada.

        Por isso eu pensei já alguns anos atrás em tentar organizar um manual de instrução pro uso da liberdade, né? Para aqueles que estão começando a exercer a liberdade, que aspectos deveriam ser trazidos na presença... pra que o uso da liberdade fosse o melhor possível. Ahn... esse manual não é uma determinação, esse manual não diz o que que vocês devem fazer, ou como vocês devem usar. Apenas levanta algumas questões que estão envolvidas no uso da liberdade concretamente. E na primeira folha do manual tem uma advertência. E a advertência diz assim: “Atenção: a má utilização do produto pode acarretar danos irreparáveis ao mesmo”. Quando vocês usam a liberdade de vocês pra escolher certas opções, vocês põem em risco a liberdade de vocês, né? A experiência concreta, por exemplo, do... do uso de drogas que desenvolvem dependência. Se [...] você usa droga e se torna dependente, você teve uma severa perda de liberdade, porque o dependente químico é severamente limitado na sua liberdade. Da mesma forma, se você bebe bastante e pega sua moto para ir passear, a chance que você tem de ganhar, né?, uma lesão às vezes com caráter irrecuperável pro resto da vida e, portanto, uma privação radical de liberdade é, às vezes, bastante grande. Por isso, é conveniente que pra usar a liberdade algumas questões tenham sido refletidas.

        [...]

        Então, a primeira coisa que eu queria... quando você for usar a liberdade lembra do seguinte: ser livre não é só você fazer o que quer, é também você poder continuar querendo o que você fez. Porque quando, no desdobrar do tempo, você não quer mais ter feito o que você fez, você vai descobrir que o seu pior carcereiro é você mesmo. E isso é extremamente frustrante, isso é extremamente pesado, e por isso o exercício da liberdade obriga você a compreender a vida numa visão que vai pra além do imediato.

        [...]

POMPEIA, Guto. Palestra proferida em maio de 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LLk4jGEFP7s.  Acesso em: 24 nov. 2015.

       Fonte: Língua Portuguesa – Se liga na língua – Literatura, Produção de texto, Linguagem – 2 Ensino Médio – 1ª edição – São Paulo, 2016 – Moderna – p. 169-171.

Entendendo a palestra:

01 – A liberdade é o tema da palestra.

a)   Segundo o texto, qual é a preocupação imediata dos alunos que assistem à palestra?

A escolha profissional.

b)   De que maneira o palestrante vincula essa preocupação ao tema de sua fala?

A escolha profissional é um exercício de liberdade que pressupõe a abdicação de outras possibilidades e, por isso, exige reflexão.

c)   Que outro tema relativo à vida do jovem também foi associado à questão da liberdade? Explique como tal associação foi realizada.

O palestrante associou o tema da liberdade ao uso de drogas, cujas consequências podem restringir severamente a liberdade do usuário.

02 – Segundo o palestrante, por que o tema da liberdade está diretamente relacionado ao tema da escolha?

      O palestrante desenvolve a ideia de que as pessoas têm a liberdade de escolher, mas só são efetivamente livres quando realizam esse ato.

03 – O palestrante afirma ter organizado um “manual de instrução para o uso da liberdade”.

a)   Por que o uso do gênero “manual de instrução” parece conflitar com sua proposta?

Segundo o palestrante, sua intenção com o manual de instrução não é ditar orientações, o que contrasta com as características desse gênero.

        manual de instrução é um gênero textual voltado a apresentar explicações de como usar, manter ou fazer algo. É bastante comum nesse gênero o emprego de verbos no imperativo ou no infinitivo com valor de imperativo, já que o texto é injuntivo, ou seja, destinado a indicar procedimentos.

b)   O palestrante está ciente de que as características do gênero não se aplicam integralmente ao seu objetivo? Justifique.

Sim. Ele explicita isso ao introduzir uma ressalva: “esse manual não é uma determinação, esse manual não diz o que que vocês devem fazer, ou como vocês devem usar”.

c)   No texto da advertência — “Atenção: a má utilização do produto pode acarretar danos irreparáveis ao mesmo” —, a que se refere o termo “produto”? Justifique.

“Produto” refere-se a “liberdade”. O manual dedica-se a explicar como usar a liberdade.

04 – Releia o final do texto.

        “[...] e por isso o exercício da liberdade obriga você a compreender a vida numa visão que vai pra além do imediato.”

a)    Esse comentário alude a uma importante característica do adolescente. Qual?

A tendência a se preocupar apenas com o momento presente, desconsiderando as questões futuras.

b)    Qual seria a intenção do palestrante ao concluir a primeira parte de sua exposição com essa reflexão?

Resposta pessoal do aluno. Sugestão: É importante que o aluno associe a discussão sobre liberdade e visão de futuro ao tema da escolha, tratado para abordar a escolha profissional.