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sexta-feira, 24 de março de 2023

ROMANCE: A MORENINHA - CAPÍTULO 19 - FRAGMENTO - JOAQUIM MANUEL DE MACEDO - COM GABARITO

 Romance: A Moreninha – Capítulo 19 – Fragmento  

                Joaquim Manuel de Macedo

        [...]

        -- Ora, ature-se um namorado!... mas venha cá, Sr. Augusto, então como é isso?... estamos realmente apaixonados?!

        -- Quem te disse semelhante asneira?...

        -- Há três dias que não falas senão na irmã de Filipe e...

        -- Ora, viva! quero divertir-me... digo-te que a acho feia, não é lá essas coisas; parece ter mau gênio. Realmente notei-lhe muitos defeitos... sim... mas, às vezes... Olha, Leopoldo, quando ela fala ou mesmo quando está calada, ainda melhor; quando ela dança ou mesmo quando está sentada... ah! ela rindo-se... e até mesmo séria... quando ela canta ou toca ou brinca ou corre, com os cabelos à négligé, ou divididos em belas tranças; quando... Para que dizer mais? Sempre, Leopoldo, sempre ela é bela, formosa, encantadora, angélica!

        -- Então, que história é essa? Acabas divinizando a mesma pessoa que, principiando, chamaste feia?...

        -- Pois eu disse que ela era feia? É verdade que eu... no princípio... Mas depois... Ora! estou com dores de cabeça, este maldito Velpeau!... Que lição temos amanhã?

        -- Tratar-se-á das apresentações de...

        -- Temos maçada! Quem te perguntou por isso agora? Falemos de D. Carolina, do baile, do...

        -- Eis aí outra! Não acabaste de perguntar-me qual era a lição de amanhã?

        -- Eu? Pode ser... Esta minha cabeça!...

        -- Não é a tua cabeça, Augusto, é o teu coração.

        Houve um momento de silêncio. Augusto abriu um livro e fechou-o logo; depois tomou rapé, passeou pelo quarto duas ou três vezes e, finalmente, veio de novo sentar-se junto de Leopoldo.

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        -- É verdade, disse; não é a minha cabeça: a causa está no coração. Leopoldo, tenho tido pejo de te confessar, porém não posso mais esconder estes sentimentos que eu penso que são segredos e que todo o mundo mos lê nos olhos! Leopoldo, aquela menina que aborreci no primeiro instante, que julguei insuportável e logo depois espirituosa, que daí a algumas horas comecei a achar bonita, no curto trato de um dia, ou melhor ainda, em alguns minutos de uma cena de amor e piedade, em que a vi de joelhos banhando os pés de sua ama, plantou no meu coração um domínio forte, um sentimento filho da admiração, talvez, mas sentimento que é novo para mim, que não sei como o chame, porque o amor é um nome muito frio para que o pudesse exprimir!... Eu a mim não conheço... não sei onde irá isto parar... Eu amo! ardo! morro!

        -- Modera-te, Augusto, acalma-te, não é graça; olha que estás vermelho como um pimentão.

        [...].

MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. 23. ed. São Paulo: Ática, 2012. p. 108-9.

Fonte: Práticas de Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Faraco – Moura – Maruxo – 1ª ed., São Paulo, 2020. Ed. Saraiva. p. 148-9.

Entendendo o romance:

01 – O diálogo entre os personagens permite a Leopoldo identificar contradições na fala de Augusto. Quais? Por quê?

      Ao mesmo tempo que atribui características negativas à Moreninha, Augusto a elogia, a ponto de provocar a estranheza do amigo. O trecho que comprova isso é: “Acabas divinizando a mesma pessoa que, principiando, chamaste feia?...”.

02 – Releia o quarto parágrafo do texto para responder às questões seguintes. Registre-as no caderno.

a)   Que relação a conjunção ou estabelece entre as orações?

Relação de alternância.

b)   Por que há tantas ocorrências dessa conjunção na fala de Augusto?

Augusto deseja expressar que, em qualquer circunstância, a moça o encanta.

03 – No diálogo de Leopoldo e Augusto, quais traços de linguagem indicam proximidade e intimidade fraternal entre esses personagens?

      Entre as possibilidades de expressões coloquiais, os estudantes podem identificar: venha cá; não é lá essas coisas; Olha, Leopoldo; Então, que história é essa?, Sr. Augusto (este último, podendo ser entendido como se usa até hoje de forma irônica com um interlocutor com quem se tem intimide).

04 – No texto, há mais de vinte reticências e mais de dez pontos de exclamação. Explique o efeito de sentido que o autor busca utilizando essa pontuação.

      Esse modo de pontuar o texto expressa o estado emocional dos personagens.

05 – Estudiosos da obra de Joaquim Manuel de Macedo apontam, em A Moreninha, que um fator que pode ter contribuído para o sucesso do autor junto ao público foi o uso de uma linguagem ágil, bem próxima do coloquial, com a narrativa marcada por muitos diálogos, para dar a impressão de a ação estar acontecendo no momento em que se lê, quase como se fosse uma cena teatral. Mas para você, jovem leitor do século XXI, certas expressões e a forma da linguagem podem não parecer nada próximas da linguagem coloquial que utiliza hoje. Com base nisso e considerando o público-leitor suposto de A Moreninha, discuta com os colegas e o professor as questões seguintes.

a)   Por que, para um leitor de hoje, muitas expressões e modos de dizer presentes no diálogo do romance parecem artificiais e com pouca probabilidade de ocorrer em uma conversa informal entre amigos? Justifique a resposta.

Resposta pessoal do aluno.

domingo, 19 de junho de 2022

ROMANCE: A MORENINHA - CAPÍTULO 23 (FRAGMENTO) - JOAQUIM MANUEL DE MACEDO - COM GABARITO

 Romance: A moreninha – capítulo 23 (fragmento)

                    Joaquim Manuel de Macedo

        [...]

        -- Então... pede-me para sua esposa?...

        -- A senhora o ouviu há pouco.

        -- Pois bem, Sr. Augusto, veja como verificou-se o prognóstico que fiz do seu futuro! Não se lembra que aqui mesmo lhe disse “que não longe estava o dia em que o Sr. havia de esquecer sua mulher”?

        -- Mas eu nunca fui casado... murmurou o estudante!...

        -- Oh! isso é uma recomendação contra a sua constância!...

        -- E quem tem culpa de tudo, senhora?

        -- Muito a tempo ainda me lança em rosto a parte que tenho na sua infidelidade, pois, eu emendarei a mão agora. O senhor há de cumprir a palavra que deu há sete anos!

        Augusto recuou dois passos.

        -- O senhor é um moço honrado, continuou a cruel Moreninha, e, portanto, cumprirá a palavra que deu, e só casará com sua desposada antiga.

        [...]

        D. Carolina deixou cair uma lágrima e falou ainda, mas já com voz fraca e trêmula:

        -- Sim, deve partir... vá... Talvez encontre aquela a quem jurou amor eterno... Ah! senhor! nunca lhe seja perjuro.

        -- Se eu encontrasse!...

        -- Então?... que faria?...

        -- Atirar-me-ia a seus pés, abraçar-me-ia com eles e lhe diria: “Perdoai-me, perdoai-me, senhora, eu já não posso ser vosso esposo! tomai a prenda que me deste...”

        E o infeliz amante arrancou debaixo da camisa um breve, que convulsivamente apertou na mão.

        -- O breve verde!... exclamou D. Carolina, o breve que contém a esmeralda!...

        -- Eu lhe diria, continuou Augusto: “recebei este breve que já não devo conservar, porque eu amo outra que não sois vós, que é mais bela e mais cruel do que vós!...”

        A cena se estava tornando patética; ambos choravam e só passados alguns instantes a inexplicável Moreninha pôde falar e responder ao triste estudante.

        -- Oh! pois bem, disse; vá ter com sua desposada, repita-lhe o que acaba de dizer, e se ela ceder, se perdoar, volte que eu serei sua... esposa.

        -- Sim... eu corro... Mas, meu Deus, onde poderei achar essa moça a quem não tornei a ver, nem poderei conhecer?... onde meu Deus?... onde?...

        E tornou a deixar correr o pranto, por um momento suspendido.

        -- Espere, tornou D. Carolina, escute, senhor. Houve um dia, quando a minha mãe era viva, em que eu também socorri um velho moribundo. Como o senhor e sua camarada, matei a fome de sua família e cobri a nudez de seus filhos; em sinal de reconhecimento também este velho me fez um presente: deu-me uma relíquia milagrosa que, asseverou-me ele, tem o poder uma vez na vida de quem a possui, de dar o que se deseja; eu cosi essa relíquia dentro de um breve; ainda não lhe pedi coisa alguma, mas trago-a sempre comigo; eu lha cedo... tome o breve, descosa-o, tire a relíquia e à mercê dela encontre sua antiga amada. Obtenha o seu perdão e me terá por esposa.

        -- Isto tudo me parece um sonho, respondeu Augusto, porém, dê-me, dê-me esse breve!

        A menina, com efeito, entregou o breve ao estudante, que começou a descosê-lo precipitadamente. Aquela relíquia, que se dizia milagrosa, era sua última esperança; e, semelhante ao náufrago que no derradeiro extremo se agarra à mais leve tábua, ele se abraçava com ela. Só falta a derradeira capa do breve... ei-la que cede e se descose... salta uma pedra... e Augusto, entusiasmado e como delirante, cai aos pés de D. Carolina, exclamando:

        -- O meu camafeu!... o meu camafeu!...

        A senhora D. Ana e o pai de Augusto entram nesse instante na gruta e encontram o feliz e fervoroso amante de joelhos e a dar mil beijos nos pés da linda menina, que também por sua parte chorava de prazer.

        -- Que loucura é esta? perguntou a senhora D. Ana.

        -- Achei minha mulher!... bradava Augusto; encontrei minha mulher!

        -- Que quer dizer isto, Carolina?...

        -- Ah! minha boa avó!... respondeu a travessa Moreninha ingenuamente: nós éramos conhecidos antigos.

        [...].

MACEDO, Joaquim Manuel de. A moreninha. São Paulo: Ática, 1993. p. 132-5.

Fonte: Língua portuguesa 2 – Projeto ECO – Ensino médio – Editora Positivo – 1ª edição – Curitiba – 2010. p. 98-9.

Entendendo o romance:

01 – Por que Carolina recusa, inicialmente, a proposta de casamento de Augusto?

      Porque ela deseja que ele cumpra a promessa que havia feito no passado: casar-se com a menina com quem trocou objetos simbólicos do amor de ambos: uma esmeralda e um camafeu.

02 – Carolina rebate a argumentação de Augusto, que afirma não ter sido casado de fato afirmando “Oh! Isso é uma recomendação contra a sua constância!...”. Explique o sentido dessa frase e a importância dela no contexto romântico

      Para a jovem, o fato de Augusto se dispor a quebrar uma promessa para ficar com ela prova que ele não seria constante em seu amor, o que seria inconcebível no contexto amoroso romântico, em que os amores deveriam ser eternos. A inconstância de Augusto leva a jovem a questionar se deveria unir-se a ele.

03 – Como o autor resolve o impasse dos amantes?

      Carolina conta que também ela recebera uma relíquia de um velho moribundo e a entrega a Augusto. Ocorre então o reconhecimento dos amantes – eles eram as crianças que haviam prometido se casar no futuro, ou seja, não há impedimento algum quanto à união do casal, pelo contrário, ao ficarem juntos eles estão cumprindo a promessa que fizeram no passado.

04 – Considerando as falas dos personagens de Augusto e Carolina no trecho lido, é possível caracterizá-los como típicos heróis românticos? Comprove seu ponto de vista com elementos retirados do texto.

      Sim, eles são tipicamente românticos. Carolina está disposta a abrir mão de seu amor em nome da honra, dispõe-se a esperar por Augusto o tempo necessário, banha-se em lágrimas quando descobre que Augusto é o seu amado de infância, etc. Augusto, por sua vez, também age de forma sentimental, curvando-se ao desejo da amada, caindo aos seus pés quando a reconhece como a amada da infância, deixando-se levar pelo sentimentos, não pela razão.

05 – Uma das emoções possíveis para o conceito de verossimilhança é o de que a obra literária deve trabalhar coerentemente a partir do que é provável e possível em comparação com o mundo real. Levando em conta essa definição, você diria que o trecho lido é verossímil? Justifique sua resposta.

      Trata-se de uma situação bastante inverossímil, já que seriam pequenas as chances de duas crianças que se encontraram fortuitamente na infância se reencontram na idade adulta e se apaixonarem, tendo como obstáculo ao amor uma promessa feita na infância.

 

quinta-feira, 31 de maio de 2018

FILME(ATIVIDADES): A MORENINHA - (OBRA: JOAQUIM MANUEL DE MACEDO)- GLAUCO MIRKO LAURELLI - COM GABARITO

Filme(ATIVIDADES): A MORENINHA

 Data de lançamento 30 de dezembro de 1970 (1h 36min)
Gêneros DramaRomance
Nacionalidade Brasil

SINOPSE E DETALHES
        Baseado na obra de Joaquim Manuel de Macedo. Assim que Augusto pisa na Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro da década de 1840, sua vida muda completamente: ele, que nunca se apaixonara, cai de amores por Carolina, prima de um amigo e mais conhecida na região como "a Moreninha". Contudo, uma promessa feita ainda na infância pode colocar em risco a paixão de Augusto.
                                                               Joaquim Manuel de Macedo
Entendendo o filme:
01 – Quem são os estudantes de medicina? Identifique-os.
      Felipe (irmão de Carolina), Augusto, Leopoldo e Fabrício.

02 – Explique a expressão: “Ando sempre com as algibeiras a tocar matinas”.
      A expressão significa sempre estar sem dinheiro.

03 – Descreva, segundo o autor, as características físicas e psicológicas de D. Ana, a avó de Carolina.
      A dona Ana é uma mulher de sessenta anos, senhora espirituosa e com alguma instrução. É cheia de bondade e de agrado. Também apresenta o maior carinho por sua neta, a Dona Carolina.

04 – A quem Augusto revela sua inconstância no amor?
      Ele revela aos seus amigos Felipe, Fabrício e Leopoldo, quando discutiam sobre a visita que fariam a avó de Felipe.

05 – Por que Carolina passa a ser chamada de moreninha por Augusto?
      Porque todos já a conheciam e gostavam de chama-la de moreninha.

06 – De que forma a moreninha conquista o coração de Augusto?
      Quando Augusto viu Carolina cantando a música de Ahy, a balada do rochedo.

07 – Em que lugar Augusto faz nova confissão de seus desamores?
      Na gruta da ilha, numa conversa com D. Ana depois do jantar.

08 – O que acontece quando Augusto conta sabre seu amor de infância?
      Ele sempre é interrompido por um ruído (como se tivesse alguém escondido ouvindo sua conversa com D. Ana), porém quando vai conferir, nunca acha ninguém além da moreninha que, curiosamente, Augusto não desconfia.

09 – Qual o desejo de Carolina, quando ela e Augusto, ainda criança ajudava o velho moribundo?
      A D. Carolina queria acabar com a fome do velho, por isso deu uma moeda de ouro à sua família.

10 – Quantos anos Augusto e Carolina tinham quando teve o primeiro encontro com a moreninha?
      Augusto tinha treze anos e Carolina apenas sete anos. Eles se encontraram por acaso numa praia, enquanto Carolina tentava pegar uma concha na água.

11 – Leia e responda: “[...] porém não posso mais esconder estes sentimentos que eu penso que são segredos e que todo mundo mos lê nos olhos! Com qual dos provérbios seguintes essa fala de Augusto se relaciona:
a)   Longe dos olhos, longe do coração.
b)   O que os olhos não veem o coração não sente.
c)   Os olhos são a janela da alma.
d)   Em terra de cego quem tem um olho é rei.

12 – O reencontro de D. Carolina e Augusto foi:
a)   Cheio de declarações de amor.
b)   Cheio de questionamentos.
c)   Marcado pela indiferença e dúvidas.
d)   Marcado pela troca de olhares e suspiros.

13 – No fragmento: “O amor é um menino doidinho e malcriado que, quando alguém intenta refreá-lo, chora, esperneia, escabuja”, e no outro “... amor é um anzol que, quando se engole, agadanha-se logo no coração da gente...”, temos uma figura de linguagem chamada:
a)   Metonímia.
b)   Personificação.
c)   Metáfora.
d)   Antítese.

14 – “Como força e comoção desusadas bateu o coração de D. Carolina...”, o termo em destaque significa:
a)   Enormes.
b)   Constantes.
c)   Incomuns.
d)   Reais.

15 – Se você reparou bem há um mistério que envolve as vidas de Augusto e de Carolina. Os dois vivem presos a um fato que foi muito importante para eles. Qual foi esse acontecimento?
      A promessa que fizeram de se casarem, quando ainda eram crianças.




quinta-feira, 27 de abril de 2017

A MORENINHA - JOAQUIM MANUEL DE MACEDO - (FRAGMENTO) - COM GABARITO

   A MORENINHA
         Joaquim Manuel de Macedo

          Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de telhado abaixo.
          Em um sarau todo o mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanha na mão, os mais intrincados negócios; todos murmuram e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das cantigas do seu tempo, e o moço goza de todos os regalos da sua época; as moças são no sarau como as estrelas no céu; estão no seu elemento; aqui uma, cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos aplausos, por entre os quais surde, às vezes, um bravíssimo inopinado, que solta de lá da sala do jogo o parceiro que acaba de ganhar sua partida do écarté, mesmo na ocasião em que a moça se espicha completamente, desafinando um sustenido; daí a pouco vão outras pelo braço de seus pares, se deslizando pela sala  e marchando em seu passeio, mais a compasso que qualquer de nossos batalhões da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que conversam sempre sobre objetos inocentes que movem olhaduras e risadinhas apreciáveis. Outras criticam de uma gorducha vovó, que ensaca nos bolsos meia bandeja de doces que vieram para o chá, e que ela leva aos pequenos que, diz, lhe ficaram em casa. Ali vê-se um ataviado dândi que dirige mil finezas a uma senhora idosa, tendo os olhos pregados na sinhá, que senta-se ao lado. Finalmente, no sarau não é essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns é regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos olhos.
          E o mais é que nós estamos num sarau: inúmeros batéis conduziram da corte para a ilha de... senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidade: alegre, numerosa e escolhida sociedade enche a grande casa, que brilha e mostra em toda a parte borbulhar o prazer e o bom gosto.
          Entre todas essas elegantes e agradáveis moças, que com aturado empenho se esforçam por ver qual delas vence em graças, encantos e donaires, certo que sobrepuja a travessa Moreninha, princesa daquela festa.
          Hábil menina é ela! Nunca seu amor-próprio produziu com tanto estudo seu toucador e, contudo, dir-se-ia que o gênio da simplicidade a penteara e vestira. Enquanto as outras moças haviam esgotado a paciência de seus cabeleireiros, posto em tributo toda a habilidade das modistas da rua do Ouvidor e coberto seus colos com as mais ricas e preciosas joias, d. Carolina dividiu seus cabelos em duas tranças, que deixou cair pelas costas; não quis adornar o pescoço com seu adereço de brilhantes nem com seu lindo colar de esmeraldas; vestiu um finíssimo, mas simples vestido de garça, que até pecava contra a moda reinante, por não ser sobejamente comprido. Vindo assim aparecer na sala, arrebatou todas as vistas e atenções.
          Porém, se um atento observador a estudasse, descobriria que ela adrede se mostrava assim, para ostentar as longas e ondeadas madeixas negras, em belo contraste com a alvura de seu vestido branco, e par mostrar, todo nu, o elevado colo de alabastro, que tanto a aformoseava, e que seu pecado contra a moda reinante não era senão um meio sutil de que se aproveitara para deixar ver o pezinho mais bem feito e mais pequeno que se pode imaginar.

                      MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. 9. ed. São Paulo,
                                                                                                 Ática, 1979. p. 80-1.
Minuete: antiga dança francesa.
Cavatina: pequena ária.
Écarté: jogo entre dois parceiros com 32 cartas.
Ataviado: enfeitado, ornado.
Dândi: homem que se veste com extremo apuro; almofadinha.
Batel: pequeno barco.
Toucador: espécie de cômoda encimada por um espelho; penteadeira.
Adereço: joia, objeto de adorno.
Sobejamente: demasiadamente.
Adrede: intencionalmente; de propósito.
Colo: parte do corpo formada pelo pescoço e ombros.
Alabastro: rocha pouco dura e muito branca; brancura, alvura.

1 – A que classe social pertencem as personagens que aparecem no texto?
       Pertencem à elite da sociedade carioca da época.

2 – Segundo Werneck Sodré, Macedo refletiu as “trivialidades” dos meados do século XIX. Identifique, no texto lido, elementos que denotam essa trivialidade.
       A preocupação com a indumentária, os galanteios, os mexericos.

3 – O baile era muito importante na vida social e sentimental do século passado, pois as mulheres viviam reclusas no ambiente doméstico e o baile propiciava os encontros que poderiam se transformar em namoro e casamento. Como se reflete essa preocupação na indumentária das mulheres?
       Todas procuravam atingir o requinte máximo de elegância, de acordo com a moda da época.

4 – Que característica romântica se pode notar na descrição da personagem central da narrativa?
       A personagem é idealizada.