Conto: A piscina do tio Víctor
OndjakiPara o tio Víctor que nos dava prendas-do-dia. Para a "Buraquinhos"
Quando o tio Víctor chegava de
Benguela, as crianças até ficavam com vontade de fugar à escola só para ir lhe
buscar no aeroporto dos voos das províncias. A maka é que ele chegava sempre a
horas difíceis e a minha mãe não deixava ninguém faltar às aulas.
Então era em casa, à hora do almoço,
que encontrávamos o tio Víctor. E o sorriso dele, gargalhada tipo cascata e
trovão também, nem dá para explicar aqui em palavras escritas. Só visto mesmo,
só uma gargalhada dele já dava para nós começarmos a rir à toa, alegres,
enquanto ele iniciava umas magias benguelenses.
-- Isto vocês de Luanda nunca viram -
abria a mala onde tinha rebuçados, chocolates ou outras prendas de encantar
crianças, mais o baralho de cartas para magias de aparecer e desaparecer o ás
de ouros, também umas camisas posteradas que nós, "os de Luanda", não
aguentávamos.
À noite deixávamos ele jantar e beber o
chá que ele gostava sempre depois das refeições. Devagarinho, eu e os primos, e
até alguns amigos da rua, sentávamos na varanda à espera do tio Víctor. É que o
tio Víctor tinha umas estórias de Benguela que, é verdade, nós os de Luanda até
não lhe aguentávamos naquela imaginação de teatro falado, com escuridão e
alguns mosquitos tipo convidados extra.
Eu já tinha dito ao Bruno, ao Tibas e
ao Jika, cambas da minha rua, que aquele meu tio então era muito forte nas
estórias. Mas o principal, embora ninguém tivesse nunca visto só uma foto de
admirar, era a piscina que ele disse que havia em Benguela, na casa dele:
-- Vocês de Luanda não aguentam, andam
aqui a beber sumo Tang!
Ele ria a gargalhada dele, nós ríamos
com ele, como se estivessem mil cócegas espalhadas no ar quente da noite.
-- Nós lá temos uma piscina enorme –
fazia uma pausa dos filmes, nós de boca aberta a imaginar a tal piscina. –
Ainda por cima, não é água que pomos lá – eu a olhar para o Tibas, depois para
o Jika:
-- Não vos disse?
O tio Víctor continuou assim numa fala
fantasmagórica:
-- Vocês aqui da equipa do Tang não aguentam...,
a nossa piscina lá é toda cheia de Coca-Cola!
Aí foi o nosso espanto geral: dos olhos
dos outros, eu vi, saía um brilho tipo fósforo quase a acender a escuridão da
varanda e assustar os mosquitos, nós, as crianças, de boca aberta numa viagem
de língua salivada, outros a começarem a rir de espanto, de repente todos
gargalhámos, o tio Víctor também, e rebentámos numa salva de palmas que até a
minha mãe veio ver o que se estava a passar.
Agora já ninguém me perguntava nada,
falavam diretamente com o tio Víctor, queriam mais pormenores da piscina e
ainda saber se podiam ir lhe visitar um dia destes.
-- Vai todo mundo – o tio Víctor riu,
olhou para mim, piscou-me o olho. – Vem um avião buscar a malta de Luanda!
Preparem a roupa, vão todos mergulhar na piscina de Coca-Cola, nós lá não
bebemos desse vosso sumo Tang...
-- Ó Víctor, para lá de contar essas
coisas às crianças – a minha mãe chegou à varanda. Ele piscou-lhe o olho e
continuou ainda mais entusiasmado.
-- Não tem maka nenhuma, pode ir toda
malta da rua, temos lá em Benguela a piscina de Coca-Cola! Os cantos da piscina
são feitos de chuinga e chocolate!
Nós batemos palmas de novo, depois
estreámos um silêncio de espanto naquelas quantidades de doce.
-- A prancha de saltar é de chupa-chupa
de morango, no chuveiro sai Fanta de laranja, carrega-se num botão ainda sai
Sprite... – ele olhava a minha mãe, olhos doces apertados pelas bochechas de
tanto riso, batemos palmas e fomos saindo.
Quando entrei de novo em casa, fui lá
para cima dizer boa noite a todos. Passei no quarto do tio Víctor, ele tinha só
uma luz do candeeiro acesa.
-- Tio, um dia podemos mesmo ir na tua
piscina de Coca-Cola?
Ele fez assim com o dedo na boca, para
eu fazer um pouco-barulho.
-- Nem sabes do máximo... No avião que
vos vem buscar, as refeições são todas de chocolate com umas palhinhas que dão
voltas tipo montanha-russa!, lá em Benguela há rebuçados nas ruas, é só apanhar!
e ficou a rir mesmo depois de apagar a luz, até hoje fico a perguntar onde é
que o tio Víctor de Benguela ia buscar tantas gargalhadas para rir assim sem
medo de gastar o reservatório do riso dele.
Fui me deitar, antes que a minha mãe me
apanhasse a conversar àquela hora. No meu quarto escuro quis ver, no teto, uma
água que brilhava escura e tinha bolinhas de gás que faziam cócegas no corpo
todo. Nessa noite eu pensei que o tio Víctor só podia ser uma pessoa tão alegre
e cheia de tantas magias porque ele vivia em Benguela, e lá eles tinham uma
piscina de Coca-Cola com bué de chuínga e chocolate também. Vi, também no teto,
o jeito dele estremecer o corpo e esticar os olhos em lágrimas de tanto rir.
Foi bonito: adormeci, em Luanda, a
sonhar a noite toda com a província de Benguela.
Tribuna de
Minas, 11 mar. 2016. Disponível em: www.tribunademinas.com.br/noticias/cidade/11-03-2016/temporal-alaga-diferentes-pontos-da-cidade.html.
Acesso em: 14 jul.
2018.
Entendendo o conto:
01 – Releia o trecho a
seguir:
“Eu já tinha dito ao Bruno, ao Tibas e
ao Jika, cambas da minha rua,
que aquele meu tio então era muito forte nas estórias.”.
a)
A palavra cambas se refere a quem?
Refere-se a Bruno, Tibas e Jika.
b)
Com base no contexto da frase, qual é o
significado da palavra?
Cambas significa “amigos, colegas, camaradas”.
c)
O que significa dizer que o tio “era muito
forte nas estórias”?
Significa que o tio contava bem histórias, que sabia muitas
histórias e as contava de modo interessante.
d)
Quais são as personagens do conto citadas ou
presentes nessa passagem?
O tio Victor, os meninos da turma e o narrador, que é um dos
meninos.
02 – Marque a alternativa
que apresenta o sinônimo da expressão destacada no trecho. “A maka é que ele chegava sempre
a horas difíceis e a minha mãe não deixava ninguém faltar às aulas.”
a)
A solução.
b)
O problema.
c)
A alternativa.
d)
O melhor.
03 – Em: I, a seguir, há um
trecho do conto lido e, em: II, uma notícia publicada em um jornal brasileiro.
Observe as palavras destacadas e compare seus usos.
I – “-- Vocês aqui da equipa
do Tang não aguentam..., a
nossa piscina lá é toda cheia de Coca-Cola!”.
II – “[...] O espaço é
completamente inadequado para nos receber, pois não tem estrutura para aguentar uma chuva um pouco mais
forte. Estamos esperando a reforma da nossa sede para podermos estudar
tranquilamente”, afirmou uma estudante, que preferiu não se identificar”.
a)
Em II, sobre o que é o depoimento da
estudante?
Sobre as consequências da chuva em sua escola.
b)
No português do Brasil, qual é o sentido de aguentar?
Suportar.
c)
No conto de Onjaki, qual é o sentido de aguentar? Se precisar, consulte
o dicionário.
Imaginar.
04 – O conto é uma narrativa
que se desenvolve a partir da chegada de uma personagem importante.
a)
De onde vinha tio Victor? Os sobrinhos
costumavam visita-lo? Como se pode saber disso?
Vinha de Benguela. Os sobrinhos não o visitavam. Eles ficavam sempre
fascinados com a descrição fantasiosa do tio Victor e, como não conheciam
Benguela, acreditavam nas histórias.
b)
Em que cidade se passa a narrativa?
Em Luanda, capital de Angola.
c)
Releia o primeiro parágrafo. Os verbos chegava, ficavam e deixava
localizam as ações em que tempo? Por que é usado esse tempo verbal?
No passado, no pretérito imperfeito. É usado para localizar a
história no tempo, fazendo a descrição de ações habituais no passado.
05 – Como você
caracterizaria o tio Victor?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Tio Victor parece ser alegre, divertido, criativo, cheio de
imaginação, bom contador de histórias.
06 – Foco narrativo é o modo
como a narrativa é contada. Identifique-o respondendo aos itens a seguir.
a)
O narrador observa a história ou também faz
parte dela? Quem é ele?
O narrador faz parte da história; ele é um dos meninos que ouvem as
narrativas do tio. Era na casa do menino que o tio se hospedava quando vinha a
Luanda.
b)
Em que pessoa do discurso ele narra?
Justifique sua resposta transcrevendo do texto duas passagens que a comprovem.
Em 1ª pessoa. Exemplos: “A Maka é que ele chegava sempre a horas
difíceis e a minha mãe não
deixava ninguém faltar às aulas”; “Então era uma casa, à hora do almoço, que encontrávamos o tio Victor”.
07 – Que história contada
pelo tio deixa os meninos espantados?
A história da
piscina de Coca-Cola.
08 – Que imagem as crianças
fazem do tio Victor?
As crianças admiram o tio, ele é um ídolo
que vive em um lugar cheio de diversões e fantasias.
09 – E qual é a ideia que o
tio Victor tem dos meninos, ao descrever a casa dele com piscina de Coca-Cola,
chuveiro de Fanta e outras fantasias?
Ele vê nos
meninos ingenuidade, considera que são cheios de imaginação e têm gosto pelas
coisas simples e divertidas, além de apreciarem guloseimas.