Música(Atividades): Para o Mano Caetano
Lobão
O que fazer do ouro-de-tolo quando um doce bardo brada à
toda a brida, em velas pandas, suas esquisitas rimas?
Geografia de verdades, Guanabaras postiças saudades
banguelas, tropicais preguiças? A boca cheia de dentes de um implacável sorriso
morre a cada instante que devora a voz do morto, e com isso, ressuscita
vampira, sem o menor aviso.
A voz do morto que não presta depoimento perpetua seu
silêncio de esquecimento na lápide pós moderna do eterno desalento:
E é o Raul, é o Jackson, é o povo brasileiro. É o hip
hop, a entropia, entropicália do pandeiro do passado e do futuro, sem presente
nem devir.
É o puteiro que os canalhas não conseguem habitar mas
cafetinam. É a beleza de veludo que o sub-mundo tem pra dar mas os canalhas
subestimam.
E regurgitando territórios-corrimões de um rebolado
agonizante resta o glamour fim-de-festa-ACM de um império do medo
carnavalizante.
Será que a hora é essa? A boca cheia de dentes vaticina:
Não pros mano, Não pras mina. Sim pro meu umbigo, meu abrigo minhas tetas
profanadas, Santo Amaro. Doce amaro, vacas purificadas.
Amaro bárbaro, Dândi-dendê. Minhas narinas ao relento
cumulando de bundões que, por anos acalento. Estes sim, um monte de zé mané
que sob minha égide se transformam em gênios sem quê nem porquê.
Sobrancelho Victor Mature, delineando darravento. Eu
americano? Não! Baiano! Soy lobo por ti Hollywood quem puder me desnature sob o
sol de Copacabana. E eu soy lobo-bolo? Lobo-bolo. Tipo, pra rimar com
ouro-de-tolo?
Oh, Narciso Peixe Ornamental! Tease me, tease me outra
vez ou em banto baiano. Ou em português de Portugal. Se quiser, até mesmo em
americano de Natal. Isso é língua! Língua é festa! Que um involuntário da
fátria com certeza me empresta.
Numa canção de exílio manifesta, aquele banzo baiano. Meu
amado Caetano, me ensinando a falar inglês, London, London. E verdades, que eu,
Lobón contesto, como empolgado aprendiz, enviando esta aresta a quem tanto me
disse e diz:
Amado Caetano: Chega de verdade! Viva alguns enganos!
Viva o samba, meio troncho, meio já cambaleando. A bossa já não é tão nova como
pensam os americanos.
A tropicália será sempre o nosso Sargeant Pepper pós
baiano!
O Roque errou, você sabe disso. Digo isso sem engano. E
eu sei que vou te amar, seja lá como for, portanto um beijo no seu lado super
bacana. Uma borracha no dark side-macbeth-ACM por enquanto.
Ah! Já ia me esquecendo. Lembranças do Ariano.
Lupicínias saudações aqui do mano!
Esta bala perdida que te fala, rapá!
Te amo, te amo.
Composição: Lobão.
Entendendo a canção:
01 – Na letra da canção
apresentada, o compositor Lobão explora vários recursos da língua portuguesa, a
fim de conseguir efeitos estéticos ou de sentido. Nessa letra, o autor explora
o extrato sonoro do idioma e o uso de termos coloquiais na seguinte passagem:
a)
“Quando um doce bardo brada a toda brida”.
(V. 2).
b)
“Em velas pandas, suas esquisitas rimas?” (V.
2).
c)
“Que devora a voz do morto”. (V. 5).
d)
“Lobo-bolo / Tipo pra rimar com
ouro de tolo?” (V. 27-8).
e)
“Tease me, tease me outra vez” (V. 29).
02 – Por que esta canção é
considerada uma querela (amorosa) entre Caetano Veloso e Lobão?
Porque no ano
2.000, Caetano Veloso lançou a canção “Rock’n Raul”, uma homenagem a obra de
Raul Seixas. Na canção ele faz às vezes de ghostwriter do espírito de Raul,
que, por sua vez, autobiograficamente, passa em revista sua estadia por aqui,
pelo mundo dos vivos, entre outras coisas, apontando seus herdeiros: “Manos”
que tentam implantar o jeito norte-americanês de sobreviver: a ideologia da
segregação racial explícita, cantada pelo rap e hip hop, por exemplo, que se
desvia da linha de cordialidade brasileira.
03 – Esta canção com “rimas
esquisitas” é considerada uma bala que percorre a biografia estética e social
de Caetano Veloso, por quê?
Porque esta bala
não é tão perdida quanto quer ser, pois tem destino certo: as verdades que o
outro tenta construir.
04 – Segundo Barthes (2003,
p. 221) “O crítico não pode pretender ‘traduzir’ a obra, sobretudo de modo mais
claro, pois não há nada mais claro do que a obra”. Que crítica é feita por
Lobão?
Lobão investe em uma crítica não do
mundo, mas do discurso ficcional, analisa e destrói para coroar com o “eu te
amo”, em repetições cansadas, no final de seu testemunho. A crítica é uma
leitura profunda: de quem ama.
05 – Como ele usa a figura
de linguagem ironia na canção?
Sua ironia está
em fazer perguntas à linguagem de Caetano Veloso, utilizando a própria
linguagem dele.
06 – Cite um fragmento de
outra canção que há em “Para o mano Caetano”.
A expressão “a
boca cheia de dentes” vem dos versos “eu que não me sento no trono de um
apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”,
música: Ouro-de-tolo – Raul Seixas.
07 – Ao final, é o próprio
Lobão quem convida Caetano a suspender o juízo, a viverem alguns enganos e
manter a dúvida, por quê?
Porque a dúvida é quem permite ao sujeito
continuar a querer saber.