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sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

CRÔNICA: CHORO, VELA E CACHAÇA - STANISLAW PONTE PRETA - COM GABARITO

 Crônica: Choro, vela e cachaça

                 Stanislaw Ponte Preta

Enterro de pobre tem sempre cachaça. É para ajudar a velar pelo falecido.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhazPF6v-ItjZ4X2m-ySW7T5QTofMt5OMQRoB1-szP2dpMwb8D0jzhB6yCOejeHTsBLDWpCXLwl-14jZGvlaYIi07s_jWvSPd87vLsguMXaCWQ9x3npjCpWrniejxaiOs8atUig-Bnm_nNNbKF11ald7EsoxYbmo6jdlxlfAhtFV69BM9JgC3offq_rUFE/s320/CACHA%C3%87A.jpg



Sabem como é; pobre só tem amigo pobre e, portanto, é preciso haver um incentivo qualquer para a turma subnutrida poder aguentar a noite inteira com o ar compungido que o extinto merece.

Enfim, a cachacinha é inevitável, seja numa favela carioca, seja num bairro pobre da cidade do interior.

Agora mesmo, em Minas, me contaram, morreu um tio de um tal de Belarmino. Houve velório com a melhor cachaça daquelas bandas, uma chamada "Suor de Virgem". Quando um desgraçado que não tinha sido convidado pro velório do tio de Belarmino soube que fora servida a cachaça "Suor de Virgem" saiu em procura do sobrinho do extinto e, ao encontrá-lo, lascou a ameaça:

— Belarmino, eu soube que tinha "Suor de Virgem" no velório de seu tio e você não me convidou. Mas num há de ser nada. Faço fé em Deus que inda morra alguém na minha família, que é pra eu gastar um desperdício de "Suor de Virgem" e num convidar safado nenhum da sua.

São fatos como os citados que provam a importância da cachaça nas exéquias de quem morre teso, embora — às vezes — a cachaça, ao invés de ajudar, atrapalhe.

Foi o que aconteceu agora em Ubá (MG), terra do grande Ari Barroso. Morreu lá um tal de Sô Nicolino, numa indigência que eu vou te contar. Segundo o telegrama vindo de Ubá, alguns amigos de Sô Nicolino compraram um caixão e algumas garrafas de cangibrina, levando tudo para o velório.

Passaram a noite velando o morto e entornando a cachaça. De manhã, na hora do enterro, fecharam o caixão e foram para o cemitério, num cortejo meio ziguezagueado e num compasso mais de rancho que de féretro. Mas — bem ou mal — lá chegaram, lá abriram a cova e lá enterraram o caixão.

Depois voltaram até a casa do morto, na esperança de ter sobrado alguma cachacinha no fundo da garrafa. Levaram, então, a maior espinafração da vizinha do pranteado Sô Nicolino.

É que os bêbados fecharam o caixão, foram lá enterrar, mas esqueceram o falecido em cima da mesa.

Entendendo o texto

01. Qual é o tema central abordado na crônica "Choro, vela e cachaça" de Stanislaw Ponte Preta? a) Tradições funerárias em comunidades pobres.
b) O hábito de consumir cachaça em velórios.
c) Enterros improvisados.
d) A importância da cachaça nas exéquias de pessoas pobres.

02. Quem é o narrador na crônica?

a)   Terceira pessoa.
b) Um amigo de Sô Nicolino.
c) Primeira pessoa.
d) Um observador externo.

03. O que justifica a presença de cachaça em enterros de pessoas pobres, segundo o texto?

a)   É uma tradição antiga.
b) Ajuda os amigos a aguentarem a noite de velório.
c) É uma oferta para os falecidos.
d) Todas as opções acima.

04. O que aconteceu no velório do tio de Belarmino em Minas Gerais?

a)   Houve uma briga por causa da herança.
b) Alguém não convidado reclamou por não ter sido servido com a cachaça "Suor de Virgem".
c) O caixão desapareceu misteriosamente.
d) Todos os convidados ficaram embriagados.

05. O que os amigos de Sô Nicolino esqueceram de fazer durante o enterro?

a) Fechar do caixão.

b) Levar o caixão até o cemitério.
c) Velar o morto.
d) Enterrar o caixão.

06. O que os amigos de Sô Nicolino foram fazer após o enterro? a) Voltaram para casa de Sô Nicolino.
b) Procuraram mais garrafas de cangibrina.
c) Foram celebrar em um bar.
d) Todos os convidados foram embora.

07. Qual foi a reação da vizinha de Sô Nicolino após o enterro?

a) Elogiou a organização do velório.
b) Agradeceu pela presença dos amigos.
c) Criticou os bêbados por esquecerem o falecido em cima da mesa.
d) Ofereceu mais cachaça.

    08. O que prova a importância da cachaça nas exéquias de quem morre teso, segundo o autor?

         a) A cachaça ajuda a preservar o corpo do falecido.
         b) Os amigos se reúnem apenas por causa da cachaça.
         c) A cachaça pode atrapalhar em alguns casos.
         d) Os enterros são mais animados com a presença da cachaça.

   09. Onde acontecem os velórios mencionados na crônica?

         a) Em grandes cidades.
         b) Em favelas cariocas.
         c) Em bairros nobres.
         d) Em comunidades rurais.

  10. Qual é a marca de subjetividade presente na crônica?

       a) A visão humorística e irônica do autor em relação aos hábitos funerários.
       b) A tristeza e melancolia expressas pelos personagens.
       c) A neutralidade do autor ao relatar os eventos.
       d) A crítica direta à tradição de consumir cachaça em velórios.

 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

CONTO: O MILAGRE - STANISLAW PONTE PRETA - COM GABARITO

CONTO: O MILAGRE

                STANISLAW PONTE PRETA

      

          Naquela pequena cidade as romarias começaram quando correu o boato do milagre. É sempre assim. Começa com um simples boato, mas logo o povo – sofredor, coitadinho e pronto a acreditar em algo capaz de minorar sua perene chateação – passa a torcer para que o boato se transforme numa realidade, para poder fazer do milagre a sua esperança.

          Dizia-se que ali vivera um vigário muito piedoso, homem bom, tranquilo, amigo da gente simples, que fora em vida um misto de sacerdote, conselheiro, médico, financiador dos necessitados e até advogado dos pobres, nas suas eternas questões com os poderosos. Fora, enfim, um sacerdote na expressão do termo: fizera de sua vida um apostolado.

          Um dia o vigário morreu. Ficou a saudade morando com a gente do lugar. E era em sinal de reconhecimento que conservavam o quarto onde ele vivera, tal e qual o deixara. Era um quartinho modesto, atrás da venda. Um catre (porque em histórias assim, a cama do personagem chama-se catre), uma cadeira, um armário tosco, alguns livros. O quarto do vigário ficou sendo uma espécie de monumento à sua memória, já que a Prefeitura local não tinha verba para erguer sua estátua.

           E foi quando um dia… ou melhor, uma noite, deu-se o milagre. No quarto dos fundos da venda, no quarto que fora do padre, na mesma hora em que o padre costumava acender uma vela para ler seu breviário, apareceu uma vela acesa.

          – Milagre!!! – quiseram todos.

          E milagre ficou sendo, porque uma senhora que tinha o filho doente, logo se ajoelhou do lado de fora do quarto, junto à janela, e pediu pela criança. Ao chegar em casa, depois do pedido – conta-se – a senhora encontrou o filho brincando, fagueiro.

          – Milagre!!! – repetiram todos. E o grito de “Milagre!!!” reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no ouvido de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias.

          Vinha gente de longe pedir! Chegava povo de tudo quanto é canto e ficava ali plantado, junto à janela, aguardando a luz da vela. Outros padres, coronéis, até deputados, para oficializar o milagre. E quando eram mais ou menos seis da tarde, hora em que o bondoso sacerdote costumava acender sua vela… a vela se acendia e começavam as orações. Ricos e pobres, doentes e saudáveis, homens e mulheres caíam de joelhos, pedindo.

          Com o passar do tempo a coisa arrefeceu. Muitos foram os casos de doenças curadas, de heranças conseguidas, de triunfos os mais diversos. Mas, como tudo passa, depois de alguns anos passaram também as romarias. Foi diminuindo a fama do milagre e ficou, apenas, mais folclore na lembrança do povo.

          O lugarejo não mudou nada. Continua igualzinho como era, e ainda existe, atrás da venda, o quarto que fora do padre. Passamos outro dia por lá. Entramos e pedimos ao português, seu dono, que vive há muitos anos atrás do balcão, a roubar no peso, que nos servisse uma cerveja. O português, então, berrou para um pretinho, que arrumava latas de goiabada numa prateleira:

          – Ó Milagre, sirva uma cerveja ao freguês!

          Achamos o nome engraçado. Qual o padrinho que pusera o nome de Milagre naquele afilhado? E o português explicou que não, que o nome do pretinha era Sebastião. Milagre era apelido.

          – E por quê? – perguntamos.

– Porque era ele quem acendia a vela, no quarto do padre.

(STANISLAW PONTE PRETA. O melhor de Stanislaw Ponte Preta. 3a. Edição, Rio de Janeiro, José Olympio, 1988)

Entendendo o texto

01. Segundo o texto, o que leva o povo a acreditar no boato do milagre?

A prontidão para acreditar em algo que seja capaz de minorar suas dificuldades e sofrimentos.

02. No segundo parágrafo do texto temos a caracterização do vigário. Qual classe de palavras desempenha função fundamental nesse parágrafo?

Os adjetivos (piedoso, bom, tranquilo, amigo, simples, financiador).

03. Justifique o uso dos parênteses no terceiro parágrafo.

Os parênteses foram usados para inserir uma explicação a respeito de uma palavra de uso pouco corrente, utilizada no texto.

04. Um bom texto se constrói a partir de algumas sutilezas, pequenas colocações que, para um leitor desatento, passariam despercebidas. No trecho: “- Milagre!!! – quiseram todos.” explique por que a forma verbal em negrito (quiseram) foi usada, em vez de falaram ou gritaram.

O autor quis dar ênfase àquilo que todos queriam ter naquele momento: algo que os levasse a ter esperanças. Por isso o uso do verbo querer e não falar ou gritar.

05. Que fato ajudou a consolidar o “milagre”?

Uma vela sempre aparecia acesa na hora em que o vigário, quando vivo, costumava ler o seu breviário.

06. O texto fala de uma criança que estava doente e sarou em função do pedido que a mãe fez ao vigário. O narrador tem certeza desse fato? Explique sua resposta.

Não. Na frase: “Ao chegar em casa, depois do pedido – conta-se – a senhora encontrou o filho brincando, fagueiro” o uso do verbo contar seguido do pronome “se” indica que o sujeito é indeterminado, isto é, não se pode determinar quem conta a história, portanto não há como comprovar se o fato realmente aconteceu. Além disso, no final do texto encontramos a explicação a respeito da vela que aparecia acesa na casa do padre.

07. Segundo o texto, o que foi necessário para oficializar o milagre?

A vinda de outros padres, coronéis e até deputados.

08. Em que passagem do texto temos a universalização da crença no milagre?

“E o grito de “Milagre!!!” reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no ouvido de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias.”

09. O narrador emite um juízo de valor a respeito do português. Qual é esse juízo de valor?

O narrador afirma que o português era um ladrão pois, “…vive há muitos anos atrás do balcão, a roubar no peso…”, embora tal fato não fora comprovado. O fato dele ser um comerciante que vendia materiais à retalho é que levou o autor a emitir essa opinião.

10. Observe a frase: “O português, então, berrou…” Nesse contexto, a palavra português é um substantivo. Escreva uma frase em que essa palavra seja empregada como adjetivo.

         Resposta pessoal.

         Exemplo: O vinho português é de boa qualidade.

11. Após a leitura do conto de Stanislaw Ponte Preta, redija uma frase que sirva de “moral da história”.

Resposta pessoal.

  

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

CRÔNICA: TESTEMUNHA TRANQUILA - STANISLAW PONTE PRETA - COM GABARITO

 CRÔNICA: TESTEMUNHA TRANQUILA

                   Stanislaw Ponte Preta

O camarada chegou assim com ar suspeito, olhou pros lados e — como não parecia ter ninguém por perto — forçou a porta do apartamento e entrou. Eu estava parado olhando, para ver no que ia dar aquilo. Na verdade eu estava vendo nitidamente toda a cena e senti que o camarada era um mau-caráter.

E foi batata. Entrou no apartamento e olhou em volta. Penumbra total. Caminhou até o telefone e desligou com cuidado, na certa para que o aparelho não tocasse enquanto ele estivesse ali. Isto — pensei — é porque ele não quer que ninguém note a sua presença: logo, só pode ser um ladrão, ou coisa assim.

Mas não era. Se fosse ladrão estaria revistando as gavetas, mexendo em tudo, procurando coisas para levar. O cara — ao contrário — parecia morar perfeitamente no ambiente, pois mesmo na penumbra se orientou muito bem e andou desembaraçado até uma poltrona, onde sentou e ficou quieto:

— Pior que ladrão. Esse cara deve ser um assassino e está esperando alguém chegar para matar — eu tornei a pensar e me lembro (inclusive) que cheguei a suspirar aliviado por não conhecer o homem e — portanto — ser difícil que ele estivesse esperando por mim. Pensamento bobo, de resto, pois eu não tinha nada a ver com aquilo.

De repente ele se retesou na cadeira. Passos no corredor. Os passos, ou melhor, a pessoa que dava os passos, parou em frente à porta do apartamento. O detalhe era visível pela réstia de luz, que vinha por baixo da porta.

Som de chave na fechadura e a porta se abriu lentamente e logo a silhueta de uma mulher se desenhou contra a luz. Bonita ou feia? — pensei eu. Pois era uma graça, meus caros. Quando ela acendeu a luz da sala é que eu pude ver. Era boa às pampas. Quando viu o cara na poltrona ainda tentou recuar, mas ele avançou e fechou a porta com um pontapé… e eu ali olhando. Fechou a porta, caminhou em direção à bonitinha e pataco… tacou-lhe a primeira bolacha. Ela estremeceu nos alicerces e pimba… tacou outra. Os caros leitores perguntarão:— E você? Assistindo àquilo tudo sem tomar uma atitude?

— a pergunta é razoável. Eu tomei uma atitude, realmente. Desliguei a televisão, a imagem dos dois desapareceu e eu fui dormir.

https://contobrasileiro.com.br/testemunha-tranquila-cronica-de-stanislaw-ponte-preta/

Fonte: Figueiredo, Adriana Giarola Ferraz-Sistema Maxi de Ensino: ensino médio: língua portuguesa 2º ano: cadernos de1 a 4: manual do professor/Adriana Giarola Ferraz Figueiredo, Denise Silveira Silva Barros, Alberto Luís Pugina Silva. 1.ed. São Paulo: Maxiprint Editora,2018. p.26-7.

 

Entendendo o texto

01. A crônica de Stanislaw Ponte Preta apresenta que tipo de narrador? Explique.

Trata-se de um narrador-personagem, pois apesar de o narrador contar a história de um homem suspeito, em 3ª pessoa, ele também é um personagem, ele participa da história, como demonstra o trecho a seguir: “Eu estava parado olhando, para ver no que ia dar aquilo”, por exemplo.

02. O texto lido tem um desfecho inusitado. O que acontece de inesperado no fim da crônica? Justifique a sua resposta.

O desfecho da crônica esclarece que o narrador está apenas assistindo à televisão. Trata-se de um telespectador, portanto, o que é narrado nada mais é do que parte de um programa televisivo.

03. Analisando o título da crônica e o desfecho apresentado, é possível concluir que há uma crítica implícita nesse contexto. Qual é essa crítica? Fundamente a sua resposta com um trecho do texto.

O título “Testemunha tranquila” remete-nos ao fim da crônica, quando o leitor descobre que o narrador é somente, um telespectador de algum programa de tevê. Diante disso e do enredo, é possível inferir que há uma crítica a esse tipo de espectador que, mesmo diante de um fato um tanto quanto questionável, o homem misterioso bater em uma mulher, mesmo que dentro de um programa de tevê, a única atitude do telespectador foi desligar a tevê e esquecer o que tinha visto: “Eu tomei uma atitude, realmente. Desliguei a televisão, a imagem dos dois desapareceu e eu fui dormir.”

04. Releia este período: “Na verdade eu estava vendo nitidamente toda a cena e senti que o camarada era um mau-caráter.” O vocábulo que, destacado no texto, apresenta que classificação morfológica? Explique a sua resposta.

Nesse período, o vocábulo “que” corresponde a uma conjunção integrante, pois ele está ligando uma oração principal a uma oração subordinada substantiva objetiva direta.

05. No excerto “Se fosse ladrão estaria revistando as gavetas, mexendo em tudo, procurando coisas para levar. O cara – ao contrário – parecia morar perfeitamente no ambiente, pois mesmo na penumbra se orientou muito bem e andou desembaraçado até uma poltrona, onde sentou e ficou quieto: “há duas incidências da palavra se.

a)   Qual é a função morfológica exercida pelo se nesses dois contextos distintos?

Na primeira ocorrência, “se” é uma conjunção subordinada condicional, pois introduz uma oração subordinada adverbial condicional e pode ser substituído por “caso”. Na segunda ocorrência, trata-se de um pronome reflexivo, pois o sujeito pratica e sofre a ação ao mesmo tempo.

b)   Na segunda incidência do vocábulo se, qual é a função sintática exercida?

Nessa ocorrência, “se” exerce a função de objeto direto do verbo “orientar”, que é transitivo direto pronominal, pois nesse contexto quem orienta, orienta alguém, o homem suspeito orientou a si mesmo.

 

terça-feira, 9 de novembro de 2021

CONTO: O MILAGRE - STANISLAW PONTE PRETA - COM GABARITO

 CONTO: O MILAGRE

            Stanislaw Ponte Preta

          Naquela pequena cidade as romarias começaram quando correu o boato do milagre. É sempre assim. Começa com um simples boato, mas logo o povo – sofredor, coitadinho e pronto a acreditar em algo capaz de minorar sua perene chateação – passa a torcer para que o boato se transforme numa realidade, para poder fazer do milagre a sua esperança.

          Dizia-se que ali vivera um vigário muito piedoso, homem bom, tranquilo, amigo da gente simples, que fora em vida um misto de sacerdote, conselheiro, médico, financiador dos necessitados e até advogado dos pobres, nas suas eternas questões com os poderosos. Fora, enfim, um sacerdote na expressão do termo: fizera de sua vida um apostolado.

          Um dia o vigário morreu. Ficou a saudade morando com a gente do lugar. E era em sinal de reconhecimento que conservavam o quarto onde ele vivera, tal e qual o deixara. Era um quartinho modesto, atrás da venda. Um catre (porque em histórias assim, a cama do personagem chama-se catre), uma cadeira, um armário tosco, alguns livros. O quarto do vigário ficou sendo uma espécie de monumento à sua memória, já que a Prefeitura local não tinha verba para erguer sua estátua.

           E foi quando um dia… ou melhor, uma noite, deu-se o milagre. No quarto dos fundos da venda, no quarto que fora do padre, na mesma hora em que o padre costumava acender uma vela para ler seu breviário, apareceu uma vela acesa.

          – Milagre!!! – quiseram todos.

          E milagre ficou sendo, porque uma senhora que tinha o filho doente, logo se ajoelhou do lado de fora do quarto, junto à janela, e pediu pela criança. Ao chegar em casa, depois do pedido – conta-se – a senhora encontrou o filho brincando, fagueiro.

          – Milagre!!! – repetiram todos. E o grito de “Milagre!!!” reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no ouvido de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias.

          Vinha gente de longe pedir! Chegava povo de tudo quanto é canto e ficava ali plantado, junto à janela, aguardando a luz da vela. Outros padres, coronéis, até deputados, para oficializar o milagre. E quando eram mais ou menos seis da tarde, hora em que o bondoso sacerdote costumava acender sua vela… a vela se acendia e começavam as orações. Ricos e pobres, doentes e saudáveis, homens e mulheres caíam de joelhos, pedindo.

          Com o passar do tempo a coisa arrefeceu. Muitos foram os casos de doenças curadas, de heranças conseguidas, de triunfos os mais diversos. Mas, como tudo passa, depois de alguns anos passaram também as romarias. Foi diminuindo a fama do milagre e ficou, apenas, mais folclore na lembrança do povo.

          O lugarejo não mudou nada. Continua igualzinho como era, e ainda existe, atrás da venda, o quarto que fora do padre. Passamos outro dia por lá. Entramos e pedimos ao português, seu dono, que vive há muitos anos atrás do balcão, a roubar no peso, que nos servisse uma cerveja. O português, então, berrou para um pretinho, que arrumava latas de goiabada numa prateleira:

          – Ó Milagre, sirva uma cerveja ao freguês!

          Achamos o nome engraçado. Qual o padrinho que pusera o nome de Milagre naquele afilhado? E o português explicou que não, que o nome do pretinho era Sebastião. Milagre era apelido.

-E por quê? – perguntamos.
- Porque era ele quem acendia a vela, no quarto do padre.

(STANISLAW PONTE PRETA. O melhor de Stanislaw Ponte Preta. 3a. Edição, Rio de Janeiro, José Olympio, 1988)

Entendendo o texto

01.  Qual é a tipologia predominante no conto?

Tipologia narrativa.

02.  Quais personagens que fazem parte dessa narrativa?

O vigário, uma senhora, uma criança, o narrador, o português e o Sebastião.

03.  Dentro deste tipo textual (conto) há que narrador?

Narrador-personagem. 

04.  Qual o cenário em que se desenrola a história?

Em uma pequena cidade.

    05.Segundo o texto, o que leva o povo a acreditar no boato do milagre?

         A prontidão para acreditar em algo que seja capaz de minorar suas dificuldades e sofrimentos.

   06. No segundo parágrafo do texto temos a caracterização do vigário. Qual classe de palavras desempenha função fundamental nesse parágrafo?

       Os adjetivos (piedoso, bom, tranquilo, amigo, simples, financiador).

    07.Justifique o uso dos parênteses no terceiro parágrafo.

         Os parênteses foram usados para inserir uma explicação a respeito de uma palavra de uso pouco corrente, utilizada no texto.

08.Que fato provocou o desenrolar dos acontecimentos descritos no texto?

         Uma vela sempre aparecia acesa na hora em que o vigário, quando vivo, costumava ler o seu breviário.

   09. O texto fala de uma criança que estava doente e sarou em função do pedido que a mãe fez ao vigário. O narrador tem certeza desse fato? Explique sua resposta.

         Não. Na frase: “Ao chegar em casa, depois do pedido – conta-se – a senhora encontrou o filho brincando, fagueiro” o uso do verbo contar seguido do pronome “se” indica que o sujeito é indeterminado, isto é, não se pode determinar quem conta a história, portanto não há como comprovar se o fato realmente aconteceu. Além disso, no final do texto encontramos a explicação a respeito da vela que aparecia acesa na casa do padre.

10 .Segundo o texto, o que foi necessário para oficializar o milagre?

     A vinda de outros padres, coronéis e até deputados.

11 .Em que passagem do texto temos a universalização da crença no milagre?

       “E o grito de “Milagre!!!” reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no ouvido de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias.”

12.O narrador emite um juízo de valor a respeito do português. Qual é esse juízo de valor?

      O narrador afirma que o português era um ladrão pois, “…vive há muitos anos atrás do balcão, a roubar no peso…”, embora tal fato não fora comprovado. O fato dele ser um comerciante que vendia materiais à retalho é que levou o autor a emitir essa opinião.

13. Se pudesse alterar alguma situação nessa história, qual seria? Por quê?

      Resposta pessoal.

 

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

CRÔNICA: INFERNO NACIONAL - STANISLAW PONTE PRETA - FONTE: MARTA GERALDINI - COM GABARITO

 CRÔNICA: INFERNO NACIONAL

                 Stanislaw Ponte Preta

        Diz que era uma vez um camarada que abotoou o paletó [...] Ao morrer nem conversou: foi direto para o Inferno. Em lá chegando, pediu audiência a Satanás e perguntou:

        ― Qual é o lance aqui?

       Satanás explicou que o Inferno estava dividido em diversos departamentos, cada um administrado por um país, mas o falecido não precisava ficar no departamento administrado pelo seu país de origem. Podia ficar no departamento do país que escolhesse. Ele agradeceu muito e disse a Satanás que ia dar uma voltinha para escolher o seu departamento.

        Está claro que saiu do gabinete do Diabo e foi logo para o Departamento dos Estados Unidos, achando que lá devia ser mais organizado o inferninho que lhe caberia para toda a eternidade. Entrou no Departamento dos Estados Unidos e perguntou como era o regime.

         ― Quinhentas chibatadas pela manhã, depois passar duas horas num forno de 200 graus. Na parte da tarde: ficar numa geladeira de 100 graus abaixo de zero até às três horas, e voltar ao forno de 200 graus.

        O falecido ficou besta e tratou de cair fora, em busca de um departamento menos rigoroso. Esteve no da Rússia, no do Japão, no da França, mas era tudo a mesma coisa. Foi aí que lhe informaram que tudo era igual: a divisão em departamento era apenas para facilitar o serviço no Inferno, mas em todo lugar o regime era o mesmo; quinhentas chibatadas pela manhã, forno de 200 graus durante o dia e geladeira de 100 graus abaixo de zero, pela tarde.

          O falecido já caminhava desconsolado por uma rua infernal, quando viu um departamento escrito na porta: Brasil. E notou que a fila à entrada era maior do que a dos outros departamentos. Pensou com suas chaminhas: “Aqui tem peixe por debaixo do angu.” Entrou na fila e começou a chatear o camarada da frente, perguntando por que a fila era maior e os enfileirados menos tristes. O camarada da frente fingia que não ouvia, mas ele tanto insistiu que o outro, com medo de chamarem a atenção, disse baixinho:

          ― Fica na moita e não espalha não. O forno daqui está quebrado e a geladeira anda meio enguiçada. Não dá mais de 35 graus por dia.

          ― E as quinhentas chibatadas? - perguntou o falecido.

         ― Ah... o sujeito encarregado desse serviço vem aqui de manhã, assina o ponto e cai fora.

 (Ponte Preta, Stanislaw. Tia Zulmira e eu. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 175-7.)

Fonte: Profa.: Marta Geraldini

Entendendo o texto

01. Tendo por base a forma como a narrativa foi construída, responda:

a) Qual o principal desejo do protagonista?

     Ele queria ficar num lugar onde pudesse se dar bem, mesmo sendo no inferno.

b) Como o protagonista agiu para satisfazer seu desejo?

     Visitou vários departamentos do inferno antes de escolher em qual ficaria.

c) Que obstáculo o protagonista encontrou na busca da satisfação de seu desejo?

      Todos os departamento eram iguais, não havia privilégios em nenhum deles.

02. Ao sair do gabinete do Diabo, o protagonista foi direto para o Departamento dos EUA, pois pensou que encontraria por lá um inferno organizado. Por que motivo ele pensou assim?

     Porque os americanos têm a fama de serem muito organizados.

03. O que fez com que o protagonista desistisse de frequentar o departamento dos EUA?

     Os castigos dados aos seus participantes eram muitos severos segundo a sua visão.

 04. Por que o inferno era dividido em departamento, se praticamente todos eram iguais?

      Para facilitar a administração do inferno.

 05. O colega da fila do departamento brasileiro não queria explicar os motivos de haver mais gente na fila.

a) Por que ele agia assim?

    Para não chamar a atenção dos outros.

b) Provavelmente, o que ele temia?

     Que se descobrisse que no departamento do Brasil era tudo diferente dos demais departamentos.

06. Ao observar a fila na porta do departamento brasileiro, o personagem pensou: “Aqui tem peixe por debaixo do angu.” Explique o significado desse pensamento.

      Ele logo percebeu haver algo de diferente neste local.

07. Ao explicar os motivos de haver uma fila tão grande no departamento brasileiro, o personagem revela duas críticas comuns feitas em relação ao Brasil. Que críticas são essas?

     “Fica na moita e não espalha.” Isto é, não chamar a atenção dos dirigentes do local e não divulgar as mordomias que havia ali.

08. Baseando-se na ideia de que “As coisas por aqui nunca funcionam direito, por isso que o Brasil é considerado o país do jeitinho.” explique a crítica feita pelo autor.

      O brasileiro sempre quer levar vantagem em tudo. O famoso jeitinho são as propinas pagas para se ter privilégios.

09. Sabendo que uma crônica geralmente tem por traz de si a ideia de criticar algo, qual é a crítica feita pelo cronista com este texto?

    Que nós brasileiros sempre queremos levar vantagens sobre as outras pessoas, mesmo estando numa situação ruim (o inferno).

10. Explique o título da crônica.

       O inferno faz analogia ao local onde se passa a história narrada pela crônica, mas também simboliza a dificuldade que é viver num país em que todos querem levar vantagens.

 

 

 

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

CRÔNICA: PEDRO, O HOMEM DA FLOR.... STANISLAW PONTE PRETA - COM GABARITO

 CRÔNICA: PEDRO, O HOMEM DA FLOR...                       

                   Stanislaw Ponte Preta

Quando anoitece, Pedro pega a sua clássica cestinha, enche de flores, cujas hastes teve o cuidado de enrolar em papel prateado, e sai do barraco rumo à Copacabana, onde fica até alta madrugada, entrando nos bares - em todos os bares, porque Pedro conhece todos - vendendo rosas.

Quando a cesta fica vazia, Pedro conta a féria e vai comer qualquer coisa no botequim mais próximo. Depois volta para casa como qualquer funcionário público que tivesse cumprido zelosamente sua tarefa, na repartição a que serve.

Conversei uma vez com Pedro - o homem da flor. Já o vinha observando quando era o caso de estar num bar em que ele entrava. Vira-o chegar e dirigir-se às mesas em que havia um casal. Pedia licença e estendia a cesta sobre a mesa. Psicologia aplicada, dirão vocês, pois qual homem que se nega a oferecer flor à moça que o acompanha, quando se lhe apresenta a oportunidade? Sim, talvez Pedro seja um bom psicólogo mas, mais que isso, é um romântico. Quando o homem mete a mão no bolso e pergunta quanto custa a flor, depois de ofertá-la à companheira, Pedro responde com um sorriso:

- Dá o que o senhor quiser, moço. Flor não tem preço.

Como eu ia dizendo, conversei uma vez com Pedro e, desse dia em diante, temos conversado muitas vezes. Ele sabe de coisas. Sabe, por exemplo, Que a rosa branca encanta as mulheres morenas, enquanto as louras, invariavelmente, preferem rosas vermelhas. Fiel às suas observações, é incapaz de oferecer rosas brancas às mulheres louras, ou vice versa. Se entra num bar e as flores de sua cesta são todas de uma só cor, não coincidindo com o gosto comum às mulheres presentes, nem chega a oferecer sua mercadoria. Vira as costas e sai em demanda de outro bar, onde estejam mulheres louras, ou morenas, se for o caso.

O pequeno buquê de violetas - quando as há - é carinhosamente arrumado pelas suas mãos grossas de operário, assim como também as hastes prateadas das rosas. Saibam todos os que se fizeram fregueses de Pedro - o homem da flor - que aquele papel prateado artisticamente preso na haste das rosas e que tanto encantava as moças foi antes um comum papel de maços de cigarros vazios, que o próprio Pedro recolheu por aí, nas suas andanças pela madrugada.

Sei que Pedro ama sua profissão, tira dela o seu sustento, mas acima de tudo esforça-se por dignificá-la. Não vê que seria um mero mercador de flores!

Lembro-me da vez em que, entrando pelo escuro do bar, trouxe nas mãos a última rosa branca para a moça morena que bebia calada entre dois homens. Quando os três levantaram a cabeça ante a sua presença, pudemos notar - eu, ele e as demais pessoas presentes - que a moça era linda, de uma beleza comovente, suave, mas impressionante.

Pedro estendeu-lhe a rosa sem dizer uma palavra e, quando um dos rapazes quis pagar-lhe, respondeu que absolutamente era nada. Dava-se por muito feliz por Ter tido a oportunidade de oferecer aquela flor à moça que lá estava. E sem ousar olhar novamente pra ela, e disse:

- Mais flores eu daria se mais flores eu tivesse!

Assim é Pedro - o homem da flor.

Discreto, sorridente e amável, mesmo na sua pobreza. Vende flores quase sempre e oferece flores quando se emociona. Foi o que aconteceu na noite em que, mal chegado à Copacabana, viu o povo que rodeava o corpo do homem morto, vítima de um mal súbito. Só depois que soube que Pedro o conhecia do tempo em que era porteiro de um bar no Lido. Na hora não. Na hora ninguém compreendeu, embora todos se comovessem com seu gesto, ali abaixado a colocar todas as suas flores sobre as mãos do homem morto. Pois foi o que Pedro fez, voltando em seguida para a sua favela do Esqueleto.

Naquela noite, não trabalhou.

ENTENDENDO A CRÔNICA

1)   A personagem Pedro vendia flores em

a)   Bares de Copacabana.

b)   Favelas no Esqueleto.

c)   Portarias no Lido.

d)   Repartições públicas.

 

2)   No segundo parágrafo, o narrador relata o sucesso da venda de flores quando Pedro

a)   Enrola as hastes em papel prateado.

b)   Enrola as hastes das flores e sai.

c)   Entra nos bares e fica até de madrugada na rua.

d)   Conta o dinheiro e vai comer.

 

3)   O fato que origina a crônica é a observação do narrador sobre

a)   O comportamento do vendedor.

b)   A disposição das mesas do bar.

c)   O mistério das mulheres.

d)   A organização das flores no cesto.

 

4)   O narrador apresenta a fala do personagem na seguinte passagem.

a)   “Conversei uma vez com Pedro – o homem da flor.”

b)   “Sim, talvez seja um bom psicólogo”.

c)   “Mais flores daria se mais flores tivesse”.

d)   “Assim é Pedro – o homem da flor”.

 

5)   Do trecho “Naquela noite não trabalhou”, pode-se deduzir que a personagem

a)   Deixara todas as suas flores no chão.

b)   Era uma pessoa cheia de amargura.

c)   Estava cansado de vender flores.

d)   Ficara triste com a morte do colega.

 

6)   O narrador conta a trajetória profissional de seu personagem com

a)   Hostilidade e arrogância.

b)   Tristeza e arrependimento.

c)   Espanto e simpatia.

d)   Ironia  e desprezo.