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quinta-feira, 3 de julho de 2025

CRÔNICA: AREIAS DE PORTUGAL - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Crônica: Areias de Portugal

              Carlos Heitor Cony

        No meio do quintal, ao lado da casa, havia a mangueira, enorme, de um de seus ramos o pai pendurara um balanço que teve seus dias de glória até que meu irmão dele se despencou. Minha mãe iniciou campanha feroz e bem-sucedida, o balanço serviu de lenha numa fogueira de Santo Antônio.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjm-Ojyt2bczsXOcAqwPEplXjcgcn7fqo9WWZtCIty8tthO-yPs-YYs2ZZUl3LhxtVCWfEmWjG6vFUWrAsMc_yV4DCZooW32v6jDUhUy4boPHXqI1FfoLfKUUApZEB0tM8Y_3k_-o0mG7iZdl-nGX879TYwf4LHKdaL56FU0OUAA7PQ0L4SwzVHKATQFSM/s320/0093088_regular_festa-junina-regiao-das-missoes-karol-rocha-sao-miguel-das-missoes-fone-festa-junina-jesuita-missioneira-sao-pedro-sao-joao-santo-antonio-(7).jpg

        Naqueles dias, Humberto de Campos publicara uma página de suas memórias, evocando o cajueiro de sua infância. Meu pai lera a crônica para mim. Recortei-a do jornal e quase a decorei. Pior: procurei imitar o menino que subia nos galhos mais altos e gritava: "Assobe, assobe, gajeiro, naquele topo real, para ver se tu avistas terras de Espanha, Otolina, areias de Portuga!!".

        Passei a subir nos galhos mais altos, onde descobri um nicho no meio das folhas verdes e perfumadas – como só as mangueiras sabem ter. E lá de cima eu também gritava aos ventos da Boca do Mato, garantindo que via terras de Espanha, quando, na verdade, via apenas os tetos cor de moringa da vizinhança, ao longe a torre mais-que-branca da Matriz de Nossa Senhora da Guia e, depois, a formidável massa azulada do pico da Tijuca.

        Pois ontem, tantos anos depois, sonhei com a mangueira dos dias antigos do passado. No sonho, ela surgia destacada, talvez mais alta e mais espetacular. E como na paisagem do sonho era quase noite, ela parecia iluminada por dentro, um pouco fosforescente, mas sem dúvida era a minha mangueira, intacta, esperando por mim.

        Olhei-a bem e não foi difícil encontrar, em seus ramos mais altos, o nicho de folhas verdes e perfumadas – como só as mangueiras sabem ter. Lá estava ele, também, intacto, reconheci até mesmo o galho mais forte em que me segurava com maior confiança, deixando a outra mão livre para proteger os olhos do sol e dos ventos do mar largo. E de onde o menino, que nada vira do mundo até então, assombrado, avistava terras de Espanha, areias de Portugal.

Carlos Heitor Cony.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 28.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a importância da mangueira na infância do narrador?

      A mangueira era um elemento central na infância do narrador, servindo como o local onde o pai pendurou um balanço, que teve "dias de glória" antes de ser removido. Mais importante ainda, a mangueira se tornou o refúgio e ponto de observação do menino, onde ele se aventurava a imitar o personagem de Humberto de Campos.

02 – Como a crônica de Humberto de Campos influenciou o menino narrador?

      A crônica de Humberto de Campos, que evocava o cajueiro de sua infância, inspirou o menino a imitar o personagem que subia nos galhos e gritava avistando terras distantes. Essa leitura o levou a procurar um nicho na sua própria mangueira para reproduzir a cena, estimulando sua imaginação e seu senso de aventura.

03 – O que o menino realmente via do alto da mangueira, em contraste com o que gritava?

      Embora gritasse que via "terras de Espanha, Otolina, areias de Portuga!!", o menino, na verdade, via apenas os "tetos cor de moringa da vizinhança", a "torre mais-que-branca da Matriz de Nossa Senhora da Guia" ao longe, e a "formidável massa azulada do pico da Tijuca". Isso destaca a força da imaginação infantil sobre a realidade.

04 – Qual o significado do sonho do narrador com a mangueira, tantos anos depois?

      O sonho com a mangueira tantos anos depois simboliza a permanência e a vivacidade das memórias de infância. No sonho, a mangueira surge "intacta, esperando por mim", "iluminada por dentro", representando um refúgio nostálgico e um portal para o passado, onde o narrador pode reencontrar sua essência de criança e a capacidade de sonhar.

05 – O que a última frase "E de onde o menino, que nada vira do mundo até então, assombrado, avistava terras de Espanha, areias de Portugal" revela sobre a perspectiva da infância?

      Essa frase final encapsula a magia e a vastidão da imaginação infantil. Mesmo sem ter visto o mundo real, o menino, através da fantasia inspirada pela leitura, era capaz de "avistar" terras distantes. Isso sugere que, na infância, a imaginação é um poderoso meio de explorar e compreender o mundo, superando os limites da experiência física.

 

ARTIGO DE OPINIÃO : BAR MEMÓRIA - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Bar Memória

                Carlos Heitor Cony

        Era um botequim feio, muito feio mesmo. Três portas esquálidas, paredes encardidas, balcão sórdido com empadas sinistras, de longe se adivinhavam o mofo, as sombras, o vago cheiro de túmulo. O nome o salvava: Bar Memória. Nome inexplicável: o botequim nem merecia a classificação de bar. E por que memória? Quem nele se lembraria de alguém ou de alguma coisa? Pior: quem dele se lembraria?

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi62SCjrC30Pe-409djyxparc1SiX4MzA34dWu4x2dmb1R5jtExe1Vl3W4v0rs3vIKbo8MLvcsI1iPwwRv31f8mhrvlMJz20-Daplp_5RSGqW_BkdpoCnR6OvA9q6DrY2FOSbQTZVod6sYGSpi33wX__THTu54UX6U0QrvQ1gfsdb9uy_t2ntntL6xiQgs/s1600/images.jpg


        Sua importância era topográfica. Ficava numa terra-de-ninguém da cidade – cidade que cada vez mais se tornou terra-de-ninguém. Para os Correios e Telégrafos, o Bar Memória ficava no Jardim Botânico. Para os tributos estaduais e municipais, ficava na Gávea. Para a Receita Federal ficava na Lagoa. Policialmente, pertencia à 16a Delegacia, do Leblon. Para o Corpo de Bombeiros, era o Jóquei. O Tribunal Regional Eleitoral o alistou como reserva democrática do Horto.

        Sem sair do lugar, flutuando no chão da cidade, ele existia sem existir, escombro de um fantasma que não pertencia especificamente a nada e a ninguém. Espaço imponderável, um assassinato ali cometido, com um bom advogado a favor do criminoso, jamais seria punido: faltaria a localização exata para determinar o local do crime.

        Estava sempre vazio, nunca vi luz que aliviasse sua penumbra. À noite, ele continuava fiel à escuridão, duas ou três lâmpadas empoeiradas não iluminavam as paredes encardidas e tristes. A luz, trêmula e fria, tornava mais pesadas suas sombras.

        Pois o Bar Memória foi abaixo, esta semana. Nos jornais, a foto conseguia transmitir sua solidão de bar, sua escuridão de memória. A escavadeira do município rasgou sua carne cansada, estraçalhou seu ventre de trevas. O Bar Memória se desmanchou sem resistência, sem dar um grito.

        E como seu chão era imponderável, ele continuará imponderável. Ficará intacto no meio da nova pista que dará acesso à Barra. Não deixará saudade. Não deixará memória, o Bar Memória.

Carlos Heitor Cony.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 27.

Entendendo o artigo:

01 – Qual era a principal característica do Bar Memória, e como o autor a descreve?

      A principal característica do Bar Memória era sua extrema feiura e degradação. O autor o descreve como um "botequim feio, muito feio mesmo", com "três portas esquálidas, paredes encardidas, balcão sórdido com empadas sinistras", além de um "vago cheiro de túmulo" e penumbra constante.

02 – Por que o nome "Bar Memória" era irônico e inexplicável para o autor?

      O nome era irônico e inexplicável porque o bar era tão insignificante e desagradável que o autor questionava: "Quem nele se lembraria de alguém ou de alguma coisa? Pior: quem dele se lembraria?". O lugar não possuía qualidades que justificassem ser lembrado ou associado à memória.

03 – Como o texto explora a ideia de que o Bar Memória era uma "terra-de-ninguém"?

      O texto explora essa ideia através da confusão topográfica e burocrática do bar. Ele não pertencia a um único bairro ou jurisdição, sendo localizado em diferentes áreas (Jardim Botânico, Gávea, Lagoa, Leblon, Jóquei, Horto) por diferentes órgãos. Essa indefinição geográfica reforçava sua natureza de "escombro de um fantasma" e um "espaço imponderável".

04 – O que a demolição do Bar Memória simboliza, e qual o seu desfecho irônico?

      A demolição simboliza o fim de algo que já "existia sem existir", um escombro de um passado sem relevância. O desfecho é irônico porque, apesar de seu nome, o Bar Memória "não deixará saudade. Não deixará memória, o Bar Memória", ou seja, sua existência era tão efêmera e sem impacto que mesmo sua destruição não geraria lembranças.

05 – Qual a relação entre a falta de localização exata do Bar Memória e a impunidade de um possível crime?

      O autor sugere que a falta de localização exata tornava o bar um "espaço imponderável" onde um assassinato, se cometido, jamais seria punido. Isso porque, com um bom advogado, seria impossível determinar o "local exato do crime", aproveitando a ambiguidade geográfica do estabelecimento para fins jurídicos.

 

quinta-feira, 6 de março de 2025

NOTÍCIA: NO MEIO DO SILÊNCIO - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Notícia: No meio do silêncio

             CARLOS HEITOR CONY

        Há muito que o Natal deixou de ser uma festa religiosa. No seu aspecto positivo, virou festa de congraçamento, sobretudo no seio da família, é a data em que todos voltam a comer juntos, ao menos um peru e uma rabanada. No aspecto negativo, é o grande festim do consumo, presidido por esse chato e mercadológico "Bom Velhinho", que seria tolerável num filme de Frank Capra.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWGC4WhV4NX2EfR0JQvW461n73KYIpPuaaH2wwakGln8FmHBlYcWFPLp7BxUOhzfMz9HomH56oB_W8eHMYkaLE_jIPdewpFwNQfTRiUKyA4PweOkcMEb11OpB33nOcg3GiT4xliUqtviCzIidNoUVeCzFrhZBeRirZaZV_o4BAW3R68kDX6EeiPHqDnls/s320/Ceia-de-natal-com-peru.jpg


        É uma pena. Porque o Natal, mesmo sem qualquer conotação religiosa, sem qualquer compromisso confessional, lembra uma antiga e inarredável aspiração humana: a de um Deus entre nós, com a nossa carne. E passa despercebida a beleza daquilo que Renan considerou "o mais belo drama pastoril da humanidade".

        Independente do dogma e da fé, é comovente a história daquela judiazinha de 15 anos que aceitou sem espanto o anúncio do anjo de que geraria um Deus. Daquele carpinteiro que de repente, sem aviso prévio, foi comunicado de que sua mulher geraria um Deus – e se tornou guardião da mulher e do menino.

        E os pastores que velavam na imensa noite do deserto viram falanges de anjos dando glória a Deus nas alturas e receberam o convite para ir ver o menino. E foram. O evangelista usa o verbo exato: "transeamus", vamos até Belém. Não adianta receber a mensagem e continuar na mesma. Ir é preciso.

        E tudo se passou no meio de um grande silêncio, "dum medium silentium". Somente no silêncio há espaço e tempo para ouvir a mensagem, para realizar o trânsito em direção ao novo, ao que acaba de ser revelado.

        E é nesse silêncio que curto o meu Natal, Natal ainda pagão, mas com pena de continuar pagão no meio de tanta luz que inundou a Lagoa. Espero a noite ir alta, quando todos estão dormindo profundamente. Não ouço nenhuma voz, não vejo nenhum anjo no céu. Mesmo assim, espero.

Carlos Heitor Cony. Reprodução do jornal Folha de S. Paulo de 25/12/1996, fornecido pela Agência Folha.

Fonte: Português – Novas Palavras – Ensino Médio – Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio – Vol. Único – FTD – São Paulo – 2ª edição. 2003. p. 566.

Entendendo a notícia:

01 – Como Carlos Heitor Cony vê o Natal contemporâneo?

      Cony vê o Natal moderno como uma festa que perdeu seu caráter religioso, transformando-se em um evento de congraçamento familiar e, principalmente, em um grande festival de consumo, dominado pela figura comercial do "Bom Velhinho".

02 – Qual aspecto do Natal, segundo o autor, ainda preserva um valor significativo?

      Mesmo sem a conotação religiosa, Cony destaca a beleza da ideia de "um Deus entre nós", representando uma antiga aspiração humana.

03 – Quais personagens bíblicos são destacados na reflexão de Cony?

      Cony menciona Maria, a "judiazinha de 15 anos", José, o carpinteiro, e os pastores que receberam a visita dos anjos no deserto.

04 – Qual a importância do silêncio na mensagem do Natal, segundo o autor?

      O silêncio é essencial para ouvir a mensagem natalina e realizar a "transição" para o novo, para o que foi revelado.

05 – Como Cony descreve sua experiência pessoal do Natal?

      Cony descreve seu Natal como ainda "pagão", mas com um desejo de transcender essa condição. Ele espera a noite avançada, quando todos estão em silêncio, para refletir e esperar, mesmo sem ver anjos ou ouvir vozes.

06 – Qual a crítica de Carlos Heitor Cony sobre o natal?

      O autor faz uma crítica ao aspecto comercial do natal, presidido pelo "bom velhinho" e por um grande festim de consumo.

07 – O que significa a expressão "transeamus" utilizada pelo evangelista?

      A expressão "transeamus" significa "vamos até Belém", e o autor a usa para enfatizar que não basta receber a mensagem, é preciso agir e ir ao encontro do novo.

 

domingo, 8 de dezembro de 2024

CRÔNICA: NA REGIÃO DE ORMUZ - FRAGMENTO - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Crônica: Na região de Ormuz – Fragmento

             Carlos Heitor Cony

        A viagem por esta planície em direção ao sul leva cinco dias. Ao cabo da quinta jornada, chega-se a uma outra descida de vinte milhas de extensão, por onde é muito difícil de se andar [...].

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhP-pa1N-6RfsF_iXJZJcz3YA3fmKfyLvrcepu1VnITTXWhtnyoMc-Nrk0dr_MK-WHVWrUGvc9A1pFWEpeOxjcKwbj4X_RDSVjSrOqq8AHjlJsU6M1HZYu6n6GHon4aCkWJZl3pYSsUKzQQ9gTArdlPd8_wjHWqKjj4N2OwiD9BnuYjR8jzZfWDE9cWNxs/s320/estreito-de-ormuz.jpeg


        Passados dois dias, chega-se ao Mar Oceano, em cuja orla fica situada a cidade portuária de Ormuz. É aí que chegam da Índia os navios com todas as especiarias e tecidos de ouro, elefantes e muitas outras mercadorias; deste lugar, elas são levadas para o resto do mundo. Esta é uma terra de intenso comércio e também a capital da província. O rei chama-se lacomat e, sob seu poder, há muitos castelos e cidades. O povo adora Maomé. Se algum mercador estrangeiro morrer por aqui, o soberano fica com todos os seus bens.

        Nesta região, a terra é insalubre e faz muito calor. Se não fosse o jardim com muita água, fora da cidade, as pessoas não conseguiriam sobreviver. Por vezes, durante o verão, sopra um vento vindo do lado do deserto, tão quente que se os homens não fugissem para onde há água, não suportariam o calor. Em novembro, começa o tempo das searas, colhidas em março, e assim se faz com todos os frutos; de março para frente não se encontra nenhuma coisa verde sobre a terra, a não ser a palmeira que dura até meados de maio: tudo isso por causa do calor.

        Aqui se fabrica vinho de tâmara e de muitas outras espécies. Quem o bebe sem estar habituado tem de botar tudo fora, pois serve-lhe de purgante; mas faz bem a quem já tem costume, as pessoas do lugar não usam nossos alimentos, porque se comessem grãos e carne ficariam imediatamente doentes; pelo contrário, são saudáveis porque comem peixes salgados e tâmaras, e outras coisas grossas com as quais se dão bem.

        Suas embarcações são malfeitas e muito perigosas: em vez de grudadas com piche, são untadas com óleo de peixe, sem pregos, que não utilizam porque não têm ferro. Usam um fio feito a partir de castanha-da-índia, forte como cerda e que se mete na água. Com ele, os barcos são costurados e não se estragam com a água salgada.

        Estas embarcações têm uma vela, um mastro e um leme, mas não têm coberta; quando estão carregados, coloca-se uma manta de couro sobre a carga e é por cima dela que se põem os cavalos levados para aa Índia. É um grande perigo navegar em tais navios. Quando morre alguém, o povo se põe todo de luto. As mulheres choram seus maridos durante quatro anos, pelo menos uma vez por dia, juntamente com alguns homens e parentes.

        Agora, voltaremos para o norte onde estão outras províncias, retornando por caminho diferente até a cidade de Quirmã, sobre a qual já contei. É que, para as regiões sobre as quais quero vos falar agora, não se pode ir a não ser partindo dali, onde o rei lacomat é igualmente o soberano.

        Ao regressar de Cormosa para Quirmã, passa-se de novo pela bela planície cheia de alimentos, pássaros e frutos e muitos banhos quentes. O pão de grão é amargo para quem não está acostumado por causa da água do mar. Deixemos agora esta região e vamos para o norte: já direi como.

        [...]

Carlos Heitor Cony e Lenira Alcure (adapt.) As viagens de Marco Polo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

Fonte: Língua Portuguesa – Jornadas.port – Dileta Delmanto/Laiz B. de Carvalho – Ensino Fundamental – 6º ano. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 192-193.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a principal atividade econômica da cidade de Ormuz?

      A principal atividade econômica de Ormuz é o comércio. A cidade é um importante centro comercial, onde chegam e saem navios com diversas mercadorias, como especiarias, tecidos e animais.

02 – Como é descrito o clima da região de Ormuz?

      O clima da região de Ormuz é descrito como muito quente e insalubre. Há períodos de calor intenso e ventos quentes do deserto. A vegetação é escassa devido ao clima árido, com exceção das palmeiras.

03 – Quais são os hábitos alimentares dos habitantes de Ormuz e como eles se diferenciam dos hábitos alimentares de outras regiões?

      Os habitantes de Ormuz têm hábitos alimentares bastante distintos. Eles consomem principalmente peixes salgados, tâmaras e outros alimentos mais rústicos. A ingestão de grãos e carne causa doenças para os habitantes locais, que estão acostumados a uma dieta diferente.

04 – Como são construídas as embarcações em Ormuz?

      As embarcações em Ormuz são construídas de forma artesanal e rústica. Em vez de pregos, utilizam um tipo de fio feito de castanha-da-índia para costurar as partes do barco. A impermeabilização é feita com óleo de peixe, e as embarcações não possuem coberta.

05 – Quais são os costumes funerários dos habitantes de Ormuz?

      Os costumes funerários dos habitantes de Ormuz envolvem um período prolongado de luto. As mulheres choram seus maridos por quatro anos, pelo menos uma vez por dia, junto com outros familiares e amigos.

06 – Qual a importância da cidade de Quirmã na narrativa?

      A cidade de Quirmã é mencionada como o ponto de partida para as viagens à região de Ormuz e como o local para onde se retorna após as expedições. Ela serve como um ponto de referência geográfica e narrativa.

07 – Qual é o tom geral do texto?

      O tom geral do texto é descritivo e informativo. O autor busca apresentar um retrato detalhado da região de Ormuz, com foco em seus aspectos geográficos, culturais e econômicos. A linguagem é clara e objetiva, transportando o leitor para um mundo exótico e distante.

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

ARTIGO DE OPINIÃO: O LOBO E O CORDEIRO - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Artigo de opinião: O lobo e o cordeiro

           Carlos Heitor Cony

        Rio de Janeiro – Outro dia, li no noticiário que já começam a falar em trincheira. Parece que ainda é uma metáfora, uma licença poética, alguma coisa assim. Sem entrar no mérito da briga entre Minas e Governo Federal, achei a ideia boa.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLkW6XMk7FyO9xUBRzE3q1l3xYlgPDtKHL0db-K79g2_gg30C2U6PsUK-rVuvKuNaO238EqEZY05UfvHmN8dFKUELa6HfNKwknd8razH3B4UPCMpLkfygtsKahHUEL1oKV8ie4suecABqIVkNrF6mN5dklP2Y1WHSLWNG3bg_zkFbXAschAP828gCJ-Y4/s320/MG.jpg


        A taxa de desemprego no país anda alta e a tendência é subir mais. Ao longo da história, sempre que a população crescia em tempos de paz, havia uma guerra para absorver mão-de-obra e manter a humanidade em patamares decentes, sem o inchaço das cidades e aldeias.

        Assim foram formados os exércitos que, andando de um lado para o outro, criaram impérios, reinos, ducados, colônias, etc. Brecht, acho que em “Mãe coragem”, faz um personagem elogiar a guerra, que pelo menos em termos economia e mercado regulariza as coisas, cortando o supérfluo, mantendo os estoques básicos e evitando a explosão demográfica que cria problemas inúteis para o Estado.

        Para uma boa guerra é preciso um motivo, que nem precisa ser bom. Qualquer um serve. Na fábula de Esopo, além de ser o mais fraco, o cordeiro encheu o saco de lobo ao exigir um motivo decente para ser engolido.

        O lobo podia integrar a equipe econômica de qualquer governo tutelado pelo FMI. Em vez de um, deu dois bons motivos para comer o cordeiro. O primeiro até que não colou: o cordeiro estaria sujando a água que o lobo bebia. “Mas como?” – estranhou o cordeiro. “Você está em cima, eu estou em baixo, a água do rio passa primeiro por você, se alguém suja a água é você que suja a minha!”

        O lobo foi tão paciente quanto os ficais do sr. Camdessus. Deu outro motivo: “No ano passado, seu pai sujou a minha água”. E comeu o cordeiro.

        De Esopo para cá, a razão sempre esteve com o lobo. Não havia desemprego então, de maneira que hoje a guerra entre os dois é mais necessária. Quanto menos cordeiro, mais farta será a água do rio.

O lobo e o cordeiro, de Carlos Heitor Cony. Folha de São Paulo, 28/02/1999, fornecido pela Folhapress.

Fonte: Linguagem em Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 232.

Entendendo o artigo:

01 – Qual a principal tese defendida por Cony no artigo?

      A principal tese defendida por Cony é que a guerra, embora cruel e injusta, pode ser vista como uma solução para problemas sociais como o desemprego. O autor utiliza a fábula de Esopo como metáfora para criticar a lógica de poder e as justificativas utilizadas para iniciar conflitos.

02 – Como Cony relaciona a fábula de Esopo com a realidade política?

      Cony utiliza a fábula de Esopo como um ponto de partida para analisar a relação entre os poderosos e os mais fracos. Ele mostra como os poderosos, assim como o lobo, encontram justificativas para seus atos, mesmo que sejam injustos e arbitrários.

03 – Qual a crítica de Cony ao sistema econômico e político?

      Cony critica o sistema econômico e político que, segundo ele, prioriza os interesses de poucos em detrimento das necessidades da maioria. Ele sugere que a guerra pode ser utilizada como uma ferramenta para controlar a população e manter o status quo.

04 – Qual o papel do FMI na metáfora utilizada por Cony?

      O FMI é utilizado como uma metáfora para representar as forças econômicas internacionais que impõem condições aos países em desenvolvimento. A figura do fiscal do FMI, Sr. Camdessus, é associada à paciência e à frieza do lobo ao encontrar justificativas para devorar o cordeiro.

05 – Qual a ironia presente no texto?

      A ironia está presente na forma como Cony trata um tema tão sério como a guerra. Ao utilizar a fábula de Esopo e uma linguagem irônica, ele demonstra a absurda lógica por trás dos conflitos e a indiferença dos poderosos diante do sofrimento humano.

06 – Qual a principal mensagem que Cony deseja transmitir?

      A principal mensagem de Cony é um alerta sobre os perigos da manipulação do poder e da justificativa de ações injustas. O autor busca provocar uma reflexão sobre as causas dos conflitos e sobre as consequências da guerra para a sociedade.

07 – Por que o título "O lobo e o cordeiro" é adequado ao texto?

      O título "O lobo e o cordeiro" é adequado ao texto porque resume a metáfora utilizada por Cony para analisar a relação entre os poderosos e os mais fracos. A fábula de Esopo é um arquétipo que representa a luta entre o bem e o mal, entre o forte e o fraco. Ao utilizar essa referência, Cony torna sua crítica mais universal e atemporal.

 

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

CRÔNICA: PRANTO PARA O HOMEM QUE NÃO SABIA CHORAR - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Crônica: Pranto para o homem que não sabia chorar

                  Carlos Heitor Cony

Havia quitandas naquele tempo. Vendiam verduras, legumes, ovos, algumas chegavam a vender galinhas em pé, quer dizer, vivas, mas eram poucas, pois todas as casas tinham quintal e todos os quintais tinham galinhas. Ia esquecendo: as quitandas mais sortidas tinham à porta, bem visíveis aos passantes, um feixe de varas de marmelo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsX-0YDTRfPzBThVI9SDGZX0HJR0GAeye3RLpOlCtxPyzdbdoVfIJoEI1_WiWY5tji9SBNmwmb_7v7FDdZSP8EaGaq5t1AuVkkafKsttcuwU1AGsvxGGV-jSrgWAciOIpRCQX6n5dLaKYc-tebQyoI5vzzXIjjse4zLBTl-XG4sYBmIfb1fwVOnY1l31A/s1600/marmelo.jpg


Para que serviam? Fica difícil explicar, mas serviam para os pais comprarem uma delas e a guardarem em casa, num lugar à mão e bem visível aos filhos. Quem nunca tomou uma surra de vara de marmelo não pode saber o que é a vida, de que ela é feita, de suas ciladas e enigmas. Há aquela frase: "Quem nunca passou pela rua tal às cinco da tarde não sabe o que é a vida". A frase não é bem essa, mas o sentido é esse.
Uma surra de vara de marmelo era o recurso mais eficaz para colocar a prole em bom estado de moralidade e bom comportamento. Acima dela, só havia o recurso capital de ameaçar o filho com um colégio interno da época: Caraça! Ir para o Caraça, a possibilidade de ir para o Caraça era uma pena de morte, uma condenação ao inferno, um atestado de que o guri não tinha jeito nem futuro.
Houve a tarde em que o irmão mais velho fez uma lambança com umas tintas que o pai comprara para pintar a casa de Segredo, o cachorro, que era solto à noite para evitar que os amigos do alheio pulassem para o quintal e roubassem as galinhas -repito, todas as casas tinham galinhas.
E "amigos do alheio" era uma expressão, uma metáfora civilizada que os jornais usavam para se referirem aos ladrões de qualquer coisa, inclusive de galinhas.
Pois o irmão foi surrado com vara de marmelo e chorou. O pai então proferiu a sentença que ele jamais esqueceria:
Homem não chora!
Em surras seguintes e sucessivas, com a mesma vara de marmelo (ela nunca se quebrava, por mais violenta que tivesse sido a surra anterior), o irmão tinha o direito de gritar, de urrar, de grunhir como um leitão na hora em que entra na faca, mas não de chorar.
Por isso, mesmo sem nunca ter tomado uma surra daquelas, ele sabia que um homem não pode chorar, nem mesmo quando açoitado por vara de marmelo. O vizinho do Lins, que tinha um filho considerado perdido, percebendo que a vara de marmelo era ineficaz como um remédio com data de validade vencida, adotou uma tira de borracha que servira de pneu a um velocípede desativado. Tal como a vara de marmelo, era maleável mas inquebrável, deixava lanhos nas pernas do filho -que mais tarde chegaria a ser capitão-do-mar-e-guerra, medalhado não em guerra nem em mar, mas por tempo de serviço.
Homem não chora e, por isso, ele decidiu que seria um homem e jamais choraria. O irmão, sim, era um bezerro desmamado, chorava à toa, nem precisava de vara de marmelo. Chorou no dia em que Segredo morreu envenenado -um amigo do alheio, antes de pular no quintal, jogou-lhe um pedaço de carne com arsênico.
Chorou mais tarde, quase homem feito. Esquecido de que homem não chora, ele chorou quando o Brasil perdeu para o Uruguai no final da Copa do Mundo de 1950. Não era homem. Atrás do gol, viu quando Gighia chutou e o estádio emudeceu e logo depois chorava, seguramente o maior pranto coletivo da história da humanidade, 200 mil pessoas que não eram homens, chorando sem vergonha de não serem homens.
Ele não podia ou não sabia chorar? Essa era a questão. Volta e meia forçava a barra, lembrava as coisas tristes que lhe aconteceram, o dia em que o pai o colocou de castigo, atribuindo-lhe a quebra de uma moringa. A perda da medalhinha de Nossa Senhora de Lourdes que a madrinha lhe dera, uma medalhinha de ouro que, segundo a madrinha, o livraria de todo o mal, amém. Não chorou nem mesmo quando, naquela primeira noite após a morte de sua mãe, ele se sentiu sozinho na vida e perdido no mundo.
Daí lhe veio a certeza. Poder chorar até que podia. O diabo é que ele não sabia mesmo chorar. Chorar é como o samba que não se aprende na escola: ou se nasce sabendo, ou nunca se sabe. Bem verdade que ele desconfiou de que os outros chorassem errado, misturando motivos. Por exemplo: o irmão, que era um Phd na matéria, quando chorava, fazia um embrulho de coisas e desditas, um mix de quebrações de cara e obtinha um pranto copioso, sincero, lágrima puxando lágrima, soluço puxando soluço.
Quando perdeu uma bolada num cassino de Montevidéu, foi para o quarto do hotel, bebeu meia garrafa de uísque e, tarde da noite, telefonou dizendo que, passados 40 e tantos anos, ainda estava chorando pela morte de Segredo.
Tivera ele essa virtude, aquilo que os ascetas chamam de "dom das lágrimas"! José, vendido por seus irmãos ao faraó do Egito, tornou-se poderoso e um dia recebeu os irmãos que o procuraram para matar a fome. Os irmãos não o reconheceram. José perguntou-lhes sobre o pai e retirou-se a um canto para chorar. Depois, sim, deu-se a conhecer e matou a fome dos irmãos que o venderam.
Jesus chorou quando soube da morte de Lázaro e o ressuscitou. A lágrima é um dom, e ele não mereceu esse dom nem mesmo quando Débora foi embora de seus sonhos e, como nos tangos, nunca mais voltou.

CONY, Carlos Heitor. Pranto para o homem que não sabia chorar. In CONY, C.H. Crônicas para ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 39-40.


PARA RESPONDER
          01.               As memórias relatadas por Carlos Cony neste texto guardam alguma semelhança com a sua infância? Por quê?

               Sim, os pais batiam nos filhos com varinhas.

        02.               “Uma surra de vara de marmelo era o recurso mais eficaz para colocar a prole em bom estado de moralidade e bom comportamento”. Como você pensa que as crianças de hoje escreverão uma frase equivalente para explicar como adquiriram “bom estado de moralidade e bom comportamento”?

Talvez diriam que com o diálogo, com a amizade que tenham com os pais, não há necessidade de usar varas.

03.               Qual era a utilidade das varas de marmelo mencionadas na crônica?

         As varas de marmelo eram utilizadas para surrar os filhos como forma de disciplina e moralidade. 

        04.               O que o narrador afirma sobre a frase "Quem nunca passou pela rua tal às cinco da tarde não sabe o que é a vida"?

         O narrador menciona que, embora não seja exatamente essa a frase, o sentido é semelhante, referindo-se à experiência de levar surra com vara de marmelo como algo fundamental para entender a vida.

         05.               Qual era a alternativa mais severa à surra de vara de marmelo para disciplinar um filho?

         A ameaça de enviar o filho para o Caraça, um colégio interno da época, foi considerada uma punição mais grave. 

         06.               Como o narrador descreve a ocorrência do irmão mais velho após ser surrado com a vara de marmelo?

          Apesar de gritar e urrar, o irmão não tinha permissão para chorar, pois segundo o pai, "homem não chora."

        07.               Por que o vizinho do Lins substituiu a vara de marmelo por uma tira de borracha para disciplinar o filho?

         A vara de marmelo tornou-se ineficaz, então o vizinho desenvolveu uma tira de borracha que deixava lanhos nas pernas do filho, mas era maleável e inquebrável.

      08.               Quais foram os momentos em que o irmão, contra a ideia de "homem não chora", chorou na crônica?

          O irmão chorou quando o cachorro Segredo morreu envenenado e também durante a derrota do Brasil para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950.

        09.               O narrador, em certo momento, questionou se ele sabia chorar. Qual foi a conclusão a que ele chegou?

         Ele concluiu que poderia chorar, mas não sabia como. Chorar era como o samba, algo que ou se nasce sabendo ou nunca se aprende.

        10.               Qual exemplo bíblico é mencionado na crônica para ilustrar a importância das lágrimas?

         José, vendido por seus irmãos ao faraó do Egito, chorou ao se encontrar com seus irmãos novamente, mostrando a importância e o poder das lágrimas.

 

 

 

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

TEXTO: O OLHAR TAMBÉM PRECISA APRENDER A ENXERGAR - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Texto: O olhar também precisa aprender a enxergar

Texto 1

    Durante muitos e muitos anos, o Aleijadinho era desdenhado pelas cultas gentes. Tratava-se de um ignorante, que fazia leões com corpo de cachorro e cara de macaco. Em 1902, um crítico de artes plásticas austríaco viu a estátua do profeta Daniel em Congonhas do Campo e ficou horrorizado. Registrou em seu diário: “Só um povo imbecilizado pela sífilis e pela malária consentiria que tal monstruosidade ficasse ao lado do profeta Daniel.” [...]

CONY, Carlos Heitor. Folha de S. Paulo, São Paulo, 14 abr. 2005. Opinião, p. A2.

Texto 2

        O olhar também precisa aprender a enxergar

        Há uma historinha adorável, contada por Eduardo Galeano, escritor uruguaio, que diz que um pai, morador lá do interior do país, levou seu filho até a beira do mar. O menino nunca tinha visto aquela massa de água infinita. Os dois pararam sobre um morro. O menino, segurando a mão do pai, disse a ele: “Pai, me ajuda a olhar”. Pode parecer uma espécie de fantasia, mas deve ser a exata verdade, representando a sensação de faltarem não só palavras, mas também capacidade para entender o que é que estava se passando ali.

        Agora imagine o que se passa quando qualquer um de nós para diante de uma grande obra de arte visual: como olhar para aquilo e construir seu sentido na nossa percepção? Só com auxílio mesmo. Não quer dizer que a gente não se emocione apenas por ser exposto a um clássico absoluto, um Picasso ou um Niemeyer ou um Caravaggio. Quer dizer apenas que a gente pode ver melhor se entender melhor a lógica da criação.

FISCHER, Luís Augusto. Folha de S. Paulo, São Paulo.

               Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 158.

Entendendo os textos:

01 – O que revela o trecho do texto 1, de Carlos Heitor Cony?

      A passagem revela a rejeição ao que é diferente, a relatividade do conceito de “belo”, intolerância por parte de um crítico estrangeiro, preconceito contra a arte e o povo brasileiro.

02 – Explique o sentido de olhar e enxergar no título do texto 2, de Luís Augusto Fischer.

      Refere-se a uma gravação de sentido: primeiro olhar, depois enxergar. Olhar tem o sentido de dirigir os olhos para alguém, para algo ou para si; mirar, contemplar. Enxergar tem a acepção de distinguir pela visão; sentir, deduzir, inferir, julgar e entender.

03 – Relacionando a história contada pelo escritor uruguaio com “o que se passa quando qualquer um de nós para diante de uma grande obra de arte visual”, registre no caderno a ideia defendida pelo autor do texto 2.

I.O belo natural e o belo artístico provocam distintas reações de nossa percepção.

II.A educação do olhar leva a uma percepção compreensiva das coisas belas.

III. O belo artístico é tanto mais intenso quanto mais espelhe o belo natural.

IV. A lógica da criação artística é a mesma que rege o funcionamento da natureza.

V. A educação do olhar devolve ao adulto a espontaneidade da percepção das crianças.

      Alternativa II. De acordo com o texto de Luís Augusto Fischer, o olhar pode ser educado e a percepção pode ser aguçada para admirar e fruir a beleza natural ou artística.

04 – Analise a construção do texto 2 e registre no caderno a alternativa que explicita sua estrutura textual.

I. Há paralelismo de ideias entre os dois parágrafos, como, por exemplo, o que ocorre entre a frase do menino e a frase “Só com auxílio mesmo”.

II. A expressão “espécie de fantasia”, que aparece no primeiro parágrafo, é retomada e traduzida em “lógica de criação”, no segundo parágrafo.

III. A expressão “Agora imagine” tem como função assinalar a inteira independência do segundo parágrafo em relação ao primeiro.

IV. A afirmação contida no título restringe-se aos casos dos artistas mencionados no final do texto.

V. As ocorrências da expressão “a gente” constituem traços da impessoalidade e da objetividade que marcam a linguagem do texto.

      Alternativa I. Assim como o filho necessita da mediação do pai para entender a grandeza do mar, o autor constata que “só com auxílio mesmo” podemos desenvolver nossa percepção estética. A palavra mesmo retoma a ideia expressa no primeiro parágrafo.

 

sexta-feira, 27 de maio de 2022

ARTIGO DE OPINIÃO: QUAL É A MINHA? CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Qual é a minha?

                           Carlos Heitor Cony

        Governistas, situacionistas e fernandistas de todos os tamanhos, feitios e intenções reclamam da mídia, que não respeita a sacralidade do poder, insistindo em denunciar escândalos, esqueleto nos armários e contas ilegais no exterior.

        A caterva a favor coloca a seguinte opção: ou o sujeito engrossa ou é carlista ou canalha. Elementar, caro leitor.

        Criticam sobretudo a parte da mídia escrita que denuncia a nudez do rei e de seus áulicos, considerando-a viciada, subdesenvolvida, pedestre.

        Bolas, a imprensa inglesa, com tradição bem maior do que a nossa, cometendo frequentes enganos e grosserias, nunca poupou a família real, considerando-a um bem público sustentado pela nação e, como tal, sujeita à investigação, a denúncias e, eventualmente, a uma ou outra injustiça.

        A imprensa americana não abafou o escândalo de Watergate, que provocou o impedimento de Nixon, nem a pornochanchada do caso Monica Lewinsky, que colocou o presidente Clinton numa situação pública e doméstica bastante incômoda.

        Suponhamos – veja bem, estou apenas supondo – que algum figurão do poder tenha um caso extraconjugal, alguma coisa como um filho fora do tálamo conjugal. Tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos a mídia não se consideraria impedida de noticiar e comentar o fato.

        Ora, dirão, são mídias de países bárbaros, selvagens, sem tradição democrática e civilizada. Tudo bem. Honra, louvor e glória à nossa mídia – com óbvia exceção dos abutres, das hienas, dos carlistas e canalhas que a maculam, negando ao poder o baba-ovo tradicional.

        Leitor de Goiânia pergunta-me por que reclamo tanto do governo. Qual é a minha? Se eu soubesse qual era a minha, não estaria aqui reclamando por aqueles que não têm voz para reclamar.

CONY, Carlos Heitor. In: Folha de São Paulo. 15 abr. 2001, p. A2. Opinião.

Fonte: Livro – Língua Portuguesa – Heloísa Harue Takazaki – ensino médio – Coleção Vitória-Régia – Volume único – 1ª edição Curitiba - IBEP. 2004, p. 104-5.

Entendendo o artigo de opinião:

01 – Antes de começar a análise mais minuciosa do texto, é preciso garantir que você tenha compreendido qual é a tese e que argumentos o articulista utiliza para defende-la. Responda a essas questões com o professor e colegas.

      A tese defendida é a de que denunciar, reclamar, investigar faz parte das funções da imprensa. Para defender essa ideia, o articulista apresenta as relações, em países considerados desenvolvidos, entre o governo, o público e a imprensa. Nessa apresentação, o articulista demonstra que a imprensa tem total liberdade par divulgar aquilo que considera de interesse público, incluindo aí críticas ao governo e denúncias que envolvem governantes.

02 – No terceiro parágrafo, há uma referência a um conto infantil: A roupa maravilhosa do rei, de Andersen. Você conhece esse conto? Qual é a relevância dessa referência para o assunto do texto? Converse com o professor e colegas sobre isso.

      O conto traz a história de um rei, enganado por alguns tecelões que dizem estar confeccionando uma roupa maravilhosa para o monarca, mas que só pode ser visto por pessoas inteligentes. A roupa não existe, mas, com medo de não serem considerados inteligentes, ninguém, nem mesmo o rei, admite não estar vendo a roupa. Assim, pensando estar vestido, ele desfila par seu povo. Apenas uma criança se manifesta, gritando que o rei está nu. O autor usa o conto para dizer que é preciso denunciar a nudez do rei, ou seja, denunciar os erros dos governantes.

03 – Que outros conhecimentos, de cunho histórico, o articulista pressupõe que seu interlocutor tenha?

      Nos Estados Unidos, o caso Watergate, denúncia da imprensa envolvendo o ex-presidente Nixon; o caso extraconjugal do ex-presidente Bill Clinton, amplamente divulgado pela mídia. Na Inglaterra, as fofocas rotineiras, envolvendo a família real, que são divulgadas em jornais sensacionalistas.

04 – Observe que uma das estratégias usadas pelo articulista é a mescla de diferentes graus de formalismo em seu texto.

a)   Que marcas linguísticas são próprias da linguagem formal? E quais são próprias de um nível mais informal?

O vocabulário apurado com escolhas como caterva, áulicos, tálamo, maculam, são próprias da linguagem formal. Gírias (baba-ovo), palavras inventadas (carlistas, fernandistas) e expressões próprias da conversação (bolas, ora) constituem marcas de um nível mais informal de linguagem.

b)   Que efeito de sentido se produz com essa mescla?

O articulista passa ao leitor uma visão de si mesmo a partir do vocabulário apurado que utiliza: é uma pessoa que tem conhecimento, por isso sua opinião é importante. O uso da linguagem informal é um recurso persuasivo para estabelecer proximidade e intimidade com o público leitor. Em outras palavras, a linguagem formal legitima a opinião e a informal seduz o leitor a aceitar essa opinião.

05 – Observe que o autor escolhe palavras a dedo para se referir ao poder público.

a)   Que palavras são essas? Liste-as.

“Escândalos”, “sacralidade do poder”, “esqueletos nos armários”, “contas ilegais”, “caterva”.

b)   Essas palavras possuem conotação positiva ou negativa?

Negativa.

06 – O autor também usa palavras de conotação negativa para se referir à imprensa.

a)   Faça uma lista dessas palavras.

Essas palavras não representam o discurso do articulista e, sim, daqueles que acusam a imprensa.

b)   Se a finalidade do texto é defender a imprensa, por que o uso de palavras negativas?

Ironia.

c)   Que efeito se produz ao repetir o discurso de oponentes?

O autor se utiliza do sarcasmo para desmerecer, desconsiderar, refutar, excluir a legitimidade do discurso alheio.

07 – Releia o penúltimo parágrafo.

        “Ora, dirão, são mídias de países bárbaros, selvagens, sem tradição democrática e civilizada. Tudo bem. [...]”. Observe que esse trecho, apesar de assemelhar-se a uma previsão de argumento contrário, constitui-se também em uma ironia. Por quê?

      Porque as ideias de senso comum sobre a política, a cultura e a sociedade desses países não condiz com o que foi afirmado. Além disso, uma previsão de contra-argumento também pressupõe uma refutação, o que não ocorre, já que o articulista limita-se à expressão “tudo bem”.

08 – Que argumento pode ser deduzido na conclusão do artigo? Qual é o apelo emocional aí presente?

      Os jornalistas exercem uma função social. Para persuadir o leitor, o articulista se autoproclama porta-voz do povo, defensor daqueles que “não têm voz para reclamar”. Tal afirmação constitui um apelo emocional muito forte, mas sem consistência argumentativa: parte-se do pressuposto que a imprensa é confiável e que os fatos possuem uma única versão.