ARTIGO DE OPINIÃO: Existe uma idade melhor?
Lya Luft
A vida é um rio que corre. Nós somos os
peixes, galhos e folhas caídas das árvores que essa torrente leva. Se pensarmos
assim, imaginando que vamos desaguar no estranho silencioso nebuloso mar
chamado morte, que pode não ser o fim de tudo, teremos uma visão realista das
etapas da nossa existência. Sou pouco simpática à invenção de rótulos que
distorcem realidades revelando apenas um preconceito: envelhecer é feio, é
degradante, vamos ser eternamente jovens, seguindo aos pulinhos até o fim,
fantasiados de Peter Pan. Disfarçamos realidades naturais porque as vemos como
algo feio, inadmissível, pobres de nós, ignorantes do que é normal e digno e
bom.
Assim, inventam-se termos para a
velhice: um pior do que o outro. “Terceira idade” não significa grande coisa,
pois, se podemos viver até 80 ou 90 ainda ativos – (o número de pessoas nessas
condições tende a aumentar -, vamos criar uma quarta idade e uma quinta: isso
tudo me parece bastante tolo. Pior ainda é chamar a velhice, que alguns
consideram se iniciar aos 60, outros aos 70 ou aos 80, de “melhor idade”. Quem
disse que é melhor? Melhor do que qual outra fase? Melhor é algo muito
subjetivo, em geral nos referimos à infância, mas a infância é sempre feliz? A
Juventude não sofre? A maturidade não exige trabalhos e sacrifício?
Por que consideramos a passagem do
tempo decadência, e não transformação? Tudo é um processo que se inicia quando
somos concebidos, depois somos lançados nesse rio de tantas águas chamado vida.
Uma cadeia de mudanças que após um bom tempo traz limitações físicas, menos
elasticidade, menos beleza no conceito geral, talvez menos lucidez. Alguma
dependência de outros, quem sabe, e, se não cultivamos bons afetos, isso pode
ser doloroso. Mas não necessariamente decrepitude e vergonha a esconder! Todas
essas naturais transformações deveriam vir acompanhadas de qualidades que na
juventude não tínhamos. Capacidade de amar melhor, por exemplo: filhos criados,
amizades consolidadas, velhos casamentos sendo uma parceria tranquila, e tempo
disponível, são grandes privilégios. Podemos amar com mais alegria, pois não
precisamos educar netos, apenas curtir, querer bem, deixar que gostem de nossa
companhia, não sendo os chatos cobradores, exigentes a reclamar que as visitas
são poucas, que merecíamos mais atenção. Temos tempo para curtir coisas que
passavam despercebidas na correria anterior, como uma bela paisagem, um bom
filme, um bom livro, uma boa conversa, doces memórias, não pensando no que
perdemos, mas no que tivemos e ficou em nós, se fomos atentos e não fúteis
demais.
“O que a senhora faz para se manter
jovem?”, me perguntou um jornalista recentemente. Achei graça: eu não quero me
manter jovem, quero ser uma pessoa interessada, e quem sabe interessante, na
fase em que estou. Querer ter 40 anos aos 70 é tão patético quanto querer ter
20 aos 40, como se nos tivessem embalsamado na idade que achamos ideal. Que
idade será essa? A infância é para alguns a fase mais feliz; para outros foi a
juventude, e assim vai. Não acho que a chamada “terceira idade” seja a melhor,
e detesto a expressão “melhor idade”, que apenas revela um preconceito atroz.
Mas nela podemos ter e passar adiante coisas boas, belas e alegres, e contemplar
do alto desses anos todos com mais lucidez e calma, por exemplo, a mediocridade
reinante neste momento no país, se é que isso nos interessa. Deveria
interessar.
Mas uma cruel fixação na juventude nos
impede de curtir naturalmente a passagem do tempo, que, se aliada a certo bom
humor, nos torna amados e amorosos, ligados ao mundo mesmo quando a velha
senhora morte começa a rondar a nossa casa. E, se acreditarmos que esse rio da
vida que corre não termina num nada absurdo, mas em nova fase, quem sabe não
precisaremos tapar a cabeça feito crianças diante do que nos espera nesse mar
onde tudo deságua – inclusive nossos preconceitos, nossas fragilidades e nossas
ilusões.
*Fonte: Revista Veja,
30/01/2013
Entendendo o texto:
01 – Qual metáfora a autora
usa para descrever a passagem do tempo?
A autora usa a
metáfora do "rio que corre" para descrever a passagem do tempo.
02 – Por que a autora critica
o uso do termo "melhor idade"?
A autora critica
o uso do termo "melhor idade" porque considera que a ideia de uma
idade ser melhor do que outra é subjetiva e revela preconceito.
03 – Como a autora acredita
que as transformações naturais da idade avançada podem ser acompanhadas por
qualidades positivas?
A autora acredita
que a idade avançada pode ser acompanhada por qualidades positivas, como a
capacidade de amar melhor, relacionamentos consolidados e tempo para desfrutar
da vida de maneira mais tranquila.
04 – Por que a autora não quer
se "manter jovem"?
A autora não quer
se "manter jovem" porque prefere ser uma pessoa interessada e
interessante na fase em que está, em vez de tentar parecer mais jovem do que é.
05 – Qual é a atitude da
autora em relação à passagem do tempo?
A autora tem uma
atitude positiva em relação à passagem do tempo, desde que seja acompanhada de
bom humor, amor e lucidez.
06 – Segundo a autora, por que
a fixação na juventude pode ser prejudicial?
A fixação na
juventude pode ser prejudicial porque impede as pessoas de apreciarem naturalmente
a passagem do tempo e de serem amadas e amorosas em idades mais avançadas.
07 – Qual é a visão da autora
em relação à morte?
A autora sugere
que a morte não é necessariamente o fim de tudo, mas uma nova fase, e que essa
perspectiva pode ajudar as pessoas a encararem a passagem do tempo com mais
calma.
08 – Como a autora descreve a
fase da "terceira idade"?
A autora não faz
uma descrição específica da "terceira idade" no texto, mas critica o
uso desse termo e a expressão "melhor idade".
09 – Qual mensagem a autora
deseja transmitir em relação à passagem do tempo e à idade?
A autora deseja
transmitir a mensagem de que a passagem do tempo é um processo natural que pode
ser enriquecido por qualidades positivas, desde que as pessoas superem a
fixação na juventude.
10 – Por que a autora menciona
a mediocridade reinante no país?
A autora menciona a mediocridade reinante no país para
enfatizar a importância de estar ligado ao mundo e consciente dos problemas
sociais, mesmo em idades avançadas, e como uma reflexão sobre a sociedade em
geral.