Crônica: Os Ex-Ricos
Walcyr Carrasco
VOU VISITAR UMA AMIGA. Desempregada, ela acaba
de mudar de casa. Estranho o endereço, nos Jardins. Há uma semana a dita
senhora morava com umas primas solteironas, dormindo em um sofá-cama. Terá
descoberto novos e generosos- parentes? Suspiro. Deve ser difícil ser uma dama
e ter de lutar pelo bife de cada dia. Aperto a campainha. Ela me recebe com um
sorriso radioso. Os móveis, recuperados da garagem das primas, espalham-se por
uma sala soberba. Percebo rolos de tecido de decoração a um canto. Coço a cabeça.
Ela me explica, feliz da vida.
— Vendi o terreno!
Em tempo: o tal terreno localizava-se em um dos
condomínios mais caros de São Paulo. E o Parque Silvino Pereira, na Granja
Viana, onde um lote de cinco mil metros custa em torno de quatrocentos mil
reais. A dama recebera o imóvel de herança. Espanto-me.
— Mas o dinheiro deu para comprar essa mansão?
— Comprar, não. Aluguei!
Alguns amigos espalham-se pela sala,
bebericando copos de uísque. Uma bandeja aninha caviar e torradinhas. Comemoram
a iminente partida da dama para Nova York. Plantado na minha educação de classe
média, reflito. . -— Mas desse jeito o dinheiro vai acabar!
Ela me encara como se tivesse dito que ela
estava gorda. Falar em fim_de dinheiro pareceu o cúmulo da deselegância!
Voltou do exterior carregada de compras. Dali a
alguns meses alugou um quarto para um conhecido. Outros mais, e brigou com o
pensionista porque ele comeu as duas últimas salsichas da geladeira. Não
tardou, vendeu parte dos móveis e retornou ao sofázinho das tais primas
solteironas. Com dívidas.
As idas e vindas da economia acabaram criando
uma classe de ex-ricos, e até de ex-novos-ricos. Nesta cidade as ondas
econômicas evidenciam as marés do país. Saímos dos ex-barões de café e dos
ex-industriais aos ex-altíssimos executivos de multinacionais aos... enfim...
Boa parte tem uma coisa em comum: só sabe viver à larga. São pessoas que vendem
casas para comprar uma partida de vinhos, ou, simplesmente, jantar fora por
mais seis meses. Dão festas e no dia seguinte pelejam para não pagar a
faxineira. Se recebem visita em época de vacas magras, oferecem:
—- Quer comer uma saladinha? Estou de regime.
E lá vem um prato de alface. Se torram uma
propriedade, atacam de salmão norueguês! A antiga nobreza também sofre! Certa
vez, numa festa, um grupo agitava-se em torno de uma senhora de coque, muito
fina.
— E uma princesa — alguém contou.
De fato. Seus pais seriam os herdeiros do trono
de um reino italiano se não tivesse acontecido a Unificação, Garibaldi e a
economia de mercado. A princesa continuava princesa nos gestos suaves. Seu anel
de brasão emitia raios a cada movimento de seus dedos. De tão elegante, todo
mundo se sentia constrangido ao comer perto dela. Quase comentei: a gargantilha
parecia ser bijuteria, e não uma joia de família de origem remota. Mas um
plebeu como eu sabe reconhecer preciosidades?
Dias depois encontro um amigo despachado,
conhecido do anfitrião.
Conta.
— A princesa? Mora num sobradinho geminado.
Quer ver?
Curiosidade pouca é bobagem. Fui. Na garagem
real, um fusca. No terraço de cima, um casal grisalho, tomando sol de sandália
de dedo. Meu amigo mostrou, discreto.
— Aqueles são o rei e a rainha. Poderiam estar
mandando decapitar pessoas. Agora são obrigados a fazer a feira. Já venderam
até os talheres de prata, mas a rainha e a filha princesa não saem do
cabeleireiro.
Vida de ex-rico não é fácil. E capaz de fritar ovo na água para economizar óleo. Mas não consegue sobreviver sem uma taça de champanhe.
Entendendo o texto
01. Qual é a condição financeira da amiga que o autor
vai visitar no início da crônica?
a) Rica.
b) Classe média.
c)
Desempregada.
d) Endividada.
02. Onde a amiga
morava antes de mudar para os Jardins?
a) Nova York.
b)
Na Granja Viana.
c)
Com suas primas solteironas.
d)
Em um condomínio caro em São Paulo.
03. Como a amiga
conseguiu a casa nos Jardins?
a) Comprando.
b)
Alugando.
c)
Herdando.
d)
Construindo.
04. O que a amiga
faz com o dinheiro obtido pela venda do terreno?
a)
Compra uma mansão.
b) Investe no exterior.
c) Faz compras em Nova York.
d)
Aluga a casa nos Jardins.
05. O que a amiga
faz quando volta do exterior?
a) Vende mais terrenos.
b) Aluga quartos
para conhecidos.
c) Abre um restaurante.
d) Investe em ações.
06. Como o autor
caracteriza a classe de ex-ricos na cidade?
a) Poupados.
b)
Frugais.
c) Gastadores.
d) Investidores.
07. Qual é a
característica comum entre os ex-ricos mencionados na crônica?
a) Sabem economizar.
b)
Vivem de maneira extravagante.
c)
São prudentes financeiramente.
d)
Nunca vendem propriedades.
08. O que aconteceu
com a nobreza mencionada na crônica?
a) Ficaram ainda mais ricos.
b)
Sofreram as consequências das mudanças econômicas.
c)
Mantiveram sua posição social.
d) Tornaram-se políticos.
09. Como o autor
descreve a princesa mencionada na crônica?
a) Elegante e modesta.
b) Fina
e constrangida.
c)
Descontraída e simples.
d) Extravagante e chamativa.
10. Qual é a
situação financeira atual da princesa no final da crônica?
a) Rica e próspera.
b)
Endividada e lutando para sobreviver.
c)
Mantendo a nobreza.
d)
Vivendo uma vida modesta.
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