sábado, 13 de janeiro de 2024

CRÔNICA: MENTIRAS FELIZES - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Mentiras Felizes

                Walcyr Carrasco

SÁBADO. RESTAURANTE. Entro com uma amiga. Ambos dispostos a pedir uma salada. Batemos os olhos na mesa do lado. Cumbucas de feijoada. Não é preciso dizer uma palavra. E uma das raras situações em que se pode provar a existência da telepatia. Mal o garçom se aproxima, uivamos ao mesmo tempo:

— Feijoada!

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgeC6qGs6dL3RphIR3KV30ofgkkHGKl6Yje8IeBJfTeOe2RzGr4ktq0Q1XWgJ-SvuxFxTmKc9zaqyh7KMg2JK7evVTtYrcuSglnZlgGa-V637BPnbg12Mftgd9vwlmi0SqCXHnudzxtDD9krzHm1PT4079wqkPvWy3ljfdGmvxnnSlBGWFngTLMk-gGte0/s320/FEIJOADA.jpg


Chegam as duas cumbucas, mais a guarnição. Que delícia, torresmos! Devoro os meus e os dela. Em compensação, Lalá ataca minha costelinha. Paio. Carne-seca. Orelha, de porco. Couve com bacon. Farinha. Muito feijão-preto. Tudo regado a cerveja. Na última garfada, tenho a impressão de que vou desmaiar, de tão cheio. Ainda encontro forças para a pergunta essencial:

— O que tem de sobremesa?

Doce de abóbora com queijo para mim. Torta de chocolate para ela. Raspo o prato. Por pouco, não o lambo. Eu e Lalá poderíamos sair rolando do restaurante. Pedimos o cafezinho. Quando o garçom serve, ela exige:

— Traga o adoçante!

Surpreendo-me: 

— Você acha que vai emagrecer por conta do cafezinho?

Ela pinga as gotinhas de hipocrisia e diz com a voz doce de uma gulosa:

— Sempre é melhor.

Levanta a xícara, certa de que continua fazendo regime.

É espantoso como o cotidiano é povoado de enganos. Mentimos a nós mesmos. Damos o truque nos outros. O mais impressionante é que... funciona!

Outra amiga morre por liquidações. Outro dia apareceu com a sacola cheia. Três jeans e um par de sapatos um número abaixo do seu. Apertava, mas, com boa vontade, servia.

.— Aproveitei. O preço está baixíssimo. Economizei.

-— Mas você tem o armário cheio de jeans! E não vai suportar o sapato.

Gastou à toa.

Irritou-se. Quem gosta de gastar sempre acha que economiza.

Mentiras em relação à idade sempre funcionam. Dia desses uma senhora me revelou:

— Já passei dos 50.

Em seguida, fixou os olhos em mim, aguardando o "oh" de surpresa. Abati os dez anos de praxe e comentei, com expressão fascinada:

-— Você não aparenta a idade que tem. Eu não daria mais que quarenta.  Sorriu, satisfeitíssima. Acreditou. Todo mundo acredita nessa conversa. É a mesma coisa que encontrar alguém e não se lembrar quem é. O sujeito diz:

— Não está lembrando de mim? Eu sou o...

Imediatamente estico os lábios até as orelhas.

— Você? Mas o que você fez? Parece dez anos mais jovem!

Claro que eu não o estava reconhecendo.

Em vez de sentir-se insultado, ele infla de vaidade. Outra coisa que

funciona é dizer, surpreso:

— Que foi que você fez para estar tão diferente? Cortou o cabelo?

         — Ah, é... Ficou bom?           

Aniversários e festas também são um prato cheio para as falsidades.

Encontro um conhecido e comento:

-— Ah, soube que você fez aniversário.

— Por que você não foi?

— Bem... É que nem fiquei sabendo da festa.

— Ah, eu não avisei ninguém. Foi quem quis.

Mentira deslavada. Todo mundo liga convidando os amigos. Dizer que ficou com a mesa posta e a porta aberta é pura malandragem. A pior de todas é quando sou empurrado para a casa de alguém. Chego e descubro que está rolando a maior festa, para a qual não fui convidado. Tento sair correndo. O anfitrião chega, de braços abertos:

— Que bom que você veio!

Bom por quê? Se achasse que era bom, teria me chamado. Agradeço e trato de pegar uma bebida. O outro lado da moeda é chegar de mãos abanando.

— Não deu tempo de comprar seu presente. Depois eu...

Depois coisa nenhuma. Posso beber, comer e me fartar sem dor na consciência. Finjo acreditar que comprarei o presente. O dono da casa finge que vai ganhar, e a noite segue.

Mentiras são mentiras. Mas algumas tornam a vida mais confortável. Quem não adora uma pequena e deliciosa falsidade?

 Entendendo o texto

01. O que o autor e sua amiga decidem pedir no restaurante no início da crônica "Mentiras Felizes" de Walcyr Carrasco?

a) Lasanha.

b) Feijoada.

c) Salada.

d) Sushi.

02. Por que o autor se surpreende quando a amiga pede adoçante para o cafezinho?

a) Ele não esperava que ela gostasse de café.

b) Ele acredita que ela não está fazendo regime.

c) Ele acha que ela não deveria se preocupar com o café.

d) Ele acha estranho o adoçante após uma feijoada.

03. Qual é o tema principal abordado pelo autor na crônica?

a) As vantagens da telepatia.

b) A importância das dietas.

c) As mentiras cotidianas.

d) As experiências em restaurantes.

04. Como o autor descreve o comportamento da amiga que compra roupas em liquidações?

a) Econômica.

b) Despreocupada.

c) Desastrosa.

d) Arrependida.

05. O que o autor menciona sobre mentir em relação à idade?

a) Todos dizem a verdade sobre sua idade.

b) Sempre funciona.

c) É uma prática desonesta.

d) Nunca é aceitável.

06. Como o autor descreve a reação das pessoas quando alguém diz que não se lembra delas?

a) Ficam ofendidas.

b) Sentem-se insultadas.

c) Aceitam a situação com naturalidade.

d) Riem e elogiam a mudança.

07. Qual é a situação em que o autor menciona ser empurrado para a casa de alguém sem convite explícito?

a) Aniversários.

b) Festas de casamento.

c) Reuniões familiares.

d) Jantares improvisados.

08. Como o autor reage quando chega à festa para a qual não foi convidado?

a) Sair correndo.

b) Agradecer e entrar.

c) Expressar sua surpresa.

d) Ignorar a situação.

09. O que o autor menciona sobre chegar de mãos abanando em uma festa?

a) Pode ser constrangedor.

b) É a atitude mais honesta.

c) É uma tradição aceitável.

d) Não há problema em não levar presente.

10. Qual é a conclusão geral do autor sobre as mentiras abordadas na crônica?

a) São desnecessárias.

b) Tornam a vida mais confortável.

c) Devem ser evitadas a todo custo.

d) Não têm impacto na vida cotidiana.

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