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domingo, 19 de junho de 2022

ROMANCE: MADAME BOVARY - (FRAGMENTO) - GUSTAVE FLAUBERT - COM GABARITO

 Romance: Madame Bovary – (Fragmento)

                 Gustave Flaubert.

        [Ema] Sentia-se, de resto, cada vez mais irritada. A idade ia-o tornando seu marido pesadão: à sobremesa divertia-se em cortar as rolhas das garrafas vazias, e, depois de comer, passava a língua pelos dentes; ao engolir a sopa fazia um gorgolejo em cada gole e, como começasse a engordar, os olhos, já por si tão pequenos, pareciam ter subido para as fontes, empurrados pelas bochechas.

        [...]

        Bem no íntimo, contudo, [Ema] esperava um acontecimento qualquer. Como os marinheiros em perigo, relanceava olhos desesperados pela solidão da sua vida, procurando, ao longe, alguma vela nas brumas do horizonte. Não sabia qual o acaso, o vento que a impeliria para ela, e qual a praia para onde se sentiria levada; seria chalupa ou nau de três pontes, carregada de angústias ou cheia de felicidade até as bordas? Todas as manhãs, ao acordar, preparava-se para esperar o dia inteiro e aplicava o ouvido a todos os rumores; levantava-se em sobressalto, admirando-se de que tal acaso não surgisse; depois, ao pôr do sol, cada vez mais triste, desejava-se encontrar-se já no dia seguinte.

        A primavera voltou, e Ema sentiu-se afrontada com os primeiros calores, quando as pereiras floriram. Logo no começo de julho, passou a contar nos dedos as semanas que faltavam para chegar o mês de outubro, pensando que o Marquês d'Andervilliers daria outro baile em Vaubyessard; mas todo o mês de setembro decorreu sem cartas nem visitas.

        Após o aborrecimento desta decepção, seu coração ficou de novo vazio, recomeçando a série dos dias monótonos.

        Iam, pois, continuar assim, uns após outros, sempre os mesmos, incontáveis, sem surpresas! As outras existências, por mais insípidas que fossem, tinham, pelo menos, a possibilidade do inesperado. Uma aventura trazia consigo, às vezes, peripécias sem fim, o cenário transformava-se. Mas para ela nada surgia, era a vontade de Deus! O futuro era um corredor escuro, que tinha, no extremo, a porta bem fechada.

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. São Paulo: Abril Cultural, 1970. p. 52-3.

Fonte: Língua portuguesa 2 – Projeto ECO – Ensino médio – Editora Positivo – 1ª edição – Curitiba – 2010. p. 146-7.

Entendendo o romance:

01 – Explique por que o narrador afirma que Ema Bovary se sentia cada vez mais irritada depois do casamento.

      Porque, com o envelhecimento do marido, ela observava nele a repetição de modos grosseiros e pouco elegantes, como cortar rolhas de garrafas vazias e engolir sopa com barulho. Também o fato de ele engordar o tornava desinteressante para ela.

02 – No segundo parágrafo do fragmento, o narrador estabelece um paralelo entre a situação vivida por Ema e a situação vivida pelos marinheiros em perigo. Qual é essa comparação?

      Assim como um marinheiro em perigo, Ema procura, em seu horizonte, alguma possibilidade de salvação. Ela desejava outro destino para si, com as inevitáveis surpresas do desconhecido.

03 – “A primavera voltou, e Ema sentiu-se afrontada com os primeiros calores, quando as pereiras floriram”. Em sua opinião, por que Ema sentiu-se afrontada com a chegada da primavera?

      Porque a primavera metaforiza a vida, a renovação e a beleza. E o cotidiano de Ema lhe parecia trazer justamente o contrário disso. Daí ela se sentir insultada ou ofendida ao sentir os calores da primavera ou ver as flores das pereiras.

04 – Retire do texto exemplos que atestam a monotonia da vida da protagonista.

      Todos os dias, Ema esperava um acaso que pudesse mudar os rumos de sua vida e, como nada acontecia, ela se tornava cada vez mais triste; num determinado mês de julho, ela começou a esperar ansiosamente pelo convite a um baile que deveria acontecer apenas em outubro. Como o convite não foi formalizado, ela ficou muito decepcionada.

05 – Você considera o texto detalhista? Justifique sua resposta.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A narrativa é rica em detalhes, pois explicita pormenorizadamente os sentimentos de tédio e desencanto de Ema, por meio da utilização de imagens e da formulação de exemplos.

06 – É possível dizer que Ema Bovary gostaria de viver como uma heroína romântica?

      Sim. Ao demonstrar sede de aventuras e desejo de viver peripécias inesperadas, Ema parece projetar para si o destino dos protagonistas dos romances românticos, que viviam histórias rocambolescas até finalmente alcançarem um “final feliz”.

07 – O texto relata uma das muitas decepções da personagem de Flaubert. Qual foi esta decepção?

      A decepção foi que no mês de setembro não teve cartas e nem visitas.

08 – Qual é a única possibilidade que Ema vê para sair do marasmo em que vive? Essa alternativa é mesmo possível? Explique.

      Única possibilidade: Ema, ter a vida das outras pessoas, que mesmo sendo insípidas, elas tinham ventura, peripécias, e o cenário da vida se transformava. -- Mas esta alternativa não era possível, pois Seu futuro era um corredor escuro, com uma porta fechada no final.