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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

CONTO: ZEUS - HELOÍSA PRIETO - COM GABARITO

 Conto: Zeus

           Heloisa Prieto

        Para mim, é difícil explicar o que significa ser o deus dos deuses. Ter o poder supremo da decisão, determinar os destinos das criaturas do universo, manter a ordem e a justiça na terra e nos céus.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTfvIX55owDKUdH7M53TbbjfpO5-ZYwMVz58aOycAZdcf7k6s9JtIQt19Iitd8rZO91gLl3zdjjLhgxt2AJp-IzWr7Pmrf8iXS2q5NasLg3PjpKnExUr5VwY4K7HWHxpniTh89c9-Qd5rB4Xxr2I4Dn7kywPb14pBt7nJRdBBRpqbo_YMRh4m5W3CAfOA/s320/zeus.jpg


        Amo o conhecimento, as luzes, a filosofia, as artes da cura e as grandes cidades. Amo também as mulheres. Jamais resisto aos seus encantos. Sou casado com Hera, deusa belíssima, protetora dos casamentos. Porém, embora eu a queira profundamente, continuo me apaixonando por lindas jovens. Foi desses amores proibidos por Hera que nasceram Atena, Apolo e Ártemis, por exemplo. Os ciúmes de minha mulher sempre me causaram inúmeros problemas e passei grande parte da vida protegendo os filhos nascidos de meus romances proibidos. Hera nunca aceitou minha principal missão divina que é fertilizar os seres, gerar criaturas excepcionais, aproximar os humanos dos deuses, criar jovens semideuses de talentos insuperáveis. Além disso, ela jamais compreendeu a solidão de quem tem o poder supremo e é responsável por todos os atos do universo.

        Portanto, minha vida tem sido marcada pelas desavenças com Hera e pela disputa com meu próprio pai, Cronos, o impiedoso deus do tempo…

Minha luta contra o tempo

        Fui criado por ninfas, no interior de uma gruta secreta, longe dos olhos de meu pai. Alimentado com mel e leite, fui muito amado por minhas doces protetoras.

        Cresci desfrutando da beleza da natureza, caminhando pelos campos e praias, nadando em águas salgadas. Mas chegou o momento em que senti que precisava finalmente enfrentar meu próprio pai. Chamei Métis, a deusa da prudência, para que ela me aconselhasse. Como poderia conquistar o poder que fora destinado? Como poderia tornar-me o deus dos deuses, o senhor supremo do universo?

        Os olhos penetrantes de Métis fitaram-me por alguns instantes antes que ela me dissesse o que fazer:

        – Você tem irmãos, Zeus, e precisa salvá-los. Eles foram engolidos por Cronos, mas não estão mortos, e você poderá trazê-los de volta. Necessitará da ajuda deles para conseguir conquistar o lugar que lhe pertence. Deve apresentar-se diante de seu pai como se fosse um simples mortal e dar-lhe esta poção. – Métis entregou-me um lindo frasco de vidro que continha um líquido brilhante e prosseguiu: – Esta poção foi preparada por Hécata, a pedido de sua mãe. Quando Cronos a beber, seus irmãos desaparecidos ressurgirão. Juntos, vocês vencerão seu pai.

        Quando entrei no luxuoso palácio de Cronos, aguardei na fila de mortais que lhe imploravam favores. Jovens apaixonadas que haviam perdido seus amados em guerras suplicavam a Cronos que ele fizesse o tempo voltar. Inútil. “O que passou, passou”, era o que ele lhes dizia, curta e secamente. Velhos apavorados diante da morte pediam-lhe que retardasse a passagem dos minutos. “O tempo não pára”, ele repetia, impassível. Filhos saudosos rogavam-lhe que ele apressasse as horas para que seus pais retornassem de perigosas viagens o mais rapidamente possível. “Mas o tempo voa! Por que querem mais rapidez ainda?”, ele respondia com um sorriso irônico.

        Quando chegou minha vez, declarei:

        – Eu não desejo nada, mestre do tempo. Quero apenas dar-lhe um presente. O tempo tem sido bondoso comigo, pois durante toda a minha vida só senti a felicidade.

        Curioso, Cronos apanhou o belo frasco com seu líquido brilhante.

        – O que é isso, meu jovem?

        – Uma bebida de sabor inigualável, feita com mel de abelhas especialmente para Vossa Majestade.

        Cronos sorriu e destampou o vidro. Olhei para o chão, tentando ocultar minha ansiedade. De um só gole, meu pai bebeu o conteúdo do frasco. E logo em seguida começou a contorcer-se. Abriu a boca, e dela saíram três minúsculos bebezinhos. As crianças foram iluminadas por raios de luz e, contrariando todas as leis do tempo, cresceram numa fração de segundo. Depressa me vi cercado por vários irmãos e irmãs que instantaneamente se posicionaram para enfrentar Cronos e seus ajudantes, os Titãs.

        No entanto, como já disse, Cronos era o senhor absoluto do tempo. Embora fôssemos muitos e bem mais fortes, nossos movimentos foram retardados pela lenta passagem das horas e nossa luta acabou durando dez anos terrestres. Vencemos graças à ajuda dos Cíclopes, imensas criaturas com apenas um olho no meio da testa, que, como nós, haviam sido prejudicados por Cronos.

        A cada um de nós, filhos e adversários de Cronos, foi entregue uma arma especial. Eu recebi os raios e trovões. Hades, meu valente irmão, recebeu um capacete mágico que o tornava invisível; e Posêidon, o magnífico deus dos mares, recebeu seu poderoso tridente, cujo golpe rompia terras e águas. E assim, munidos de novos poderes, enfim triunfamos.

        Após nossa vitória, repartimos o universo. Hades decidiu reinar nos mundos subterrâneos e secretos, Posêidon, no universo marinho, e a mim foram dados os céus e o trono de senhor do universo.

        Fui encarregado ainda de governar o destino dos homens. À porta de meu palácio, tenho dois enormes jarros. Um deles contém os bens da vida, e o outro, os males. Ao longo da existência de meus súditos humanos, espalho um pouco do conteúdo de cada um dos jarros. Infelizmente, já me descuidei algumas vezes; em consequência disso, certas pessoas foram premiadas com uma vida de alegrias, e outras, com uma vida de tristezas. Mas tenho sido cauteloso ultimamente. E também generoso. Em especial para com vocês, que agora me ouvem confessar esses segredos.

        Zeus: Deus dos céus. Protege a ordem e a justiça.

Divinas aventuras – História da mitologia grega. São Paulo, Companhia das Letrinhas, 1998.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a principal missão divina de Zeus, segundo ele mesmo, e por que Hera não a aceita?

      A principal missão divina de Zeus é fertilizar os seres, gerar criaturas excepcionais, aproximar os humanos dos deuses e criar jovens semideuses de talentos insuperáveis. Hera não a aceita por seus ciúmes e por não compreender a solidão e a responsabilidade de Zeus como o deus supremo.

02 – Onde e como Zeus foi criado, e quem o ajudou em sua infância?

      Zeus foi criado por ninfas no interior de uma gruta secreta, longe dos olhos de seu pai, Cronos. Ele foi alimentado com mel e leite e muito amado por suas protetoras, desfrutando da beleza da natureza.

03 – Quem é Métis, e qual conselho ela dá a Zeus para que ele possa conquistar o poder supremo?

      Métis é a deusa da prudência. Ela aconselha Zeus a salvar seus irmãos, que foram engolidos por Cronos, pois eles não estão mortos e sua ajuda será necessária. Ela o instrui a se apresentar a Cronos como um simples mortal e dar-lhe uma poção especial, preparada por Hécata a pedido de sua mãe, que fará com que seus irmãos ressurgiam para lutar ao seu lado.

04 – Como Zeus se apresenta a Cronos no palácio, e qual é a reação de Cronos ao beber a poção?

      Zeus se apresenta a Cronos na fila de mortais que imploravam favores, mas declara que não deseja nada, apenas quer dar um presente: uma "bebida de sabor inigualável" feita com mel. Ao beber a poção, Cronos começa a contorcer-se e de sua boca saem três minúsculos bebezinhos que instantaneamente crescem e se tornam os irmãos de Zeus.

05 – Quanto tempo durou a luta de Zeus e seus irmãos contra Cronos e os Titãs, e quem os ajudou a vencer?

      A luta durou dez anos terrestres, devido à capacidade de Cronos de retardar os movimentos de seus adversários. Eles venceram graças à ajuda dos Cíclopes, imensas criaturas de um olho só que também haviam sido prejudicadas por Cronos.

06 – Que armas especiais foram dadas a Zeus, Hades e Posêidon, respectivamente?

      A cada um dos filhos de Cronos foi entregue uma arma especial:

      - Zeus recebeu os raios e trovões.

      - Hades recebeu um capacete mágico que o tornava invisível.

      - Posêidon recebeu seu poderoso tridente, que rompia terras e águas.

07 – Como Zeus governa o destino dos homens, e qual é o significado dos dois jarros à porta de seu palácio?

      Zeus governa o destino dos homens espalhando o conteúdo de dois enormes jarros que tem à porta de seu palácio. Um jarro contém os bens da vida e o outro, os males. Ele distribui um pouco de cada ao longo da existência dos humanos, confessando que já se descuidou, resultando em vidas de alegrias extremas ou tristezas intensas, mas que tem sido mais cauteloso e generoso ultimamente.

 

CONTO: UMA NOITE NO PARAÍSO - ÍTALO CALVINO - COM GABARITO

 Conto: Uma noite no paraíso

           Ítalo Calvino

        Era uma vez dois grandes amigos que, de tanto que se queriam, haviam feito um juramento: quem casasse primeiro deveria chamar o outro para padrinho, mesmo que se encontrasse no fim do mundo.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhr4GrTRifFg4bQZIOIo2pQ1K3yVs5gl9LtcvjqHz0zfAiHiloNvvDKax781k_-HJXy5NR9ayM-SlNADUUHUi5aVCUpauH7Ct7_HyXJdJtOL0E1olsZYznTDTvjg_4KNxfDOue2kTJwOxNz-RGxJa_tmMpY_cBLkv-f9EGcToMH0jCs5mEVRNHQLlFkrJs/s320/11536670-1618622857663-5fb9555fc4aca.jpg


        Depois de algum tempo, um dos amigos morre. O outro, devendo casar, não sabia como fazer e pediu conselhos ao confessor.

        — Negócio complicado — disse o pároco —, você deve manter a sua palavra. Convide-o mesmo estando morto. Vá até o túmulo e diga o que tem a dizer. Ele decidirá se vem ou não.

        O jovem foi até o túmulo e disse:

        — Amigo, chegou o momento, vem para ser meu padrinho!

        Abriu-se a terra e pulou fora o amigo.

        — Claro que vou, tenho que manter a promessa, pois se não a mantiver não sei quanto tempo terei que ficar no purgatório.

        Vão para casa e depois à igreja para o matrimônio. A seguir veio o banquete de núpcias e o jovem morto começou a contar histórias de todo tipo, mas não dizia uma palavra sobre o que vira no outro mundo. O noivo não via a hora de lhe fazer umas perguntas, mas não tomava coragem. No final do banquete, o morto se levanta e diz:

        — Amigo, já que lhe fiz este favor, você tem que me acompanhar um pouquinho.

        — Claro, por que não? Porém, espere, só um momentinho, pois é a primeira noite com minha esposa…

        — Certamente, como quiser!

        O marido deu um beijo na mulher.

        — Vou sair um instante e volto logo. — E saiu com o morto.

        Falando de tudo um pouco, chegaram ao túmulo. Abraçaram-se.

        O vivo pensou: "Se não lhe perguntar agora, não pergunto nunca mais", tomou coragem e lhe disse:

        — Escute, queria lhe perguntar uma coisa, a você que está morto: do outro lado, como funciona?

        — Não posso dizer nada — respondeu o morto. — Se quiser saber, venha você também ao Paraíso.

        O túmulo se abriu, e o vivo seguiu o morto. E logo se encontravam no Paraíso. O morto o levou para ver um belo palácio de cristal com portas de ouro, cheio de anjos que tocavam e faziam dançar os beatos, e são Pedro, que tocava contrabaixo. O vivo estava de boca aberta e quem sabe quanto tempo teria ficado ali se não tivesse de ver todo o resto.

        — Agora, vamos a outro lugar! — disse-lhe o morto, e o levou a um jardim onde as árvores, em vez de folhas, tinham pássaros de todas as cores que cantavam. — Vamos em frente, o que faz aí encantado? — E o levou a um prado onde os anjos dançavam, alegres e suaves como namorados. — Agora vou levá-lo para ver uma estrela!

        Não se cansaria nunca de admirar as estrelas; os rios, em vez de água, eram de vinho e a terra era de queijo.

        De repente, caiu em si:

        — Ouça, compadre, já faz algumas horas que estou aqui em cima. Tenho que voltar para minha esposa, que deve estar preocupada.

        — Já está cansado?

        — Cansado? Sim, se pudesse…

        — E muito mais haveria para descobrir!

        — Tenho certeza, mas é melhor eu voltar.

        — Como preferir. — E o morto o acompanhou até o túmulo e depois sumiu.

        O vivo saiu do túmulo e não reconhecia mais o cemitério. Estava todo cheio de monumentos, estátuas, árvores altas. Sai do cemitério e, no lugar daquelas casinhas de pedra meio improvisadas, vê grandes palácios e bondes, automóveis, aviões. "Onde é que vim parar? Terei errado o caminho? Mas como está vestida esta gente!"

        Pergunta a um velhinho:

        — Cavalheiro, esta aldeia é…?

        Sim, é esse o nome desta cidade.

        — Bem, não sei por que, não consigo me situar. Saberia me dizer onde fica a casa daquele que se casou ontem?

        — Ontem? Estranho, trabalho como sacristão e posso garantir que ontem ninguém se casou!

        — Como? Eu me casei! — E lhe contou que acompanhara ao Paraíso um padrinho seu que morrera.

        — Você está sonhando — disse o velho. — Essa é uma velha história que contam: do marido que acompanhou o padrinho até o túmulo e não voltou; e a mulher morreu de desgosto.

        — Não, senhor, o marido sou eu!

        — Ouça, a única solução é que vá conversar com nosso bispo.

        — Bispo? Mas aqui na aldeia só existe um pároco.

        — Nada disso. Há muitos anos que temos um bispo. — E o levou até o bispo.

        O bispo, quando o jovem lhe contou o que lhe acontecera, lembrou-se de uma história que ouvira quando rapaz. Pegou os livros, começou a folheá-los: há trinta anos, não; cinquenta anos, não; cem, não; duzentos, não. E continuava a folhear. No final, numa folha toda rasgada e gordurosa, encontra justamente aqueles nomes.

        Aconteceu há trezentos anos. O jovem desapareceu no cemitério e a mulher dele morreu de desgosto. Leia aqui se não acredita!

        — Mas sou eu.

        — E você esteve no outro mundo? Conte-me como é!

        Porém, o jovem ficou amarelo como a morte e caiu. Morreu assim, sem poder contar nada do que vira.

Extraído de: Ítalo Calvino. Fábulas italianas. Tradução: Nilson Maulin, São Paulo, Companhia das Letras.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 290-292.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o juramento feito pelos dois amigos no início do conto, e qual sua importância para a trama?

      O juramento feito pelos dois amigos é que quem casasse primeiro deveria chamar o outro para padrinho, mesmo que estivesse no "fim do mundo". Este juramento é o motor de toda a trama, pois é ele que força o amigo vivo a convidar o amigo morto, desencadeando todos os eventos sobrenaturais e a jornada para o Paraíso.

02 – Como o amigo morto descreve sua razão para aceitar o convite para ser padrinho?

      O amigo morto afirma que precisa manter a promessa para não ter que ficar mais tempo no purgatório. Ele diz: "Claro que vou, tenho que manter a promessa, pois se não a mantiver não sei quanto tempo terei que ficar no purgatório." Isso adiciona uma camada de urgência e um toque de humor irônico à sua aparição.

03 – Por que o amigo morto se recusa a descrever o "outro lado" durante o banquete de núpcias?

      Durante o banquete, o amigo morto conta "histórias de todo tipo, mas não dizia uma palavra sobre o que vira no outro mundo". Ele se recusa a descrever o "outro lado" porque a condição para o vivo saber é ir ele mesmo ao Paraíso. Ele só revela a natureza do Paraíso ao vivo quando o leva para lá.

04 – Quais são as características do Paraíso descritas pelo amigo morto ao amigo vivo?

      O Paraíso é descrito com elementos maravilhosos e fantásticos: um "belo palácio de cristal com portas de ouro" e anjos tocando e fazendo os beatos dançar, com São Pedro tocando contrabaixo. Além disso, há um jardim com árvores que, em vez de folhas, tinham pássaros de todas as cores que cantavam, um prado com anjos dançando "alegres e suaves como namorados", e estrelas para admirar. Os rios eram "de vinho e a terra era de queijo".

05 – Qual é o principal problema que o amigo vivo enfrenta ao retornar do Paraíso?

      O principal problema que o amigo vivo enfrenta ao retornar é a passagem exorbitante do tempo sem que ele perceba. Ele pensa que esteve fora por "algumas horas", mas ao sair do túmulo, percebe que a cidade mudou drasticamente. Ele não reconhece mais o cemitério, a arquitetura, os meios de transporte, e descobre que se passaram trezentos anos desde que saiu de casa.

06 – Como o conto explora a ideia da relatividade do tempo?

      O conto explora a relatividade do tempo de forma central. Para o amigo vivo, o tempo no Paraíso parece passar muito rápido, apenas "algumas horas", mas ao retornar ao mundo dos vivos, ele descobre que trezentos anos se passaram. Isso demonstra como a percepção do tempo pode ser alterada em diferentes realidades ou dimensões, e como o que é um breve instante em um lugar pode ser um vasto período em outro.

07 – Qual é o desfecho trágico do amigo vivo e o que isso simboliza?

      O desfecho trágico do amigo vivo é que, após descobrir que trezentos anos se passaram e que sua esposa já morrera de desgosto, ele morre subitamente, sem conseguir contar nada do que vira no Paraíso. Isso simboliza a impossibilidade de transpor completamente a experiência do sobrenatural para o mundo mortal. O conhecimento do Paraíso é tão avassalador e incompatível com a vida terrena que a tentativa de recontá-lo ou de conciliar essas realidades é fatal, mantendo o mistério do além-vida.

 

CONTO: PRIMEIRA AVENTURA DE ALEXANDRE - CLÁSSICO - GRACILIANO RAMOS - COM GABARITO

 Conto: Primeira Aventura de Alexandre – Clássico

           Graciliano Ramos

        Naquela noite de lua cheia estavam acocorados os vizinhos na sala pequena de Alexandre: seu Libório, cantador de emboladas, o cego preto Firmino e Mestre Gaudêncio curandeiro, que rezava contra mordedura de cobras. Das Dores benzedeira de quebranto e afilhada do casal, agachava-se na esteira cochichando com Cesária.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjaRX68PTs_49ucuHUxfIGk8_eufh5-ddBkhG3aou9i8AL1mM2BLAHYdA5Uch0mjOb9q02tyWyd-DRwCFRMhkr-wFv9LduDdDrGhtOMwESLaKfyPjbt09wu2B3TOMjZ3lnFOHmhLLmoRn12mpmBhMVT5cuez95MGNrcG4M-rkldA7UkgX8Pe7jIR15_xWc/s320/3392704-lua-cheia-noite-ilustracao-imagem-na-floresta-gratis-vetor.jpg


        — Vou contar aos senhores… principiou Alexandre amarrando o cigarro de palha.

        Os amigos abriram os ouvidos e Das Dores interrompeu o cochicho:

        — Conte, meu padrinho.

        Alexandre acendeu o cigarro ao candeeiro de folha, escanchou-se .na rede e perguntou:

        — Os senhores já sabem porque é que eu tenho um olho torto?

        Mestre Gaudêncio respondeu que não sabia e acomodou-se num cepo que servia de cadeira.

        — Pois eu digo, continuou Alexandre. Mas talvez nem possa escorrer tudo hoje, porque essa história nasce de outra, e é preciso encaixar as coisas direito. Querem ouvir? Se não querem, sejam francos: não gosto de cacetear ninguém.

        Seu Libório cantador e o cego preto Firmino juraram que estavam atentos. E Alexandre abriu a torneira:

        — Meu pai, homem de boa família, possuía fortuna grossa, como não ignoram. A nossa fazenda ia de ribeira a ribeira, o gado não tinha conta e dinheiro lá em casa era cama de gato. Não era, Cesária?

        — Era, Alexandre, concordou Cesária. Quando os escravos se forraram, foi um desmantelo, mas ainda sobraram alguns baús com moedas de ouro. Sumiu-se tudo.

        Suspirou e apontou desgostosa a mala de couro cru onde seu Libório se sentava:

        — Hoje é isto. Você se lembra do nosso casamento, Alexandre?

        — Sem dúvida, gritou o marido. Uma festa que durou sete dias. Agora não se faz festa como aquela. Mas o casamento foi depois. É bom não atrapalhar.

        — Está certo, resmungou mestre Gaudêncio curandeiro. É bom não atrapalhar.

        — Então escutem, prosseguiu Alexandre. Um domingo eu estava no copiar, esgaravatando unhas com a faca de ponta, quando meu pai chegou e disse:

        — “Xandu, você nos seus passeios não achou roteiro da égua pampa?” E eu respondi: — “Não achei, nhor não.” — “Pois dê umas voltas por aí, tornou meu pai Veja se encontra a égua.” — “Nhor sim.” Peguei um cabresto e saí de casa antes do almoço, andei, virei, mexi, procurando rastos nos caminhos e nas veredas. A égua pampa era um animal que não tinha aguentado ferro no quarto nem sela no lombo. Devia estar braba, metida nas brenhas, com medo de gente. Difícil topar na catinga um bicho assim”. Entretido, esqueci o almoço e à tardinha descansei no bebedouro, vendo o gado enterrar os pés na lama. Apareceram bois, cavalos e miunça, mas da égua pampa nem sinal. Anoiteceu, um pedaço de lua branqueou os xiquexiques e os mandacarus, e eu, me estirei na ribanceira do rio, de papo para o ar, olhando o céu, fui-me amadornando devagarinho, peguei no sono, com o pensamento em Cesária. Não sei quanto tempo dormi, sonhando com Cesária. Acordei numa escuridão medonha. Nem pedaço de lua nem estrelas, só se via o carreiro de Sant’lago. E tudo calado, tão calado que se ouvia perfeitamente uma formiga mexer nos garranchos e uma folha cair. Bacuraus doidos faziam às vezes um barulho grande, e os olhos deles brilhavam como brasas. Vinha de novo a escuridão, os talos secos buliam, as folhinhas das catingueiras voavam. Tive desejo de voltar para casa, mas o corpo morrinhento não me ajudou. Continuei deitado, de barriga para cima, espiando o carreiro de Sant’lago e prestando atenção ao trabalho das formigas. De repente, conheci que bebiam água ali perto. Virei-me, estirei o pescoço e avistei lá embaixo dois vultos malhados, um grande e um pequeno, junto da cerca do bebedouro. A princípio não pude vê-los direito, mas firmando a vista consegui distingui-las por causa das malhas brancas. — “Vão ver que é a égua pampa, foi o que eu disse. Não é senão ela. Deu cria no mato e só vem ao bebedouro de noite.” Muito ruim o animal aparecer àquela hora. Se fosse de dia e eu tivesse uma corda, podia laçá-lo num instante. Mas desprevenido, no escuro, levantei-me azuretado, com o cabresto na mão, procurando meio de sair daquela dificuldade. A égua ia escapar, na certa. Foi aí que a ideia me chegou.

        — Que foi que o senhor fez? perguntou Das Dores curiosa.

        Alexandre chupou o cigarro, o olho torto arregalado, fixo na parede. Voltou para Das Dores o olho bom e explicou-se:

        — Fiz tenção de saltar no lombo do bicho e largar-me com ele na catinga. Era o jeito. Se não saltasse, adeus égua pampa. E que história ia contar a meu pai? Hem? Que história ia contar a meu pai, Das Dores?

        A benzedeira de quebranto não deu palpite, e Alexandre mentalmente pulou nas costas do animal:

        — Foi o que eu fiz. Ainda bem não me tinha resolvido, já estava escanchado. Um desespero, seu Libório, carreira como aquela só se vendo. Nunca houve outra igual. O vento zumbia nas minhas orelhas, zumbia como corda de viola. E eu então… Eu então pensava, na tropelia desembestada: — “A cria, miúda, naturalmente ficou atrás e se perde, que não pode acompanhar a mãe, mas esta amanhã está ferrada e arreada.” Passei o cabresto no focinho da bicha e, os calcanhares presos nos vazios, deitei-me, grudei-me com ela, mas antes levei muita pancada de galho e muito arranhão de espinho rasga-beiço. Fui cair numa touceira cheia de espetos, um deles esfolou-me a cara, e nem senti a ferida: num aperto tão grande não ia ocupar-me com semelhante ninharia. Botei-me para fora dali, a custo, bem maltratado. Não sabia a natureza do estrago, mas pareceu-me que devia estar com a roupa em tiras e o rosto lanhado. Foi o que me pareceu. Escapulindo-se do espinheiro, a diaba ganhou de novo a catinga, saltando bancos de macambira e derrubando paus, como se tivesse azougue nas veias. Fazia um barulhão com as ventas, eu estava espantado, porque nunca tinha ouvido égua soprar daquele jeito. Afinal subjuguei-a, quebrei-lhe as forças e, com puxavantes de cabresto, murros na cabeça e pancadas nos queixos, levei-a para a estrada. Ai ela compreendeu que não valia a pena teimar e entregou os pontos. Acreditam vossemecês que era um vivente de bom coração? Pois era. Com tão pouco ensino, deu para esquipar. E eu, notando que a infeliz estava disposta a aprender, puxei por ela, que acabou na pisada baixa e num galopezinho macio em cima da mão. Saibam os amigos que nunca me desoriento. Depois de termos comido um bando de léguas naquele pretume de meter o dedo no olho, andando para aqui e para acolá, num rolo do inferno, percebi que estávamos perto do bebedouro. Sim senhores. Zoada tão grande, um despotismo de quem quer derrubar o mundo — e agora a pobre se arrastava quase no lugar da saída, num chouto cansado. Tomei o caminho de casa. O céu se desenferrujou, o sol estava com vontade de aparecer. Um galo cantou, houve nos ramos um rebuliço de penas. Quando entrei no pátio da fazenda, meu pai e os negros iam começando o ofício de Nossa Senhora. Apeei-me, fui ao curral, amarrei o animal no mourão, cheguei-me à casa, sentei-me no copiar. A reza acabou lá dentro, e ouvi a fala de meu pai: — “Vocês não viram por aí o Xandu?” — “Estou aqui, nhor sim, respondi cá de fora” — “Homem, você me dá cabelos brancos, disse meu pai abrindo a porta. Desde ontem sumido!” — “Vossemecê não me mandou procurar a égua pampa?” — “Mandei, tornou o velho. Mas não mandei que você dormisse no mato, criatura dos meus pecados. E achou roteiro dela?” — “Roteiro não achei, mas vim montado num bicho. Talvez seja a égua pampa, porque tem malhas. Não sei, nhor não, só se vendo. O que sei é que é bom de verdade: com umas voltas que deu ficou pisando baixo, meio a galope. E parece que deu cria: estava com outro pequeno.” Aí a barra apareceu, o dia clareou. Meu pai, minha mãe, os escravos e meu irmão mais novo, que depois vestiu farda e chegou a tenente de polícia, foram ver a égua pampa. Foram, mas não entraram no curral: ficaram na porteira, olhando uns para os outros, lesos, de boca aberta. E eu também me admirei, pois não.

        Alexandre levantou-se, deu uns passos e esfregou as mãos, parou em frente de mestre Gaudêncio, falando alto, gesticulando:

        — Tive medo, vi que tinha feito uma doidice. Vossemecês adivinham o que estava amarrado no mourão? Uma onça-pintada, enorme, da altura de um cavalo. Foi por causa das pintas brancas que eu, no escuro, tomei aquela desgraçada pela égua pampa.

Texto extraído do livro “Alexandre e outros heróis”, Editora Record – Rio de Janeiro, 1981, pág. 11.

Entendendo o conto:

01 – Quem são os vizinhos reunidos na sala de Alexandre no início do conto?

      Os vizinhos são seu Libório (cantador de emboladas), o cego preto Firmino, Mestre Gaudêncio (curandeiro) e Das Dores (benzedeira de quebranto e afilhada do casal).

02 – Qual a primeira coisa que Alexandre revela aos vizinhos e amigos antes de começar a contar sua história principal?

      Alexandre pergunta se eles sabem por que ele tem um olho torto.

03 – Como Alexandre descreve a fortuna de seu pai no passado, antes do "desmantelo" após a libertação dos escravos?

      Ele descreve a fazenda do pai como algo que ia "de ribeira a ribeira", com gado "sem conta" e dinheiro "lá em casa era cama de gato".

04 – Qual foi a tarefa que o pai de Alexandre lhe deu e que o levou à sua aventura?

      O pai de Alexandre o mandou procurar a égua pampa que estava sumida.

05 – O que Alexandre pensou que estava laçando no escuro, confundindo o animal por causa das "malhas brancas"?

      Ele pensou que estava laçando a égua pampa, que supostamente havia dado cria no mato.

06 – Quais dificuldades Alexandre enfrentou enquanto tentava dominar o animal que pensava ser a égua pampa?

      Ele levou muitas pancadas de galho, arranhões de espinhos "rasga-beiço" e caiu numa touceira cheia de espetos que esfolaram seu rosto.

07 – Como Alexandre conseguiu guiar o animal de volta para a fazenda, mesmo após as dificuldades e a escuridão?

      Ele subjugou o animal com puxavantes de cabresto, murros na cabeça e pancadas nos queixos, e o animal "entregou os pontos", começando a andar em uma "pisada baixa e num galopezinho macio". Ele percebeu que estavam perto do bebedouro pela "zoada tão grande".

08 – Onde Alexandre amarrou o animal ao chegar à fazenda?

      Ele amarrou o animal no mourão do curral.

09 – Qual foi a reação do pai de Alexandre e dos outros quando viram o que ele havia trazido para a fazenda?

      Todos ficaram "lesos, de boca aberta", olhando uns para os outros sem acreditar.

10 – Que animal Alexandre realmente havia capturado e por que ele o confundiu com a égua pampa?

      Alexandre havia capturado uma onça-pintada, enorme, da altura de um cavalo. Ele a confundiu com a égua pampa por causa das pintas brancas que, no escuro, ele interpretou como malhas.

 

 

CONTO: PÍRAMO E TISBE - EDITH HAMILTON - COM GABARITO

 Conto: Píramo e Tisbe

        Já houve um tempo em que o vermelho profundo das bagas da amoreira era branco como a neve. A mudança de cor resultou de um fato muito estranho e triste: a morte de dois jovens apaixonados.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXXae3c5UkKQtUn03arsbqEqbh2dKBbGnBei09VoJTrNEHlETkaJ0KbXNOIXwcq0MaV0SwjcpJQYkdZtVXl34lgXpgzS_kkZLf1tAdXgMtrq7LuEKafG9_-IlKNUHpOUChP7HCqE0BQI2NeU1UDMY8ywvaKGU45rGbTpI8TBHW3rT4G77qQBuO85YEjnY/s1600/images.jpg


        Píramo e Tisbe, ele o mais belo dos jovens e ela a mais bela virgem de todo o Oriente, viviam na Babilônia, a cidade da rainha Semíramis, em casas tão próximas que apenas uma parede comum as separava. Crescendo assim, lado a lado, aprenderam a amar-se mutuamente. Queriam muito casar-se, mas não havia como vencer a proibição dos pais. O amor, porém, não pode ser proibido. Quanto mais se cobre a chama, mais fortes ficam as labaredas. Além disso, o amor sempre acaba encontrando soluções. Não era possível manter separados esses dois jovens cujos corações explodiam de amor.

        Na parede que separava as duas casas havia uma pequena fenda da qual até então ninguém se dera conta. A quem ama, porém, não há nada que passe despercebido. Nossos dois jovens descobriram-na, e através dela começaram, então, a sussurrar doces palavras de amor, Tisbe de um lado e Píramo do outro. A odiosa parede que os separava transformara-se em sua única forma de contato. "Não fosse tua existência, poderíamos estar juntos e beijar-nos", costumavam dizer, referindo-se à parede. "Mas, pelo menos, podemos falar através de ti. Permites que doces palavras de amor cheguem aos nossos ouvidos apaixonados. Não somos ingratos." Assim falavam e, quando a noite chegava e tinham de separar-se, era na parede que davam os beijos que não tinham como chegar aos lábios do outro lado.

        Todas as manhãs, quando o alvorecer já expulsara do céu as estrelas e os raios do Sol já haviam secado a geada que endurecia a relva, iam furtivamente até a fenda e ali ficavam, às vezes trocando as mais doces juras de amor, outras vezes lamentando o triste destino a que pareciam condenados. Suas palavras, porém, eram sempre trocadas em forma de sussurros quase inaudíveis. Por fim chegou o dia em que não tinham mais condições de continuar suportando aquela situação. Decidiram que, naquela mesma noite, iriam tentar fugir e atravessar a cidade em direção ao campo, onde finalmente poderiam ficar juntos em liberdade. Combinaram encontrar-se em lugar bastante conhecido — o Túmulo de Nino —, sob uma árvore que ali havia, uma grande amoreira cheia de bagas brancas como a neve, e perto da qual murmuravam as águas frescas de uma fonte. O plano lhes pareceu perfeito, e para eles aquele foi o mais longo dia de suas vidas.

        Por fim, o Sol mergulhou no oceano e a noite chegou. Na escuridão, Tisbe saiu furtivamente de casa e, fazendo o possível para não ser vista, dirigiu-se para o túmulo onde haviam combinado encontrar-se. Píramo ainda não tinha chegado, e ela ficou a esperá-lo com a coragem fortalecida pelo amor. De repente, porém, a luz da lua permitiu-lhe divisar o vulto de uma leoa que se aproximava. A fera selvagem tinha acabado de matar uma presa; tinha as mandíbulas ensanguentadas, e vinha saciar a sede na fonte. Estava ainda a uma distância que permitia a fuga de Tisbe; mas, ao correr em busca de um abrigo seguro, a jovem deixou cair a capa que trazia aos ombros.

        Ao voltar para o seu covil, a leoa viu a capa e, antes de desaparecer na floresta, abocanhou-a e fez dela apenas um monte de trapos. Ao chegar, poucos minutos depois, foi com essa cena que Píramo se deparou. Diante dele estavam os farrapos ensanguentados da capa e, visíveis na obscuridade, as pegadas da leoa. A conclusão era inevitável: Tisbe estava morta. Ele permitira que seu amor, uma jovem tão delicada, viesse sozinha para um lugar tão cheio de perigos, e ali não estivera para protegê-la. "Fui eu que te matei", exclamou. Do solo espezinhado, levantou o que restava da capa e, beijando-a muitas vezes, levou-a consigo para perto da amoreira. "Agora", disse ele, "beberás também do meu sangue." Desembainhou a espada e cravou-a no coração. O sangue, lançado em borbotões, atingiu em cheio as bagas da amoreira, que então se tingiram de um vermelho escuro.

        Apesar de ainda apavorada com a leoa, o grande medo de Tisbe era não conseguir encontrar seu amado. Assim, resolveu arriscar-se a voltar para junto da árvore onde haviam marcado o encontro, a amoreira dos reluzentes frutos brancos, mas não conseguia encontrá-la. A árvore era a mesma, mas seus ramos não deixavam entrever um só lampejo de brilho branco. Ao olhar bem, percebeu que alguma coisa se mexia no chão. Recuou, trêmula, mas no instante seguinte, firmando os olhos por entre as sombras, viu claramente o que se passava ali: Píramo, banhado em sangue e quase morto. Voou para ele e o tomou nos braços, beijando-lhe os lábios frios e implorando-lhe que a olhasse e falasse. "Sou eu, a tua Tisbe, a tua amada!", disse-lhe a chorar. Ao ouvir o nome que tanto amava, Píramo entreabriu os olhos pesados e olhou para Tisbe pela última vez. Em seguida, a morte se encarregou de fechá-los para sempre.

        Ela então viu a espada que lhe caíra das mãos, e bem perto dela a sua capa manchada de sangue e esfarrapada. Num instante, compreendeu tudo. "Tua própria mão te matou", disse, "e teu amor por mim. Também posso ser corajosa, também eu posso amar. Só a morte teria tido o poder de nos separar, mas agora deixará de ter esse poder." Cravou no coração a espada ainda úmida do sangue de seu amado.

        Por fim, os deuses se apiedaram, e o mesmo fizeram os pais dos dois jovens. O fruto vermelho escuro da amoreira ficou sendo a eterna recordação desses amantes fiéis e verdadeiros. Suas cinzas estão contidas em uma única urna, pois nem a morte foi capaz de separá-los.

Esta história é contada por Ovídio. É bastante característica do que há de melhor em seu estilo: boa narração, vários monólogos retóricos e, no meio, um pequeno ensaio sobre o Amor. Extraído de: Mitologia, Edith Hamilton, São Paulo, Martins Fontes, 1992.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 87-88.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a origem da mudança de cor das bagas da amoreira, segundo o conto?

      A mudança de cor das bagas da amoreira, de brancas para um vermelho profundo, resultou da morte trágica de Píramo, cujo sangue jorrou sobre elas após ele cravar a espada em seu coração, acreditando que Tisbe estava morta.

02 – Onde viviam Píramo e Tisbe e qual era o principal obstáculo para o amor deles?

      Píramo e Tisbe viviam na Babilônia, em casas vizinhas separadas por uma única parede. O principal obstáculo para o amor deles era a proibição de seus pais, que não permitiam o casamento.

03 – Como os amantes se comunicavam apesar da proibição e da parede que os separava?

      Os amantes se comunicavam através de uma pequena fenda na parede que dividia suas casas. Por essa fenda, eles sussurravam doces palavras de amor e, à noite, davam beijos na parede como se estivessem beijando um ao outro.

04 – Qual foi o plano de Píramo e Tisbe para finalmente ficarem juntos?

      O plano deles era fugir na calada da noite e se encontrar no Túmulo de Nino, sob uma grande amoreira de bagas brancas, perto de uma fonte, para então viverem juntos em liberdade no campo.

05 – O que Tisbe encontra ao chegar primeiro ao local do encontro?

      Ao chegar primeiro ao local do encontro, Tisbe avista uma leoa com as mandíbulas ensanguentadas que vinha beber água na fonte. Ao fugir apavorada, Tisbe deixa cair a capa.

06 – O que Píramo conclui ao chegar ao local do encontro e ver a capa de Tisbe?

      Píramo conclui que Tisbe foi morta pela leoa, pois encontra os farrapos ensanguentados da capa dela e as pegadas da fera, levando-o a acreditar que sua amada pereceu.

07 – Qual foi a reação de Píramo ao pensar que Tisbe estava morta?

      Píramo se desesperou, culpou-se pela suposta morte de Tisbe por tê-la deixado vir sozinha a um lugar perigoso. Ele então cravou a espada em seu próprio coração perto da amoreira, tingindo suas bagas de vermelho com o sangue.

08 – Como Tisbe descobre a tragédia que se abateu sobre Píramo?

      Tisbe retorna ao local do encontro, ainda amedrontada, mas preocupada em encontrar Píramo. Ela percebe a amoreira com as bagas vermelhas e, ao olhar no chão, vê Píramo banhado em sangue e quase morto, e a espada que ele usou para tirar a própria vida, junto com sua capa manchada.

09 – Qual foi a decisão de Tisbe ao compreender a situação, e por quê?

      Tisbe, ao compreender que Píramo se matou por amor a ela e por pensar que ela estava morta, decide cravar a mesma espada em seu próprio coração. Ela o faz para demonstrar que também era corajosa e amava Píramo intensamente, afirmando que "Só a morte teria tido o poder de nos separar, mas agora deixará de ter esse poder".

10 – Que destino final tiveram os amantes após suas mortes, e o que isso simboliza?

      Após suas mortes trágicas, os deuses e os pais dos jovens se apiedaram deles. O conto afirma que suas cinzas foram contidas em uma única urna, e o fruto vermelho escuro da amoreira se tornou a eterna recordação de seu amor fiel e verdadeiro. Isso simboliza que nem mesmo a morte foi capaz de separar Píramo e Tisbe, e seu amor se tornou lendário.

 

domingo, 10 de agosto de 2025

CONTO: O SONHO DE HABIB, FILHO DE HABIB - CONTO SUFI - COM GABARITO

 Conto: O sonho de Habib, filho de Habib

            Conto sufi

        Durante todo o dia, Habib, o tapeceiro, sentava-se diante de seu tear com os aprendizes à sua volta e tecia um lindo tapete. Mas seu filho, Habib, filho de Habib, quase nunca estava presente. Ele não se interessava por tapetes. Ele gostava de ir ao caravançará, onde se reuniam todas as caravanas de camelos no seu caminho para Samarkanda, para Bokara ou para as praias da Enseada Dourada.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwdKGzRGGzGu2e6yTXZw9vVC9ERHY3J9DcMO92QJiwTEH2C6Y4GMQFuuZkzFe03JaGoXVVeTtidsMdOSUqrCXWh-zxumBAsxnlNy8eS0OYTmopHccHSN7TsAkM-wT3HN5PPCmJRIhz_ApQevRVqcDjchSjFe_nrkqibLQ6mskIbJaSTYy3aRPnXp-YIU0/s1600/images%20(1).jpg

 


        Um dia, enquanto olhava um cavalariço penteando a cauda prateada de um dos cavalos pertencentes a um mercador de Tabriz, Habib, filho de Habib, pensou consigo mesmo:

        “Ah, se eu pudesse seguir as caravanas.”

        – Por que você está tão interessado no lindo corcel do meu senhor? – perguntou o cavalariço. – Você, um menino empoeirado, deve estar muito mais acostumado com burros!

        – Um dia, quando for mercador – disse Habib, filho de Habib –, terei um cavalo como esse, também terei bolsas cheias de ouro e vou me casar com uma princesa.

        – Fora daqui, pequeno galo de briga! – gritou o cavalariço. – É melhor você sair de perto deste cavalo ou então vai levar um coice quando menos esperar.

        Então o menino foi embora, e chegou em casa bem na hora em que seu pai ia sair à sua procura com uma grande vara na mão.

        – Preguiçosa criatura! – gritou Habib. – Quando preciso de você para separar os fios de lã colorida você não está. Aonde você foi? Aposto que estava outra vez no caravançará. Volte ao trabalho ou vai levar uma surra.

        – Pai, se eu pudesse ir com as caravanas para algum lugar diferente poderia fazer fortuna, tenho certeza disto.

        – Sonhando acordado outra vez! – e Habib deu-lhe um tapa no pé do ouvido, levandoo, pela orelha, para dentro da loja.

        Nessa noite, Habib, filho de Habib, esgueirou-se para fora de casa sob a brilhante luz da lua, determinado a juntar-se à caravana que partiria ao amanhecer. Debaixo do braço levava um pequeno tapete, o mais velho da loja, do qual ninguém sentiria falta, ele tinha certeza, pois há muito tempo estava jogado num canto. Esperava que quando seu pai notasse a sua ausência ele já estivesse longe.

        No mercado, camelos com sinos em seus arreios estavam sendo carregados. Todos os mercadores arrumavam suas bolsas nas selas e suas cestas nas costas dos camelos.

        Habib, filho de Habib, aproximou-se de um velho homem de barba e disse:

        – Bondoso senhor, deixe-me acompanhá-lo, pois quero viajar e meu pai só quer que eu faça tapetes.

        – Vá embora – disse o mercador. – Não posso levá-lo comigo sem o consentimento de seu pai. Volte para falar com ele, e se ele permitir então pode ser que eu leve você comigo.

        Habib, filho de Habib, dirigiu-se a outro mercador:

        – Tomarei conta de seus camelos, deixe-me ir com você para lugares distantes.

        Mas o homem respondeu:

        – Você é muito pequeno e, de qualquer forma, já tenho dois meninos que cuidam dos meus camelos durante a viagem. Vá embora, volte para sua casa antes que notem a sua falta.

        Nesse momento os galos já começavam a cantar, e o dia estava nascendo. Os camelos se levantaram e logo iriam partir pelo portão da cidade em direção as terras estrangeiras.

        Quando o último camelo estava partindo o homem que o guiava disse a Habib, filho de Habib:

        – Quer seguir com a caravana, meu menino? Você parece estar sozinho e não ter ninguém para cuidar de você. Quer acompanhar-me no caminho de Samarkanda?

        Então o menino pulou de alegria e saiu correndo ao lado do último dos camelos. O homem, que era um mercador de lã, seguiu ao lado de seu camelo, que estava carregado demais, e ficou contente de ter o menino como companhia. Seu nome era Qadir e disse a Habib, filho de Habib, que lhe daria um dinar de prata por mês se ele o ajudasse a cuidar de seu camelo nos poços e fontes de água.

        Foram dias e noites de grande alegria para o menino enquanto ele viajava no final da enorme caravana de camelos, através de lugares montanhosos e desertos de areia, sob sol e chuva até que chegaram a Samarkanda.

        Habib, filho de Habib, ganhou seu primeiro dinar de prata e foi andar pelas ruas da cidade, procurando coisas para comprar. Comprou uma boina branca bordada com fios de seda e um colete verde de feltro revestido de algodão verde. Nessa noite não conseguiu dormir de tão feliz que estava. Sentou-se no tapete que havia trazido de casa e olhou para os brincos que havia comprado para sua mãe.

        – Gostaria de poder voar nesse tapete – disse baixinho, enquanto olhava à sua volta.

        Nem bem as palavras saíram de sua boca, ele já estava voando pelo ar sentado de pernas cruzadas sobre o tapete.

        – Um tapete mágico! – ele gritou. – Eu nunca soube disso durante todos estes anos.

        Então se dirigiu ao tapete e disse:

        – Leve-me ao palácio do rei deste país.

        Era uma noite de lua brilhante, tão clara como o dia, e ele viu que, lentamente, o tapete o levava para o terraço de um palácio de mármore, onde, à luz da lua, a princesa Flor Dourada brincava com bolinhas de gude. A princesa era da mesma idade que Habib e ficou tão contente de ter um companheiro para brincar que o chamou para perto dela. Ela o confundiu com o filho do aguadeiro do palácio. Deu-lhe uma bola de rubi e pegou uma de cristal, ordenando-lhe que tentasse vencê-la no jogo. Em alguns minutos várias bolinhas preciosas, um diamante, uma esmeralda e uma turquesa, estavam sendo espalhadas para todos os lados pelo rubi de Habib.

        A princesa Flor Dourada estava começando a arrumar uma outra linha de bolinhas quando se ouviu um grito. A ama da princesa vinha correndo na direção deles.

        – Princesa, princesa, volte para casa imediatamente! – ela gritou. – Que ousadia deste camponês empoeirado, vestido com um colete de feltro verde, vir brincar com a filha do rei!

        Nesse momento, Habib, filho de Habib, pulou no seu tapete mágico e ordenou que ele começasse a voar.

        – Leve-me de volta para minha própria casa! – disse. Imediatamente o tapete levantou voo, para surpresa da princesa e da velha ama.

        Houve um som de ventania, e tudo ficou escuro para Habib, filho de Habib. Ele começou a sentir-se tonto e seus olhos se fecharam. O tapete continuou a voar, e logo ele estava dormindo. Ele só acordou quando estava outra vez na casa de seu pai.

        Abriu os olhos e viu que estava na sua própria cama. Os galos cantavam e o dia amanhecia.

        – Acorde meu filho – disse o tapeceiro, sacudindo os ombros do filho. – Você gostaria de seguir a caravana e ver o mundo? Eu consegui que um mercador de Bagdá consentisse em levá-lo com ele na viagem.

        Habib, filho de Habib, olhou embevecido para seu pai. Então tudo tinha sido um sonho? Mas ele segurava na mão uma bolinha vermelha, de rubi. Entregou-a ao pai.

        – Veja, ganhei isto quando jogava com a princesa. Intrigado, o tapeceiro girava o rubi entre seus dedos.

        – Onde achou isto? Se vendermos este rubi ao joalheiro ficaremos ricos. Tem certeza de que não o roubou?

        – Eu o ganhei – insistiu o menino, e contou ao pai toda a história, do começo ao fim.

        – É magia – gritou Habib, e correu para contar tudo à mulher.

        Quando os dois foram falar com o menino, ele contou novamente a história, e eles acreditaram nele.

        – Onde está o tapete voador? – perguntou sua mãe. Mas o tapete não se encontrava em parte alguma. Então Habib, filho de Habib, pôs um pouco de comida num alforje e correu para o caravançará. Habib deu-lhe sua bênção e o mercador de Bagdá prometeu trazê-lo de volta depois de seis meses.

        Alguns anos mais tarde, quando cresceu o bastante, tornou-se mercador de tapetes e transportava a mercadoria de seu pai de país em país, e com isso conseguiu reunir grande riqueza. Então começou a se perguntar se existiria de fato uma princesa com o nome de Flor Dourada que ele conhecera no seu sonho e cujo rubi o colocou no caminho da fortuna. Durante as viagens perguntava a todos se a conheciam, até que chegou à terra de Sogdiana.

        – Qual é o nome da filha do rei? – perguntou a alguém na casa de chá em que se encontrava.

        – Princesa Flor Dourada – disseram.

        Então ele soube que sua busca terminara. Enviou valiosos presentes para o rei e pediu permissão para casar-se com sua filha.

        – Só se minha filha quiser – disse o rei.

        E arranjou para que Flor Dourada visse o jovem através de uma treliça secreta que havia na parede da câmara de audiências.

        Assim que a princesa pôs os olhos no jovem e belo mercador de tapetes se apaixonou por ele, e enviou uma mensagem a seu pai dizendo que se casaria com ele e com nenhum outro.

        – Que assim seja – disse o rei. – A felicidade de minha filha é mais importante do que qualquer título de nobreza. Que os ritos de casamento sejam realizados.

        Na festa de casamento, Habib, filho de Habib, colocou um rubi de raro valor incrustado em uma corrente de ouro em volta do pescoço de sua esposa.

        Eles viveram felizes para sempre, até que Allah mandou buscá-los finalmente.

Histórias da tradição sufi. Grupo Granada de Contadores de Histórias (seleção e tradução) e Nícia Grillo (coordenação). Dervish, Instituto Tarika, 1993.

Entendendo o conto:

01 – Qual era a ocupação do pai de Habib, e por que Habib, filho de Habib, não se interessava por ela?

      O pai de Habib era um tapeceiro, que tecia belos tapetes. Habib, filho de Habib, não se interessava por essa ocupação porque preferia ir ao caravançará, onde se reuniam as caravanas de camelos, sonhando em seguir viagem para lugares distantes como Samarkanda e Bokara.

02 – Que sonho Habib, filho de Habib, compartilha com o cavalariço, e como o cavalariço reage?

      Habib, filho de Habib, sonha em ser um mercador um dia, ter um cavalo tão bonito quanto o do senhor do cavalariço, bolsas cheias de ouro e casar-se com uma princesa. O cavalariço reage com desprezo, chamando-o de "pequeno galo de briga" e mandando-o embora, dizendo que ele estava mais acostumado com burros.

03 – O que Habib, filho de Habib, faz ao tentar fugir de casa, e o que ele leva consigo?

      Habib, filho de Habib, esgueira-se para fora de casa à noite, determinado a se juntar a uma caravana. Ele leva consigo um pequeno tapete, o mais velho da loja do pai, que ele achava que ninguém sentiria falta.

04 – Por que os primeiros mercadores recusam levar Habib com suas caravanas?

      Os primeiros mercadores recusam levá-lo porque não poderiam fazê-lo sem o consentimento de seu pai e, no caso de outro mercador, por ele ser muito pequeno e eles já terem cuidadores para os camelos.

05 – Quem é o mercador que finalmente aceita levar Habib, e qual é o combinado entre eles?

      O mercador que finalmente aceita levar Habib é Qadir, um mercador de lã, que o guiava o último camelo de uma caravana. Qadir aceita levá-lo como companhia e lhe promete um dinar de prata por mês em troca de ajuda para cuidar do camelo nos poços e fontes de água.

06 – Como Habib descobre que o tapete que trouxe de casa é mágico?

      Habib descobre que o tapete é mágico quando, em Samarkanda, após ganhar seu primeiro dinar e comprar roupas e presentes, ele se senta no tapete e diz baixinho: "Gostaria de poder voar nesse tapete". Imediatamente, ele começa a voar pelo ar sobre o tapete, percebendo sua natureza mágica.

07 – Onde o tapete mágico leva Habib, e quem ele encontra nesse local?

      O tapete mágico leva Habib ao terraço de um palácio de mármore, onde ele encontra a princesa Flor Dourada, que tinha a mesma idade que ele.

08 – Qual a interação de Habib com a princesa Flor Dourada e como a ama da princesa reage a isso?

      Habib brinca com a princesa Flor Dourada, jogando bolinhas de gude. Ele ganha várias bolinhas preciosas dela, incluindo um rubi. A ama da princesa reage com indignação, gritando com a princesa e criticando a ousadia do "camponês empoeirado" de brincar com a filha do rei.

09 – O que acontece com Habib após a intervenção da ama, e o que ele encontra ao acordar?

      Após a intervenção da ama, Habib, filho de Habib, pula no tapete mágico e ordena que o leve de volta para casa. Ele sente-se tonto, desmaia e acorda em sua própria cama, ao amanhecer. Embora tudo pareça um sonho, ele encontra uma bolinha vermelha, de rubi, na mão, que provava a experiência.

10 – Qual é o desfecho da história para Habib, filho de Habib, e a princesa Flor Dourada?

      Habib, filho de Habib, usa o rubi como prova de sua história, o que leva seu pai a permitir que ele viaje. Ele se torna um mercador de tapetes bem-sucedido, acumulando riqueza. Anos mais tarde, ele encontra a princesa Flor Dourada na terra de Sogdiana, casa-se com ela (presenteando-a com o rubi incrustado em ouro) e eles vivem felizes para sempre, concretizando o sonho de sua infância.