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quarta-feira, 2 de abril de 2025

CONTO: A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA - FRAGMENTO - GUIMARÃES ROSA - COM GABARITO

 Conto: A hora e a vez de Augusto Matraga – Fragmento

           Guimarães Rosa

        Mas, afinal, as chuvas cessaram, e deu uma manhã em que Nhô Augusto saiu para o terreiro e desconheceu o mundo: um sol, talqualzinho a bola de enxofre do fundo do pote, marinhava céu acima, num azul de água sem praias, com luz jogada de um para o outro lado, e um desperdício de verdes cá embaixo – a manhã mais bonita que ele já pudera ver.

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimtXtzrxY2ucsUMNmt5b95OMueUkTs8XGOuU5uZtLofNXYSeK8GL-AuRuOuVZXbzFksxg7rgzT5aZzSDbpg0g9D5axQuM7wvUCDaep0RMFY2zjsaW1Df0-uqC9hecVW51uZL-XV3gIvta6A35oPsEaFhZ8mpGPmj0ALf-V_gbNN4re9vSILtVDitAwmEg/s1600/images.jpg


        Estava capinando, na beira do rego.

        De repente, na altura, a manhã gargalhou: um bando de maitacas passava, tinindo guizos, partindo vidros, estralejando de rir. E outro. Mais outro. E ainda outro, mais baixo, com as maitacas verdinhas, grulhantes, gralhantes, incapazes de acertarem as vozes na disciplina de um coro.

        Depois, um grupo verde-azulado, mais sóbrio de gritos e em fileiras mais juntas.

        – Uai! Até as maracanãs!

        E mais maitacas. E outra vez as maracanãs fanhosas. E não se acabavam mais. Quase sem folga: era uma revoada estrilando bem por cima da gente, e outra brotando ao norte, como pontozinho preto, e outra – grão de verdura – se sumindo no sul.

        – Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!

        E agora os periquitos, os periquitos de guinchos timpânicos, uma esquadrilha sobrevoando outra ... E mesmo, de vez em quando, discutindo, brigando, um casal de papagaios ciumentos. Todos tinham muita pressa: os únicos que interromperam, por momentos, a viagem, foram os alegres tuins, os minúsculos de cabecinha amarela, que não levam nada a sério, e que choveram nos pés de mamão e fizeram recreio, aos pares, sem sustar o alarido — rrr!-rrri!! rrr!-rrri!! ...

        Mas o que não se interrompia era o trânsito das gárrulas maitacas. Um bando grazinava alto, risonho, para o que ia na frente:
— Me espera! Me espera!... — E o grito tremia e ficava nos ares, para o outro escalão, que avançava lá atrás.


        — Virgem! Estão todas assanha­das, pensando que já tem milho nas roças... Mas, também, como é que podia haver um de-manhã mesmo bonito, sem as maitacas?!...

        O sol ia subindo, por cima do voo verde das aves itinerantes. Do outro lado da cerca, passou uma rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram boni­tas. Todo anjo do céu devia de ser mulher."

        [...]

João Guimarães Rosa, em “A hora e a vez de Augusto Matraga”.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 423-424.

Entendendo o conto:

01 – Qual a transformação na paisagem que Nhô Augusto observa após as chuvas?

      Após as chuvas, Nhô Augusto se depara com uma manhã ensolarada e vibrante, com um céu azul intenso e uma profusão de verde na vegetação, descrevendo a manhã como a mais bonita que já viu.

02 – Que elementos da natureza chamam a atenção de Nhô Augusto na manhã descrita?

      Nhô Augusto fica impressionado com a quantidade e variedade de aves que cruzam o céu, como maitacas, maracanãs, periquitos e papagaios, além da beleza do sol e da paisagem verdejante.

03 – Como as aves são descritas no texto?

      As aves são descritas com uma linguagem rica em sons e cores, com referências aos seus gritos, como "tinindo guizos" e "grulhantes, gralhantes", e às suas cores, como "verdinhos" e "verde-azulado".

04 – Qual a reação de Nhô Augusto ao observar a revoada de aves?

      Nhô Augusto expressa surpresa e admiração diante da quantidade de aves, exclamando: "Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!".

05 – Que reflexão Nhô Augusto faz sobre as maitacas?

      Nhô Augusto comenta que as maitacas parecem estar "assanhadas", como se estivessem ansiosas pela colheita de milho, e reconhece que a beleza da manhã está intrinsecamente ligada à presença delas.

06 – Como a figura da mulher é apresentada no final do fragmento?

      A figura da mulher é idealizada e associada à beleza da paisagem e à figura angelical, com a frase: "Todas as mulheres eram bonitas. Todo anjo do céu devia de ser mulher.".

07 – Qual a importância da descrição da natureza no fragmento?

      A descrição da natureza exuberante serve como um contraponto à aridez do sertão e à violência presente em outras partes do conto, além de revelar a sensibilidade de Nhô Augusto e sua capacidade de se maravilhar com a beleza do mundo.

 

CONTO: O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS - FRAGMENTO - JOSÉ SARAMAGO - COM GABARITO

 Conto: O ano da morte de Ricardo Reis – Fragmento

           José Saramago

        Neste romance, definitivamente pós-moderno, Saramago vale-se do realismo fantástico para aproximar Fernando Pessoa do seu heterônimo Ricardo Reis. Este retorna a Lisboa, em 29 de dezembro de 1935, após longo exílio no Rio de Janeiro, motivado por um telegrama informando a morte de Fernando Pessoa a 30 de novembro do mesmo ano (data autêntica da morte do poeta). Saramago apropria-se da ficção de Pessoa, que traçava perfis biográficos dos seus heterônimos, indicava as datas de nascimento, mas omitia os óbitos. Assim, a imaginação do escritor se intromete no imaginário do poeta e arroga-se o direito de fixar a data da morte de um deles, Ricardo Reis, que parte com o Pessoa “fantasma”, oito meses depois, para o destino dos mortos. Fundindo ficção e realidade, Saramago seleciona o noticiário jornalístico da época em constantes referências ao contexto histórico-social salazarista. Também faz reviver Lídia, a musa das odes de Ricardo (veja o poema anterior), empregada do hotel onde se hospeda em Lisboa, a quem ama fisicamente, embora, por ser uma mulher do povo, não possa ter a plenitude do seu amor, já que não corresponde ao ideal de platonismo amoroso e à mulher espiritualizada das suas odes.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXkNDP4Ci_jHQ9FnPSGmcpwe0JjOKi1lm0HnrkqiPbpsmnz0ZfQkVtQG5ULdubayXeotlwPZLpEZtBPEmDdIV-P4iwdY0JsHU_OpB5ZSQ6zMHfVqQUwLR8Qbm8jZhT_v9lLLa0Y2N096LaTHBdofp5nLAhc-xT-5rbHTTMwLCu0u763xKlei0AXIGpy4s/s1600/images.jpg


        [...]

        Fernando Pessoa levantou-se do sofá, passeou um pouco Pela saleta, no quarto parou diante do espelho, depois voltou, É uma impressão estranha, esta de me olhar num espelho e não me ver nele, Não se vê, Não, não me vejo, sei que estou a olhar-me, mas não me vejo, No entanto, tem sombra, É só o que tenho. Tornou a sentar-se, cruzou a perna, E agora, vai ficar para sempre em Portugal, ou regressa a casa, Ainda não sei, apenas trouxe o indispensável, pode ser que me resolva a ficar, abrir consultório, fazer clientela, também pode acontecer que regresse ao Rio, não sei, por enquanto estou aqui, e, feitas todas as contas, creio que vim por você ter morrido, é como se, morto você, só eu pudesse preencher o espaço que ocupava, Nenhum vivo pode substituir um morto, Nenhum de nós é verdadeiramente vivo nem verdadeiramente morto, Bem dito, com essa faria você uma daquelas odes. Ambos sorriram. Ricardo Reis perguntou, Diga-me, como soube que eu estava hospedado neste hotel, Quando se está morto, sabe-se tudo, é uma das vantagens, respondeu Fernando Pessoa, E entrar, como foi que entrou no meu quarto, Como qualquer outra pessoa entraria, Não veio pelos ares, não atravessou as paredes, Que absurda ideia, meu caro, isso só acontece nos livros de fantasmas, os mortos servem-se dos caminhos dos vivos, aliás nem há outros, vim por aí fora desde os Prazeres, como qualquer mortal, subia escada, abri aquela porta, sentei-me neste sofá à sua espera, E ninguém deu pela entrada de um desconhecido, sim, que você aqui é um desconhecido, Essa é outra vantagem de estar morto, ninguém nos vê, querendo nós, Mas eu vejo-o a si, Porque eu quero que me veja, e, além disso, se refletirmos bem, quem é você, a pergunta era obviamente retórica, não esperava resposta, e Ricardo Reis, que não a deu, também não a ouviu. Houve um silêncio arrastado, espesso, ouviu-se como em outro mundo o relógio do patamar, duas horas. Fernando Pessoa levantou-se, Vou-me chegando, Já, Bem, não julgue que tenho horas marcadas, sou livre, é verdade que a minha avó está lá, mas deixou de me maçar, Fique um pouco mais, Está a fazer-se tarde, você precisa de descansar, Quando volta, Quer que eu volte, Gostaria muito, podíamos conversar, restaurar a nossa amizade, não se esqueça de que, passados dezesseis anos, sou novo na terra, Mas olhe que só vamos poder estar juntos oito meses, depois acabou-se, não terei mais tempo, Vistos do primeiro dia, oito meses são uma vida, Quando puder, aparecerei, Não quer marcar um dia, hora, local, Tudo menos isso, Então até breve, Fernando, gostei de o ver, E eu a si, Ricardo, Não sei se posso desejar-lhe um feliz ano novo, Deseje, deseje, não me fará mal nenhum, tudo são palavras, como sabe, Feliz ano novo, Fernando, Feliz ano novo, Ricardo.

        [...]

SARAMAGO, José. O ano da morte de Ricardo Reis. 8. ed. Lisboa, Caminho, 1984. p. 81-82.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. João Domingues Maia – Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 424-425.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a premissa central de "O Ano da Morte de Ricardo Reis"?

      A obra imagina os últimos meses de Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, após a morte do poeta em 1935. Saramago explora a relação entre criador e criatura, misturando realidade e ficção.

02 – Como Saramago utiliza o contexto histórico-social na narrativa?

      Saramago insere o personagem de Ricardo Reis no contexto histórico-social do salazarismo, descrevendo o noticiário jornalístico da época e fazendo referências constantes ao regime de Salazar.

03 – Qual é a relação entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa no romance?

      No romance, Fernando Pessoa aparece como um fantasma que interage com Ricardo Reis. Os dois personagens discutem sobre a vida, a morte e a poesia, explorando a relação entre criador e criatura.

04 – Quem é Lídia e qual é o seu papel na vida de Ricardo Reis?

      Lídia é uma das personagens femininas do romance, uma empregada do hotel onde Ricardo Reis se hospeda em Lisboa. Ela representa o amor carnal e terreno, em contraste com o ideal platônico de amor presente nas odes de Ricardo Reis.

05 – Como a obra aborda a questão da identidade e da existência?

      Através da interação entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa, o romance explora a natureza da identidade e da existência, questionando a linha tênue entre vida e morte, realidade e ficção.

06 – De que forma Saramago utiliza a ficção de Fernando Pessoa em sua obra?

      Saramago se apropria da ficção de Fernando Pessoa, que traçava perfis biográficos de seus heterônimos, indicava as datas de nascimento, mas omitia os óbitos. Assim, o autor se intromete no imaginário do poeta e fixa a data da morte de um deles, Ricardo Reis.

07 – Qual a importância do encontro entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa no contexto da obra?

      O encontro entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa é crucial, pois permite a exploração das complexidades da relação entre criador e criatura, vida e morte, e a natureza da identidade. Através desse diálogo, Saramago tece reflexões profundas sobre a existência e a arte.

 

CONTO: O MAL DAS MONTANHAS - HELOISA SEIXAS - COM GABARITO

 Conto: O mal das montanhas

           Heloisa Seixas

        Na encosta, recoberta por uma neve rala de verão, lá estava. Deitado de bruços, as costas, já despidas da roupa – que o tempo ou os animais tinham arrancado –, brilhando ao sol com um estranho viço. Parei olhando a fotografia, fascinada, embora sem entender ao certo o que havia ali que me atraísse com tal força.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivdWcEUsIeJ_v4CO4UHtOswgb-47LgncQr0Jenh3iRImRPsCTbn7infxbIxYVP7gixtOwY5E_ptuHbiJqO69Fhu8CcRxeMcTqv5JuquN0Wg8we39vhXwth5UWqX7vNpewKq79Inwm5iR4SPAcKgXWLrR8wpceKWg5dsadWkHFmLcqqxOzBxrQtZHxF12o/s1600/MONTANHA.jpg


        Era a foto de um alpinista, morto há muitas décadas enquanto tentava subir o Monte Everest. Por causa de um verão especialmente forte, com temperaturas subindo mais do que de costume, seu corpo – que há tantos anos a montanha vinha escondendo – tinha afinal sido encontrado. Sabia-se que ele morrera ao tentar chegar ao cume, numa época em que ainda não havia roupas especiais nem comunicações que tornassem minimamente segura a empreitada. Mas onde, não se sabia ao certo. Agora, seu corpo, congelado em perfeitas condições, seria estudado.

        Olhei ainda mais atentamente para a fotografia. A pele muito branca, intacta. Quase como se ele dormisse – embora eu conhecesse bem a história de seu sono eterno, gelado. Não podia ver-lhe o rosto, pois caíra de bruços. Os braços ainda estavam vestidos pelo que lhe restara das roupas. Mas aquelas costas nuas me comoviam para além do que seria natural. Não conseguia passar a página da revista. E sabia que o que sentia não era apenas curiosidade mórbida – era algo mais.

        Olhei e olhei a foto, até que de repente me veio à mente a lembrança de uma frase, dita pelo explorador inglês George Mallory, ao ser perguntado por que razão queria escalar o Everest. Ele (que também acabaria morrendo na escalada do monte) respondera, simplesmente: “Porque está lá”. E, ante a lembrança dessa frase, senti subir de dentro de mim uma sensação cujos rumores reconheci de imediato. Uma sensação de encontro, de identificação.

        É isso. Eu me sinto irmanada a esses exploradores que dedicam a vida às mais loucas expedições, lançando-se montanha acima com seus corpos castigados, enfrentando o frio mais agudo, o vento mais cortante, o ar rarefeito. Semanas, meses, anos de planejamento e dedicação, de tortura e terror, encarando o medo e a morte, apenas para alcançar o topo – um momento efêmero, que mal pode ser desfrutado, tamanho o cansaço, tamanha a adversidade das condições em que chegam lá em cima. E tudo, para quê? Por quê?

        Porque a montanha está lá.

        E é aí, nessa resposta, que eu me encaixo. É ela que me faz irmã desses homens. Nós, escritores, somos como eles. Deixando correr sobre o papel o sangue que se transformará em poemas, contos, livros, para quê? Por quê? Não sabemos. Nunca saberemos. Escrever é igualmente vão, igualmente louco – como essa febre que assola os exploradores, o mal das montanhas.

Contos mínimos. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 123-124.

Fonte: Português. Uma proposta para o letramento. Magda Soares – 8º ano – 1ª edição. Impressão revista – São Paulo, 2002. Moderna. p. 193-194.

Entendendo o conto:

01 – Qual a descoberta que fascina a narradora no início do conto?

      A descoberta do corpo congelado de um alpinista morto há décadas no Monte Everest, encontrado devido ao degelo causado por um verão excepcionalmente quente.

02 – O que atrai a narradora na fotografia do alpinista morto?

      A pele branca e intacta do alpinista, que transmite uma sensação de sono eterno e gelado, e suas costas nuas, que evocam uma comoção inexplicável na narradora.

03 – Qual a frase de George Mallory que ressoa com a narradora?

      "Porque está lá". Essa frase, dita por Mallory ao ser questionado sobre sua motivação para escalar o Everest, revela um senso de identificação e irmandade na narradora.

04 – Como a narradora se identifica com os alpinistas?

      Ela se vê como irmã desses exploradores, compreendendo a obsessão e a paixão que os impulsionam a enfrentar desafios extremos, mesmo diante do perigo e da morte.

05 – Qual a comparação que a narradora faz entre os alpinistas e os escritores?

      Ambos compartilham uma busca incessante e inexplicável, seja pela conquista do topo de uma montanha ou pela criação de obras literárias, sem saber ao certo o propósito final.

06 – Qual a metáfora central do conto?

      "O mal das montanhas" representa a obsessão e a paixão que consomem tanto alpinistas quanto escritores, impulsionando-os a perseguir seus objetivos com fervor e determinação.

07 – Qual o significado da frase "Escrever é igualmente vão, igualmente louco"?

      Essa frase expressa a incompreensão da narradora sobre a natureza da criação literária, que, assim como a escalada de montanhas, parece não ter um propósito racional ou justificativa lógica.

 

 

 

sexta-feira, 28 de março de 2025

CONTO: CONTO DE TODAS S CORES - MÁRIO QUINTANA - COM GABARITO

 Conto: Conto de todas as cores

           Mário Quintana

        Eu já escrevi um conto azul, vários até. Mas este é um conto de todas as cores. Porque era uma vez um menino azul, uma menina verde, um negrinho dourado e um cachorro com todos os tons e entretons do arco-íris.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjOGpvNWGoqb-wWTBEQ05-D0E4uKzi658beSNewtXc3Mtipg2EicopHWttBO4y0uJWRAdlU3TM7kgdsKXNFgvBf7xZXWNEI1VjbMc3w7diQOi6XrLPnmEchxBr-Q1E-cvr6hM473Ql_01O5h4gzQ8MC1VN-34s3t1PHUrgVFvBK2hdxpNesY-NA5XvXO8/s1600/1469963_661473227238343_1256354448_n.jpg


        Até que apareceu uma Comissão de Doutores, os quais, por mais que esfregassem os nossos quatro amigos, viram que não adiantava... E perguntaram se aquilo era de nascença ou se... 

        -- Mas nós não nascemos – interrompeu o cachorro. – Nós fomos inventados!

QUINTANA, Mário. A Vaca e o Hipogrifo. 3. ed. Porto Alegre, L&PM, 1979. p. 34.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 33.

Entendendo o conto:

01 – Qual a característica peculiar dos personagens no conto de Mário Quintana?

      Os personagens possuem cores incomuns: um menino azul, uma menina verde, um negrinho dourado e um cachorro com todas as cores do arco-íris.

02 – Quem aparece para interagir com os personagens e qual a reação deles?

      Uma Comissão de Doutores aparece e tenta, sem sucesso, mudar as cores dos personagens.

03 – Qual a resposta inusitada do cachorro quando questionado sobre a origem das cores?

      O cachorro afirma que eles não nasceram, mas foram inventados.

04 – Qual a possível interpretação da presença da "Comissão de Doutores" na história?

      A Comissão de Doutores pode representar a sociedade e suas normas, que tentam padronizar e homogeneizar os indivíduos, desconsiderando a diversidade.

05 – Qual a principal mensagem que Mário Quintana transmite com este conto?

      A mensagem central do conto é uma celebração da diversidade e da individualidade, além de uma crítica à tentativa de padronização imposta pela sociedade.

CONTO: CAVALOS SELVAGENS - LYGIA FAGUNDES TELLES - COM GABARITO

 Conto: Cavalos selvagens

           Lygia Fagundes Telles

        O homem de grandes negócios fecha a pasta de zíper e tom o avião da tarde. O homem de negócios miúdos enche o bolso de miudezas e toma o ônibus da madrugada. A mulher elegante faz Cooper e sauna na quinta-feira. A mulher não elegante faz feira no sábado. A freira faz orações diariamente em horas certas. A prostituta faz o trottoir todos os dias em certas horas. O patriarca joga bridge e faz amor segundo o calendário. O operário joga bilhar e faz amor nos feriados. Homens, mulheres e crianças – todos com seus dias previstos e organizados: amanhã tem missa de sétimo dia, depois de amanhã tem casamento. Batizado na terça e, na quarta, macarronada, que a feijoada fica para sábado, comemoração prévia do futebol de domingo, vitória certa, ora sei!... As obedientes engrenagens da máquina funcionando com suas rodinhas ensinadas, umas de ouro, outras de aço, estas mais simples, mais complexas aquelas lá adiante, azeitadas para o movimento que é uma fatalidade, taque-taque taque-taque… Apáticos e não apáticos, convulsos e apaziguados, atentos e delirantes em pleno funcionamento num ritmo implacável.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqW4pMBKTX_shbx8e65ecrB8dwWW8SDAD12NmiAdnOFjEUo0DQ38V_QAMsHVYGuE439d1PP6Y62weCNqyxDDrkFx7xzqk4xdB4Kcsq2uj_e6dCcY6A4e6Vqg6kSEGKGEqQexKGphdOO8Lg5W0KGdzYKdXT0J8faXBPiqvYR8P7RoKOtXGC5PYS7TWWwgE/s320/cavalosselvagens-240411195611-d94f9e7e-thumbnail.jpg


        Às vezes, por motivos obscuros ou claros, uma rodinha da engrenagem salta fora e fica desvairada além do tempo, do espaço – onde? A máquina prossegue no seu funcionamento que é uma condenação, apenas aquela rodinha já não faz parte dessa ordem. “É um desajustado” – diz o médico, o amigo íntimo, o primo, a mulher, a amante, o chefe. Há que readaptá-lo depressa à engrenagem familiar e social, apertar esses parafusos docemente frouxos. Se o desajustado é um adolescente, mais fácil reconduzi-lo com a ajuda psicólogos, analistas, padres, orientadores, educadores – mas por que ele ainda não está nos eixos? Por que tem que haver certas peças resistindo assim inconformadas? Não interessa curá-lo, mas neutralizá-lo, taque-taque taque-taque.

        Pronto, passou a crise? Todos concordam, ele está ótimo ou quase. Mas às vezes o olhar tem aquela expressão que ninguém alcança e volta o fervor antigo, cólera e gozo nos descompromissamentos e rupturas – aguda a lembrança violenta do cheiro de mato que recusa o asfalto, o elevador, a disciplina, ah! vontade de fugir sem olhar para trás, desatino e alegria de um cavalo selvagem, os fogosos cavalos de crina e narinas frementes, escapando do laço do caçador. Na história de Arthur Miller, eram os pobres cavalos selvagens destinados a uma fábrica que os transformaria num precioso produto enlatado. O instinto, só o instinto os advertia das armadilhas nas madrugadas. E fugiam galopando por montes, rios, vales – até quando?

        Inexperiência ou cansaço? Cavalos e homens acabam por voltar à engrenagem. Muitos esquecem mas alguns ainda se lembram e o olhar toma aquela expressão que ninguém entende, ânsia de liberdade. De paixão. Em fragmentos de tempo voltam a ser inabordáveis mas a máquina vigilante descobre os rebeldes e aciona o alarme, mais poderoso o apelo, taque-taque TAQUE-TAQUE! Inútil. Ei-los de novo desembestados: “Laçá-los é o mesmo que laçar um sonho”.

Lygia Fagundes Telles, A disciplina do amor. 2 ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980. p. 131-2.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 13-14.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a metáfora central utilizada no conto "Cavalos Selvagens" para descrever a sociedade?

      A sociedade é comparada a uma máquina com engrenagens, representando a rotina e a padronização da vida cotidiana.

02 – O que representam os "cavalos selvagens" no contexto do conto?

      Os cavalos selvagens simbolizam a liberdade, o desejo de romper com a rotina e a resistência à conformidade social.

03 – Qual é a atitude da sociedade em relação àqueles que se desviam da norma?

      A sociedade busca "readaptar" os "desajustados", neutralizando sua individualidade e reconduzindo-os à engrenagem social.

04 – Como o conto aborda a questão da liberdade individual versus a conformidade social?

      O conto explora a tensão entre o desejo de liberdade e a pressão para se conformar às normas sociais, mostrando a luta entre a individualidade e a padronização.

05 – Qual é o significado da frase "Laçá-los é o mesmo que laçar um sonho"?

      Essa frase destaca a dificuldade de aprisionar o desejo de liberdade e a natureza intangível dos sonhos e aspirações individuais.

06 – De que forma Lygia Fagundes Telles usa a linguagem para transmitir a sensação de opressão e desejo de liberdade?

      A autora utiliza uma linguagem concisa e direta para descrever a rotina opressiva, intercalando com passagens poéticas que evocam a beleza e a intensidade da liberdade.

07 – Qual é a mensagem principal que Lygia Fagundes Telles busca transmitir com o conto "Cavalos Selvagens"?

      A mensagem principal é uma reflexão sobre a natureza da liberdade individual e a luta contra as forças da conformidade social, além de instigar o leitor a questionar a própria relação com a rotina e os desejos de liberdade.

 

 

CONTO: SOLANGE, A NAMORADA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Conto: Solange, a namorada

           Carlos Drummond de Andrade

        Todas as moças perdiam para Solange. Nenhuma podia competir com ela em matéria de namoro. Os rapazes da cidade só alimentavam uma aspiração: que Solange olhasse para eles. Desdenhavam todas as outras, ainda que fossem lindas, cheias de graça e boas de namorar. Namorar Solange, merecer o favor de seus olhos: que mais desejar na vida?

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_MPWTAEj7PO3rySWg5UDh8CpTgWo-ZJkGz8wAjSDojuAD8tviO8qXdSYtiroFiOZkhq2HqfC9d-zzLaDT_o1QZBEy-RRivAIjVovvEbv8466vzQiImCAZBclFqQ4Ft60_33UlMLbd2XxMoPGjeUB8dRWVJfNxBzplf_jmBeJ_dneOAktjfjDysFsz-_k/s320/2756068-bela-jovem-mulher-com-sorvete-colorido-desenho-realistaial-ilustracao-de-pinturas-vetor.jpg


        A nenhum deles Solange namorava. Era uma torre, um silêncio, um abismo, uma nuvem. Sua família inquietava-se com isto e pedia-lhe que pelo amor de Deus escolhesse um rapaz e namorasse. O vigário exortou-a nesse sentido. O prefeito apelou para os seus bons sentimentos. Ninguém mais casava, a legião de tias era assustadora. Temia-se pela ordem social.

        O desaparecimento de Solange até hoje não foi explicado, mas dizem que em carta endereçada à família ela declarou que, para ser a namorada em potencial de todos, não podia ser namorada de um só, mesmo que sucessivamente trocasse de namorado. Estava certa de que exercia uma função de sonho, que a todos beneficiava. Mas se não era assim, e ninguém compreendia sua doação ideal a todos os moços, ela decidira sumir para sempre, e adeus.

        Adeus? Ignora-se para onde foi Solange, mas aí é que se converteu em mito supremo, e nunca mais ninguém namorou na cidade. As moças envelheceram e morreram, a igreja fechou as portas, o comércio definhou e acabou, as casas tombaram em ruínas, tudo lá ficou uma tapera.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro, José Olympio, 191. p. 151.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 36.

Entendendo o conto:

01 – Qual a característica principal de Solange que a diferenciava das outras moças da cidade?

      Solange era incomparável em matéria de namoro, sendo o objeto de desejo de todos os rapazes da cidade.

02 – Como a família e a comunidade reagiram à recusa de Solange em namorar alguém?

      A família, o vigário e o prefeito pressionaram Solange para que ela escolhesse um rapaz, temendo as consequências sociais de sua recusa.

03 – Qual a explicação dada por Solange em sua carta para justificar seu desaparecimento?

      Solange explicou que, para ser a namorada em potencial de todos, não poderia se comprometer com um único rapaz, e que sua função era a de um sonho coletivo.

04 – Qual o impacto do desaparecimento de Solange na cidade?

      Após o desaparecimento de Solange, a cidade entrou em declínio, com o fim dos namoros, o envelhecimento das moças e a ruína do comércio e das casas.

05 – Qual o significado da transformação de Solange em "mito supremo"?

      A transformação de Solange em mito representa a idealização da figura feminina e a perda do ideal de namoro e romance na cidade.

06 – Como Carlos Drummond de Andrade utiliza a figura de Solange para criticar a idealização do amor romântico?

      Drummond utiliza a figura de Solange para satirizar a idealização do amor romântico, mostrando como a obsessão por um ideal inatingível pode levar à ruína e ao declínio social.

07 – Qual a mensagem principal do conto "Solange, a namorada"?

      A mensagem principal do conto é uma crítica à idealização excessiva do amor e do romance, mostrando como a obsessão por um ideal inatingível pode levar à frustração e ao declínio social.

 

 

 

CONTO: O ATENEU - CAP. IV - FRAGMENTO - RAUL POMPEIA - COM GABARITO

 Conto: O Ateneu cap. IV – Fragmento

            Raul Pompéia

        [...]

        Depois das horas do serão de estudo, quando se retiravam os estudantes para os dormitórios, fiquei com o Franco a trabalhar. Tive que suspender, ao fim de quatro páginas. Devorava-me o remorso como uma febre; aterrava-me a ideia do banho na manhã seguinte, os rapazes atirando-se à vingança pérfida, a água toldada de rubro. Impossível fazer mais uma linha. Deixei o companheiro e fugi para o salão dos médios.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEibM2aPu-oF7r4QY5VdwRMmlgo2wuH3V0PYANBzkeCU1Hq-yS-L2RF4NlvydMULSRMNci9TPkRmaucO4D4QUAQOfMy0AApSLTuCSDh7jFpfarIaLCM1Vt8njVE4H21hE9QPetAHzWel2KswIMJiTJ0dBVzWzr0wxGu-f_VfwvLUshw9WTGgeBG1sVBmhwM/s320/o-ateneu-.jpg


        A excitação recrudesceu; eu rolava na cama sobre um tormento de lascas cortantes. Que fazer? Denunciar o Franco de madrugada? Correr, às escuras, e abrir o escoadouro ao tanque? Prevenir aos colegas pedindo que espalhassem? A controvérsia avultava-me no crânio como uma inchação de meninges. Dar-se-ia caso que Franco, possuído de arrependimento, fosse apresentar cedinho aos inspetores a delação do próprio feito? Cheguei a tentar o engodo da consciência com a ponderação de que talvez não saltassem ao tanque muitos de uma vez, e o primeiro ferido salvaria os outros. Mas a febre vencia, com a perspectiva do sangue. Dez, vinte, trinta rapazes, à borda, gemendo, extraindo dificilmente da carne as lascas encravadas! E eu, cúmplice, que o permitira, e maior culpado, que me não cegava a razão, em suma, de justa desforra...

        Ergui-me da cama, e descalço nas tábuas frias, para ver se me acalmava o mal-estar, errei pelos salões adormecidos.

        Os colegas, tranquilos, na linha dos leitos, afundavam a face nas almofadas, palejante da anemia de um repouso sem sonhos. Alguns afetavam um esboço comovedor de sorriso ao lábio; alguns, a expressão desanimada dos falecidos, boca entreaberta, pálpebras entrecerradas, mostrando dentro a ternura embaciada da morte. De espaço a espaço, os lençóis alvos ondeavam do hausto mais forte do peito, aliviando-se depois por um desses longos suspiros da adolescência, gerados, no dormir da vigília inconsciente do coração. Os menores, mais crianças, conservavam uma das mãos ao peito, outra a pender da cama, guardando no abandono do descanso uma atitude ideal de voo. Os mais velhos, contorcidos no espasmo de aspirações precoces, vergavam a cabeça e envolviam o travesseiro num enlace de carícias. O ar de fora chegava pelas janelas abertas, fresco, temperado da exalação noturna das árvores; ouvia-se o grito compassado de um sapo, martelando os segundos, as horas, a pancadas de tanoeiro; outros e outros, mais longe. O gás, frouxamente, nas arandelas de vidro fosco, bracejando dos balões de asa de mosca, dispersava-se igual sobre as camas. doçura dispersa de um olhar de mãe.

        Que venturosa segurança naquele museu de sono! E amanhã, pobres colegas! o banho, a volta, pés ensanguentados, listrando de vestígios vermelhos o caminho!

        Voltei ao meu salão. Tirei da gaveta a imagem de Santa Rosália; beijei-a com lágrimas, pedi conselho como um filho. A inquietação não passava.

        [...].

POMPÉIA, Raul. O Ateneu. 20. ed. São Paulo, Ática, 1998. p. 61-62. (Série Bom Livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 230.

Entendendo o conto:

01 – Qual o sentimento que domina o narrador após o estudo com Franco?

      O narrador é dominado pelo remorso e pelo terror, antecipando o banho na manhã seguinte e a vingança dos colegas.

02 – Que opções o narrador considera para evitar a tragédia no banho?

      O narrador considera denunciar Franco, esvaziar o tanque ou alertar os colegas, mas nenhuma opção o tranquiliza completamente.

03 – Como o narrador descreve o sono dos colegas?

      O narrador descreve o sono dos colegas como tranquilo e vulnerável, com expressões de inocência e fragilidade.

04 – Que detalhes da descrição do dormitório contribuem para a atmosfera do fragmento?

      A descrição do silêncio, da luz fraca, dos suspiros e da brisa noturna cria uma atmosfera de calma e melancolia, contrastando com a angústia do narrador.

05 – Qual a reação do narrador diante da imagem de Santa Rosália?

      O narrador beija a imagem de Santa Rosália e pede conselho, buscando alívio para sua inquietação.

06 – Qual a importância do banho para o narrador?

      O banho representa um momento de violência iminente, que perturba profundamente o narrador e o leva a questionar sua própria culpa.

07 – Que temas o fragmento aborda?

      O fragmento aborda temas como culpa, medo, violência, inocência e a fragilidade da condição humana, explorando as complexidades da psicologia do narrador.

 

 

CONTO: A VIDA EM OBLIVION - (FRAGMENTO) - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: A VIDA EM OBLIVION – Fragmento

            Monteiro Lobato

        A cidadezinha onde moro lembra soldado que fraqueasse na marcha e, não podendo acompanhar o batalhão, à beira do caminho se deixasse ficar, exausto e só. Com os olhos saudosos pousados na nuvem de poeira erguida além.

        Desviou-se dela a civilização. O telégrafo não a põe à fala com o resto do mundo, nem as estradas de ferro se lembram de uni-la à rede por intermédio de humilde ramalzinho.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzfrjYV1K_Q-LefnkC963BvHZAQdeWZua8hulzWg9K-zDyb1mLOgN89bZi5SSkVdTCf13j-sZeaEOttr1Af2jU4H0KsIM_GYJVNXfTjI2Pe5I-LnrkdBEB3PUdJq6h80NTY2BToPfXBbZs3nB_oVzkedjnNkQD5u-LGEqKXTUTVZFQjFLCu_b90NCKcL4/s1600/OBLIVION.jpg


        O mundo esqueceu Oblivion, que já foi rica e lépida, como os homens esquecem a atriz famosa logo que se lhe desbota a mocidade. E sua vida de vovó entrevada, sem netos, sem esperanças, é humilde e quieta como a do urupê escondido no sombrio dos grotões.

        Trazem-lhe os jornais o rumor do mundo, e Oblivion comenta-o com discreto parecer. Mas como os jornais vêm apenas para meia dúzia de pessoas, formam estas a aristocracia mental da cidade. São “Os Que Sabem”. Lembra o primado dos Dez de Veneza, esta sabedoria dos Seis de Oblivion.

        Atraídos pelas terras novas, de feracidade sedutora, abandonaram-na seus filhos; só permaneceram os de vontade anemiada, débeis, faquirianos. “Mesmeiros”, que todos os dias dizem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a passada prosperidade, lamuriam do presente e pitam – pitam longos cigarrões de palha, matadores do tempo.

        [...].

LOBATO, Monteiro. Cidades mortas. 12. ed. São Paulo, Brasiliense, 1965. p. 9-10.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 293.

Entendendo o conto:

01 – Como o narrador descreve a cidade de Oblivion?

      O narrador compara Oblivion a um soldado exausto, deixado para trás pela civilização, isolado e esquecido pelo mundo.

02 – Quais as características da vida em Oblivion?

      A vida em Oblivion é descrita como quieta, humilde e estagnada, comparada à de um "urupê escondido no sombrio dos grotões". Os habitantes vivem em uma rotina monótona, repetindo os mesmos hábitos e conversas.

03 – Quem são "Os Que Sabem" em Oblivion?

      "Os Que Sabem" são um pequeno grupo de pessoas que têm acesso aos jornais e, portanto, ao "rumor do mundo". Eles formam a aristocracia intelectual da cidade.

04 – Por que os jovens deixaram Oblivion?

      Os jovens foram atraídos pelas "terras novas, de feracidade sedutora", buscando prosperidade e oportunidades em outros lugares.

05 – Quem permaneceu em Oblivion?

      Permaneceram em Oblivion aqueles com "vontade anemiada, débeis, faquirianos", ou seja, pessoas sem ambição ou energia para buscar uma vida melhor.

06 – Qual a principal atividade dos habitantes de Oblivion?

      Os habitantes de Oblivion passam o tempo fumando longos cigarrões de palha, "matadores do tempo", enquanto lamentam o passado e esperam o correio.

07 – Qual o tema central do conto?

      O conto aborda o tema do isolamento, da estagnação e da decadência de uma cidade que foi esquecida pelo progresso e pela civilização, retratando a vida de seus habitantes presos a um ciclo de mesmice e nostalgia.

 

CONTO: A HISTÓRIA DA ARTE - (FRAGMENTO) - ERNEST H. GOMBRICH - COM GABARITO

 Conto: A história da arte – Fragmento

           Gombrich

        [...]

        Todos nós somos inclinados a aceitar formas ou cores convencionais como as únicas corretas. Por vezes, as crianças pensam que as estrelas devem ter o formato estelar, embora não o tenham naturalmente. As pessoas que insistem em que, num quadro, o céu deve ser azul e a grama verde, não são muito diferentes dessas crianças. Indignam-se se veem outras cores num quadro, mas se tentarmos esquecer tudo o que ouvimos a respeito de grama verde e céu azul, e olharmos o mundo como se tivéssemos acabado de chegar de outro planeta numa viagem de descoberta e o víssemos pela primeira vez, talvez concluíssemos que as coisas são suscetíveis de apresentar as cores mais surpreendentes.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiajZK0WliMvDYET-gG5dfFwlJ9aiQUzIMrD0hB0urr51boKd67kCh2WbaHzkOtr-0rQqOpCClHNpDZWxdCSImR3rk4qCr6PsGhL_Zb1ZDRNl_YTDh8Pkx3SeKLhW4JAWfFnSF85y0x6Od_bC5BadYgg7n_K6vlxSuZ-01I2MQeSzEc3yUa05peeocZABQ/s320/Historiadaarte.jpg


        Ora, os pintores sentem, às vezes, como se estivessem empreendendo tal viagem de descoberta. Querem ver o mundo como se fosse uma novidade e rejeitar todas as noções aceitas e todos os preconceitos sobre a carne ser rosada e as maçãs amarelas ou vermelhas. Não é fácil libertarmo-nos dessas ideias preconcebidas, mas os artistas que melhor conseguem fazê-lo produzem frequentemente as obras mais excitantes. São eles quem nos ensinam a ver na natureza novas belezas de cuja existência nunca havíamos sonhado. Se os acompanharmos e aprendermos através deles, até mesmo um relance de olhos para fora de nossa própria janela poderá converter-se numa aventura emocionante.

 GOMBRICH, Ernest H. A história da Arte. Trad. Álvaro Cabral. 16. ed. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1999. p. 29.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 420-421.

Entendendo o conto:

01 – Qual a tendência comum que o autor identifica em relação à percepção das cores?

      O autor observa que as pessoas tendem a aceitar cores convencionais como as únicas corretas, como o céu azul e a grama verde, sem questionar a variedade de cores presentes na natureza.

02 – Como o autor compara a visão das crianças com a de algumas pessoas em relação à arte?

      O autor compara a crença infantil de que as estrelas têm formato estelar com a insistência de algumas pessoas em que a arte deve representar o mundo de forma realista, com cores convencionais.

03 – Qual a proposta do autor para uma nova forma de observar o mundo?

      O autor sugere que devemos olhar o mundo como se o víssemos pela primeira vez, livres de preconceitos e noções pré-concebidas, para perceber as cores surpreendentes da natureza.

04 – Qual o papel dos artistas na nossa percepção da natureza, segundo o autor?

      Segundo o autor, os artistas nos ensinam a ver novas belezas na natureza, mostrando-nos aspectos que antes não percebíamos, e transformando nossa visão do mundo.

05 – Qual o impacto da arte na nossa vida cotidiana, de acordo com o autor?

      O autor afirma que, ao aprendermos a ver o mundo através dos olhos dos artistas, até mesmo a paisagem da nossa janela pode se tornar uma aventura emocionante.

 

domingo, 23 de março de 2025

CONTO: CORAÇÕES SOLITÁRIOS - FRAGMENTO - RUBEM FONSECA - COM GABARITO

 Conto: Corações Solitários – Fragmento

            Rubem Fonseca

        Eu trabalhava em um jornal popular como repórter de polícia. Há muito tempo não acontecia na cidade um crime interessante envolvendo uma rica e linda jovem da sociedade, mortes, desaparecimentos, corrupção, mentiras, sexo, ambição, dinheiro, violência, escândalo.

        Crime assim nem em Roma, Paris, Nova York, dizia o editor do jornal, estamos numa fase ruim.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimuzZ9DHXFmoco4P5eHklzVMpeH54nsb-DC4W6MEKPfs1cSnA679EtDKiX8juE7u-aDnqZupz6c9J5KG-L9mdpQAXoAnZJcgreOt8__nGVQywoMqEDJMTl0DruLgU5POCduOTQeJJTYtsK8yH3OS0CwO7ATWv-k_j914VlyGVOGq4-SoK_Mxlbx-5FYhg/s320/POLICIAL.png


        Mas daqui a pouco isso vira. A coisa é cíclica, quando a gente menos espera estoura um daqueles escândalos que dá matéria para um ano. Está tudo podre, no ponto, é só esperar.

        Antes de estourar me mandaram embora.

        Só tem pequeno comerciante matando sócio, pequeno bandido matando pequeno comerciante, polícia matando pequeno bandido. Coisas pequenas, eu disse a Oswaldo Peçanha, editor-chefe e proprietário do jornal Mulher.

        Tem também meningite, esquistossomose, doença de Chagas, disse Peçanha.

        Mas fora da minha área, eu disse.

        Você já leu Mulher? Peçanha perguntou.

        Admiti que não. Gosto mais de ler livros.

        Peçanha tirou uma caixa de charutos de dentro da gaveta e me ofereceu um. Acendemos os charutos. Em pouco tempo o ambiente ficou irrespirável. Os charutos eram ordinários, estávamos no verão, de janelas fechadas, e o aparelho de ar condicionado não funcionava bem.

        -- Mulher não é uma dessas publicações coloridas para burguesas que fazem regime. E feita para a mulher da classe C, que come arroz com feijão e se ficar gorda azar o dela. Dá uma olhada.

        Peçanha jogou na minha frente um exemplar do jornal. Formato de tablóide, manchetes em azul, algumas fotos fora de foco. Fotonovela, horóscopo, entrevistas com artistas da televisão, corte-e-costura.

        -- Você acha que poderia fazer a seção De Mulher para Mulher, O nosso consultório sentimental? O cara que fazia se despediu.

        De Mulher para Mulher era assinado por uma tal Elisa Gabriela. Querida Elisa Gabriela, meu marido chega toda noite embriagado e...

        -- Acho que posso, eu disse.

        -- Ótimo. Começa hoje. Que nome você quer usar? Pensei um pouco.

        -- Nathanael Lessa.

        [...]

        Peçanha deu duas baforadas no charuto, irritado.

        -- Primeiro, não é um nome como outro qualquer. Segundo, não é nome da Classe C. Aqui só usamos nomes do agrado da Classe C, nomes bonitos. Terceiro, o jornal só homenageia quem eu quero e eu não conheço nenhum Nathanael Lessa e finalmente a irritação de Peçanha aumentara gradativamente, como se ele estivesse tirando um certo proveito dela – aqui, ninguém, nem mesmo eu, usa pseudônimo masculino. Meu nome é Maria de Lourdes!

        [...]

Fonseca, Rubem. “Corações solitários”. In: Feliz ano novo. Rio de Janeiro, Artenova, 1975.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. João Domingues Maia – Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 59.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a profissão do narrador no início do conto?

      O narrador trabalha como repórter de polícia em um jornal popular.

02 – Qual é a queixa do editor do jornal sobre as notícias recentes?

      O editor reclama que não há crimes interessantes ou escandalosos acontecendo na cidade, apenas "coisas pequenas".

03 – Por que o narrador é demitido do jornal?

      O narrador é demitido porque não há crimes de grande repercussão para ele cobrir, e o jornal está em uma "fase ruim".

04 – Qual é a nova proposta de trabalho oferecida ao narrador?

      O narrador é convidado a escrever a seção "De Mulher para Mulher, O nosso consultório sentimental" no jornal Mulher, assinando com um pseudônimo feminino.

05 – Qual é a reação do editor quando o narrador sugere o pseudônimo "Nathanael Lessa"?

      O editor, Oswaldo Peçanha, fica irritado e rejeita o nome, afirmando que o jornal só usa nomes "do agrado da Classe C" e que ninguém usa pseudônimo masculino ali.

06 – Qual é o nome verdadeiro do editor do jornal Mulher?

      O nome verdadeiro do editor é Maria de Lourdes.

07 – Quais temas são abordados neste fragmento do conto?

      O fragmento aborda temas como a busca por histórias sensacionalistas na imprensa, a natureza cíclica dos escândalos, a precariedade do trabalho jornalístico e as convenções de gênero na sociedade.