quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

CRÔNICA: MEDO DA VELHICE - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Medo da Velhice

                Walcyr Carrasco

 

HÁ POUCOS DIAS EU ESTAVA no aeroporto, prestes a pegar a ponte aérea. Carregava a maleta um tanto pesada, com livros, agendas, remédio para o colesterol e tudo aquilo que dá medo de despachar e perder. Andei até o avião. Meu ombro doía.  De repente me veio a sensação. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCSiELtr-BOTaGTADw_SoMyb0GhaWlNRM9iGc5GzG8d1awpoCFoOAanW0EDL3biFLAaQB2yD7_TvWKN8sE2dDUMJHz_AFxJQG30ZfPxujKLYYX3Q5oQnEPnDdYqNbHxIyU7AqY7S8Sn65KWprAUJ4dJ0EaraNNWn1g48CfiOYifjM9xENIRIpZWCHrbRY/s320/AEROPORTO.jpg


— O que farei quando for idoso e não der conta de levar este peso?

Foi desconfortável. À medida que fico maduro, tomo consciência de que a cidade é feita para quem está no auge da saúde, com força total. Não gosto de chover no molhado, e cair em saudosismo romântico, dizendo que antes era bem melhor. Mas há uns trinta anos eu quebrei o braço direito e andei de tipoia um bom tempo. Nunca havia imaginado que as pessoas pudessem ser tão simpáticas e solidárias. Sempre havia alguém para me ajudar a subir no ônibus ou carregar meus livros escolares. Ofereciam-me o lugar para sentar. Uma colega copiava as anotações da universidade no meu caderno. Agora parece que esse tipo de solidariedade automática, desinteressada, anda em extinção. São frequentes as reportagens sobre as peruas que não param para idosos. Quando saiu a lei do passe livre, minha mãe e minhas tias se divertiam visitando-se mutuamente. Sentiam-se especiais, bem-cuidadas. Hoje me dói o coração quando passo em frente a um ponto de ônibus e vejo um grupo de velhas, muitas vezes no vento e no frio, esperando um tempo absurdo pelo transporte — como se fosse uma esmola. Pior: nem que queiram pagar conseguem. Muitos motoristas fogem diante dos cabelos brancos.

Se entro em uma loja vejo uma senhora idosa examinando um artigo em promoção, invariavelmente a vendedora está com ar impaciente. Prefere atender gente com vontade de comprar mais depressa. Pessoas idosas são muitas vezes solitárias. Gostam de conversar um pouco mais, de ter uma conversa amigável com o vendedor, com o garçom. Soube de uma senhora, de origem norte-americana, que ficou sozinha no mundo. Mudou-se para um hotel médio, no centro da cidade, para sentir-se mais segura e protegida. Eu costumava jantar no restaurante desse hotel. Invariavelmente ouvia queixas de que ela era chata, impaciente, que reclamava muito. Ninguém parecia entender que se tratava de uma mulher sem parentes, em um país estranho, provavelmente assustada. Necessitando, simplesmente, de um pouco de calor humano. Acabou se mudando, nunca soube para onde.

Conversando com um amigo dedicado a causas sociais, descobri que existem muitos voluntários para programas ligados à infância. Um número expressivamente menor para idosos. Como se pelo fato de já terem idade, não tivessem tanta importância assim. Mesmo nas famílias. As pessoas estão o tempo todo muito ocupadas. São poucas as com disposição para passar uma tarde ou uma noite batendo papo, preparando um jantarzinho melhor, trocando afeto. O velho é obrigado a entender que a vida do neto corre depressa, e que ele não tem paciência para seu ritmo mais lento, para suas recordações, para seu modo de ver o mundo. Talvez diferente, talvez conservador, mas nem por isso a troca de experiências seria menos válida.

Penso que nossos ancestrais sabiam lidar melhor com a velhice. Viviam em cidades menores, os vizinhos se conheciam, e um ajudava o outro. Sempre havia alguém para fazer uma sopa, para pedir ajuda em caso de doença. Na cidade grande, é sempre uma correria onde frequentemente se esquecem os valores humanos. É duro olhar para esse mundo e se perguntar:

                  O que será de mim, quando for velho?

Talvez, se todos se fizessem a mesma pergunta, as coisas poderiam melhorar a partir de agora.

Entendendo o texto

01. Qual é o tema central abordado na crônica "Medo da Velhice" de Walcyr Carrasco?

     a) Viagens de avião.
     b) Solidariedade na juventude.
     c) Desafios enfrentados por idosos na sociedade.
    d) A experiência de quebrar um braço.

02. Quem é o narrador na crônica?

      a) Terceira pessoa.
      b) Uma personagem idosa.
      c) Primeira pessoa.
      d) Um observador externo.

03. O que o narrador carregava consigo no aeroporto?

      a) Livros, agendas e remédio para o colesterol.
      b) Roupas e sapatos.
      c) Comida e bebida.
      d) Brinquedos e presentes.

04. Qual é a sensação desconfortável que o narrador sente no aeroporto?

      a) Medo de voar.
      b) Dor no ombro.
      c) Solidariedade.
      d) Nostalgia.

05. O que o narrador destaca como uma experiência de solidariedade automática no passado?

      a) Oferecimento de lugar no ônibus.
      b) Carregar livros escolares.
      c) Copiar anotações na universidade.
      d) Todas as opções acima.

06. Segundo o narrador, o que frequentemente acontece nos dias atuais em relação aos idosos nos pontos de ônibus?

      a) Recebem esmola.
      b) São ignorados pelos motoristas.
      c) Fogem dos cabelos brancos.
      d) Todas as opções acima.

07. O que o narrador percebe ao entrar em uma loja e ver uma senhora idosa examinando um artigo em promoção?

      a) A vendedora está impaciente.
      b) A vendedora está solícita.
      c) A vendedora está sorridente.
      d) A vendedora está desinteressada.

08. O que o narrador destaca como uma dificuldade enfrentada pelos idosos em relação à solidariedade na sociedade?

     a) Falta de voluntários para programas ligados ao idoso.
     b) Falta de disposição das pessoas em passar tempo com idosos.
     c) Apresso das pessoas em relação à vida do neto.
     d) Todas as opções acima.

09. Segundo o narrador, como era a convivência com a velhice em cidades menores no passado?

      a) As pessoas se conheciam e ajudavam umas às outras.
      b) Sempre havia alguém para fazer uma sopa ou ajudar em caso de doença.
      c) Os vizinhos eram mais solidários.
      d) Todas as opções acima.

10. Qual é a reflexão final do narrador em relação à velhice e à sociedade atual?

       a) Todos deveriam se fazer a mesma pergunta para melhorar as coisas.
       b) O narrador não se preocupa com o futuro.
       c) A sociedade moderna é mais solidária com os idosos.
       d) A velhice era melhor no passado.

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