Texto: Vida sim, drogas não!
(Fragmento)
Frei Betto
(...)
O narcotráfico movimenta por ano, no
mundo, cerca de US$ 400 bilhões pouco menos que o PIB brasileiro. Os cabeças
escapam através da lavagem de dinheiro, do tráfico de influências, da compra de
policiais, militares e juízes. Os pés-de-chinelo são caçados nas favelas,
morrem crivados de balas ou padecem nas prisões.
De 1980 a 1996, os assassinatos, no
Brasil, dobraram de 13 para 25 por cada grupo de 100 mil habitantes. Entre
jovens de 15 a 19 anos, o índice subiu para 44,8/100 mil. A maioria em
decorrência do uso e do tráfico de drogas.
Quem são os culpados? Todos nós somos
responsáveis, até mesmo por omissão frente ao problema, e somos também vítimas
(assaltos por drogados, acidentes de trânsito em consequência de bebidas,
disseminação da Aids, políticos eleitos com o dinheiro do narcotráfico etc.).
Inútil pensar que a questão da droga é um problema individual. É, sim, uma
grave questão social.
A droga não é causa, é efeito. Se
quisermos erradicá-la, teremos de encarar de frente um desafio: a mudança da
sociedade em que vivemos. Não se trata de ceder ao maniqueísmo ideológico e
acreditar que o advento do socialismo porá fim ao problema. Também nas sociedades
socialistas da Europa do Leste o narcotráfico atuava, como hoje opera em Cuba.
Essa "civilização química" na
qual vivemos resulta do nosso desencanto subjetivo. Uma pessoa destituída de
valores espirituais religião, utopia, ideologia etc. tende a buscar
sucedâneos que preencham o seu vazio interior. No fundo, recorre-se à droga
para alterar o estado de consciência. Eis uma necessidade da qual nenhum ser
pode prescindir. Ninguém aguenta ser "normal" o tempo todo.
É uma exigência de nossa saúde
espiritual cultivar a subjetividade, como o artista esteticamente febril diante
de sua obra, o profissional encantado com o seu projeto, o militante
guevarianamente empenhado em sua luta, a jovem apaixonada, o místico tocado
pelo amor divino. São estados de plenitude e felicidade.
Porém, não se encontram à venda na
farmácia da esquina, nem merecem publicidade na mídia. Até porque são valores
anticonsumistas. Quanto mais realizada uma pessoa, graças ao sentido que
imprime à sua vida, menos ela sente necessidade de recursos artificiais que
alteram momentaneamente o estado de consciência para, em seguida, passado o
efeito, desabar no vazio de si mesmo, no abismo da própria frustração.
Mudar a sociedade não é só transformar
as suas estruturas. Isso é o prioritário: assegurar a todos alimentação,
moradia, saúde e educação, trabalho, lazer e cultura, o que supõe distribuição
de riqueza, partilha dos frutos do trabalho humano, soberania nacional, reforma
agrária etc. Mudar a sociedade é modificar também os valores que regem a vida
social. Essa revolução cultural certamente é mais difícil que a primeira, a
social. Talvez por isso o socialismo tenha desabado como um castelo de cartas
no Leste europeu. Saciou a fome de pão, mas não a de beleza. Erradicou-se a
miséria, mas não se logrou que as pessoas cultivassem sentimentos altruístas,
valores éticos, atitudes de compaixão e solidariedade. O resultado é
assombroso: após 70 anos de socialismo, a Rússia hoje destaca-se pelas máfias
de prostituição infantil e pela corrupção crônica em todos os escalões da
sociedade.
(...)
FREI BETTO. In: O São Paulo.
Jornal da Arquidiocese de São Paulo. 7 mar. 2001, p. 4.
Fonte: Linguagem
Nova. Faraco & Moura. Editora Ática. 8ª série. p. 54-7.
Entendendo o texto:
01 – Logo no início do
texto, o autor chama a atenção do leitor para um dado importante. Que dado é
esse?
A quantidade
exorbitante de dinheiro movimentada pelo narcotráfico (cerca de 400 bilhões de
dólares).
02 – Qual é a ideia principal
desse parágrafo?
Mostrar que as
consequências são piores para os pobres que se envolvem com o narcotráfico, já
que os ricos podem “comprar” a justiça.
03 – O que mostram os dados
estatísticos no segundo parágrafo?
Que a maioria dos
assassinatos ocorridos entre jovens de 19 a 25 anos é decorrente do uso ou
tráfico de drogas.
04 – No terceiro parágrafo,
o autor apresenta seu ponto de vista sobre o problema das drogas:
a) Como
ele faz isso?
Inicialmente lança uma pergunta – “Quem são os culpados?” –, para
depois responde-la.
b) Segundo
o autor, todos nós somos de algum modo responsáveis pela situação gerada pelas
drogas. Explique.
Quem não toma nenhuma atitude é responsável por omissão diante do
problema.
c) Qual
é a ideia principal apresentada pelo autor nesse parágrafo?
A droga é um problema social e não só individual.
05 – O que o autor quer
dizer ao afirmar que o problema da droga é efeito e não causa?
Não é a droga a
responsável pelos males da sociedade, mas são os problemas sociais que acabam
levando ao consumo de droga.
06 – Segundo ele, qual é a
condição para se acabar com o problema da droga?
A transformação
total da sociedade.
07 – Maniqueísmo é uma
doutrina segundo a qual tudo se baseia em dois princípios opostos: o bem e o
mal. De acordo com uma visão maniqueísta, se o socialismo representasse o bem,
qual seria o mal?
O capitalismo.
08 – Vivemos numa sociedade
capitalista. Ao propor uma transformação na nossa sociedade, o autor está
propondo necessariamente o socialismo como alternativa? Explique.
Não. Segundo ele, o problema das drogas
também estava presente nas sociedades socialistas.
09 – O que o autor quer
dizer com a expressão “civilização química”?
Possivelmente
quer dizer que nossa sociedade está dominada por produtos químicos,
principalmente os que causam dependência.
10 – Qual é, segundo ele, a
causa desse tipo de civilização?
A falta de
valores espirituais, que gera um vazio interior.
11 – Explique com suas
palavras a frase: “Ninguém aguenta ser ‘normal’ o tempo todo”.
Resposta pessoal
do aluno.
12 – No sexto parágrafo, de
acordo com o autor, de que maneiras podemos cultivar nossa subjetividade, isto
é, cultivar nossos valores espirituais?
Por meio de uma
atividade artística, da militância política, da paixão, da fé, etc.
13 – No sétimo parágrafo:
a)
“...não se encontram à venda na farmácia da esquina...”. O que o autor quis dizer com
essa frase?
Que os valores espirituais não são facilmente encontráveis.
b)
Que palavras ou expressões do 5° e do 6°
parágrafos podem-se relacionar ao termo farmácia?
“Civilização química”, droga, saúde, febril.
c)
Reescreva a frase que segue, começando com a
expressão “Quanto menos...”, mantendo o mesmo sentido: Quanto mais realizada é
uma pessoa, menos ela sente necessidade de recursos artificiais.
Quanto menos realizada é uma pessoa, mais ela sente necessidade de
recursos artificiais.
d)
“Até porque são valores anticonsumistas”. Qual é o sentido, no texto, da palavra destacada?
Que não são de consumo rápido e efeito momentâneo.
14 – Do oitavo parágrafo,
transcreva os dois períodos que resumem a opinião do autor sobre o tema.
“Mudar a
sociedade não é só transformar as suas estruturas”; “Mudar a sociedade é
modificar também os valores que regem a vida social”.
15 – Segundo o autor, o que
é mais fácil: fazer com que a população incorpore valores anticonsumistas ou
passar de um governo capitalista para um socialista?
A segunda
alternativa é a resposta.