Crônica: Casas amáveis
Cecília Meireles
VOCÊS ME DIRÃO QUE AS casas antigas têm ratos, goteiras, portas e janelas empenadas, trincos que não correm, encanamentos que não funcionam. Mas não acontece o mesmo com tantos apartamentos novinhos em folha?
Agora, o que nenhum arranha-céu poderá ter, e as casas antigas tinham, é esse ar humano, esse modo comunicativo, essa expressão de gentileza que enchiam de mensagens amáveis as ruas de outrora.
Havia o feitio da casa: os chalés, com aquelas rendas de madeira pelo telhado, pelas varandas, eram uma festa, uma alegria, um vestido de noiva, uma árvore de Natal.
As casas de platibanda expunham todos os seus disparates felizes: jarros e compoteiras lá no alto, moças recostadas em brasões, pássaros de asas abertas, painéis com datas e monogramas em relevos de ouro. Tudo isso queria dizer alguma coisa: as fachadas esforçavam-se por falar. E ouvia-se a sua linguagem com enternecimento. Mas, hoje, quem se detém a olhar para rosas esculpidas, acentos, estrelas, cupidos, esfinges, cariátides? Eram recordações mediterrâneas, orientais: mitologia, paganismo, saudade. (Que quer dizer saudade? E para que e o que recordar?)
Os jardins tinham suas deusas, seus anões; possuíam mesmo bosques, onde morariam ecos e oráculos; e pequenas cascatas, pequenas grutas com um pouco d'água para os peixinhos. Possuíam canteiros de flores obscuras - violetas, amores-perfeitos - para serem vistas só de perto, carinhosamente, uma por uma, de cor em cor. (Hoje, estes ventos grandiosos apagam tudo.)
E, lá dentro, as casas tinham corredores crepusculares, porões úmidos, habitados por certos fantasmas domésticos, que de vez em quando se faziam lembrar, com seus pálidos sopros, seus transparentes calcanhares, suas algemas de escravidão.
As famílias abrigavam cortejos de mortos.
E havia as claraboias. Luz como aquela? Nem a do luar! - uma suavidade de cinza e marfim, a maciez da seda, o fulgor da opala. As casas eram o retrato de seus proprietários. Sabia-se logo de suas virtudes e defeitos. Retratos expostos ao público: nem sempre simpáticos, mas geralmente fiéis.
Agora, os andaimes sobem, para os arranha-céus vitoriosos, frios e monótonos, tão seguros de sua utilidade que não podem suspeitar da sua ausência de gentileza.
Qualquer dia, também desaparecerão essas últimas casas coloridas que exibem a todos os passantes suas ingênuas alegrias íntimas - flores de papel, abajures encarnados, colchas de franjas - e sujas risonhas proprietárias têm sempre um Y no nome, Yara, Nancy, Jeny... Ah! Não veremos mais essas palavras, em diagonal, por cima das janelas, de cortininhas arregaçadas, com um gatinho dormindo no peitoril.
Afinal, tudo serão arranha-céus. (Ninguém mais quer ser como é: todos querem ser como os outros são.)
E eis que as ruas ficarão profundamente tristes, sem a graça, o encanto, a surpresa das casas que vão sendo derrubadas. Casas suntuosas ou modestas, mas expressivas, comunicantes. Casas amáveis.
Entendendo o texto
01. Qual é o tema central abordado na crônica
"Casas amáveis" de Cecília Meireles?
a) As goteiras em casas antigas.
b) A arquitetura de casas antigas.
c) A falta de comunicação em arranha-céus.
d) A gentileza e comunicação das casas antigas.
02. Quem é
o narrador da crônica "Casas amáveis"?
a) Um
arquiteto.
b) Um observador externo.
c) A
própria Cecília Meireles.
d) Um morador de arranha-céu.
03. Segundo
a crônica, o que as casas antigas têm que os arranha-céus não podem ter?
a)
Goteiras.
b) Ar
humano e gentileza.
c) Portas e janelas
empenadas.
d) Corredores crepusculares.
04. O que
as fachadas das casas antigas tentavam fazer?
a) Falar com enternecimento.
b) Manter a privacidade dos
moradores.
c) Esconder suas imperfeições.
d)
Impressionar com a modernidade.
05. Quais
elementos decorativos eram comuns nas casas antigas mencionadas na crônica?
a)
Gatos e cachorros.
b) Rosas
esculpidas, estrelas, e cupidos.
c) Pássaros de asas
abertas.
d) Árvores de Natal.
06. O que
os jardins das casas antigas possuíam?
a)
Chafarizes e esculturas.
b)
Deuses e deusas.
c) Paredes de pedra.
d) Piscinas.
07. Segundo a crônica, qual é a característica
das casas que as torna um retrato de seus proprietários?
a)
As goteiras.
b) As
fachadas decoradas.
c) As claraboias.
d) Os corredores crepusculares.
08. O que a
crônica menciona sobre os arranha-céus em comparação com as casas antigas?
a) São
mais seguros.
b) São mais coloridos.
c) São
mais frios e monótonos.
d) São mais expressivos.
09. Como as
casas coloridas mencionadas na crônica expressam suas alegrias íntimas?
a) Flores de papel e
abajures encarnados.
b) Piscinas e jardins.
c) Claraboias e corredores
crepusculares.
d) Fachadas decoradas com datas
e monogramas.
10. Qual é a
previsão da autora para o futuro das ruas mencionadas na crônica?
a) Ficarão profundamente tristes sem as casas antigas.
b) Serão mais
movimentadas com os arranha-céus.
c) Manterão sua graça e encanto.
d) Terão mais casas coloridas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário