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domingo, 15 de maio de 2022

ROMANCE: O CORTIÇO - (FRAGMENTO) - ALUÍSIO AZEVEDO - COM GABARITO

 Romance: O CORTIÇO – Fragmento  

                Aluísio Azevedo

[...]

        A primeira que se pôs a lavar foi a Leandra, por alcunha a “Machona”, portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca de animal do campo. Tinha duas filhas, uma casada e separada do marido, Ana das Dores, a quem só chamavam a “das Dores”, e a outra donzela ainda, a Neném, e mais um filho, o Agostinho, menino levado dos diabos, que gritava tanto ou melhor que a mãe. A das Dores morava em sua casinha à parte, mas toda a família habitava no cortiço.

        Ninguém ali sabia ao certo se a Machona era viúva ou desquitada; os filhos não se pareciam uns com os outros. A das Dores, sim, afirmavam que fora casada e que largara o marido para meter-se com um homem do comércio; e que este, retirando-se para a terra e não querendo soltá-la ao desamparo, deixara o sócio em seu lugar. Teria vinte e cinco anos.

        Neném dezessete. Espigada, franzina e forte, com uma proazinha de orgulho da sua virgindade, escapando como enguia por entre os dedos dos rapazes que a queriam sem ser para casar. Engomava bem e sabia fazer roupa branca de homem com muita perfeição.

        Ao lado da Leandra foi colocar-se à sua tina a Augusta Carne-Mole, brasileira, branca, mulher de Alexandre, um mulato de quarenta anos, soldado da polícia, pernóstico, de grande bigode preto, queixo sempre escanhoado e um luxo de calças brancas engomadas e botões limpos na farda, quando estava de serviço. Também tinham filhos, mas ainda pequenos, um dos quais, a Juju, vivia na cidade com a madrinha que se encarregava dela. Esta madrinha era uma cocote de trinta mil-réis para cima, a Léonie, com sobrado na cidade. Procedência francesa.

        Alexandre, em casa, à hora do descanso, nos seus chinelos, e na sua camisa desabotoada, era muito chão com os companheiros de estalagem, conversava, ria e brincava, mas envergando o uniforme, encerando o bigode e empunhando a sua chibata, com que tinha o costume de fustigar as calças de brim, ninguém mais lhe via os dentes e então a todos falava teso e por cima do ombro. A mulher, a quem ele só dava tu quando não estava fardado, era de uma honestidade proverbial no cortiço, honestidade sem mérito, porque vinha da indolência do seu temperamento e não do arbítrio do seu caráter.

        [...].

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Escala Educacional, 2006.

Fonte: Livro – Viva Português 2° – Ensino médio – Língua portuguesa – 1ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2011. Ed. Ática. p. 146-7.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Arbítrio: opinião, vontade.

·        Chão: despretensioso, sincero.

·        Dar tu: chamar por tu, referir-se a alguém por meio do pronome tu. Pelo costume português, chamam-se por tu apenas as pessoas íntimas.

·        Envergar: trajar, vestir.

·        Fustigar: açoitar.

·        Indolência: preguiça, inércia.

·        Pernóstico: afetado, pretencioso.

·        Proverbial: famoso, sempre citado como modelo de alguma coisa.

·        Teso: áspero, ríspido.

02 – Esse trecho destaca alguns aspectos da vida das personagens Leandra, das Dores, Augusta e Alexandre.

a)   Reproduza o quadro abaixo no caderno e escreva o nome de cada personagem junto ao aspecto que lhe retrata.

·        Organização familiar: Leandra, das Dores.

·        Comportamento: Augusta.

·        Importância que atribui ao papel social: Alexandre.

b)  b) Resuma as informações dadas sobre cada personagem.

Não se sabe se Leandra é viúva ou desquitada, apenas que seus filhos não se parecem entre si. Das Dores já foi casada e, vive, provavelmente, seu terceiro relacionamento. Alexandre é um homem convicto do seu papel social: sua farda policial é o que o distingue dos demais, até de si mesmo, que se permite um comportamento mais relaxado quando não a está vestindo. Augusta, esposa de Alexandre, apresenta comportamento exemplar, mas não por convicção moral, e sim por indiferença às coisas, por apatia.

c)   O narrador, nessas descrições, faz explicitamente algum tipo de julgamento moral? Ou seja, em algum momento ele avalia o comportamento das personagens, sugerindo que suas atitudes estejam certas ou erradas?

O narrador não afirma explicitamente serem certas ou erradas as atitudes das personagens, mas faz pelo menos um comentário, no final do texto.

03 – A descrição do amanhecer no cortiço revela que:

a)   Os animais não tinham acesso ao local.

b)   O lugar era bastante tranquilo nas primeiras horas do dia.

c)   Vendedores de hortaliças eram os primeiros a chegar ao local.

d)   O barulho dos mercadores e o movimento eram grandes desde cedo.

04 – Qual dos personagens citados no trecho era morador do cortiço?

          a) Das Dores.         b) Leandra.              c) Augusta.

05 – “A primeira que se pôs a lavar foi a Leandra, por alcunha a ‘Machona’”, o termo em destaque tem o sentido de

      a) referência       b) vontade        c) implicância        d) apelido.

06 – O narrador emite um juízo acerca do tipo de honestidade da Augusta Carne-Mole, mulher do soldado de polícia, Alexandre. Releia: “[...] honestidade sem mérito, porque vinha da indolência do seu temperamento e não do arbítrio do seu caráter.”

a)   O que você entende por “arbítrio do caráter”?

Trata-se de atitudes que devem ser medidas, ponderadas, levando em consideração a própria consciência, as leis e a moral vigente. Isso exige atitudes e escolhas baseadas na compreensão de cada um sobre o que é considerado certo ou errado.

b)   Por que, segundo o narrador, não havia mérito da honestidade praticada por Augusta?

Segundo o narrador, Augusta era honesta por preguiça, ou seja, porque era mais fácil para ela ser assim, não porque sua honestidade estivesse baseada numa moral sólida envolvendo ponderações e escolhas.

 

 

terça-feira, 22 de outubro de 2019

ROMANCE: RITA BAIANA - FRAGMENTO - ALUÍSIO AZEVEDO - COM GABARITO

Romance: Rita Baiana – Fragmento
                 Aluísio Azevedo

        Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, titilando.
        [...]
        O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando os que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante.
        E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados.
        Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
         AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 25. ed. São Paulo, Ática, 1992. p. 72-3.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 266-7.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Ilhargas: Cada uma das partes laterais e inferiores do baixo-ventre.

·        Luxurioso: Sensual, libidinoso.

·        Despoticamente: Tiranicamente.

·        Embambecer: Afrouxar, relaxar.

·        Setentrional: Situado ao norte.

02 – Que diferenças podemos estabelecer entre a caracterização de Rita Baiana e uma personagem feminina dos romances românticos?
      Rita Baiana é uma mulata rude, libidinosa, sem recato ou pudor, ao contrário da descrição romântica de mulheres educadas, meigas, frágeis e recatadas.

03 – Como você caracteriza o meio social do cortiço? Em que ele difere do ambiente romântico?
      O meio social é de pobres, assalariados, biscateiros, negros, mestiços e portugueses. O ambiente romântico é o das casas e palacetes burgueses.

04 – Que sentimentos são despertados em Jerônimo pela dança de Rita Baiana?
      Sentimentos de paixão e desejo.

05 – O narrador faz questão de retratar atitudes e personagens primitivos, acentuando a degradação dos tipos. Para isso, no romance, aproxima-os insistentemente de insetos e animais. Retire do texto exemplos que exemplifiquem esta afirmação.
      “Ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida.”