LEITURA: CAMINHO
PARA A CIDADANIA
Ler e escrever são duas operações
essenciais na sociedade moderna. Além de ser um eficiente instrumento para a
exercício das atividades lúdicas e práticas, a leitura proporciona ao indivíduo
a oportunidade de alargamento dos horizontes pessoais, culturais e
profissionais, uma vez que a maioria das interações sociais e atividades
profissionais, acadêmicas e científicas gira em torno da leitura e da escrita.
O pesquisador e professor Paulo
Andrade, doutorando em Estudos Literários na Unesp de Araraquara e autor do
livro Torquato Neto: uma poética de estilhaços, além de vários ensaios em
revistas especializadas, no artigo publicado na Página LITERATURA, no dia 12 de
março de 2004, e reproduzido em partes abaixo, afirma que a “capacidade de
leitura é condição fundamental para o exercício pleno da cidadania”.
A capacidade de leitura, portanto, mais
que simples decodificação, é condição fundamental para o exercício da
cidadania. A importância cada vez maior da leitura e da escrita os estimula a
refletir sobre a primeira, as funções que desempenha e a respeito das relações
que se estabelecem entre o ato de ler e a escola, uma das principais matrizes
geradoras de educação, como a família, o grupo social e os veículos de
comunicação em massa.
As principais funções sociais da
leitura são: a leitura para fruição, deleite ou prazer; a leitura para a
aquisição de informações de cultura geral, de atualização sobre o que ocorre na
comunidade e no mundo; a leitura para fins de estudo e trabalho e a leitura
para fins religiosos e de auto ajuda. A leitura, portanto, deve ser
primeiramente uma opção individual prazerosa, não habitual, nem imposta.
O prazer de ler surge na infância. A
criança quando está na alfabetização sente grande prazer quando os adultos leem
histórias para ela. A criança ouve, reconta, manuseia o livro e no outro dia
pede que lhe contem a mesma história. A curiosidade pelo texto de leitura é
marcante nessa faixa etária. Estatísticas educacionais provam que a frequência
às bibliotecas, circulação de livros e projetos de leitura entre estudantes das
fases iniciais do Ensino Fundamental são expressivas e superiores aos demais
níveis. No entanto, ao entrar para o Ensino Médio, o próprio aluno declara que
não gosta de ler. Questões como essa motivam pesquisadores a refletir o porquê
desse problema e buscar soluções. E no Ensino Superior, para que serve leitura?
Por que a maioria dos alunos não lê?
Muitos, mas muitos alunos mesmo, sentem
desgosto pela leitura, porque são mais atraídos pelas coisas mais fáceis, como
a televisão, por exemplo. Mas os meios de comunicação não são os culpados,
pois, cada um, a sua maneira, cumpre papéis importantes na sociedade. A
alienação cultural de uma parcela da classe universitária é proveniente de
diversos fatores, entre os quais, a ausência do apego à leitura como prática
cultural nas famílias, desde a infância, prática que vai diminuindo e se
perdendo com o passar dos anos escolares. A desculpa de ser pobre ou a alegação
de não ter condições de acesso à leitura já não convence. Programas de leitura
nas bibliotecas garantem o acesso público aos livros. O prazer de ler é, sem
dúvida, uma opção de vida e uma escolha inteligente, criativa e muito esperta
para quem tem visão empreendedora e busca um exercício digno de cidadania.
Se o estudante de nossas faculdades
conscientizar-se de que, por intermédio da leitura, poderá adquirir novos
conhecimentos e mudar sua maneira de pensar o mundo, naturalmente garantirá seu
acesso à cidadania. “Sabe que eu escutei, vi, mas não entendi.” Essa declaração
é um exemplo da falta de leitura de mundo e da prática do pensamento alienado
que muitas pessoas vivem. Não compreendem o que ouvem, nem o que leem. Dançar
com o pensamento, segundo Rubem Alves, é garantir novas formas de repensar o
mundo e a si mesmo. E a leitura permite isso.
Caro acadêmico, invista na leitura
diária como hábito cultural associado a seu projeto de vida. Só assim a
conquista da cidadania pode tornar-se ainda mais fácil e rápida.
A
IMPORTÂNCIA DA LEITURA
A prática da leitura se faz presente em
nossas vidas desde o momento em que começamos a “compreender” o mundo a nossa
volta. No constante desejo de decifrar e interpretar o sentido das coisas que
nos cercam, de perceber o mundo sob diversas perspectivas, de relacionar a
realidade ficcional com a que vivemos, no contato com um livro, enfim, em todos
estes casos estamos, de certa forma, lendo – embora, muitas vezes, não nos
demos conta.
A
atividade de leitura não corresponde a uma simples decodificação de símbolos,
mas significa, de fato, interpretar e compreender o que se lê. Segundo Ângela
Kleiman, a leitura precisa permitir que o leitor apreenda o sentido do texto,
não podendo transformar-se em mera decifração de signos linguísticos sem a
compreensão semântica dos mesmos.
Nesse processamento do texto, tornam-se
imprescindíveis também alguns conhecimentos prévios do leitor: os linguísticos,
que correspondem ao vocabulário e regras da língua e seu uso; os textuais, que
englobam o conjunto de noções e conceitos sobre o texto; e os de mundo, que
correspondem ao acervo pessoal do leitor. Numa leitura satisfatória, ou seja,
na qual a compreensão do que se lê é alcançada, esses diversos tipos de
conhecimento estão em interação. Logo, percebemos que a leitura é um processo
interativo.
Quando citamos a necessidade do
conhecimento prévio de mundo para a compreensão da leitura, podemos inferir o
caráter subjetivo que essa atividade assume. Conforme afirma Leonardo Boff,
cada um lê com os olhos que tem. E interpreta onde os pés pisam. Todo ponto de
vista é a vista de um ponto. Para entender o que alguém lê, é necessário saber
como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isto faz da leitura sempre
um releitura. [...] Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor.
A partir daí, podemos começar a
refletir sobre o relacionamento leitor-texto. Já dissemos que ler é, acima de
tudo, compreender. Para que isso aconteça, além dos já referidos processamento
cognitivo da leitura e conhecimentos prévios necessários a ela, é preciso que o
leitor esteja comprometido com sua leitura. Ele precisa manter um
posicionamento crítico sobre o que lê, não apenas passivo. Quando atende a essa
necessidade, o leitor se projeta no texto, levando para dentro dele toda sua
vivência pessoal, com suas emoções, expectativas, seus preconceitos, etc. É por
isso que consegue set tocado pela leitura.
Assim, o leitor mergulha no texto e se
confunde com ele, em busca de seu sentido. Isso é o que afirma Roland Barthes,
quando compara o leitor a uma aranha: [...] o texto se faz, se trabalha através
de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura –, o
sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolve ela mesma nas secreções
construtivas de sua teia.
Dessa forma, o único limite para a
amplidão da leitura é a imaginação do leitor; é ele mesmo quem constrói as
imagens acerca do que está lendo. Por isso ela se revela como uma atividade
extremamente frutífera e prazerosa. Por meio dela, além de adquirirmos mais
conhecimentos e cultura – o que nos fornece maior capacidade de diálogo e nos
prepara melhor para atingir às necessidades de um mercado de trabalho exigente
–, experimentamos novas experiências, ao conhecermos mais em que vivemos e
também sobre nós mesmos, já que ela nos leva à reflexão.
E refletir, sabemos, é o que permite ao
homem abrir as portas de sua percepção. Quando movido por curiosidade, pelo desejo
de crescer, o homem se renova constantemente, tornando-se cada dia mais apto a
estar no mundo, capaz de compreender até as entrelinhas daquilo que ouve e vê,
do sistema em que está inserido. Assim, tem ampliada sua visão de mundo e seu
horizonte de expectativas.
Desse modo, a leitura se configura como
um poderoso e essencial instrumento libertário para a sobrevivência do homem.
Há entretanto, uma condição para que a
leitura seja de fato prazerosa e válida: o desejo do leitor. Como afirma Daniel
Pennac, “o verbo ler não suporta o imperativo”. Quando transformada em
obrigação, a leitura se resume a simples enfado. Para suscitar esse desejo e
garantir o prazer da leitura, Pennac prescreve alguns direitos do leitor, como
o de escolher o que quer ler, o de reler, o de ler em qualquer lugar, ou, até
mesmo, o de não ler. Respeitados esses direitos, o leitor, da mesma forma,
passa a respeitar e valorizar a leitura. Está criado, então, um vínculo
indissociável. A leitura passa a ser irmã que atrai e prende o leitor, numa
relação de amor da qual ele, por sua vez, não deseja desprender-se.