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segunda-feira, 13 de novembro de 2023

CONTO: INFÂNCIA E POESIA - PABLO NERUDA - COM GABARITO

 Conto: Infância e poesia

           Pablo Neruda

        Havia em minha casa também um baú com objetos fascinantes. No fundo resplandecia um maravilhoso papagaio de calendário. Um dia em que minha mãe remexia aquela arca sagrada, caí de cabeça dentro ao tentar alcançar o papagaio. Mas quando fui crescendo abri-a secretamente. Havia lá uns leques preciosos e impalpáveis.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrfCP5xFsqxTI8TQam5KvOdbif4KAi4mdQ9RpEKH4CzgpA8z2l6Tn04xtD63rsxVfNJshhLunANI6reNRqoKlZ5-IRbVojTuE4eiwROMTVcVmghvcLCRXASFsVf2YkMpuQM3Np7pyimwfDkSsp3m9gw4Vm3GmXlL21Hv102fLagIvQrHh9Px3vOOSJlww/s320/BAU.jpg


        Conservo outra lembrança daquele baú. A primeira história de amor que me apaixonou. Eram centenas de cartões-postais, enviados por alguém que os assinava não sei se Henrique ou Alberto, e todos dirigidos a Maria Thielman. Estes cartões eram maravilhosos. Eram retratos das grandes atrizes da época com pedacinhos de vidro engastados e às vezes com cabeleira colada. Havia também castelos, cidades e paisagens distantes. Durante anos me contentei somente com as figuras. Mas, à medida que fui crescendo, fui lendo aquelas mensagens de amor escritas com uma caligrafia perfeita. Sempre imaginei que o galã era um homem de chapéu-coco, bengala e brilhante na gravata. Mas aquelas linhas eram de paixão arrebatadora. Foram enviadas a todos os pontos da Terra pelo visitante, cheias de frases deslumbrantes, de audácia enamorada. Comecei a enamorar-me também de Maria Thielman. Imaginava-a como uma atriz desdenhosa, coroada de pérolas. Como haviam chegado ao baú de minha mãe essas cartas? Nunca pude saber.

        O ano de 1910 chegou à cidade de Temuco. Nesse ano memorável entrei no liceu, um vasto casarão com salas desarrumadas e subterrâneos sombrios. Do alto do liceu, na primavera, se divisava o ondulante e delicioso rio Cautín, com suas margens cheias de maçãs silvestres. Fugíamos das aulas para mergulhar os pés na água fria que corria sobre as pedras brancas.

        Mas o liceu era um território de perspectivas imensas para meus seis anos de idade. Tudo tinha possibilidade de mistério: o laboratório de Física (onde não me deixavam entrar), cheio de instrumentos deslumbrantes, de retortas e pequenas cubas; a biblioteca, eternamente fechada. (Os filhos dos pioneiros não gostavam da sabedoria.) No entanto, o lugar de maior fascínio era o subterrâneo. Havia ali um silêncio e uma escuridão muito grandes. A luz das velas brincávamos de guerra, os vencedores amarravam os prisioneiros nas velhas colunas. E conservo na memória o cheiro de umidade, de lugar escondido, de túmulo, que emanava do subterrâneo do liceu de Temuco.

        Fui crescendo. Os livros começaram a me interessar. Nas façanhas de Buffalo Bill, nas * In: William J. Bennett, O livro das virtudes. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993. viagens de Salgari, foi se estendendo meu espírito pelas regiões do sonho. Os primeiros amores, os puríssimos, se desenvolveram em cartas enviadas a Blanca Wilson. Esta menina era filha do ferreiro e um dos rapazes, perdido de amor por ela, pediu-me que escrevesse por ele suas cartas amorosas. Não me lembro de como seriam estas cartas que foram talvez meus primeiros trabalhos literários, pois, certa vez, ao encontrar-me com a estudante, esta me perguntou se era eu o autor das cartas que seu namorado lhe levava.

        Não me atrevi a renegar minhas obras e muito perturbado respondi que sim. Então ela me deu um doce de marmelo que, é claro, não quis comer e guardei como um tesouro. Afastado assim meu companheiro do coração da menina, continuei escrevendo intermináveis cartas de amor e recebendo doces de marmelo.

        Os meninos no liceu não conheciam nem respeitavam minha condição de poeta. A fronteira tinha esse caráter maravilhoso de far west sem preconceitos. Meus companheiros se chamavam Schnakes, Schlers, Hausers, Smiths, Taitos, Seranis. Éramos iguais entre os Aracenas e os Ramirez e os Rayes. Não havia sobrenomes bascos. Havia sefarditas: Albalas, Francos. Havia irlandeses: McGyntis. Poloneses: Yanichewkys. Brilhavam com luz escura e sobrenome araucanos, com um perfume de madeira e água: Melivilus, Catrileos.

        Combatíamos, às vezes, no grande galpão fechado, com bolotas de azinheira. Só quem levou um bolotaço sabe o quanto dói. Antes de chegar ao liceu enchíamos os bolsos de munição. Eu tinha habilidade escassa, nenhuma força e pouca astúcia. Sempre levava a pior. Enquanto me entretinha observando a maravilhosa bolota, verde e perfeita com sua carapuça rugosa e cinzenta, enquanto tratava desajeitadamente de fabricar com ela um desses pitos que logo me arrebatavam, já me havia caído um dilúvio de bolotaços na cabeça. Quando estava no segundo ano me ocorreu usar um chapéu impermeável verde bem vivo. Este chapéu pertencia a meu pai, assim como sua manta de lã, suas lanternas de sinais verdes e vermelhos que estavam carregados de fascínio para mim que, sempre que podia, levava ao colégio para me pavonear [...]. Certa vez chovia implacavelmente e nada parecia mais formidável que o chapéu de oleado verde como um papagaio. Apenas cheguei à sacada meu chapéu voou como um papagaio. Eu o perseguia e quando ia pegá-lo, voava de novo entre a gritaria mais ensurdecedora que jamais escutei. Nunca mais voltei a vê-lo.

        Nestas recordações não vejo bem a precisão periódica do tempo. Confundem-me acontecimentos minúsculos que tiveram importância para mim e parece que esta foi a primeira aventura erótica, estranhamente misturada à história natural. Talvez o amor e a natureza foram desde muito cedo as jazidas de minha poesia.

        Em frente à minha casa viviam duas meninas que continuamente lançavam olhares que me ruborizavam. O que tinha eu de tímido e de silencioso, tinham elas de precoces e diabólicas. Uma vez, parado na porta de minha casa, tratava de não olhar para elas, mas tinham nas mãos algo que me fascinava. Aproximei-me com cautela e me mostraram um ninho de pássaro silvestre, tecido com musgo e pluminhas, que guardava em seu interior maravilhosos ovinhos de cor turquesa. Quando fui tomá-lo, uma delas disse que primeiro deviam tirar minhas roupas. Tremi de terror e escapuli rapidamente, perseguido pelas jovens ninfas que exibiam o instigante tesouro. Na perseguição entrei por um beco até uma padaria fechada de propriedade de meu pai. As assaltantes conseguiram me alcançar e começaram a tirar minhas calças quando pelo corredor se ouviam os passos de meu pai. Era uma vez um ninho. Os maravilhosos ovinhos se quebraram na padaria abandonada enquanto, debaixo do balcão, assaltado e assaltantes contínhamos a respiração.

        Lembro-me também de que uma vez, buscando os pequenos objetos e os minúsculos seres de meu mundo no fundo da casa, achei um buraco na tábua da cerca. Olhei através do vão e vi um terreno igual ao de minha casa, baldio e silvestre. Recuei uns passos porque adivinhei que ia acontecer alguma coisa. Súbito apareceu uma mão. Era a mão pequenina de um menino da minha idade. Quando me aproximei, a mão já não estava e, em seu lugar, havia uma pequena ovelha branca.

        Era uma ovelha de lã desbotada. As rodas com que deslizava haviam sumido. Nunca tinha visto uma ovelha tão linda. Fui em casa e voltei com um presente que deixei no mesmo lugar: uma pinha de pinheiro entreaberta, cheirosa e balsâmica, que eu adorava.

        Nunca mais vi a mão do menino. Nunca mais voltei a ver uma ovelhinha como aquela. Perdi-a num incêndio. E ainda agora, nestes anos todos, quando passo por uma loja de brinquedos, olho furtivamente as vitrinas. Mas é inútil. Nunca mais se fez uma ovelha como aquela.

Entendendo o conto:

01 – Qual foi o incidente que ocorreu quando o narrador tentou alcançar o papagaio no baú de sua casa?

      O narrador caiu de cabeça dentro do baú.

02 – O que o baú da mãe do narrador continha além do papagaio de calendário?

      O baú continha leques preciosos e cartões-postais, incluindo uma série de cartas de amor endereçadas a Maria Thielman.

03 – Quem eram os remetentes das cartas de amor encontradas no baú?

      Os remetentes eram alguém que assinava como Henrique ou Alberto, enviando as cartas para Maria Thielman.

04 – Como o narrador descreve as cartas de amor encontradas no baú?

      O narrador descreve as cartas como cheias de frases deslumbrantes e audácia enamorada, enviadas a vários lugares da Terra.

05 – Qual era a visão do narrador do liceu que ele frequentou em 1910?

      O liceu era visto como um território de perspectivas imensas, com o laboratório de Física, a biblioteca e, especialmente, o subterrâneo, que fascinava o narrador.

06 – O que o narrador fazia no subterrâneo do liceu durante a primavera?

      No subterrâneo, o narrador brincava de guerra com seus colegas, amarrando os prisioneiros nas velhas colunas.

07 – Quem era Maria Thielman no contexto das cartas de amor?

      Maria Thielman era a destinatária das cartas de amor encontradas no baú.

08 – Como o narrador se envolveu nos primeiros amores literários?

      O narrador escrevia cartas de amor em nome de um rapaz apaixonado por Blanca Wilson, e isso levou a uma situação constrangedora quando Blanca descobriu a verdade.

09 – O que aconteceu com o chapéu verde do narrador durante um dia chuvoso?

      O chapéu verde voou como um papagaio durante uma chuva, e o narrador nunca mais o viu.

 

domingo, 8 de agosto de 2021

ROMANCE: O CARTEIRO E O POETA(FRAGMENTO) - ANTONIO SKÁRMETA - COM GABARITO

 Romance: O carteiro e o poeta (Fragmento)

                Antonio Skármeta

        – Dom Pablo?...

        – Você fica aí parado como um poste.

        Mário retorceu o pescoço e procurou os olhos do poeta, indo de baixo para cima.

        – Cravado como uma lança?

        – Não, quieto como uma torre de xadrez.

        – Mais tranquilo que um gato de porcelana?

        Neruda soltou o trinco do portão e acariciou o queixo.

        – Mário Jiménez, afora às Odes elementares, tenho livros muito melhores. É indigno que você fique me submetendo a todo tipo de comparações e metáforas.

        – Como é, dom Pablo?!

        – Metáforas, homem!

        – Que são essas coisas?

        O poeta colocou a mão sobre o ombro do rapaz.

        – Para esclarecer mais ou menos de maneira imprecisa, são modos de dizer uma coisa comparando-a com outra.

        – Dê-me um exemplo...

        Neruda olhou o relógio e suspirou.

        – Bem, quando você diz que o céu está chorando. O que é que você quer dizer com isto?

        – Ora, fácil! Que está chovendo, ué!

        – Bem, isso é uma metáfora.

        – E por que se chama tão complicado, se é uma coisa tão fácil?

        – Porque os nomes não têm nada a ver com a simplicidade ou complexidade das coisas. Pela sua teoria, uma coisa pequena que voa não deveria ter um nome tão grande como mariposa. Elefante tem a mesma quantidade de letras que mariposa, é muito maior e não voa – concluiu Neruda, exausto. Com um resto de ânimo indicou ao solícito Mário o rumo da enseada. Mas o carteiro teve a presença de espírito de dizer:

        – Puxa, eu bem que gostaria de ser poeta!

        – Rapaz! Todos são poetas no Chile. É mais original que você continue sendo carteiro. Pelo menos caminha bastante e não engorda. Todos os poetas aqui no Chile são barrigudos. Neruda retomou o trinco do portão e dispunha-se a entrar quando Mário, olhando o voo de um pássaro invisível, disse:

        – É que se eu fosse poeta poderia dizer o que quero.

        – E o que é que você quer dizer?

        – Bom, o problema é justamente esse. Como não sou poeta, não posso dizer.

        [...]

        Neruda apertou os dedos no cotovelo do carteiro e o foi conduzindo até o poste onde havia estacionado a bicicleta.

        – [...] Agora vá para a enseada pela praia e, enquanto você observa o movimento do mar, pode ir inventando metáforas.

        – Dê-me um exemplo!...

        – Olhe este poema: “Aqui na Ilha, o mar, e quanto mar. Sai de si mesmo a cada momento. Diz que sim, que não, que não. Diz que sim, em azul, em espuma, em galope. Diz que não, que não. Não pode sossegar. Chamo-me mar, repete, batendo numa pedra, sem convencê-la. E então, com sete línguas verdes, de sete tigres verdes, de sete cães verdes, de sete mares verdes, percorre-a, beija-a, umedece-a e golpeia-se o peito, repetindo seu nome”.

        Fez uma pausa, satisfeito.

        – O que você acha?

        – Estranho.

        – “Estranho”. Mas que crítico mais severo!

        – Não, dom Pablo. Estranho não é o poema. Estranho é como eu me sentia quando o senhor recitava o poema.

        – Querido Mário, vamos ver se você desenreda um pouco, porque eu não posso passar toda a manhã desfrutando o papo.

        – Como se explica? Quando o senhor dizia o poema, as palavras iam daqui para ali.

        – Como o mar, ora!

        – Pois é, moviam-se exatamente como o mar.

        – Isso é ritmo.

        – Eu me senti estranho, porque com tanto movimento fiquei enjoado.

        – Você ficou enjoado...

        – Claro! Eu ia como um barco tremendo em suas palavras.

        As pálpebras do poeta se despregaram lentamente.

        – “Como um barco tremendo em minhas palavras”.

        – Claro!

        – Sabe o que você fez Mário?

        – O quê?

        – Uma metáfora.

        – Mas não vale, porque saiu só por puro acaso.

        – Não há imagem que não seja casual, filho.


Antonio Skármeta. O Carteiro e o Poeta. Rio de Janeiro: Record, 1996.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 9º ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 40-2.

Entendendo o romance.

01 – O texto se desenrola quase que integralmente em forma de diálogo entre os personagens, o carteiro e o poeta, mas, ainda assim, há trechos que possibilitam perceber a presença do narrador. Qual o foco narrativo em que foi escrito? Dê um exemplo.

      O foco narrativo é de terceira pessoa. Exemplos: “Neruda apertou os dedos no cotovelo do carteiro e o foi conduzindo até o poste onde havia estacionado a bicicleta.” / “Mário retorceu o pescoço e procurou os olhos do poeta, indo de baixo para cima.” / “As pálpebras do poeta se despregaram lentamente.”

02 – Em que espaço se passa esse trecho da narrativa? Transcreva um trecho do texto que comprove sua resposta.

      Diante da casa do poeta, possivelmente perto de uma praia. Exemplos: “Neruda soltou o trinco do portão e acariciou o queixo.” / “Neruda retomou o trinco do portão e dispunha-se a entrar [...]”. / “Com um resto de ânimo indicou ao solícito Mário o rumo da enseada.” / “Neruda apertou os dedos no cotovelo do carteiro e o foi conduzindo até o poste onde havia estacionado a bicicleta.” / “[...] Agora vá para a enseada pela praia e, enquanto você observa o movimento do mar, pode ir inventando metáforas.”.

03 – Normalmente, o discurso direto, que reproduz na escrita um diálogo, é introduzido por verbos de elocução, como falar, dizer, comentar, perguntar, responder, observar, exclamar, gritar, aconselhar, etc. Mesmo não usando esses verbos, como é possível notar a presença do discurso direto no texto e identificar os personagens a que as falas se referem?

      O discurso direto geralmente é antecedido pelo travessão, que aponta o início da fala de um personagem e quando ocorre mudança de interlocutores. Dessa forma, é possível perceber o discurso direto no texto pelo uso de travessões diante das falas e, pelo conteúdo dessas falas, a quem elas se referem.

04 – No texto, qual definição o poeta dá para a palavra “metáforas”?

      “São modos de dizer uma coisa comparando com outra”.

05 – Diante da estranheza do carteiro ao dizer que a palavra era complicada, embora se referisse a uma coisa tão fácil, Dom Pablo responde-lhe que os nomes não têm nada a ver com a simplicidade ou complexidade das coisas. O que o poeta pretende mostrar ao carteiro com essa afirmação?

      Que não há relação direta entre os nomes das coisas e o que são ou representam.

06 – Em sua opinião, o exemplo que o poeta apresenta torna mais simples o entendimento dessa frase?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Por que o poeta responde ao carteiro, no final do texto, que “não há imagem que não seja casual? Explique essa afirmação.

      Ele quer dizer que as imagens surgem de maneira natural, não de forma minunciosamente planejada, ou seja, a criação de imagem é espontânea.

08 – O carteiro atribui à expressão “o céu está chorando” o sentido de “está chovendo”. Responda:

a)   Qual dessas expressões foi empregada em sentido figurado?

O céu está chorando.

b)   E qual foi empregada em sentido real, denotativo?

Está chovendo.

 

quinta-feira, 13 de junho de 2019

TEXTO: A PALAVRA - PABLO NERUDA - COM QUESTÕES GABARITADAS

Texto: A Palavra
              
              Pablo Neruda

        ...Tudo o que você quiser, sim senhor, mas são as palavras que cantam, que sobem e descem... Prosterno-me diante delas... Amo--as, abraço-as, persigo-as, mordo-as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que glutonamente se amontoam, se espreitam, até que de súbito caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras de cores, saltam como irisados peixes, são espuma, fio, metal, orvalho... Persigo algumas palavras... São tão belas que quero pô-las a todas no meu poema... Agarro-as em voo, quando andam a adejar, e caço-as, limpo-as, descasco-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E então revolvo-as, agito-as, bebo-as, trago-as, trituro-as, alindo-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites no meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes das ondas... Tudo está na palavra... Uma ideia inteira altera-se porque uma palavra mudou de lugar, ou porque outra se sentou como um reizinho dentro de uma frase que não a esperava, nas que lhe obedeceu... Elas têm sombra, transparência, peso, penas, pelos, têm de tudo quanto se lhes foi agregando de tanto rolar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto serem raízes... São antiquíssimas e recentíssimas... Vivem no féretro escondido e na flor que desponta... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos torvos conquistadores... Andavam a passo largo pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, em busca de batatas, chouriços, feijões, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele voraz apetite que nunca mais se viu no mundo... Tudo engoliam, juntamente com as religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que traziam nas grandes bolsas... Por onde passavam ficava arrasada a terra... Mas aos bárbaros caíam das botas, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras luminosas que ficaram aqui, resplandecentes... o idioma. Ficamos a perder... Ficamos a ganhar... Levaram o ouro e deixaram-nos o ouro... Levaram tudo e deixaram-nos tudo... Deixaram-nos as palavras. 
Pablo Neruda, in "Confesso que Vivi" 
Entendendo o texto:

01 – Esse texto foi escrito pelo chileno Pablo Neruda, personagem do texto lido em Lendo mais. Nele, o autor fala da colonização espanhola e de seu amor pela palavra. Qual a importância das palavras na vida dele?
      A palavra é o instrumento de trabalho. É por meio dela que ele exprime seus pensamentos e sentimentos. As palavras representam tudo para ele.

02 – Logo no início do texto, a palavra é apresentada de forma metafórica. Transcreva para o caderno um trecho em que isso ocorre.
      “Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho...”.

03 – Há várias passagens no texto em que está presente a linguagem figurada. Explique os significados de algumas dessas expressões:
a)   “Estes [os conquistadores torvos] andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras...”.
Os conquistadores dominaram rapidamente o território de montanhas muito elevadas.

b)   “Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas bolsas...”.
Destruíram a cultura local e as crenças que encontravam, as quais eram equivalentes às que traziam consigo.

c)   “Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma”.
Os conquistadores deixaram no local colonizado o seu idioma.

04 – A ação do colonizador é mostrada, no texto, sob seus aspectos negativo e positivo. Explique esses dois aspectos.
      Negativo: o colonizador levou a destruição.
      Positivo: o colonizador deixou as palavras, a língua espanhola.

05 – No trecho “Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras...”, a palavra “ouro” é usada duas vezes: uma em sentido próprio e outra em sentido figurado. Explique esses dois sentidos, mostrando o que foi levado pelos colonizadores e o que foi deixado por eles.
      Eles levaram as riquezas da terra, o ouro inclusive (sentido próprio) e deixaram algo de muito valor, o idioma, as palavras (sentido figurado).



segunda-feira, 11 de junho de 2018

FILME(ATIVIDADES): O CARTEIRO E O POETA - MICHAEL RADFORD - COM GABARITO

Filme: O CARTEIRO E O POETA

Data de lançamento desconhecida (1h 40min)
Direção: Michael Radford
Nacionalidade Itália

SINOPSE E DETALHES
        Por razões políticas o poeta Pablo Neruda (Philippe Noiret) se exila em uma ilha na Itália. Lá um desempregado (Massimo Troisi) quase analfabeto é contratado como carteiro extra, encarregado de cuidar da correspondência do poeta, e gradativamente entre os dois se forma uma sólida amizade.

Entendendo o filme:

01 – Conforme o filme, de que modo nasce um poeta?
      No momento em que se faz metáforas sem se dar conta, quando a imagem chega espontaneamente.

02 – O que é metáfora? Cite um exemplo do filme.
      É o emprego de palavra fora do seu sentido normal, por efeito de analogia (comparação).
      Ex.: Em certa parte do filme, Mario começa a sussurrar metáforas a uma Beatrice embevecida, “seu sorriso se espalha como uma borboleta.”

03 – Qual foi a lição maior que o carteiro aprendeu? Comente.
      Ele aprendeu uma lição de civilidade. Aprendeu a lutar pelos seus ideais.

04 – E o poeta Neruda, só ensinou? O que ele aprendeu?
      O poeta também aprendeu, pois ele viu uma pessoa do povo tornar-se poeta e cidadão lutando pelos seus direitos.

05 – A poesia de Neruda não é parnasiana, pois não obedece a frias junções de palavras mornas. O que o filme nos mostra?
      O filme mostra que Neruda tem uma poesia viva, é essa vivacidade que desperta o amor e o engajamento em pessoas simples como Mario, o carteiro, que pode até leva-las ao martírio. Neruda vê, sente e escreve. O resultado é o que a racionalidade lhe atribui: poesia engajada, poesia lasciva.

06 – No filme, que gênero textual é abordado?
      É abordado um tipo de gênero textual que está sendo esquecido com a chegada das novas tecnologias: a carta.

07 – Que momento no filme a carta se destaca?
      Quando Mário Ruoppolo apaixona-se por Beatrice Russo escreve uma carta em que Mário declara seus sentimentos por Beatrice utilizando falas do personagem para que ela dique bem original.

08 – O filme narra não só a vida de Neruda no exílio, e o quê mais?
      Narra também a relação que Neruda estabelece com o carteiro e como transforma a vida de um homem simples de forma afetiva, social e política.

09 – Segundo, Neruda “Quando se explica a poesia, ela se torna banal”. O que ele quis dizer?
      “O que se pode inferir sobre uma comparação entre a atividade do carteiro e a do poeta, é que em maior ou menor grau ambas trabalham com a palavra, têm a atribuição de levar a mensagem aos seus interlocutores.” (Prof. Juarez Firmino).

10 – É por iniciativa própria que o carteiro junta um poema da sua autoria à gravação dos sons da ilha, que Neruda lhe havia pedido. Mostrando sempre gratidão e admiração pelo poeta Mário dedica-lhe uma Ode. Como se chama?
      “Ode à Neve sobre Neruda em Paris.”



quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

TEXTO: O CARTEIRO E O POETA - PABLO NERUDA - COM GABARITO

Texto: O carteiro e o poeta
             Pablo Neruda

  Que ninguém deixe de ver este extraordinário O carteiro e o poeta. Insisto porque o filme ganhou a Mostra Internacional de São Paulo (prêmio do público) e concorreu aos Oscars de melhor filme um fato raro, uma vez que até aqui apenas quatro vezes aconteceu de uma fita estrangeira ser indicada na categoria especial), direção, ator (o falecido Massimo Troisi), roteiro, trilha musical para filme dramático. Ou seja, a Academia se curvou à sua qualidade. Além de ser bonito e emocionante.
         O filme não concorreu ao Oscar de produção estrangeira porque a Itália preferiu indicar oficialmente O homem das estrelas, de Giuseppe Tornatore (que ficou entre os finalistas contra o brasileiro O Quatrilho), mas principalmente porque a fita aqui é dirigida por um inglês. Mas quem assistir vai gostar, garanto.
         A história por trás das filmagens é perturbadora: Massimo Troisi é um comediante napolitano que foi visto no Brasil em Splendor e As aventuras do Capitão Tornado, ambos de Ettore Scola.
         Trosi estava muito doente, necessitando de um transplante de coração, quando finalmente surgiu a possibilidade de rodar este filme, que era seu sonho e pelo qual tinha lutado durante anos. Não podia dirigir, então chamou o amigo Radford (que fez 1984, baseado em George Orwell). Estava tão doente que só podia trabalhar duas ou três horas por dia.
          E morreu horas depois de concluído seu trabalho.
          Parece que feliz. É a história incrível de alguém que deu a vida pelo cinema, literalmente. Por sorte, já que em cinema nunca se sabe, o filme resultou impressionante e formidável. Troisi faz um modesto carteiro do sul da Itália que descobre que está exilado ali perto o famoso poeta esquerdista Pablo Neruda (Philippe Noiret, de Cinema Paradiso). Está disposto a tudo para ficar amigo dele e, pouco a pouco, vão se aproximando, trocando experiências, até poesias, num resultado realmente delicado, sensível e diferente de tudo o que você viu antes. Para americano reconhecer a qualidade de uma fita estrangeira é muito difícil. Prova de que você não pode perder a fita.
                                   E-Pipoca. O carteiro e o poeta. Disponível em:
              www.epipoca.com.br/filmes ficha/4395/o-carteiro-e-o-poeta.
                                                                    Acesso em: 22 jan. 2015.
Entendendo o texto:
01 – Qual é o título do texto?
       É “O carteiro e o poeta”.

02 – Pela leitura da resenha, é possível identificar alguma personagem do filme?
       Sim, é possível identificar duas personagens: um modesto carteiro do sul da Itália e o famoso poeta Pablo Neruda.

03 – É possível determinar o tempo no qual ocorre a história?
       Não, somente pela leitura da resenha não é possível determinar o tempo em que ocorre a história. Pode-se inferir que se passa na época em que Pablo Neruda morou no sul da Itália.

04 – Com base nos dados da resenha, descreva o cenário do filme.
       O filme se passa no sul da Itália, pois o autor comenta que “[...] Troisi faz um modesto carteiro do sul da Itália que descobre que está exilado ali perto o famoso poeta esquerdista Pablo Neruda [...]”.

05 – Segundo o autor da resenha, as personagens citadas têm algum tipo de relacionamento?
       Segundo o autor, o carteiro deseja tornar-se amigo do poeta e, então, essas personagens, aos poucos, se aproximam e passam a trocar experiências.