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domingo, 22 de maio de 2022

OBRA POÉTICA: MARÍLIA DE DIRCEU - LIRA XXXIV - TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA - ARCADISMO - COM GABARITO

 Obra poética: Marília de Dirceu – Lira XXXIV

                      Tomás Antônio Gonzaga

Minha bela Marília, tudo passa;

A sorte deste mundo é mal segura;

Se vem depois dos males a ventura,

Vem depois dos prazeres a desgraça.

          Estão os mesmos deuses

Sujeitos ao poder do ímpio Fado:

Apolo já fugiu do céu brilhante,

          Já foi pastor de gado.

 

A devorante mão da negra Morte

Acaba de roubar o bem que temos;

Até na triste campa não podemos

Zombar do braço da inconstante sorte:

          Qual fica no sepulcro,

Que seus avós ergueram, descansado;

Qual no campo, e lhe arranca os frios ossos

          Ferro do torto arado.

 

Ah! enquanto os Destinos impiedosos

Não voltam contra nós a face irada,

Façamos, sim, façamos, doce amada,

Os nossos breves dias mais ditosos.

          Um coração que, frouxo,

A grata posse de seu bem difere,

A si, Marília, a si próprio rouba,

          E a si próprio fere.

 

Ornemos nossas testas com as flores,

E façamos de feno um brando leito;

Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,

Gozemos do prazer de sãos Amores.

          Sobre as nossas cabeças,

Sem que o possam deter, o tempo corre;

E para nós o tempo que se passa

          Também, Marília, morre.

 

Com os anos, Marília, o gosto falta,

E se entorpece o corpo já cansado:

Triste, o velho cordeiro está deitado,

E o leve filho, sempre alegre, salta.

          A mesma formosura

É dote que só goza a mocidade:

Rugam-se as faces, o cabelo alveja,

          Mal chega a longa idade.

 

Que havemos de esperar, Marília bela?

Que vão passando os florescentes dias?

As glórias que vêm tarde, já vêm frias,

E pode, enfim, mudar-se a nossa estrela.

          Ah! Não, minha Marília,

Aproveite-se o tempo, antes que faça

O estrago de roubar ao corpo as forças,

          E ao semblante a graça!

GONZAGA, Tomás Antônio. In: MACHADO, Duda (Org.), op. cit., p. 56-7.

Fonte: Livro – Viva Português 1° – Ensino médio – Língua portuguesa – 2ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2014. p. 297-9.

Entendendo a obra poética:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Apolo: deus grego da luz, da juventude e da música.

·        Campa: túmulo, sepultura.

·        Diferir: adiar.

·        Ditoso: feliz, venturoso.

·        Ímpio: impiedoso.

·        Fado: destino, sorte.

·        Ventura: felicidade, boa sorte.

02 – Qual é, em síntese, a proposta que o eu lírico faz a Marília?

      O eu lírico propõe a Marília aproveitar da maneira mais doce e agradável o tempo, ou que propõe aproveitarem o prazer do amor enquanto ainda há tempo.

03 – Quais são os argumentos do eu lírico para convencer a amada de sua proposta?

      Segundo o eu lírico, tudo passa, a sorte de um dia pode dar lugar às desventuras do outro, aquilo que se tem não existirá sempre e, além disso, as pessoas envelhecem, perdem a beleza e a disposição. Portanto, o tempo presente precisa ser aproveitado.

04 – O poeta encontrou diversos meios de traduzir a mesma ideia. Note que o poema é composto de elementos concretos, que ilustram um conceito abstrato, tornando-o mais compreensível. Copie as tabelas abaixo em seu caderno e relacione os versos às ideias sugerias por eles.

a)   “Estão os mesmos deuses / Sujeitos ao poder do ímpio Fado: / Apolo já fugiu do céu brilhante, / Já foi pastor de gado.” IV.

b)   “Até na triste campa não podemos / Zombar do braço da inconstante sorte:” II.

c)   “Um coração que, frouxo, / A grata posse de seu bem difere, / A si, Marília, a si próprio rouba, / E a si próprio fere.” III.

d)   “Triste, o velho cordeiro está deitado, / E o leve filho, sempre alegre, salta.”. I.

I – Com o passar do tempo, as pessoas perdem a alegria e o vigor comuns nos mais jovens.

II – Nem mesmo diante da morte devemos rir ou desdenhar de quanto pode o destino.

III – Faz mal a si mesma a pessoa que alia as suas chances, não sabe aproveitar as oportunidades que tem.

IV – Até a sorte dos deuses muda, como aconteceu com o próprio Apolo.

05 – Você concorda com as ideias expressas no poema? Por que? Elabore argumentos para explicar sua resposta.

      Resposta pessoal do aluno.

06 – Tomás Antônio Gonzaga trata liricamente a ideia de que o tempo passa, a sorte muda e a coisa certa a fazer é viver o prazer e o amor do momento, sem espera. Entretanto, por acreditarem que se deve desfrutar totalmente a vida, a cada instante presente, muitas pessoas acabam tomando decisões sem pensar nas consequências. Tente se lembrar de algum caso que ilustre o lado pernicioso de viver apenas o presente. Se quiser, conte o caso para os colegas.

      Resposta pessoal do aluno.

 

OBRA POÉTICA: MARÍLIA DE DIRCEU - LIRA XXVII - TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA - ARCADISMO - COM GABARITO

 Obra poética: Marília de Dirceu – Lira XXVII

                       Tomás Antônio Gonzaga

Vou retratar a Marília,

A Marília, meus amores;

Porém como? Se eu não vejo

Quem me empreste as finas cores:

Dar-mas a terra não pode;

Não, que a sua cor mimosa

Vence o lírio, vence a rosa,

O jasmim e as outras flores.

          Ah! Socorre, Amor, socorre

          Ao mais grato empenho meu!

          Voa sobre os astros, voa,

          Traze-me as tintas do céu.

Mas não se esmoreça logo;

Busquemos um pouco mais;

Nos mares talvez se encontrem

Cores, que sejam iguais.

Porém, não, que em paralelo

Da minha ninfa adorada

Pérolas não valem nada,

Não valem nada os corais.

          Ah! Socorre, Amor, socorre

          Ao mais grato empenho meu!

          Voa sobre os astros, voa,

          Traze-me as tintas do céu.

Só no céu achar-se podem

Tais belezas, como aquelas

Que Marília tem nos olhos,

E que tem nas faces belas;

Mas às faces graciosas,

Aos negros olhos, que matam,

Não imitam, não retratam

Nem auroras, nem estrelas.

          Ah! Socorre, Amor, socorre

          Ao mais grato empenho meu!

          Voa sobre os astros, voa,

          Traze-me as tintas do céu.

Entremos, Amor, entremos,

Entremos na mesma esfera;

Venha Palas, venha Juno,

Venha a deusa de Citera.

Porém, não, que se Marília

No certame antigo entrasse,

Bem que a Páris não peitasse,

A todas as três vencera.

          Vai-te, Amor, em vão socorres

          Ao mais grato empenho meu:

          Para formar-lhe o retrato

          Não bastam tintas do céu.

GONZAGA, Tomás Antônio. In: MACHADO, Duda (Org.), op. cit., p. 45-6.

Fonte: Livro – Viva Português 1° – Ensino médio – Língua portuguesa – 2ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2014. p. 294-7.

Entendendo a obra:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Amor: outro nome do deus grego Eros (ou Cupido, para os romanos).

·        Amores: amor, sentimento amoroso (meus amores = meu amor).

·        Certame: desafio.

·        Deusa de Citera: Afrodite.

·        Esmorecer: perder as forças, enfraquecer.

·        Grato: agradável, doce.

·        Juno: nome romano da deusa Hera.

·        Palas: epíteto da deusa Atena (epíteto é uma palavra ou frase que qualifica pessoa ou coisa).

·        Peitar: subornar, corromper com presentes.

02 – Releia a primeira estrofe e responda no caderno:

a)   Com quem fala o eu lírico?

Com o deus Amor.

b)   O eu lírico deixa clara a sua intenção nos primeiros versos do poema. Que intenção é essa?

Retratar Marília.

c)   Que obstáculo o eu lírico encontra para seu propósito?

Ele não encontra na terra cores capazes de retratar com precisão a beleza de Marília.

03 – O poema está organizado em quatro grupos formados por uma estrofe e um refrão. Cada estrofe corresponde a um lugar ou ambiente onde o eu lírico procura cores para retratar Marília. Indique que lugares ou ambientes são esses.

      Primeira estrofe: a terra; Segunda estrofe: os mares; Terceira estrofe: o céu; Quarta estrofe: a esfera dos Deuses.

04 – Nessa lira há referência a diversos elementos da natureza.

a)   Quais são eles?

Terra, flores (lírio, rosa, jasmim), astros, céu, mares, pérolas, corais, auroras, estrelas.

b)   Complete a frase no caderno. A comparação entre Marília e esses elementos da natureza .......

·        É favorável à jovem: na natureza, tudo perde para Marília.

·        É desfavorável à jovem: o lírio, a rosa, o jasmim e outras flores vencem-na em beleza.

05 – Copie os versos em que o eu lírico pede ajuda ao deus Amor para retratar Marília. Esses versos aparecem em que parte(s) do poema? Explique essa característica.

      “Ah! Socorre, Amor, socorre / Ao mais grato empenho meu! / Voa sobre os astros, voa, / Traze-me as tintas do céu.” Esses versos aparecem sempre no fim das três primeiras estrofes, pois trata-se do refrão.

06 – Releia a última estrofe. Observe que o eu lírico deseja entrar na mesma esfera em que se encontra o Amor: a esfera dos deuses. Nesse ponto da lira, há referência a uma história da Antiguidade clássica. Trata-se da história de Páris e a disputa das três deusas, Afrodite, Atena e Hera, que competiam pela conquista da maçã de ouro. Venceria a mais bela das três. Páris, príncipe troiano, ficou encarregado de escolher uma delas. Para suborna-lo, Hera ofereceu-lhe o império da Ásia; Atena, a sabedoria e a vitória em todos os combates; Afrodite assegurava-lhe tão somente o amor da mulher mais bela do mundo: Helena, mulher de Menelau, rainha de Esparta. Páris elege Afrodite a mais bela e parte em busca de Helena, dando início à guerra de Tróia.

a)   Segundo o eu lírico, caso Marília entrasse no “certame antigo” (a disputa pela maçã de ouro), quem Páris escolheria?

Escolheria Marília.

b)   Há uma pequena modificação no refrão, na última estrofe. Releia-o e explique com suas palavras a conclusão a que o eu lírico chega.

Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Nem mesmo as tintas do céu, as tintas dadas pelos deuses, são suficientes para pintar o retrato de Marília, tal sua beleza, o que altera a ideia pregada até então, a de que para pintar o retrato de Marília seriam necessários as tintas do céu.

07 – O recurso usado pelo eu lírico (a comparação da amada com elementos da natureza) não permitiu a elaboração de um retrato preciso de Marília, mas por meio dele houve ......

·        Uma negação da beleza da amada.

·        Uma equiparação da beleza da amada à beleza de elementos da natureza.

·        Uma exaltação da beleza da amada.

08 – Todos os versos dessa lira têm sete sílabas poéticas, portanto são mais curtos que os decassílabos usualmente empregados, por exemplo, nos sonetos. Isso torna a leitura das estrofes.

a)   Mais lenta, truncada.

b)   Mais breve, veloz.

c)   Mais informal.

d)   Mais exaltada.

09 – Excluindo-se o refrão, em cada estrofe há rima entre o segundo, o quarto e o oitavo verso e entre o sexto e o sétimo verso. Os versos 1, 3 e 5 não rimam entre si. Esse esquema de rimas .........

a)   Tira completamente a beleza sonora do poema.

b)   Garante a beleza sonora dos versos, além de deixá-los mais fluidos.

c)   Pode indicar uma alternância entre a exaltação da beleza de Marília e a ausência de elementos da natureza que possam representa-la.

d)   Torna os versos tristes e inexpressivos.

 

       

domingo, 29 de setembro de 2019

POEMA: LIRA XXI - TOMÁS ANTONIO GONZAGA - COM GABARITO

Poema: LIRA XXI
         
     Tomás Antonio Gonzaga

Que diversas que são, Marília, as horas,
Que passo na masmorra imunda, e feia,
Dessas horas felizes, já passadas
                        na tua pátria aldeia!


Então eu me ajuntava com Glauceste;
E à sombra de alto Cedro na campina
Eu versos te compunha, e ele os compunha
                                            à sua cara Eulina.

Cada qual o seu canto aos Astros leva;
De exceder um ao outro qualquer trata;
O eco agora diz: “Marília terna”;
             e logo: “Eulina, ingrata”.

Deixam os mesmos Sátiros as grutas.
Um para nós ligeiro move os passos;
Ouve-nos de mais perto, e faz a flauta
                     c’os pés em mil pedaços.

Dirceu, clama um Pastor, ah! Bem merece
Da cândida Marilia a formosura.
E aonde, clama o outro, quer Eulina
                          achar maior ventura?

Nenhum Pastor cuidava do rebanho,
Enquanto em nós durava esta porfia.
E ela, ó minha Amada, só findava
             depois de acabar-se o dia.

            GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. Rio de Janeiro, Ediouro, s.d. p. 82.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p.166-7.
Entendendo o poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Glauceste: Pseudônimo pastoril de Cláudio Manuel da Costa.

·        Sátiro: Semideus da mitologia Greco-latina habitantes das florestas; tinha chifres curtos, pés e pernas de bode.

·        Cândida: Inocente, pura.

·        Ventura: Sorte.

·        Porfia: Competição, disputa.

02 – Esta lira, que pertence à segunda parte de Marília de Dirceu, reflete o drama vivido pelo poeta quando prisioneiro. Que estrofe comprova essa afirmação? 
      A primeira estrofe.

03 – Segunda estrofe, Dirceu refere-se a Glauceste. Glauceste é o pseudônimo pastoril de que poeta? 
      Cláudio Manuel da Costa.

04 – Que tipo de competição havia entre Dirceu e Glauceste? 
      Disputavam para ver qual dos dois compunha os melhores versos em louvor a sua amada.

05 – Qual a reação dos Sátiros e dos Pastores ao ouvi-los? O que quis dizer o poeta com isso? 
      Os sátiros quebravam suas flautas; os pastores deixavam de cuidar dos rebanhos.

06 – Exemplifique, com versos de Dirceu, três características do Arcadismo.
      Adoção de nomes pastoris: “Então eu me ajuntava com Glauceste”; a presença da mitologia: “Deixam os mesmos Sátiros as grutas”; o campo como cenário: “E à sombra de alto Cedro na campina”.


domingo, 7 de abril de 2019

POESIA: CARTAS CHILENAS - TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA - COM GABARITO

Poesia: Cartas Chilenas
          Tomás Antônio Gonzaga


    Fragmento: Carta 3ª - Em que se contam as injustiças, e violências, que Fanfarrão executou, por causa de uma Cadeia, a que deu princípio.

“Estes tristes mal chegam são julgados
Pelo benigno Chefe a cem açoites.
Tu sabes, Doroteu, que as leis do Reino
Só mandam que se açoitem com a sola
Aqueles agressores, que estiverem
Nos crimes quase iguais aos réus de morte.


Tu também não ignoras, que os açoites
Só se dão por desprezo nas espáduas;
Que açoitar, Doroteu, em outra parte
Só pertencem aos Senhores, quando punem
Os caseiros delitos dos escravos.
Pois todo este direito se pretere.
No pelourinho a escada já se assenta,
Já se ligam dos réus os pés, e os braços,
Já se descem calções, e se levantam,
Das imundas camisas rotas fraldas.
Já pegam dois verdugos nos zorragues,
Já descarregam golpes desumanos,
Já soam os gemidos, e respingam
Miúdas gotas de pisado sangue.
Uns gritam, que são livres, outros clamam
Que as sábias leis do Reino os julgam brancos;
Este diz, que não tem algum delito,
Que tal rigor mereça; aquele pede
Do injusto Acusador ao Céu vingança.
Não afrouxam os braços dos verdugos,
Mas antes com tais queixas se duplica
A raiva dos tiranos, qual o fogo
Que ao sopro do vento ergue as chamas.
Às vezes, Doroteu, se perde a conta
Dos cem açoites, que no meio estavam
Mas outra nova conta se começa.
Os pobres miseráveis já não gritam,
Cansados de gritar; apenas soltam
Alguns fracos suspiros, que enternecem.”

      GONZAGA, Tomás Antônio. In: A poesia no Brasil,
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v.1.
Entendendo a poesia:
01 – “Estes tristes, mal chegam, são julgados / Pelo benigno Chefe a cem açoites.” Que figura de linguagem ocorre nessa passagem?
a)   Metáfora.
b)   Hipérbole.
c)   Ironia.
d)   Gradação.

02 – O eu lírico acusa o governador de duas faltas graves:
a)   Aplicar o castigo do açoite, que só era permitido aos senhores de escravos, e açoitar os réus nas espáduas.
b)   Aplicar indevidamente o castigo do açoite nos escravos e puni-los por delitos caseiros.
c)   Aplicar o castigo do açoite nos senhores de escravos e trata-los como se fossem réus de morte.
d)   Aplicar indevidamente o castigo do açoite e açoitar os réus como se fossem escravos.

03 – Que efeito produz na poesia a repetição do advérbio ?
      Ela acentua a rapidez das cenas.

04 – Que comentário do eu lírico, ao descrever a aplicação do castigo do açoite, acentua a crueldade dos carrascos?
      Ele diz que, quando os carrascos perdem a conta, recomeçam a contar, aumentando assim cruelmente o castigo.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

POEMA: TU NÃO VERÁS, MARÍLIA, CEM CATIVOS - TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA - COM GABARITO

Poema: Tu não verás, Marília, cem cativos
           Tomás Antônio Gonzaga


Tu não verás Marília, cem cativos
tirarem o cascalho e a rica terra,
ou dos cercos dos rios caudalosos,
ou da mina serra.

Não verás separar ao hábil negro
do pesado esmeril a grossa areia;
e já brilharem os granetes de ouro
no fundo da bateia.

Não verás derrubar os virgens matos,
queimar as capoeiras inda novas,
servir de adubo à terra a fértil cinza,
lançar os grãos nas covas.

Não verás enrolar negros pacotes
das secas folhas do cheiroso fumo:
nem espremer entre as dentadas rodas
da doce cana o sumo.

Verás em cima da espaçosa mesa
altos volumes de enredados feitos;
ver-me-ás folhear os grandes livros,
e decidir os pleitos.

Enquanto revolver os meus Consultos,
tu me farás gostosa companhia,
lendo os fastos da sábia, mestra História,
e os cantos da Poesia.

Lerás em alta voz, a imagem bela;
eu vendo que lhe dás o justo apreço,
gostoso tornarei a ler de novo
o cansado processo.

Se encontrares louvada uma beleza,
Marília, não lhe invejes a ventura,
que tens quem leve à mais remota idade
a tua formosura.

                       TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA

Entendendo o poema:

01 – Por meio do poema já se nota algum “abrasileiramento”, na poesia de Gonzaga? Justifique.
      Sim. Nos versos iniciais Gonzaga descreve, com realismo moderado, as atividades econômicas da Colônia (mineração – v. 5/8, agricultura fumageira e canavieira – v. 13/16). Há uma palavra brasileira: “bateia” (v. 8).

02 – O autor contrapõe atividades profissionais distintas. Quais? É possível determinar pelo texto a profissão de Dirceu?
      É contraposto o trabalho braçal (v. 1 a 16) ao trabalho intelectual (v. 17 a 32), e o autor, orgulhando-se da condição de trabalhador intelectual, deprecia os que tiram o cascalho nos garimpos, derrubam os matos etc. As expressões do texto: “Feitos” (= processos), “decidir os pleitos” (= decidir os processos), “consultos” (= obras jurídicas) e “processo” permitem identificar a profissão de magistrado (juiz).

03 – Há tentativa de autovalorização? Justifique.
      Sim. Além da expressão envaidecida da condição “superior” de intelectual, há, na última estrofe, a consciência da importância do poeta, capaz de levar a beleza de Marília à mais remota idade. E Gonzaga, sem dúvida, conseguiu-o.