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quarta-feira, 28 de agosto de 2024

ROMANCE: A CIDADE E AS SERRAS - (FRAGMENTO) - EÇA DE QUEIRÓS - COM GABARITO

 Romance: A cidade e as serras – Fragmento

                 Eça de Queirós

I

        O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0Buu7RYYVabZQesSo01v72_sbMa4nZSZNaDvCDhPAJ_By_AmWq06cGHgjrB3a2DK-A8sWCyI7Wat9BRsaFOd2-oGx9M1vKjBKzOJHFSY4SBh8gsnVeUgtNkU8ECDOsay3ng93CvM7M-yFj3ZhpPoUuo-OqLK3A0d_Ug3uw-q30qvKd_TVRSCy5wzwPsw/s320/SERRAS.jpg


        No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando pôr e vale, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava o grão e plantava cepa em tempos de el-rei d.Dinis. A sua Quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo douro, cobriam uma serra. [...] Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em Paris, nos Campos Elísios, nº 202. [...]

        Jacinto e eu, José Fernandes, ambos nos encontramos e acamaradamos em Paris, nas Escolas do Bairro Latino [...].

        Ora nesse tempo Jacinto concebera [...] a ideia de que o “homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado”. E pôr homem civilizado o meu camarada entendia aquele que, robustecendo a sua força pensante com todas as noções adquiridas desde Aristóteles, e multiplicando a potência corporal dos seus órgãos com todos os mecanismos inventados [...] apto portanto a recolher dentro de uma sociedade, e nos limites do Progresso (tal como ele se comportava em 1875) todos os gozos e todos os proveitos que resultam de Saber e Poder... [...]

        Pôr uma conclusão bem natural, a ideia de Civilização, para Jacinto, não se separava da imagem de Cidade, duma enorme Cidade, com todos os seus vastos órgãos funcionando poderosamente. Nem este meu supercivilizado amigo compreendia que longe de armazéns servidos pôr três mil caixeiros; e de Mercados onde se despejam os vergéis e lezírias de trinta províncias; e de Bancos em que retine o ouro universal; e de Fábricas fumegando com ânsia, inventando com ânsia; e de Bibliotecas abarrotadas, a estalar, com a papelada dos séculos; e de fundas milhas de ruas, cortadas, pôr baixo e pôr cima, de fios de telégrafos, de fios de telefones, de canos de gases, de canos de fezes; e da fila atroante dos ônibus, tramas, carroças, velocípedes, calhambeques, parelhas de luxo; e de dois milhões duma vaga humanidade, fervilhando, a ofegar, através da Polícia, na busca dura do pão ou sob a ilusão do gozo – o homem do século XIX pudesse saborear, plenamente, a delícia de viver! [...].

        Ao contrário no campo, entre a inconsciência e a impassibilidade da Natureza, ele tremia com o terror da sua fragilidade e da sua solidão [...]. Depois, em meio da Natureza, ele assistia à súbita e humilhante inutilização de todas as suas faculdades superiores. De que servia, entre plantas e bichos – ser um Gênio ou ser um Santo?

II

        Era de novo fevereiro, e um fim de tarde arrepiado e cinzento, quando eu desci os Campos Elísios em demanda do 202. Adiante de mim caminhava, levemente curvado, um homem que, desde as botas rebrilhantes até às abas recurvas do chapéu de onde fugiam anéis dum cabelo crespo, ressumava elegância e a familiaridade das coisas finas. [...] E só quando ele parou ao portão do 202 reconheci o nariz afilado, os fios do bigode corredios e sedosos.

        -- Ó Jacinto!

        -- Ó Zé Fernandes! [...]

        -- Há sete anos!...

        E, todavia, nada mudara durante esses sete anos no jardim do 202! [...] 

        Mas dentro, no peristilo, logo me surpreendeu um elevador instalado pôr Jacinto[...]. Um criado, mais atento ao termômetro que um piloto à agulha, regulava destramente a boca dourada do calorífero. E perfumadores entre palmeiras, como num terraço santo de Benares, esparziam um vapor, aromatizando e salutarmente umedecendo aquele ar delicado e superfino.

        Eu murmurei, nas profundidades do meu assombrado ser:

        -- Eis a Civilização!

        [...].

III

        [Nós] saíamos depois do almoço, a pé, através de Paris. Estes lentos e errantes passeios eram outrora, na nossa idade de Estudantes, um gozo muito querido de Jacinto – porque neles mais intensamente e mais minuciosamente saboreava a Cidade. Agora, porém, apesar da minha companhia, só lhe davam uma impaciência e uma fadiga que desoladamente destoava do antigo, iluminado êxtase. Com espanto (mesmo com dor, porque sou bom, e sempre me entristece o desmoronar duma crença) descobri eu, na primeira tarde em que descemos aos Boulevards, que o denso formigueiro humano sobre o asfalto, e a torrente sombria dos trens sobre o macadame, afligiam meu amigo pela brutalidade da sua pressa, do seu egoísmo, e do seu estridor. [...]

        -- Não vale a pena, Zé Fernandes. Há uma imensa pobreza e secura de invenção! Sempre os mesmos florões Luís XV, sempre as mesmas pelúcias... Não vale a pena!

        Eu arregalava os olhos para este transformado Jacinto. [...].

IV

        [...] [Recebeu] o meu Príncipe inesperadamente, de Portugal, uma nova considerável. Sobre a sua Quinta e solar de Tormes, pôr toda a serra, passara uma tormenta  devastadora de vento, corisco e água. Com as grossas chuvas [...], um pedaço de monte, que se avançava em socalco sobre o vale da Carriça, desabara, arrastando a velha igreja, uma igrejinha rústica do século XVI, onde jaziam sepultados os avós de Jacinto desde os tempos de el-rei D. Manuel. [...]

        Jacinto empalidecera, impressionado. Esse velho solo serrano, tão rijo e firme desde os Godos, que de repente ruía! Esses jazigos de paz piedosa, precipitados com fragor, na borrasca e na treva, para um negro fundo de vale! Essas ossadas, que todas conservavam um nome, uma data, uma história, confundidas num lixo de ruína! [...]

        E telegrafou ao Silvério que desatulhasse o vale, recolhesse as ossadas, reedificasse a Igreja, e para esta obra de piedade e reverência, gastasse o dinheiro, sem contar, como a água dum rio largo.

        [...]

VIII

        Ao fim desse Inverno escuro e pessimista [...], Jacinto assomou à porta do meu quarto [...], deixou desabar sobre mim esta declaração formidável:

        -- Zé Fernandes, vou partir para Tormes. [...]

        -- Para Tormes? Ó Jacinto, quem assassinaste?...

        [...] O Príncipe da Grã-Ventura tirou da algibeira uma carta [...]

        -- “Ilmº  e Exmº sr. – Tenho grande satisfação em comunicar a V.Exª que toda esta semana devem ficar prontas as obras da capela...[...]. Os venerandos restos dos excelsos avós de V. Exª., senhores de todo o meu respeito, podem pois ser em breve trasladados da igreja de S José, onde têm estado depositados pôr bondade do nosso Abade, que muito se recomenda a V.Exª... Submisso aguardo as prestantes ordens de V.Exª a respeito desta majestosa e aflitiva cerimônia...” [...]

        -- Ah! bem! Queres ir assistir à trasladação.... Jacinto sumiu a carta no bolso.

        -- Pois não te parece, Zé Fernandes? Não é pôr causa dos outros avós, que são vagos, e que eu não conheci. É pôr causa do avô Galião... Também não o conheci. Mas este 202 está cheio dele; tu estás deitado na cama dele; eu ainda uso o relógio dele. Não posso abandonar ao Silvério e aos caseiros o cuidado de o instalarem no seu jazigo novo. Há aqui um escrúpulo de decência, de elegância moral... Enfim, decidi. Apertei os punhos na cabeça, e gritei – vou a Tormes! E vou!... E tu vens! [...]

        [...] Logo depois de atravessarmos uma trêmula ponte de pau, sobre um riacho quebrado por pedregulhos, o meu Príncipe, com o olho de dono subitamente aguçado, notou a robustez e a fartura das oliveiras... – E em breve os nossos males [da viagem] esqueceram ante a incomparável beleza daquela serra bendita!

XV

        E agora, entre roseiras que rebentam, e vinhas que se vindimam, já cinco anos passaram sobre Tormes e a Serra. O meu Príncipe já não é o último Jacinto, Jacinto ponto final – porque naquele solar que decaíra, correm agora, com soberba vida, uma gorda e vermelha Teresinha, minha afilhada, e um Jacintinho, senhor muito da minha amizade. [...] Quando ele agora, bom sabedor das coisas da lavoura, percorria comigo a Quinta, em sólidas palestras agrícolas, prudentes e sem quimeras – eu quase lamentava esse outro Jacinto que colhia uma teoria em cada ramo de árvore, e riscando o ar com a bengala, planejava queijeiras de cristal e porcelana, para fabricar queijinhos que custariam duzentos mil-réis cada um! [...]

        Visitara já as suas propriedades de Montemor, da Beira; e consertava, mobiliava as velhas casas dessas propriedades para que os seus filhos, mais tarde, crescidos, encontrassem “ninhos feitos”. Mas onde eu reconheci que definitivamente um perfeito e ditoso equilíbrio se estabelecera na alma do meu Príncipe, foi quando ele, já saído daquele primeiro e ardente fanatismo da Simplicidade – entreabriu a porta de Tormes à Civilização. [...] Aparecera, vindo de Lisboa, um contramestre, com operários, e mais caixotes, para instalar um telefone!

        -- Um telefone, em Tormes, Jacinto? O meu Príncipe explicou, com humildade: -- Para casa de meu sogro!... bem vês.

        Era razoável e carinhoso. O telefone, porém, sutilmente, [...], estendeu outro longo fio, para Valverde. E Jacinto, alargando os braços, quase suplicante:

        -- Para casa do médico. Compreendes...

        Era prudente. Mas, certa manhã, em Guiães, acordei aos berros da tia Vicência! Um homem chegara, misterioso, com outros homens, trazendo arame, para instalar na nossa casa o novo invento. [...]. Mas corri a Tormes. Jacinto sorriu, encolhendo os ombros:

        -- Que queres? Em Guiães está o boticário, está o carniceiro... E, depois, estás tu!

        [...] O Progresso, que, à intimação de Jacinto, subira a Tormes a estabelecer aquela sua maravilha, pensando talvez que conquistara mais um reino para desfear, desceu, silenciosamente, desiludido, e não avistamos mais sobre a serra a sua hirta sombra cor de ferro e de fuligem. Então compreendi que, verdadeiramente, na alma de Jacinto se estabelecera o equilíbrio da vida, e com ele a Grã-Ventura, de que tanto tempo ele fora o Príncipe sem Principado.

        [...].

QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo: Babel, 2012. p. 29-30, 30-36, 39, 43, 44, 47, 48, 65,112, 174, 175, 207, 34.

Fonte: Linguagens em Interação – Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Juliana Vegas Chinaglia – 1ª edição, São Paulo, 2020 – IBEP – p. 191-194.

Entendendo o romance:

01 – Qual é a origem social de Jacinto?

      Jacinto nasceu em uma família rica, proprietária de vastas terras agrícolas em várias regiões de Portugal, incluindo Alentejo, Estremadura e Beiras. Sua família já possuía essas terras desde os tempos do rei D. Dinis.

02 – Onde Jacinto passou a maior parte de sua vida?

      Jacinto passou a maior parte de sua vida em um palácio em Paris, nos Campos Elísios, nº 202.

03 – Qual era a visão inicial de Jacinto sobre a felicidade?

      Jacinto acreditava que a felicidade superior só podia ser alcançada por um homem superiormente civilizado, ou seja, alguém que acumulasse todo o conhecimento disponível e utilizasse todos os avanços tecnológicos.

04 – Como Jacinto associava a civilização com a cidade?

      Para Jacinto, a civilização estava intrinsecamente ligada à vida na cidade, onde os mecanismos do progresso, como mercados, bancos, fábricas, bibliotecas e infraestruturas modernas, estavam em pleno funcionamento.

05 – Qual era a relação de Jacinto com a natureza no início do romance?

      Jacinto se sentia desconfortável na natureza, vendo-a como um ambiente onde suas capacidades superiores se tornavam inúteis, e onde ele se sentia isolado e frágil.

06 – Como Jacinto reagiu à notícia da destruição da capela de sua família em Tormes?

      Jacinto ficou profundamente abalado com a destruição da capela e dos túmulos de seus antepassados e imediatamente ordenou que as obras de reconstrução fossem realizadas, mostrando um senso de responsabilidade e reverência pela memória de sua família.

07 – O que levou Jacinto a decidir visitar Tormes?

      Jacinto decidiu visitar Tormes para supervisionar pessoalmente a trasladação dos restos mortais de seus avós para a capela reconstruída, motivado por um senso de decência e elegância moral.

08 – Como Jacinto mudou sua percepção da vida na cidade ao longo do tempo?

      Jacinto começou a sentir-se desiludido com a vida na cidade, percebendo a brutalidade e a repetição monótona do progresso urbano, o que contrastava com sua antiga adoração pela civilização urbana.

09 – Como Jacinto encontrou equilíbrio entre a vida na cidade e no campo?

      Jacinto encontrou equilíbrio ao aceitar alguns aspectos do progresso (como o telefone) em Tormes, mas sem permitir que a civilização urbana invadisse completamente sua vida rural. Ele adotou uma vida simples e focada na natureza, mas com toques de modernidade que considerava úteis.

10 – Qual foi o resultado final da transformação de Jacinto em Tormes?

      Jacinto alcançou um equilíbrio harmonioso entre a vida simples do campo e os confortos da civilização, tornando-se um homem feliz e realizado, ao contrário do que era em Paris, onde era o "Príncipe sem Principado".

 

 

domingo, 15 de maio de 2022

ROMANCE: O PRIMO BASÍLIO - CAPÍTULO II - EÇA DE QUEIROZ - COM GABARITO

 Romance: O Primo Basílio – Capítulo II

                 Eça de Queiroz

        Aos domingos à noite havia em casa de Jorge uma pequena reunião, uma cavaqueira, na sala, em redor do velho candeeiro de porcelana cor-de-rosa. Vinham apenas os íntimos. O "Engenheiro", como se dizia na rua, vivia muito ao seu canto, sem visitas. Tomava-se chá, palrava-se. Era um pouco à estudante. Luísa fazia croché, Jorge cachimbava.

        O primeiro a chegar era Julião Zuzarte, um parente muito afastado de Jorge e seu antigo condiscípulo nos primeiros anos da Politécnica. Era um homem seco e nervoso, com lunetas azuis, os cabelos compridos caídos sobre a gola. Tinha o curso de cirurgião da Escola. Muito inteligente, estudava desesperadamente, mas, como ele dizia, era um tumba. Aos trinta anos, pobre, com dívidas, sem clientela, começava a estar farto do seu quarto andar na Baixa, dos seus jantares de doze vinténs, do seu paletó coçado de alamares; e entalado na sua vida mesquinha, via os outros, os medíocres, os superficiais, furar, subir, instalar-se à larga na prosperidade! "Falta de chance", dizia. Podia ter aceitado um partido da Câmara numa vila da província, com pulso livre, ter uma casa sua, a sua criação no quintal. Mas tinha um orgulho resistente, muita fé nas suas faculdades, na sua ciência, e não se queria ir enterrar numa terriola adormecida e lúgubre, com três ruas onde os porcos fossam. Toda a província o aterrava: via-se lá obscuro, jogando a manilha na Assembleia, morrendo de caquexia. Por isso não "arredava pé"; e esperava, com a tenacidade do plebeu sôfrego, uma clientela rica, uma cadeira na Escola, um cupê para as visitas, uma mulher loura com dote. Tinha certeza do seu direito a estas felicidades, e como elas tardavam a chegar ia-se tornando despeitado e amargo; andava amuado com a vida; cada dia se prolongavam mais os seus silêncios hostis, roendo as unhas; e, nos dias melhores, não cessava de ter ditos secos, tiradas azedadas – em que a sua voz desagradável caía como um gume gelado.

        Luísa não gostava dele: achava-lhe um ar nordeste detestava o seu tom de pedagogo, os reflexos negros da luneta, as calças curtas que mostravam o elástico roto das botas. Mas disfarçava, sorria-lhe, porque Jorge admirava-o, dizia sempre dele: "Tem muito espírito! Tem muito talento! Grande homem!"

        Como vinha mais cedo ia à sala de jantar, tomava a sua chávena de café; e tinha sempre um olhar de lado para as pratas do aparador e para as toaletes frescas de Luísa. Aquele parente, um medíocre, que vivia confortavelmente, bem casado, com a carne contente, estimado no ministério, com alguns contos de réis em inscrições – parecia-lhe uma injustiça e pesava-lhe como uma humilhação. Mas afetava estimá-lo; ia sempre às noites, aos domingos; escondia então as suas preocupações, cavaqueava, tinha pilhérias – metendo a cada momento os dedos pelos seus cabelos compridos, secos e cheios de caspa.

        Às nove horas, ordinariamente, entrava D. Felicidade de Noronha. Vinha logo da porta com os braços estendidos, o seu bom sorriso dilatado. Tinha cinquenta anos, era muito nutrida, e, como sofria de dispepsia e de gases, àquela hora não se podia espartilhar e as suas formas transbordavam. Já se viam alguns fios brancos nos seus cabelos levemente anelados, mas a cara era lisa e redonda, cheia, de uma alvura baça e mole de freira; nos olhos papudos, com a pele já engelhada em redor, luzia uma pupila negra e úmida, muito móbil; e aos cantos da boca uns pelos de buço pareciam traços leves e circunflexos de uma pena muito fina. Fora a íntima amiga da mãe de Luísa, e tomara aquele hábito de vir ver a pequena aos domingos. Era fidalga, dos Noronhas de Redondela, bastante aparentada em Lisboa, um pouco devota, muito da Encarnação.

        Mal entrava, ao pôr um beijo muito cantado na face de Luísa, perguntava-lhe baixo, com inquietação:

        — Vem?

        — O Conselheiro? Vem.

        Luísa sabia-o. Porque o Conselheiro, o Conselheiro Acácio, nunca vinha aos "chás de D. Luísa", como ele dizia, sem ter ido na véspera ao Ministério das Obras Públicas procurar Jorge, declarar-lhe com gravidade, curvando um pouco a sua alta estatura:

        — Jorge, meu amigo, amanhã lá irei pedir à sua boa esposa a minha chávena de chá.

        Ordinariamente acrescentava:

        — E os seus valiosos trabalhos progridem? Ainda bem! Se vir o ministro, os meus respeitos a Sua Excelência. Os meus respeitos a esse formoso talento!

        E saía pisando com solenidade os corredores enxovalhados.

        Havia cinco anos que D. Felicidade o amava. Em casa de Jorge riam-se um pouco com aquela chama. Luísa dizia: "Ora! E uma caturrice dela!" Viam-na corada e nutrida, e não suspeitavam que aquele sentimento concentrado, irritado semanalmente, queimando em silêncio, a ia devastando como uma doença e desmoralizando como um vício. Todos os seus ardores até aí tinham sido inutilizados. Amara um oficial de lanceiros que morrera, e apenas conservava o seu daguerreótipo. Depois apaixonara-se muito ocultamente por um rapaz padeiro, da vizinhança, e vira-o casar. Dera-se então toda a um cão, o Bilro; uma criada despedida deu-lhe por vingança rolha cozida; o Bilro rebentou, e tinha-o agora empalhado na sala de jantar. A pessoa do Conselheiro viera de repente, um dia, pegar fogo àqueles desejos, sobrepostos como combustíveis antigos.

        Acácio tornara-se a sua mania: admirava a sua figura e a sua gravidade, arregalava grandes olhos para a sua eloquência, achava-o numa "linda posição". O Conselheiro era a sua ambição e o seu vício! Havia sobretudo nele uma beleza, cuja contemplação demorada a estonteava como um vinho forte: era a calva. Sempre tivera o gosto perverso de certas mulheres pela calva dos homens, e aquele apetite insatisfeito inflamara-se com a idade. Quando se punha a olhar para a calva do Conselheiro, larga, redonda, polida, brilhante às luzes, uma transpiração ansiosa umedecia-lhe as costas, os olhos dardejavam-lhe, tinha uma vontade absurda, ávida de lhe deitar as mãos, palpá-la, sentir-lhe as formas, amassá-la, penetrar-se nela! Mas disfarçava, punha-se a falar alto com um sorriso parvo, abanava-se convulsivamente, e o suor gotejava-lhe nas roscas anafadas do pescoço. Ia para casa rezar estações, impunha-se penitências de muitas coroas à Virgem; mas apenas as orações findavam, começava o temperamento a latejar. E a boa, a pobre D. Felicidade tinha agora pesadelos lascivos e as melancolias do histerismo velho. A indiferença do Conselheiro irritava-a mais: nenhum olhar, nenhum suspiro, nenhuma revelação amorosa e comovida! Era para com ela glacial e polido. Tinham-se às vezes encontrado a sós, à parte, no vão favorável de uma janela, no isolamento mal-alumiado de um canto do sofá – mas ela fazia uma demonstração sentimental, ele erguia-se bruscamente, afastava-se, severo e pudico. Um dia ela julgara perceber que, por trás das suas lunetas escuras, o Conselheiro lhe deitava de revés um olhar apreciador para a abundância do seio; fora mais clara, mais urgente, falara em paixão, disse-lhe baixo:

        -– "Acácio! Mas ele com um gesto gelou-a – e de pé, grave:

        — Minha senhora,

        “As neves que na fronte se acumulam

        Terminam por cair no coração...”

        — É inútil, minha senhora!

        O martírio de D. Felicidade era muito oculto, muito disfarçado: ninguém o sabia; conheciam-lhe as infelicidades do sentimento, ignoravam-lhe as torturas do desejo. E um dia Luísa ficou atônita, sentindo D. Felicidade agarrar-lhe o pulso com a mão úmida, e dizer-lhe baixo, os olhos cravados no Conselheiro:

        — Que regalo de homem!

        [...]

QUEIROZ, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: Ática, 2006.

Fonte: Livro – Viva Português 2° – Ensino médio – Língua portuguesa – 1ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2011. Ed. Ática. p. 142-5.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Afetar: fingir, simular.

·        Alamar: tira de tecido bordado em fio metálico (ou de seda) que guarnece e abotoa a frente de um vestuário.

·        Anafado: gordo, bem nutrido.

·        Baço: sem brilho.

·        Calva: careca.

·        Caturrice: teimosia.

·        Cavaquear: conversar singelamente, em intimidade.

·        Chávena: xícara para chá ou café.

·        Coçado: puído, gasto, roto.

·        Daguerreótipo: aparelho primitivo de fotografia, inventado por Daguerre, em 1839; imagem reproduzida por esse aparelho.

·        Dardejar: cintilar.

·        Dispepsia: dificuldade de digerir.

·        Engelhado: enrugado.

·        Enxovalhado: manchado, sujo.

·        Estações: cada uma das catorze pausas na via-sacra (orações que se rezam em frente às principais cenas da paixão de Cristo).

·        Histerismo: ansiedade excessiva, nervosismo exagerado.

·        Lanceiro: armado com lança.

·        Nordeste: vento que sopra desse ponto; moléstia (originada desse vento, segundo o povo) que atinge galináceos.

·        Palrar: conversar.

·        Parvo: próprio de parvo (tolo).

·        Pilhéria: piada, graça.

·        Regalo: gosto, prazer.

·        Terriola: lugarejo.

·        Tumba: indivíduo infeliz, azarado.

02 – Nesse trecho são apresentadas duas personagens, Julião Zuzuarte e D. Felicidade.

a)   Que aspectos de cada uma são destacados?

Julião Zuzarte é inteligente e esforçado, porém não consegue obter o reconhecimento e a prosperidade que acredita merecer, por isso vai se tornando cada vez mais despeitado e amargo. D. Felicidade, solteira aos 50 anos. Consome sua vivacidade amando em silêncio o Conselheiro Acácio.

b)   É possível notar, na descrição das duas personagens, a tentativa do narrador de ser objetivo na apresentação do comportamento e das características físicas delas, evitando qualquer tipo de idealização. Copie palavras e expressões que justifiquem essa afirmação.

Qualquer trecho das linhas 5 a 23 e 24 a 31.

03 – Releia os trechos “Aquele parente... cheios de caspa” e “O martírio... torturas do desejo” para responder às questões abaixo. Complete as frases dessas atividades no caderno. Esses trechos revelam uma característica comum às duas personagens: ambas ....

·        São inconstantes, mudam de opinião a todo momento e esperam o reconhecimento social.

·        Representam, na casa de Luísa, um papel social que oculta o que verdadeiramente pensam e sentem.

·        Esperam a realização de um verdadeiro amor, além de sentirem inveja das pessoas felizes e prósperas que estão a sua volta.

04 – Os trechos revelam ainda que o narrador desse romance (um narrador onisciente) acompanha as personagens em dois planos: o social (das características que são percebidas pelas demais personagens) e o individual (daquilo que se passa apenas no interior de cada uma). Ao aliar esses dois planos, o narrador sugere que a sociedade é um espaço.

  Em que as pessoas podem revelar claramente o que são, sem temer o julgamento alheio.

·        De certa hipocrisia, uma vez que, para participar de certos grupos, as pessoas se obrigam a um comportamento distante do que realmente pensam e sentem.

·        De certa aceitação, que amedronta apenas aqueles que temem os próprios sentimentos.

 

sábado, 11 de julho de 2020

TEXTO - O POVO - EÇA DE QUEIROZ - COM GABARITO

Texto: O povo

         Eça de Queiroz

    Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, e se lamentam em vão.

        Estes homens são o Povo.

        Estes homens, sob o peso do calor e do sol, transidos pelas chuvas, e pelo frio, descalços, mal nutridos, lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua forca, para criar a pão, o alimento de todos.

        Estes são o Povo, e são os que nos alimentam.

        Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos.

        Estes homens são o Povo, e são os que nos vestem.

        Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respirando mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias.

        Estes homens são o Povo, e são as que nos enriquecem.

        Estes homens, nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, a neve, a chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento.

        Estes homens são o Povo, e são os que nos defendem.

        Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuídos e desprezados.

        Estes homens, são os que nos servem.

        E por isso que os que tem coração e alma, e amam a Justiça, devem lutar e combater pelo Povo.

        E ainda que não sejam escutados, tem na amizade dele uma consolação suprema.

  O povo. José Maria Eça de Queiroz. In: Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro.

                        Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 132/4.

Entendendo o texto:

01 – O autor apresenta “O povo”. Que características são citadas?

      Instintos sagrados e luminosos, divinas bondades, inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas.

02 – O lamento do povo é em vão? Por quê?

      Seu lamento não é ouvido pelas autoridades. Poucas reivindicações são atendidas.

03 – No desenvolvimento, o autor se refere a quatro tipos de homens, com relação a sua profissão. Cite-os.

      Lavradores, operários, mineiros, soldados.

04 – Indique o tipo de vida e de trabalho dos lavradores.

      Os lavradores sofrem com o calor do sol, com a chuva e o frio. Não têm boa alimentação e nem vestimentas dignas.

05 – Fale sobre a vida dos operários.

      Os operários vivem nas fábricas, pálidos porque não apanham a luz do sol. Muitas vezes sem família e maiores alegrias.

06 – Como trabalham os mineiros?

      Os mineiros vivem nas minas, respirando mal, sema luz do sol, e as belezas da natureza. Vivem sujos, rotos e curvados.

07 – A vida dos soldados é dura? Comprove com frases do texto.

      “Estes homens, nos tempos de lutas e crises, tomam as velhas armas da Pátria, e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos...”

08 – Entre esses homens há uma característica comum. Qual é ela?

      A vida muita sofrida.

09 – Quem deve lutar por esse povo sofrido?

      Aqueles que têm coração e sentimento (alma) e amam a justiça.

10 – Os que lutam pelo povo podem não ser ouvidos em suas reivindicações. Por quem?

      Pelas autoridades.

11 – Mesmo não sendo ouvidos, esses reivindicadores, em nome do povo, terão uma recompensa. Qual?

      A amizade do povo.


domingo, 24 de março de 2019

TEXTO LITERÁRIO: SEDUÇÃO(PRIMO BASÍLIO) - EÇA DE QUEIRÓS - COM GABARITO

Texto Literário: Sedução
                           Eça de Queirós

        “Luísa voltava entre os dedos o seu medalhão de ouro, preso ao pescoço por uma fita de veludo preto.
        -- E estiveste então um ano em Paris?
        -- Um ano divino. Tinha um apartamento lindíssimo, que pertencera a Lord Falmouth, Rue Saint Florentin; tinha três cavalos....
        E recostando-se muito, com as mãos nos bolsos:
        -- Enfim, a fazer este vale de lágrimas o mais confortável possível! ... Dizes cá, tens algum retrato nesse medalhão?
        -- O retrato do meu marido.
        -- Ah! Deixa ver!
        Luísa abriu o medalhão. Ele debruçou-se; tinha o rosto quase sobre o peito dela.  Luísa sentia o aroma fino que vinha de seus cabelos.
        -- Muito bem, muito bem! – fez Basílio. Ficaram calados.
        -- Que calor que está! – disse Luísa. – Abafa-se, hem!
        Levantou-se, foi abrir um pouco uma vidraça. O sol deixara a varanda. Uma aragem suave encheu as pregas grossas das bambinelas.
        -- É o calor do Brasil – disse ele. – Sabes que estás mais crescida?
        Luísa estava de pé. O olhar de Basílio Corria-lhes as linhas do corpo, e com a voz muito íntima, os cotovelos sobre os joelhos o rosto erguido para ela:
        -- Mas, francamente, dize cá, pensaste que eu te viria ver?
        -- Ora essa! Realmente, se não viesses zangava-me. És o meu único parente.... O que tenho pena é que meu marido não esteja...
        -- Eu – acudiu Basílio – foi justamente por ele não estar...
        Luísa fez-se escarlate. Basílio emendou logo, um ouço corado também:
        -- Quero dizer... Talvez ele saiba que houve entre nós...
        Ela interrompeu;
        -- Tolices! Éramos duas crianças. Onde isso vai!
        -- Eu tinha vinte e sete anos – observou ele, curvando-se.
        Ficaram calados, um pouco embaraçados. Basílio cofiava o bigode, olhando vagamente em redor.
        -- Estás muito bem instalada aqui – disse.
        Não estava mal ... A casa era pequena, mas muito cômoda. Pertencia-lhes.
        -- Ah! Estás perfeitamente! Quem é esta senhora, com uma luneta de ouro?
        E indicava o retrato por cima do sofá.
        -- A mãe de meu marido.
        -- Ah! Vive ainda?
        -- Morreu.
        -- É o que uma sobra pode fazer de mais amável...
        Bocejou ligeiramente, fitou um momento os seus sapatos muito aguçados, e com um movimento brusco, ergueu-se, tomou o chapéu.
        -- Já? Onde estás?
        -- No Hotel Central.
        -- E até quando?
        -- Até quando quiseres.
        -- Não disseste que vinhas amanhã com o rosário?
        Ele tomou-lhe a mão, curvou-se:
        -- Já se não pode dar um beijo na mão de uma velha prima?
        -- Por que não?
        Pousou-lhe um beijo na mão, muito longo, com uma pressão doce.
        -- Adeus! – disse.
        E à porta, com o reposteiro meio erguido, voltando-se:
        -- Sabes que eu, ao subir as escadas, vinha a perguntar a mim mesmo como se vai isto passar?
        -- Isto o quê? Vermo-nos outra vez? Mas, perfeitamente. Que imaginaste tu?
        Ele hesitou, sorriu:
        -- Imaginei que não eras tão boa rapariga. Adeus. Amanhã, hem?
        No fundo da escada acedeu o charuto, devagar.
        -- Que bonita que ela está! – pensou.
        E arremessando o fósforo, com força:
        -- E eu, pedaço de asno, que estava quase decidido a não a vir ver! Está de apetite! Está muito melhor! E sozinha em casa: aborrecidinha talvez! ...
        Luíza, quando o sentiu embaixo fechar a porta da rua, entrou no quarto, atirou o chapéu para a causeuse, e foi-se logo ver ao espelho. Que felicidade estar vestida! Se ele a tivesse apanhado em roupão, ou mal penteada! ... [...]
        -- Havia sete anos que não via o primo Basílio! Estava muito trigueiro, mais queimado; mas ia-lhe bem!
        E depois de jantar ficou junto à janela, estendida na voltaire, com um livro esquecido no regaço. (...)
        Que vida interessante a do primo Basílio! – pensava. – O que ele tinha visto! Se ela pudesse também fazer a s suas malas, partir, admirar aspectos novos e desconhecidos... [...] Era o que ela tinha. Era bem feliz! Então veio-lhe uma saudade de Jorge, desejaria abraçá-lo, tê-lo ali, ou quando descesse ir encontrá-lo fumando o seu cachimbo no escritório, com o seu jaquetão de veludo. Tinha tudo, ele, para fazer uma mulher feliz e orgulhosa: era belo, com uns olhos magníficos, terno, fiel. [...]  
        Do céu estrelado caía uma luz difusa: janelas alumiadas sobressaíam ao longe, abertas à noite abafada: voos de morcegos passavam diante da vidraça.
        -- A senhora não quer luz? – perguntou à porta a voz fatigada de Juliana.
        -- Ponha-a no quarto.
        Desceu. Bocejava muito, sentia-se quebrada.
        -- É trovoada – pensou.
        Foi a sala, sentou-se ao piano, tocou ao acaso bocados da Lúcia, da Sonâmbula, o Fado, e parando, os dedos pousados de leve sobre o teclado, pôs-se a pensar que Basílio devia vir no dia seguinte: vestiria o roupão novo de foulard cor de castanho! Recomeçou o Fado, mas os olhos cerravam-se-lhe.
        E, foi para o quarto.
        Juliana trouxe o rol e a lamparina. Vinha arrastando as chinelas, com um casabeque pelos ombros, encolhida e lúgubre. Aquela figura com um ar de enfermaria irritou Luísa.
        -- Credo, mulher! Você parece a imagem da Morte!
        Juliana não respondeu. Pousou a lamparina; apanhou, placa a placa, sobre a cômoda, o dinheiro das compras; e com os olhos baixos:
        -- A senhora não precisa mais nada, não?
        -- Vá-se mulher, vá!
        Juliana foi buscar o candeeiro de petróleo, subiu ao quarto. Dormia em cima, no sótão ao pé da cozinheira.
        -- Pareço-te a imagem da Morte! – resmungou, furiosa.
        O quarto era baixo, muito estreito, com o teto de madeira inclinado, o sol, aquecendo todo o dia as telhas por cima, fazia-o abafado com um forno; havia sempre à noite um cheiro requentado de tijolo escandecido. [...]
        -- A senhora já se deitou, Srª. Juliana? – perguntou a cozinheira do quarto pegado, de onde saía uma barra de luz viva cortado a escuridão do corredor.
        -- Já se deitou, Srª. Joana, já. Está hoje com os azeites. Falta-lhe o homem!”
                         
QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: Moderna.

Entendendo o texto:
01 – Muitas vezes observando os gestos de uma personagem podemos perceber o que se passa com ela. Releia o início do texto e explique o significado que pode ter o gesto de abrir a vidraça, feito por Luísa.  Será que ela realmente estava apenas sentindo calor? Que outro significado pode ter esse gesto no contexto?
      Podemos dizer que o “calor” sentido por Luísa é um índice de sua inquietação, da perturbação que lhe causava a presença do primo, com quem tinha tido um relacionamento amoroso antes do casamento.

02 – Sobre que assunto os primos evitam falar de modo claro, embora ele seja insinuado o tempo todo?
      Sobre o caso amoroso que houve entre eles antes do casamento de Luísa.

03 – A visita de Basílio faz Luísa compará-lo a Jorge. Cada um deles representa um tipo de vida. Quem sai ganhando nessa comparação? Por quê?
      Luísa acha o Basílio muito interessante. Ela imagina que ele passe a vida em aventuras e viagens e sonha em compartilhar com ele uma existência que imagina poética e romântica. Bem diferente da vida burguesa que leva ao lado de Jorge.

04 – Com base nas informações dadas pelo texto, faça uma descrição psicológica de Luísa.
      Podemos dizer que ela é uma mulher emocionalmente frágil. Exteriormente, parece ajustada ao ambiente em que vive, mas interiormente vive frustrada, sonhando com uma vida mais romântica e emocionante. Alimenta sua imaginação com as histórias dos romances que lê, que falam de lugares fascinantes.

05 – Que mudança ocorre no texto com a entrada, em cena, da empregada Juliana?
      Há uma quebra desse clima de sonho e Luísa cai bruscamente na realidade.

06 – Que impressão dá ao leitor a descrição do quarto de Juliana?
      O quarto de Juliana lembra uma cela de prisão, é um lugar abafado e apertado, onde se vive mal. Contrasta com o ambiente luxuoso e agradável em que se movimenta Luísa.

07 – Como sabemos o epílogo do romance, que significado simbólico podemos atribuir à fala de Luísa, dirigindo-se a Juliana: “Você parece a imagem da Morte!”?
      Juliana será indiretamente a causadora da morte de Luísa; por isso, essa fala tem um sentido premonitório, antecipando o epílogo do romance.