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sexta-feira, 15 de novembro de 2024

TEXTO: SERMÃO A SANTO ANTÔNIO - CAP. IV - (FRAGMENTO) - PADRE ANTÔNIO VIEIRA - COM GABARITO

 Texto: Sermão a Santo Antônio Cap. IV – Fragmento

            Padre Antônio Vieira 

        Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de emenda. A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, praeversisque cupiditatibus facti sunt, sicut pisces invicem se devorantes: «Os homens com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros.» Tão alheia cousa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTWm1_ZRGhR5RsomURqHtLRNPNwjk9SE0dEpZtnPXsUs9DUDXV0KfD9Phz67a4_8vAk3xU_8bih3A9_wHRiSRgKHQRKrfe98n7efbr2HT-Bl6-sZqOGqPCap2gBdjykcUJH0x5_F9zlp_tDfISCLIMjFkZ3qr00yL2NeiJ3938fnqT7bTqLk_9cFpr6Jk/s320/PADRE.jpg


        Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os Brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão de comer e como se hão de comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-a a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para a mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.

        [...]

Padre Antônio Vieira. www.nead.unama.br.

Fonte: Português – José De Nicola – Ensino médio – Volume 1 – 1ª edição, São Paulo, 2009. Editora Scipione. p. 366-367.

Entendendo o texto:

01 – Qual é a principal crítica feita por Padre Antônio Vieira aos peixes, e por extensão, aos homens?

      A principal crítica é a cobiça e a ganância, representadas pela ação de se comerem uns aos outros. Vieira utiliza a metáfora dos peixes para denunciar a desigualdade social e a exploração dos mais fracos pelos mais poderosos.

02 – Qual a função da comparação entre os peixes e os homens no sermão?

      A comparação serve como um recurso retórico para tornar a crítica mais incisiva e eficaz. Ao mostrar que os mesmos vícios que condenam nos peixes também estão presentes nos homens, Vieira busca despertar a consciência do ouvinte e levá-lo à reflexão sobre suas próprias atitudes.

03 – Quais os diferentes grupos sociais que Vieira critica ao descrever a forma como os homens "se comem uns aos outros"?

      Vieira critica diversos grupos sociais, como herdeiros, testamenteiros, legatários, credores, oficiais, médicos, sangradores, mulheres, coveiros, etc. A crítica se estende a todos aqueles que se beneficiam da morte ou da miséria alheia.

04 – Qual o significado da frase "Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários"?

      Essa frase representa a cobiça pela herança e a disputa por bens materiais após a morte de alguém. Os herdeiros, testamenteiros e legatários são vistos como predadores que se aproveitam da fragilidade do falecido para obter vantagens pessoais.

05 – Qual a importância do contexto histórico para a compreensão do sermão?

      O contexto histórico é fundamental para compreender a profundidade da crítica de Vieira. A sociedade da época era marcada por grandes desigualdades sociais e pela exploração dos mais pobres. O sermão reflete essa realidade e busca denunciar os excessos e os vícios daquela época.

06 – Que tipo de linguagem Vieira utiliza para construir sua crítica?

      Vieira utiliza uma linguagem rica em figuras de linguagem, como metáforas, comparações e antíteses. Essa linguagem expressiva e vívida contribui para a força e a eficácia da sua crítica.

07 – Qual a mensagem central que Vieira quer transmitir ao seu público?

      A mensagem central é um chamado à reflexão sobre a condição humana e a necessidade de superar os vícios da cobiça e da ganância. Vieira busca despertar a consciência do ouvinte para a importância da justiça, da solidariedade e da compaixão.

 

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

SERMÃO DO MANDATO - ANTÔNIO VIEIRA - COM GABARITO

 Sermão do Mandato


 Antônio Vieira

       O primeiro remédio que dizíamos, é o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera? São as afeições como as vidas, que não há mais certo de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas, que partem do centro para a circunferência, que tanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os Antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não atira; embota-lhe as setas, com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às cousas, descobre-lhe defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais amor? O mesmo amor é a causa de não amar, e o de ter amado muito, de amar menos.

VIEIRA, Antônio. Sermão do Mandato. In: Sermões. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1980. 

Descritor 2 – Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto

QUESTÃO 01

 O tempo é a principal solução para os problemas. A frase que reproduz essa ideia é

(A) “Antigos sabiamente pintaram o amor menino...” (ℓ.5)

(B) “Atreve-se o tempo a colunas de mármore...” (ℓ.2)

(C) “O primeiro remédio que dizíamos, é o tempo.” (ℓ.1)

(D) “(...) o tempo tira a novidade às cousas...” (ℓ. 9-10)

(E) “(...) partem do centro para a circunferência...” (ℓ. 4)

SERMÃO DO MANDATO (FRAGMENTO)

O amor sempre é amoroso; mas umas vezes é amoroso e unitivo, outras vezes amoroso e forte. Enquanto amoroso e unitivo, ajunta as extremidades mais distantes: enquanto amoroso e forte, divide os extremos mais unidos. Quais são os extremos mais distantes e mais unidos que há no mundo? O nosso corpo, e a nossa alma. São os extremos mais distantes; porque um é carne, outro espírito: são os extremos mais unidos; porque nunca jamais se apartam. Juntos nascem, juntos crescem, juntos vivem: juntos caminham, juntos param, juntos trabalham, juntos descansam: de noite e de dia; dormindo e velando: em todo o tempo, em toda a idade, em toda a fortuna: sempre amigos, sempre companheiros, sempre abraçados, sempre unidos. E esta união tão natural, esta união tão estreita, quem a divide? A morte. Tal é o amor: Fortis est ut mors dilectio*. O amor, enquanto unitivo, é como a vida; enquanto forte, é como a morte. Enquanto unitivo, por mais distantes que sejam os extremos, ajunta-os: enquanto forte, por mais unidos que estejam, aparta-os.

Antes da Encarnação do Verbo, quais eram os extremos mais distantes? Deus e o homem. E que fez o amor unitivo? Trouxe a Deus do Céu à Terra, e uniu a Deus com os homens. Depois da Encarnação, quais eram os extremos mais unidos? Cristo, e os homens. E que fez o amor forte? Leva hoje a Cristo da Terra ao Céu.

* A morte é deleite do forte.

(VIEIRA, A . Sermões. Porto: Lello e Irmão, 1959)

QUESTÃO 02

O Barroco atribui especial atenção à sintaxe textual. A esse respeito, julgue os itens:

I. Verifica-se, com frequência, no texto, a condução do raciocínio do ouvinte, a qual se constrói através da estrutura pergunta-resposta-conclusão.
II. As orações coordenadas assindéticas Juntos nascem, juntos crescem, juntos vivem constituem uma gradação de caráter temporal.
III. No fragmento O amor, enquanto unitivo, é como a vida; enquanto forte, é como a morte., há indicação de paralelismo entre as partes.


Estão corretos:

A  I e II
B  I e III
C  Todos eles
D  Nenhum deles

sexta-feira, 26 de abril de 2019

SERMÃO: O AMOR E A RAZÃO - FRAGMENTO - Pe. ANTONIO VIEIRA - COM GABARITO

SERMÃO: O Amor e a Razão - Fragmento
               
             Pe. Antônio Vieira

      Pinta-se o amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos [...], nunca chega à idade de uso da razão. Usar razão e amar são duas coisas que não se juntam. A alma de um menino que vem a ser? Uma vontade com afetos e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo.
"Sermão do Mandato". In Sermões. Rio de Janeiro, Agir, 1957.
Entendendo a crônica:

01 – Sendo parte de um sermão, esse fragmento possui uma estrutura argumentativa: uma afirmação central e os argumentos com que o pregador procura convencer o ouvinte. Copie a afirmação central do fragmento.
      “Usar de razão e amar são duas coisas que não se juntam”.

02 – De o significado das palavras abaixo:
·        Idade de uso da razão: segundo o costume, considera-se que uma criança começa a fazer uso da razão, isto é, a distinguir o certo do errado, aos sete anos.

·        Febricitante: febril.

·        Frenético: que tem frenesi, delirante, desvairado.

·        Tresvariar: delirar, estar fora de si, dizer ou fazer disparates.

03 – Que argumento o autor usa para justificar sua afirmação de que o amor não chega jamais à idade da razão?
      O autor justifica sua afirmação dizendo que, mesmo ultrapassando os sete anos, o amor não atinge a idade da razão porque amor e razão são inconciliáveis.

04 – Quando o amor conquista a alma, qual é o primeiro derrotado?
      O primeiro derrotado é o entendimento, isto é, a razão.

05 – Segundo Vieira, o delírio ("entendimento frenético) é consequência necessária da febre ("vontade febricitante"). 
a)   A qual elemento da dicotomia estabelecida pelo texto corresponde o delírio? e a febre?
O delírio é consequência necessária da febre. 

b)   Copie do texto duas frases que repetem, com outras imagens, esse mesmo argumento.
"Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento."
"Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo".

06 – Comente o trocadilho: “O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor”.
      Resposta pessoal do aluno.


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

SERMÃO PELO BOM SUCESSO DAS ARMAS DE PORTUGAL CONTRA AS DA HOLANDA - PADRE ANTÔNIO VIEIRA - COM QUESTÕES GABARITADAS


 Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as da Holanda
                       
           Padre Antônio Vieira
        [...]
        Considerai, Deus meu – e perdoai se falo inconsideravelmente – considerai a quem tirais as terras do Brasil, e a quem as dais. Tirais estas terras aos portugueses a quem no princípio as destes; e bastava dizer a quem as destes para perigar o crédito de vosso nome, que não podem dar nome de liberal mercês com arrependimento. [...] Mas deixado isto à parte, tirai estas terras àqueles mesmos portugueses, a quem escolhestes entre todas as nações do mundo para conquistadores da vossa Fé, e a quem destes por armas como insígnia e divisa singular vossas próprias chagas. E será bem, Supremo Senhor e Governador do Universo, que às sagradas Quinas de Portugal, e às armas e chagas de Cristo, sucedam as heréticas Listas de Holanda, rebeldes a seu rei e a Deus? Será bem que estas se vejam tremular ao vento, vitoriosas, e aquelas abatidas, arrastadas e ignominiosamente rendidas? [...].
        Tirais, também o Brasil aos portugueses, que assim estas terras vastíssimas, como as remotíssimas do Oriente, as conquistaram à custa de tantas vidas e tanto sangue, mais por dilatar vosso nome e vossa fé (que esse era o zelo daqueles cristianíssimos reis), que por amplificar e estender seu império. Assim fostes servido que entrássemos nestes novos mundos, tão honrada e tão gloriosamente, e assim permitis que saiamos agora (quem tal imaginaria de vossa bondade), com tanta afronta e ignomínia! [...] Se esta havia de ser a paga e o fruto de nossos trabalhos, para que foi o trabalhar, para que foi o servir, para que foi o derramar tanto e tão ilustre sangue nestas Conquistas? Para que abrimos os mares nunca dantes navegados? Para que descobrimos as regiões e os climas não conhecidos? Para que contrastamos os ventos e as tempestades com tanto arrojo, que apenas há baixio no Oceano que não esteja infamado com miserabilíssimos naufrágios de portugueses? E depois de tantos perigos, depois de tantas desgraças, depois de tantas e tão lastimosas mortes, ou nas praias desertas sem sepultura, os sepultados nas entranhas dos alarves das feras, dos peixes, que as terras que assim ganhamos, as hajamos de perder assim! Oh quanto melhor nos fora nunca conseguir, nem intentar tais empresas! [...]
                                                                        Padre Antônio Vieira

Entendendo o texto:
01 – O sermão lido mantém o caráter estritamente religioso? Explique.
      Não. O discurso é essencialmente político.

02 – Considere o contexto histórico em que o discurso foi proferido. O que se está defendendo nesse texto?
      Está-se defendendo que as terras do Nordeste devem pertencer a Portugal.

03 – Que argumento é usado para defender tal tese?
      A de que Portugal merece mais a terra do que os holandeses, pois a conquistaram para difundir a fé cristã, lutaram muito, cruzaram mares, sofreram e morreram.

04 – Qual foi a finalidade da conquista de tantas terras pelos portugueses, segundo Vieira?
      A expansão da fé católica e não o aumento do domínio do império português.

05 – Fazer com que o interlocutor aceite as ideias que se defende pressupõe duas estratégias: convencer a partir de argumentos sólidos e persuadir com recursos de caráter emocional. Você observou que o texto arrola argumentos para defender a tese de que Portugal deve, por direito, ficar com as terras. Agora, analise quais foram os recursos persuasivos empregados.
a)   Observe que o vocativo, na primeira frase, sugere um interlocutor. Quem seria? Que efeito se obtém ao se usar tal vocativo?
O sermão sugere que Deus é o interlocutor. Ao usar tal recurso, legitima-se o pedido, como se a causa defendida pudesse ter o aval divino.

b)   O sermão possui um tom indignado. A escolha do tom também pode ser um recurso de persuasão? Explique.
Sim. Dessa forma, reforça-se a ideia de que as terras só poderiam pertencer a Portugal, e a hipótese de que isso não venha a ocorrer deva ser considerado um absurdo.

c)   A caracterização dos personagens envolvidos pode se tornar um poderoso recurso de persuasão. Releia o texto de Vieira e observe como foram descritos os holandeses, os portugueses e os reis de Portugal.
Os holandeses são caracterizados como heréticos e rebeldes, por professarem uma doutrina diferente daquela imposta pela Igreja Católica. Eles eram protestantes.
O povo português é descrito como conquistadores, fiéis a Deus, valentes, honrados e capazes de feitos gloriosos.
Os reis de Portugal são descritos como “cristianíssimos”.

d)   Observe que os argumentos no segundo parágrafo foram construídos a partir de perguntas. Que efeito se produz?
Reforça-se o tom de revolta, de indignação, de profunda certeza daquilo que se está defendendo.

e)   Releia este trecho: “Assim fostes servido que entrássemos nestes novos mundos, tão honrada e tão gloriosamente, e assim permitis que saiamos agora (quem tal imaginaria de vossa bondade), com tanta afronta e ignomínia!” Qual é a função da ressalva que está entre parênteses?
Reforçar a ideia de que Deus, sendo tão bom, não pode permitir que Portugal perca tal luta.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

SERMÃO DO BOM LADRÃO(FRAGMENTO) - PADRE ANTÔNIO VIEIRA - COM GABARITO

 SERMÃO DO BOM LADRÃO (fragmento)
          Padre Antônio Vieira


        Suponho que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado, como diz Salomão: "O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno."
        Os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento distingue muito bem São Basílio Magno. "Não são ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manhã, já com força, roubam e despojam os povos."
        Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.
        Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: "Lá vão os ladrões grandes enforcar os pequenos." Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas.
        Quantas vezes se viu em Roma ir enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador por ter roubado uma província! De um chamado Seronato disse com discreta contraposição Sidônio Apolinar: "Seronato sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer." Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só.
                                                                             Pe. Antônio Vieira.


Entendendo o texto:
01 – Leia o trecho a seguir, extraído do Sermão do Bom Ladrão:
        "Não são ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manhã, já com força, roubam e despojam os povos."
        Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.

                        VIEIRA, Padre Antônio. Sermão do bom ladrão.
              Disponível em: http://www.dominiopublico.

a)   Vieira descreve em seu sermão, dois tipos de ladrão. Quais são eles?
Os ladrões que cortam bolsas, roubam o que está próximo, à mão, e os ladrões que roubam cidades e reinos, ou seja, os governantes corruptos e desonestos.

b)   Para Vieira, qual desses dois tipos de ladrão é o mais nocivo à sociedade? Como o autor justifica sua posição?
O mais nocivo, para Vieira, é o ladrão que rouba as cidades, pois ele, além de prejudicar mais pessoas, não é punido, mas, sim, tem o poder de punir.

c)   O sermão de Vieira foi escrito há mais de 300 anos. Em sua opinião, a temática do sermão continua atual?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim. Na Sociedade Brasileira, é possível encontrar inúmeros exemplos de corrupção, desonestidade na administração pública e impunidade, o que mostra que a temática continua atual.

02 – Como o pregador desculpa os ladrões miseráveis?
        "Não são ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manhã, já com força, roubam e despojam os povos."

03 – Qual foi o brado de Diógenes ao ver as autoridades levar a força alguns ladrões?
      “Lá vão os ladrões grandes enforcar os pequenos.”

04 – Com base na leitura do fragmento acima, leia as assertivas que seguem e marque as corretas:
I – Observa-se o profundo entendimento de Padre Antônio Vieira sobre a problemática brasileira do período – ele ataca e critica aqueles que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamente.
II – O fragmento denuncia a desproporcionalidade das punições que são destinadas de maneiras distintas aos dois tipos de ladrões descritos no fragmento.
III – Padre Antônio Vieira usou o púlpito como arauto de suas indignações com os desmandos da vida pública.

05 – Segundo o texto o que diz Salomão?
      Salomão diz: “O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno.”

06 – Assinale a alternativa cuja citação se aproxima tematicamente do “Sermão do bom ladrão” de Antônio Vieira.
(A) “Rouba um prego, e serás enforcado como um malfeitor; rouba um reino, e se possui é o instrumento da liberdade; aquele que se persegue é tornar-te-ás duque.” (Chuang-Tzu, filósofo chinês, 369-286 a.C.)
(B) “Para quem vive segundo os verdadeiros princípios, a grande riqueza seria viver serenamente com pouco: o que é pouco nunca é escasso.” (Lucrécio, poeta latino, 98-55 a.C.)
(C) “O dinheiro que o instrumento da escravidão.” (Rousseau, filósofo francês, 1712-1778)
(D) “Que o ladrão e a ladra tenham a mão cortada; esta será a recompensa pelo que fizeram e a punição da parte de Deus; pois Deus é poderoso e sábio.” (Alcorão, livro sagrado islâmico, século VII)
(E) “Dizem que tudo o que é roubado tem mais valor.” (Tirso de Molina, dramaturgo espanhol, 1584-1648)
        


terça-feira, 15 de maio de 2018

SERMÃO VIGÉSIMO SÉTIMO - PADRE ANTÔNIO VIEIRA - COM GABARITO

 SERMÃO VIGÉSIMO SÉTIMO,
  
      Com o Santíssimo Sacramento exposto

                                                       (Da série Maria, Rosa Mística).

          Uma das grandes cousas que se veem hoje no mundo, e nós pelo costume de cada dia não admiramos, é a transmigração imensa de gentes e nações etíopes, que da África continuamente estão passando a esta América. [...] Os outros nascem para viver, estes para servir; nas outras terras do que eram os homens e do que fiam e tecem as mulheres, se fazem os comércios; naquela o que geram o pais e o que criam a seus peitos as mãos, é o que se vende e se compra. Oh, trato desumano, em que a mercancia são homens! Oh mercancia diabólica, em que os interesses se tiram da almas alheias, e os riscos são das próprias! [...]
         Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os senhores nadando em ouro, e os escravos carregados de ferro; [...]
          Estas são as considerações que faço, e era bem que fizessem todos, sobre os juízos ocultos desta tão notável transmigração e seus feitos. Não há escravo no Brasil [...] que não seja matéria para mim de uma profunda meditação. [...] não posso entender que Deus que criou estes homens tanto à sua imagem e semelhança como os demais, os predestinasse para dois infernos, um nesta vida, outro na outra. Mas quando os vejo tão devotos e festivais diante dos altares da Senhora do Rosário, todos irmãos entre si, como filhos da mesma Senhora, já me persuado sem dúvida que o cativeiro da primeira transmigração é ordenado por sua misericórdia para a liberdade da segunda [...].
          [...] neste mesmo estado da primeira transmigração, que a do cativeiro temporal, vos estão Deus e sua Santíssima Mãe dispondo e preparando para a segunda transmigração, que é a da liberdade eterna.
          [...] Isso é o que vos hei de pregar hoje par vossa consolação [...] vos peço me ajudeis a alcançar com que vos possa persuadir a verdade dela.

                   VIEIRA, Padre Antônio. Obras escolhidas. v. XI, Sermões (II).
                                                             Lisboa: Livraria Sá Costa, 1954, p. 47-50.

Entendendo o texto:
01 – A quem se destina o sermão pregado por Vieira?
     Aos negros.
02 – No período colonial, os negros eram considerados objetos, intelectualmente inferiores, e não podiam frequentar a igreja ao mesmo tempo eu os senhores. Considerando essas afirmações, como você explicaria o objetivo de Vieira para compor esse sermão?
     Resposta pessoal.

03 – De acordo com os trechos lidos, qual foi a “primeira transmigração” mencionada? E qual seria a “segunda transmigração”?
     A primeira foi o deslocamento dos negros da África para o Brasil;
     A segunda a passagem da vida para a morte.

04 – Em dois trechos, foi empregado o verbo “persuadir” (convencer). Localize-o e indique: quem deveria ser persuadido? De quê?
     “Já me persuado”; “com que vos possa persuadir a verdade dela”. Os negros deveriam ser convencidos de que seu cativeiro era parte do plano divino para salvação de suas almas.

05 – Fica claro que Vieira opõe –se aos abusos cometidos contra os negros, mas não se manifesta contra a escravidão em si. Que trecho confirma que o Padre vê, mesmo na escravização, um bom propósito de Deus? Destaque-o no texto.
     O cativeiro da primeira transmigração é ordenado por sua misericórdia (da Senhora do Rosário e de Deus) para a liberdade da segunda.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

SERMÃO: DISCURSO POLÍTICO-RELIGIOSO - Pe. ANTÔNIO VIEIRA - COM GABARITO

Sermão: DISCURSO POLÍTICO-RELIGIOSO
           O discurso político: recursos persuasivos.
           Defesa de ideologias política-religiosas
           Recursos da persuasão em campanhas sociais e políticas.

           Pe. Antônio Vieira: “Sermão pelo Bom Sucesso das Armas”.

           Tanto o “sempre foi assim” como o “todo governo faz isso” remetem ao axioma-mãe segundo o qual os políticos são todos iguais. Se não se acreditasse que todos são iguais, não se acreditaria que sempre foi assim nem que todo governo faz isso. Ora, acreditar que os políticos são iguais é, ao mesmo tempo, uma impossibilidade lógica e uma renúncia de direitos. Impossibilidade lógica porque nunca duas pessoas, mesmo que profissionais da mesma atividade, ou membros da mesma corporação, são iguais. Os advogados não são todos iguais, nem mesmo os bandidos. É uma renúncia de direitos porque o cidadão que assim pensa mentalmente rasga o título de eleitor. Se é tudo igual, para que votar? O cidadão em geral acredita que os políticos são iguais de boa-fé, mas com isso acaba fazendo o jogo dos piores. São eles os principais interessados em que se acredite que “é tudo farinha do mesmo saco”.
            A religião, embora trate de questões espirituais, de crença e de fé, não deixa de influenciar decisivamente na cultura de uma sociedade e no comportamento de seus indivíduos. Em várias épocas e em lugares do mundo, muitas instituições religiosas, em nome da fé e de seus valores, tomaram ou influenciaram decisões políticas.

  TOLEDO, Roberto Pompeu de. Farinhas do mesmo saco. In:
Veja, abril, São Paulo, abr. 1999.
 Entendendo o texto:
01 – Você já ouviu alguém comentar frase como as citadas: “político é tudo igual”, “Sempre foi assim”, “todo governo faz isso” para se referir aos problemas de corrupção no país?
      Resposta pessoal.

02 – Já ouviu outras frases com sentido semelhante para se referir à administração pública? Quais?
      Resposta pessoal. (Sugestão: isso não tem mais jeito, etc.).

03 – Por que pensamentos como “político é tudo igual” não contribuem para a democracia no país?
      Porque isso faz com que o cidadão renuncie a seus direitos e desista de tentar distinguir um candidato do outro. Ao fazer isso, acaba colaborando para manter uma situação negativa que poderia ser mudada. Manter determinadas situações é de interesse de muitos políticos, portanto, interessa igualmente a eles que o povo continue pensando que “políticos são todos iguais”.

04 – Por que pode-se dizer que a política de certa forma permeia todas as atividades humanas o tempo todo?
      Porque o político interfere na vida de cada um sempre e de várias maneiras: na elaboração das leis, nos assuntos relativos à educação, ao saneamento básico, saúde, transporte público, segurança, etc.

05 – Quais podem ser as consequências, para o próprio cidadão, da indiferença à política?
      O homem indiferente à política compreende mal o mundo em que vive e é facilmente manobrado por aqueles que detêm o poder.