Poema: Caminhos de minha terra
Jorge de
Lima
Caminhos inventados
por quem não tem pressa de ir embora.

Pelos que vão à escola.
Pelos que vão à vila trabalhar.
Pelos que vão ao eito.
Pelos que levam quem se despede da vida, que é tão bela…
À minha terra ninguém chega: ela é tão pobre…
Dizem que tem bons ares para os tísicos –
Mas os tísicos não vão lá: é tão difícil de ir-se lá…
Caminhos de minha terra onde perdi
os olhos e o passo de meditação…
Caminhos em que ceguinhos e aleijados podem
ir sem olhos e sem pernas: eles não atropelam os
pobrezinhos.
Alguém quer partir e eles dizem:
– “Não vás: toma lá uma goiaba madura,
uma pitanga, um ingá e dão como
as mãos dos missionários que dão tudo,
cajus, pitombas, araçás a todos os meninos do lugar”.
Caminhos que ainda têm orvalhos e sonambrilos bacurais,
E têm ninhos suspensos nas ramadas.
Ali perto, na curva do encanto
Onde mataram de emboscada um cangaceiro,
Há uma cruz de pitombeira…
Quem passa joga uma pedra,
Reza baixinho: “Padre nosso que estais no céu
santificado seja o vosso nome
venha a nós…”
Aquela cruz do cangaceiro é milagrosa.
Já me curou de um puchado que
Eu peguei na escola da professora –
Minha tia Bárbara de Oliveira Cunha Lima.
Mundaú! – soube depois
Que quer dizer rio torto.
Quem te inventou Mundaú, das minhas lavadeiras
Seminus,
Dos meus pescadores de traíras?
Mundaú! – rio torto – caminho de curvas,
Por onde eu vim para a cidade
Onde ninguém sabe o que é caminho.
Os melhores poemas. São
Paulo, Global, 1994.
Entendendo o poema:
01 – Que tipo de pessoas
utilizam os caminhos da terra do eu lírico, e o que isso revela sobre a vida
local?
Os caminhos são
utilizados por uma variedade de pessoas: estudantes que vão à escola,
trabalhadores que se dirigem à vila ou ao eito (roça), e até mesmo por aqueles
que levam os que se despedem da vida. Isso revela uma vida simples e rural,
onde os caminhos são essenciais para as atividades cotidianas e para os ritos
de passagem.
02 – Por que, segundo o poema,
"ninguém chega" à terra do eu lírico, apesar de ter "bons ares
para os tísicos"?
Ninguém chega à
terra do eu lírico porque "ela é tão pobre" e "tão difícil de
ir-se lá". Embora se diga que o local tem "bons ares para os
tísicos" (pessoas com tuberculose), a dificuldade de acesso e a pobreza
desencorajam até mesmo aqueles que poderiam se beneficiar de seu clima.
03 – Como os caminhos da terra
do eu lírico se relacionam com a ideia de acolhimento e doação?
Os caminhos são
apresentados como um lugar de acolhimento e doação. Quando "alguém quer
partir", os caminhos "dizem: – 'Não vás: toma lá uma goiaba madura,
uma pitanga, um ingá'". Essa oferta de frutas é comparada às "mãos
dos missionários que dão tudo", simbolizando a generosidade e a tentativa
de reter quem parte.
04 – Qual é o significado da
"cruz de pitombeira" mencionada no poema e qual sua relação com a
memória local?
A "cruz de
pitombeira" marca o local onde "mataram de emboscada um
cangaceiro". Essa cruz é considerada milagrosa, e quem passa joga uma
pedra e reza. A cruz se torna um ponto de devoção popular, ligando a violência
do passado à fé e à cura, como o eu lírico que foi curado de um
"puchado" (mau-olhado ou doença).
05 – O que representa o rio
Mundaú para o eu lírico e qual o contraste que ele estabelece com a vida na
cidade?
O rio Mundaú, que
significa "rio torto", representa os caminhos de origem do eu lírico,
por onde ele veio para a cidade. O rio é associado às suas "lavadeiras
seminus" e "pescadores de traíras", evocando uma vida rural e
autêntica. O contraste se dá com a cidade, onde "ninguém sabe o que é
caminho", sugerindo uma perda de sentido, de direção ou de conexão com as
raízes, diferente da clareza e da organicidade dos caminhos de sua terra natal.