Crônica: A Raça Superior
Walcyr Carrasco
A ESPÉCIE HUMANA
ACREDITA ser a única inteligente. Puro engano. Há tempos imemoriais nós, os
humanos, fomos derrotados por uma raça superior, muito mais esperta. Mais que
derrotados, fomos domesticados. Pelos cachorros. De fato, sob qualquer índice
de avaliação, a raça canina se mostra superior. Quem convive com um cão gosta
de dizer que é "dono". Como acreditar, se tudo prova que o cachorro é
dono do homem? Na questão da alimentação, por exemplo. Qualquer pessoa gasta
dinheiro e tempo para comprar ração. Analisa os vários tipos e até experimenta
uns pedacinhos para avaliar o sabor. Corre atrás de ossos para proporcionar
tardes de degustação ao cachorro. Compra imitações de borracha. Indústrias
pesquisam novas rações nutritivas. Gastam uma fábula em propaganda. Ou seja:
sem levantar uma pata, o cachorro faz com que os seres humanos trabalhem
torrando neurônios, tempo e dinheiro simplesmente para alimentá-los! Certa vez
tive uma cachorrinha que só podia comer arroz com cenoura e carne moída. Estava
sem empregada. Durante um mês levantava uma hora antes, preparava a comida e
saía para trabalhar. Ao voltar, servia uma nova refeição e lavava o prato. Em
troca, ela me lambia os dedos. Eu me sentia no cúmulo da felicidade só de
receber essas lambidinhas! Seja dita a verdade: quem era dono de quem?
E na questão
amorosa? Quando gosta, de alguém, o cão abana o rabo. Pode ser um desconhecido.
Gostou, abanou. Quando está a fim, deita-se de patas para cima e lança um olhar
bem pidoncho. Até o coração mais duro não resiste a dar carinho, cocar as
orelhas, fazer uns afagos. Eu, não. Nunca me deitei de barriga para ficar me
oferecendo. Vontade não faltou, mas e a coragem? Nós, seres humanos, usamos
artifícios. Gastamos dinheiro em perfumes, em cabeleireiros, em
dermatologistas. Vamos a happy hours, jantares, festas, barzinhos da moda,
entramos em chats da internet, só para achar quem nos coce as orelhas. Se
alguém faz festa para todo mundo que conhece, rebolando como um cãozinho, vem o
veredicto:
— Ih! Está com
carência afetiva.
Toca a procurar
terapeuta. Horas e horas dedicadas a analisar a pura vontade de buscar amor!
Revistas dedicam quilômetros de papel a práticas de sedução.
Como olhar de lado, como sorrir, como se oferecer sem dar na vista. Mais: como
ter coragem de expressar os sentimentos. Cachorro, não. Abana o rabo e pronto.
Muitas vezes, com ciúme, já tive vontade de morder alguém. Ao contrário, sorri
simpaticamente enquanto o sangue fervia. Cães não possuem esse tipo de
constrangimento. Atiram-se em cima do rival. Mordem a mão de quem acaricia. Até
conseguirem seu quinhão de afeto. Mas também não guardam raiva. Depois de
rosnarem um para o outro, dois cães saem pulando e brincando juntos. Que
espécie sabe lidar melhor com as próprias emoções?
A questão da pele
também é importante. Criamos indústrias do vestuário porque não estamos
satisfeitos com a própria pele, e inventamos estratagemas para cobri-la. Boa
parte da humanidade se dedica a fabricar tecidos, a inventar e a vender roupas.
Qualquer pessoa ambiciona se vestir bem. Fortunas são despendidas em novos
guarda-roupas. A moda vira, e toca a gastar tudo outra vez. Cachorro, não.
Nasce vestido. Imagine-se quanto delírio, quanta mão-de-obra seria evitada se o
ser humano tivesse a mesma tranquilidade a respeito
da própria aparência.
Chegamos ao X da
questão. Criamos filosofias, escrevemos livros. Há quem faça ioga, meditação.
Tudo para aprender a aceitar o fardo da existência. O cão já nasce aceitando. A
vida é e não é, deve pensar o cão, com a, sabedoria de um mestre zen. É o que
constato todo dia ao chegar em casa exausto do trabalho, de mau humor com o
chefe, com a fatura do cartão de crédito prestes a me degolar, o cheque
especial batendo as folhas em torno de minhas orelhas como uma ave de rapina.
Sento na varanda e meu cachorro se aproxima: Sem nenhuma preocupação na vida. Deita-se aos meus pés e prepara-se para receber sua dose cotidiana de carinho. Eu me submeto. Raça superior é isso aí.
Entendendo o texto
01. Quem é considerado a "raça superior" na
crônica "A Raça Superior"?
a) Os humanos.
b) Os
cachorros.
c) Os gatos.
d) Os pássaros.
02. Qual é o
argumento do narrador sobre a superioridade dos cachorros na questão alimentar?
a) Os cachorros escolhem sua própria
comida.
b) Os humanos trabalham para alimentar
os cachorros.
c) Os cachorros são mais seletivos na
escolha da comida.
d) Os humanos gastam dinheiro e tempo para comprar ração para os cachorros.
03. Como o narrador se sente ao receber lambidas dos
dedos de sua cachorrinha?
a) Desprezado.
b) No
cúmulo da felicidade.
c) Envergonhado.
d) Indiferente.
04. Na questão amorosa, como o narrador
compara o comportamento humano e canino?
a) Humanos são mais diretos que os
cachorros.
b) Cachorros abanam o rabo quando
gostam de alguém.
c) Humanos usam artifícios para atrair
amor.
d) Cachorros são mais tímidos em
expressar afeto.
05. O que os
cachorros fazem quando estão com ciúmes?
a)
Choram.
b) Mordem.
c) Sorriem simpaticamente.
d) Ficam indiferentes.
06. O narrador menciona a questão da pele
como importante. Como os cachorros lidam com isso?
a) Eles usam roupas para cobrir a pele.
b) Eles nascem vestidos.
c) Eles criam indústrias do vestuário.
d) Eles são indiferentes à própria
aparência.
07. O que é
destacado como X da questão na crônica?
a) A alimentação dos cachorros.
b) A questão amorosa entre humanos e
cachorros.
c) A aceitação da vida pelos cachorros.
d) A criação de filosofias pelos
humanos.
08. Como o narrador
se sente ao chegar em casa exausto do trabalho e encontrar seu cachorro?
a) Irritado.
b) Indiferente.
c) Feliz.
d) Surpreso.
09. O que o narrador
observa ao chegar em casa e interagir com seu cachorro?
a) O cachorro está preocupado com
problemas.
b) O cachorro está ansioso.
c) O cachorro está relaxado e sem
preocupações.
d) O cachorro está triste.
10. Qual é a
conclusão do narrador sobre a raça superior no final da crônica?
a) Os humanos são superiores aos
cachorros.
b) Os cachorros são superiores aos
humanos.
c) Não há uma
raça superior.
d)
Os gatos são mais superiores que cachorros e humanos.
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