A mais terrível
das instituições do Ateneu não era a famosa justiça do arbítrio, não era ainda
a cafua, asilo das trevas e do soluço, sanção das culpas enormes. Era o livro
das notas.
Todas as
manhãs, infalivelmente, perante o colégio em peso, congregado para o primeiro almoço,
às oito horas, o diretor aparecia a uma porta, com a solenidade tarda das
aparições, e abria o memorial das partes.
Um livro de
lembranças comprido e grosso, capa de couro, rótulo vermelho na capa, ângulos
do mesmo sangue. Na véspera cada professor, na ordem do horário, deixava ali a
observação relativa à diligência dos seus discípulos. Era o nosso jornalismo.
Do livro aberto, como as sombras das caixas encantadas dos contos de maravilha,
nascia, surgia, avultava, impunha-se a opinião do Ateneu. Rainha caprichosa e
incerta, tiranizava essa opinião sem corretivo como os tribunais supremos. O
temível noticiário, redigido ao sabor da justiça suspeita de professores, muita
vez despedidos por violentos, ignorantes, odiosos, imorais, erigia-se em censura
irremissível de reputações. O julgador podia ser posto fora por uma
evidenciação concludente dos seus defeitos; a difamação estampada era
irrevogável.
E pior é que
lavrava o contágio da convicção e surpreendia-se cada um consecutivamente de não
haver reparado que era mesmo tão ordinário tal discípulo, tal colega,
reforçando-se passivamente o conceito, até consumar-se a obra de vilipêndio
quando, por último, o condenado, sem mais uma sugestão de revolta, achava
aquilo justo e baixava a cabeça. A opinião é um adversário infernal que conta
com a cumplicidade, enfim, da própria vítima.
Com exceção dos
privilegiados, os vigilantes, os amigos do peito, os que dormiam à sombra de
uma reputação habilmente arranjada por um justo conchavo de trabalho e
cativante doçura, havia para todos uma expectativa de terror antes da leitura
das notas. O livro era um mistério.
POMPÉIA, Raul. O Ateneu. 9. ed. São Paulo, Ática, 1986. p. 43-4.
Cafua: quarto escuro onde e prendiam os
alunos castigados.
Sanção: medida repressiva.
Ao sabor de: conforme a vontade de.
Vilipêndio: desprezo, aviltamento.
1. Em O Ateneu, Raul Pompeia denuncia, como exemplifica o
texto:
a) perversidade do sistema educacional
d) vontade de poder do
educador.
b) relação perigosa entre os adolescentes.
e) política interesseira da escola.
c) brutalidade física na educação
2.(UFSC) A(s) citação(ões extraída(s) do livro O Ateneu é
(são):
a)”Na repartição, os pequenos empregados, amanuenses e
escreventes, tendo notícia desse seu estudo do idioma tupiniquim, deram não se
sabe por que em chama-lo – Ubirajara.”
b) “…chegou a senhora do diretor, D. Ema. Bela
mulher em plena prosperidade dos trinta anos de Balzac, formas alongadas por
graciosa magreza, erigindo, porém, o tronco sobre quadris amplos, fortes como a
maternidade…”
c)“ Aristarco todo era anúncio. Os gestos
calmos, soberanos, era um rei – o autocrata excelso.”
d) “ Ralf pega a velha maleta do Homig, abre-a
devagarinho, como quem abre uma gaiola de pássaro, para pegá-lo mansamente.”
e) “Entrei apressado, atravessei o corredor do lado direito
e no meu quarto dei com algumas pessoas soltando exclamações. Arrede-as e
estanquei; Madalena estava estirada na cama, branca, de olhos vidrados, espuma
nos cantos da boca.”
3. (ITA-SP) Sobre o Ateneu, de Raul Pompeia,
não se pode afirmar que:
a) o colégio Ateneu reflete o modelo educacional da
época, bem como os valores da sociedade da época.
b) o romance é narrado em um tom otimista, em
terceira pessoa.
c) a narrativa expressa um tom de ironia e ressentimento.
d) as pessoas são descritas, muitas vezes, de forma
caricatural.
e) são comuns comparações entre pessoas e animais.
4.(UFTM-MG)
“ Assim, pela primeira vez irrompe na ficção
brasileira a psicologia infantil, visto que o romance romântico preferia
focalizar o adolescente ou adulto enredado nas malhas do amor e da honra,
reservando à criança um olhar complacente e via de regra puxado ao folclórico e
ao melodramático, o que redundava fatalmente em estereotipia e
superficialidade.”
Esse filão, que procura aprofundar a análise da alma
infantil, foi aberto por:
a)Aluísio Azevedo, em O Mulato
b) José de Alencar, em O Sertanejo.
c) Raul Pompeia, em O Ateneu.
d) Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas.
e) Manuel Antônio de Almeida, em Memórias de um Sargento
de Milícias.
5.(FGV-SP) Raul Pompeia é consagrado na literatura
brasileira pela obra O Ateneu, de largo senso psicológico e preciosidade de
estilo. A temática da obra, a par do seu valor literário, é um depoimento que
ilustra:
a) as discussões e os conflitos entre os escritores do
Ateneu Literário do Rio de Janeiro, nos fins do Império.
b) a vida social e os hábitos quotidianos da aristocracia
imperial, pouco antes da República.
c) a vida escolar no Império Brasileiro, tendo
o sistema de internato como modelo educacional de elite na época.
d) a influência da cultura clássica e dos valores
greco-romanos na formação da personalidade dos intelectuais brasileiros da
época.
e) os hábitos e o comportamento urbano da classe média em
ascensão no Rio de Janeiro, após a Proclamação da República.
6.(UFRGS-RS) Leias as afirmações sobre o romance O
Ateneu, de Raul Pompeia.
I. Sérgio, em seu relato memorialista, revela a outra
face da fachada moralista e virtuosa que circundava O Ateneu, a face em que se
incluem a corrupção, o interesse econômico, a bajulação, as intrigas e a
homossexualidade entre os adolescentes.
II.A narrativa, ainda que feita na primeira pessoa, evita
o comentário subjetivo e as impressões individuais, uma vez que o narrador
adota uma postura rigorosa, condizente com o cientificismo da época.
III. Através da figura de Dr. Aristarco, diretor do
colégio, com sua retórica pomposa e vazia, Raul Pompeia critica o sistema
educacional da época e a hipocrisia da sociedade.
Quais estão corretas:
a) apenas I
b) apenas II c) apenas I e III d)
apenas II e III e) I, II e III
7.(Umesp) Assinale a alternativa correta sobre o romance
O Ateneu, de Raul Pompeia.
a)O romance se realiza pelo processo
memorialista do narrador, permeado por uma profunda visão crítica.
b) Trata-se de uma crônica de saudades, em que o narrador
revela, a cada instante, vontade de voltar.
c) O Ateneu representa uma apologia aos colégios internos
como forma ideal para a formação do adolescente.
d) Apesar da tentativa de atingir um estilo realista, a
obra mantém uma estrutura romântica aos moldes de José de Alencar.
e) Todas as personagens do romance buscam identificar-se.