Mostrando postagens com marcador JOSÉ SARAMAGO. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador JOSÉ SARAMAGO. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

ROMANCE: A JANGADA DE PEDRA - (FRAGMENTO) - JOSÉ SARAMAGO - COM GABARITO

 Romance: A jangada de pedra – Fragmento

                 José Saramago

        [...]

    Na história dos rios nunca acontecera um tal caso, estar passando a água em seu eterno passar e de repente não passa mais, como torneira que bruscamente tivesse sido fechada, por exemplo, alguém está a lavar as mãos numa bacia, retira a válvula do fundo, fechou a torneira, a água escoa-se, desce, desaparece, o que ainda ficou na concha esmaltada em pouco tempo se evaporará. Explicando por palavras mais próprias, a água do Irati retirou-se como onda que da praia reflui e se afasta, o leito do rio ficou à vista, pedras, lodo, limos, peixes que saltando boquejam e morrem, o súbito silêncio.

        Os engenheiros não estavam no local quando se deu o incrível facto, mas aperceberam-se de que alguma coisa anormal acontecera, os mostradores, na bancada de observação, indicaram que o rio deixara de alimentar a grande bacia aquática. Num jipe foram três técnicos averiguar o intrigante sucesso, e, durante o caminho, pela margem do embalse, examinaram as diversas hipóteses possíveis, não lhes faltou tempo para isso em quase cinco quilómetros, e uma dessas hipóteses era que um desabamento ou escorregamento de terras na montanha tivesse desviado o curso do rio, outra que fosse obra dos franceses, perfídia gaulesa, apesar do acordo bilateral sobre águas fluviais e seus aproveitamentos hidroeléctricos, outra, ainda, e a mais radical de todas, que se tivesse exaurido o manancial, a fonte, o olho-d’água, a eternidade que parecia ser e afinal não era. Neste ponto dividiam-se as opiniões. Um dos engenheiros, homem sossegado, da espécie contemplativa, e que apreciava a vida em Orbaiceta, temia que o mandassem para longe, os outros esfregavam de contentamento as mãos, podia ser que viessem a transferi-los para uma das barragens do Tejo, o mais perto de Madrid e da Gran Vía. Debatendo estas ansiedades pessoais chegaram à ponta extrema do embalse, onde era o desaguadouro, e o rio não estava lá, apenas um fio escasso de água que ainda ressumbrava das terras moles, um gorgolejo lodoso que nem para mover uma azenha de brincar teria força, Onde é que raio se meteu o rio, isto disse o motorista do jipe, e não se poderia ser mais expressivo e rigoroso. Perplexos, atónitos, desconcertados, inquietos também, os engenheiros voltaram a discutir entre si as já explicadas hipóteses, posto o que, verificada a inutilidade prática do prosseguimento do debate, regressaram aos escritórios da barragem, depois seguiram para Orbaiceta, onde os esperava a hierarquia, já informada do mágico desaparecimento do rio. Houve discussões ácidas, incredulidades, chamadas telefónicas para Pamplona e Madrid, e o resultado do fatigante trabalho e trato veio a exprimir-se numa ordem muito simples, disposta em três partes sucessivas e complementares. Subam o curso do rio, descubram o que aconteceu e não digam nada aos franceses.

        A expedição partiu no dia seguinte, ainda antes do nascer do sol, caminho da fronteira, sempre ao lado ou à vista do rio seco, e quando os fatigados inspectores lá chegaram compreenderam que nunca mais tornaria a haver Irati. Por uma fenda que não teria mais de uns três metros de largura, as águas precipitavam-se para o interior da terra, rugindo como um pequeno Mágara. Do outro lado já havia um ajuntamento de franceses, fora sublime ingenuidade pensar que os vizinhos, astutos e cartesianos, não dariam pelo fenômeno, mas ao menos mostravam-se tão estupefactos e desorientados como os espanhóis deste lado, e todos irmãos na ignorância. Chegaram as duas partes à fala, mas a conversa não foi extensa nem profícua, pouco mais que as interjeições de um justificado espanto, um hesitante aventar de hipóteses novas pelo lado dos espanhóis, enfim, uma irritação geral que não encontrava contra quem se voltar, os franceses daí a pouco já sorriam, afinal continuavam a ser donos do rio até à fronteira, não precisariam de reformar os mapas.

        Nessa tarde, helicópteros dos dois países sobrevoaram o local, fizeram fotografias, por meio de guinchos desceram observadores que, suspensos sobre a catarata, olhavam e nada viam, apenas o negro boqueirão e o dorso curvo e luzidio da água. Para se ir adiantando algum proveito, as autoridades municipais de Orbaiceta, do lado espanhol, e de Larrau, do lado francês, reuniram-se junto do rio, debaixo de um toldo armado para a ocasião e dominado pelas três bandeiras, a bicolor e tricolor nacionais, mais a de Navarra, com o propósito de estudarem as virtualidades turísticas de um fenômeno natural com certeza único no mundo e as condições da sua exploração, no interesse mútuo.

        [...]

SARAMAGO, José. A jangada de pedra. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 19-21.

                Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 136-9.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·         Irati: rio que nasce na França e passa pela Espanha. Em tupi-guarani, significa “rio de mel”.

·         Boquejar: abocanhar, bocejar.

·         Embalse: local de um rio por onde passa ou se tem acesso a uma balsa, espécie de jangada grande usada para transportar cargas pesadas, percorrendo, geralmente, pequenas distâncias.

·         Perfídia: deslealdade; falsidade; traição.

·         Gaulesa: referente a Gália, antigo território onde hoje se situa a França.

·         Orbaiceta: povoado espanhol situado na margem do rio Irati.

·         Tejo: rio mais importante e mais extenso da Península Ibérica. Nasce na Espanha e deságua no Oceano Atlântico, banhando Lisboa.

·         Ressumbrar: deixa sair ou cair líquido em pouca quantidade ou gota a gota; gotejar, destilar.

·         Gorgolejo: emitir som parecido com o de um gargarejo.

·         Azenha: moinho de roda movido a água.

·         Pamplona: capital de Navarra, comunidade da Espanha.

·         Mágara: caverna de origem vulcânica.

·         Cartesiano: racional; afeito a ideias claras e procedimentos exatos; rigorosos.

·         Estupefacto: pasmado, assombrado, atônito.

·         Profícuo: útil, proveitoso, vantajoso.

·         Aventar: perceber, pressentir; ocorrer, lembrar; imaginar; supor.

·         Larrau: pequena comunidade francesa localizada na região administrativa da Aquitânia, nas montanhas dos Pirineus, que fazem divisa com a Espanha.

·         Navarra: comunidade autônoma da Espanha cuja capital é Pamplona.

02 – Você já leu algum romance do escritor português José Saramago?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – Sabe que ele foi o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – O que o título ou a metáfora “A jangada de pedra” lhe sugere?

        A metáfora da “jangada de pedra”

        No período das grandes navegações e dos descobrimentos, os países que formam a Península Ibérica − Portugal e Espanha − dominaram as fronteiras e tiveram um passado considerado rico, heroico e glorioso. Por questões políticas e econômicas, eles perderam a hegemonia para países como a Inglaterra e a França.

        Para remeter à história de Portugal e Espanha e dar título ao romance, Saramago aproveita-se de um ditado popular português que compara a Península Ibérica ao formato de uma jangada, embarcação rudimentar comumente usada na costa marítima e que não conseguiria ultrapassar mares ou oceanos. Na ficção, a Península assume o papel metafórico de uma “jangada de pedra” que vai se afastando da Europa, navegando sem rumo, à deriva, pelo Oceano Atlântico.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sugere dinamismo, associado ao movimento dos ventos, deslocamentos por meio de travessia marítima. Já a palavra pedra costuma ser associada a rigidez e vista como elemento estático.

05 – Com base no boxe anterior e no trecho lido de “A jangada de pedra”, responda:

a)   Qual é o foco narrativo do texto? Qual é o cenário?

Foco narrativo em terceira pessoa. As ações se passam às margens do rio Irati, no povoado de Orbaiceta, fronteira com a França, para onde se deslocaram técnicas e autoridades espanholas.

b)   Qual é o elemento fantástico presente nesse trecho? O que esse elemento desencadeia?

O rio Irati secou: “[...] o leito do rio ficou à vista, pedras, lodo, limos, peixes que saltando boquejam e morrem [...]”. Esse fato desencadeia uma sequência de ações de especialistas e autoridades para entender o fenômeno e um encontro entre autoridades espanholas e francesas para avaliar a situação.

06 – Releia:

·         [...] obra dos franceses, perfídia gaulesa, apesar do acordo bilateral sobre águas fluviais [...]

·         [...] e não digam nada aos franceses.

·         Do outro lado já havia um ajuntamento de franceses, fora sublime ingenuidade pensar que os vizinhos, astutos e cartesianos, não dariam pelo fenômeno [...]

        O que essas passagens revelam?

      Essas passagens revelam a disputa política entre Espanha e França.

07 – Os escritores do realismo fantástico relatam fatos sobrenaturais para criticar a realidade. Que críticas podem ser inferidas com base nos fatos narrados nesse trecho?

      Há críticas: à rivalidade entre espanhóis e franceses; aos franceses, por não demonstrarem solidariedade ao perceberem que não tiveram nenhum prejuízo; às autoridades dos dois países, que logo pensaram em tirar proveito da situação; e aos técnicos, engenheiros e especialistas que não conseguem explicar o fenômeno.

08 – Releia:

        “[...] os franceses daí a pouco já sorriam [...]”

        Como você interpreta esse trecho?

            Os franceses compreenderam, aliviados, que não tinham sido prejudicados pelos fenômeno natural, pois o rio não mudara seu curso na França. Continuava o mesmo, de modo de eles não teriam de alterar os mapas ou tornar qualquer outra providência.

09 – Releia outro trecho:

        “Para se ir adiantando algum proveito, as autoridades municipais de Orbaiceta, do lado espanhol, e de Larrau, do lado francês, reuniram-se junto do rio, debaixo de um toldo armado [...]”

        Qual foi o objetivo dessa reunião?

      As autoridades municipais reuniram-se para estudar um meio de tirar proveito do fenômeno natural e concluíram que seria possível explorar turisticamente a região, de modo a atender aos interesses dos dois países.

10 – Como observamos em “A jangada de pedra”, o escritor português José Saramago tem estilo próprio e usa recursos como: a criação de frases e parágrafos longos; a transgressão de determinadas regras convencionadas da modalidade escrita; a não marcação do discurso direto com parágrafos, travessões ou aspas. Leia um exemplo:

        “[...] Onde é que raio se meteu o rio, isto disse o motorista do jipe, e não se poderia ser mais expressivo e rigoroso.”

a)   Releia o texto de Saramago e encontre outro exemplo em que ele não marca o discurso direto com parágrafos, travessões ou aspas.

Outro exemplo de discurso direto sem uso de parágrafo, travessão ou aspas: “Houve discussões ácidas, incredulidades, chamadas telefónicas para Pamplona e Madrid, e o resultado do fatigante trabalho e trato veio a exprimir-se numa ordem muito simples, disposta em três partes sucessivas e complementares. Subam o curso do rio, descubram o que aconteceu e não digam nada aos franceses.”

b)   Esse tipo de pontuação do discurso direto pode ter qual finalidade?

Pode ter a finalidade de marcar o fluxo mais veloz do pensamento e da fala, como se a história fosse contada oralmente, sem interrupções.

11 – Você concorda com a visão de que a vida apresenta muitos aspectos absurdos e de que o real e o fantástico costumam se cruzar? Converse com os colegas e o professor.

      Resposta pessoal do aluno.

12 – Ao ler esse trecho da obra de Saramago, você deve ter percebido algumas diferenças entre a língua falada e escrita em Portugal e a falada e escrita no Brasil.

a)   Identifique diferenças de grafia e escreva-as no caderno.

Uso da letra c em palavras como facto, inspectores, etupefactos, hidroeléctricos. Uso de acento agudo em palavras que, no Brasil, recebem acento circunflexo, como atónitos, quilómetros, telefónicas.

b)   O que essas diferenças de grafia revelam?

Revelam diferenças de pronúncia.

c)   Que palavras e expressões presentes no texto não são comumente usadas no português atual do Brasil?

Azenha, gorgolejo, ressumbrava, boquejam, embalse, bacia (com sentido de pia) etc.

d)   No Brasil, que forma verbal seria mais usual que a destacada em: “[...] alguém está a lavar as mãos numa bacia [...]”.

O gerúndio (“alguém está lavando as mãos numa bacia”) ou o imperfeito do indicativo (“alguém lavava as mãos numa bacia”).

 

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

AUTOBIOGRAFIA: JOSÉ SARAMAGO(FRAGMENTO) - FUNDAÇÃO JOSÉ SARAMAGO - COM GABARITO

 Autobiografia: José Saramago (Fragmento)

              Nasci numa família de camponeses sem terra, em Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa. Meus pais chamavam-se José de Sousa e Maria da Piedade. José de Sousa teria sido também o meu nome se o funcionário do Registo Civil, por sua própria iniciativa, não lhe tivesse acrescentado a alcunha por que a família de meu pai era conhecida na aldeia: Saramago. (Cabe esclarecer que saramago é uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres). Só aos sete anos, quando tive de apresentar na escola primária um documento de identificação, é que se veio a saber que o meu nome completo era José de Sousa Saramago… Não foi este, porém, o único problema de identidade com que fui fadado no berço. Embora tivesse vindo ao mundo no dia 16 de Novembro de 1922, os meus documentos oficiais referem que nasci dois dias depois, a 18: foi graças a esta pequena fraude que a família escapou ao pagamento da multa por falta de declaração do nascimento no prazo legal.

        [...]

        Fui bom aluno na escola primária: na segunda classe já escrevia sem erros de ortografia, e a terceira e quarta classes foram feitas em um só ano. Transitei depois para o liceu, onde permaneci dois anos, com notas excelentes no primeiro, bastante menos boas no segundo, mas estimado por colegas e professores, ao ponto de ser eleito (tinha então 12 anos…) tesoureiro da associação académica… Entretanto, meus pais haviam chegado à conclusão de que, por falta de meios, não poderiam continuar a manter-me no liceu. A única alternativa que se apresentava seria entrar para uma escola de ensino profissional, e assim se fez: durante cinco anos aprendi o ofício de serralheiro mecânico. O mais surpreendente era que o plano de estudos da escola, naquele tempo, embora obviamente orientado para formações profissionais técnicas, incluía, além do Francês, uma disciplina de Literatura. Como não tinha livros em casa (livros meus, comprados por mim, ainda que com dinheiro emprestado por um amigo, só os pude ter aos 19 anos), foram os livros escolares de Português, pelo seu carácter “antológico”, que me abriram as portas para a fruição literária: ainda hoje posso recitar poesias aprendidas naquela época distante. Terminado o curso, trabalhei durante cerca de dois anos como serralheiro mecânico numa oficina de reparação de automóveis. Também por essas alturas tinha começado a frequentar, nos períodos nocturnos de funcionamento, uma biblioteca pública de Lisboa. E foi aí, sem ajudas nem conselhos, apenas guiado pela curiosidade e pela vontade de aprender, que o meu gosto pela leitura se desenvolveu e apurou.

        [...]

José Saramago. Autobiografia de José Saramago. Fundação José Saramago. Disponível em: www.josesaramago.org/autobiografia-de-jose-saramago. Acesso em: 29 mar. 2018.

Fonte: Língua Portuguesa – Português – Apoema – Editora do Brasil – São Paulo, 2018. 1ª edição – 6° ano. p. 36-7.

Entendendo a autobiografia:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Alcunha: apelido, nome não oficial criado para identificar alguém com base em uma característica específica dessa pessoa.

·        Antológico: algo notável, exemplar, que merece ser lembrado; pertencente a uma antologia ou coletânea de textos.

·        Fadado: destinado (a algo).

·        Fruição: prazer.

·        Herbáceo: relativa ou semelhante a erva.

·        Liceu: estabelecimento em que antigamente era ministrado o Fundamental II e o Ensino Médio.

·        Tesoureiro: pessoa responsável pelo dinheiro e pelas finanças de uma empresa, instituição, etc.

02 – Você deve ter percebido que a grafia de certas palavras do texto é diferente da grafia delas no português do Brasil.

a)   Observe as palavras quilómetros e académica. Como são grafadas no Brasil? O que a diferença indica?

No Brasil, são grafadas quilômetro e acadêmica. Indica que a vogal com acento agudo, em Portugal, é aberta, e no Brasil, com acento circunflexo, é fechada.

b)   Em certas palavras, os portugueses usam consoantes que indicam uma particularidade da pronúncia deles, diferente da pronúncia brasileira. Encontre no texto a forma da palavra noturnos tal como é usada em Portugal.

Nocturnos.

c)   Em outros casos, os portugueses eliminam uma consoante, como na palavra registo. Qual é a forma usada no português do Brasil?

Registro.

03 – O tema principal do trecho lido é:

a)   O surgimento do gosto pela literatura.

b)   A pobreza dos camponeses portugueses.

c)   Os problemas de identidade do narrador.

d)   A dificuldade de estudar francês e literatura em uma escola de ensino profissional.

04 – Releia o trecho a seguir:

        “[...] Como não tinha livros em casa (livros meus, comprados por mim, ainda que com dinheiro emprestado por um amigo, só os pude ter aos 19 anos), foram os livros escolares de Português, pelo seu carácter “antológico”, que me abriram as portas para a fruição literária: ainda hoje posso recitar poesias aprendidas naquela época distante. [...]”.

·        Consulte o glossário e responda às questões.

a)   Por que o autor afirma que os livros escolares de Português têm caráter antológico?

Porque os livros escolares reúnem textos e esses textos são exemplares, são textos importantes e representativos.

b)   Por que, segundo o autor, a leitura desses livros abriu para ele as portas para a “fruição literária”?

Porque ele passou a gostar de Literatura. A leitura dos textos, nos livros escolares, fez com que descobrisse o prazer da literatura.

05 – O trecho em que o autor da autobiografia aparece em 1ª pessoa é:

·        “A única alternativa que se apresentava seria entrar para uma escola de ensino profissional [...]”.

·        “[Cabe esclarecer que Saramago é uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres]”.

·        “E foi aí, sem ajudas nem conselhos, apenas guiado pela curiosidade e pela vontade de aprender, que o meu gosto pela leitura se desenvolveu e apurou.”

·        “O mais surpreendente era que o plano de estudos da escola, naquele tempo, embora obviamente orientado para formações profissionais técnicas, incluía, além do Francês, uma disciplina de Literatura.”

06 – Releia o trecho a seguir e responda às questões.

        “Fui bom aluno na escola primária: na segunda classe já escrevia sem erros de ortografia, e a terceira e quarta classes foram feitas em um só ano. Transitei depois para o liceu, onde permaneci dois anos, com notas excelentes no primeiro, bastante menos boas no segundo, mas estimado por colegas e professores, ao ponto de ser eleito (tinha então 12 anos…) tesoureiro da associação académica… Entretanto, meus pais haviam chegado à conclusão de que, por falta de meios, não poderiam continuar a manter-me no liceu. [...]”.

a)   Predominam sequências de que tipo?

Narrativas.

b)   Qual marcador temporal introduz a passagem do narrador de uma fase escolar a outra?

Depois.

 

domingo, 7 de abril de 2019

TEXTO: NINGUÉM SE BANHA DUAS VEZES NO MESMO RIO - JOSÉ SARAMAGO - COM GABARITO

Texto: Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
                  
                    José Saramago

 “Estou deitado na margem. Dois barcos, presos a um tronco de salgueiro cortado em remotos tempos, oscilam ao jeito do vento, não da corrente, que é macia, vagarosa, quase invisível. A paisagem em frente, conheço-a. Por uma aberta entre as árvores, vejo as terras lisas da lezíria, ao fundo uma franja de vegetação verde-escura, e depois, inevitavelmente, o céu onde boiam nuvens que só não são brancas porque a tarde chega ao fim e há o tom de pérola que é o dia que se extingue. Entretanto, o rio corre. (…)
        Três metros acima da minha cabeça estão presos nos ramos rolos de palha, canalhas de milho, aglomerados de lodo seco. São os vestígios da cheia. À esquerda, na outra margem, alinham-se os freixos que, a esta distância, por obra do vento que Ihes estremece as folhas numa vibração interminável, me fazem lembrar o interior de uma colmeia. (…)
        Entretanto, enquanto vou pensando, o rio continua a passar, em silêncio. Vem agora no vento, da aldeia que não está longe, um lamentoso toque de sinos: alguém morreu, sei quem foi, mas de que serve dizê-Io? Muito alto, duas garças brancas (ou talvez não sejam garças, não importa) desenham um bailado sem princípio nem fim: vieram inscrever-se no meu tempo, irão depois continuar o seu, sem mim.
        Olho agora o rio que conheço tão bem. A cor das águas, a maneira como escorregam ao longo das margens, as espadanas3 verdes, as plataformas de limos onde encontram chão as rãs, onde as libélulas (também chamadas tira-olhos) pousam a extremidade das pequenas garras – este rio é qualquer coisa que me corre no sangue, a que estou preso desde sempre e para sempre. Naveguei nele, aprendi nele a nadar, conheço-lhe os fundões e as locas onde os barbos pairam imóveis. É mais do que um rio, é talvez um segredo.
        E, contudo, estas águas já não são as minhas águas. O tempo flui nelas, arrasta-as e vai arrastando na corrente líquida, devagar, à velocidade (aqui, na terra) de sessenta segundos por minuto. Quantos minutos passaram já desde que me deitei na margem, sobre o feno seco e doirado? Quantos metros andou aquele tronco apodrecido que flutua? O sino ainda toca, a tarde teve agora um arrepio, as garças onde estão? Devagar, levanto-me, sacudo as palhas agarradas à roupa, calço-me. Apanho uma pedra, um seixo redondo e denso, lanço-o pelo ar, num gesto do passado. Cai no meio do rio, mergulha (não vejo, mas sei), atravessa as águas opacas, assenta no lodo do fundo, enterra-se um pouco. (…)
        Desço até à água, mergulho nela as mãos, e não as reconheço. Vêm-me da memória outras mãos mergulhadas noutro rio. As minhas mãos de há trinta anos, o rio antigo de águas que já se perderam no mar. Vejo passar o tempo. Tem a cor da água e vai carregado de detritos, de pétalas arrancadas de flores, de um toque vagaroso de sinos. Então uma ave cor de fogo passa como um relâmpago. O sino cala-se. E eu sacudo as mãos molhadas de tempo, levando-as até aos olhos – as minhas mãos de hoje, com que prendo a vida e a verdade desta hora.”

SARAMAGO, José. Deste mundo e do outro. Lisboa: Editorial Caminho, 1985.
Entendendo o texto:

01 – O texto que você leu é predominantemente descritivo. O observador apresenta suas impressões a respeito do tempo comparando-o a um rio e afirma: “Estou deitado na margem”. Explique o significado dessa frase.
      Por meio dessa frase, percebe-se que o narrador observa o rio e o tempo como se estivesse do lado de fora, como se não estivesse imerso no tempo.

02 – No 2° parágrafo, o observador compara a vibração das folhas ao interior de uma colmeia. Por que é possível afirmar que essa é uma comparação subjetiva?
      Porque é criada pela imaginação do observador.

03 – Ao ler o 4° parágrafo, percebe-se que existe uma ligação maior entre o observador e o rio. De que forma se pode comprovar essa ideia no texto?
      O observador relata seu profundo conhecimento sobre o rio, suas características e a paisagem que o cerca. Sente como se as águas do rio fossem seu próprio sangue ou sua vida, pois ali cresceu com suas lembranças.

04 – Explique por que o observador diz, no 5° parágrafo, que “Estas águas já não são as minhas águas”.
      Como o tempo passa rapidamente, as águas também fluem e mudam. Portanto, já não são as mesmas águas de quando ele ali adormeceu; elas se renovaram.

05 – Ainda no 5° parágrafo, o observador indica alguns possíveis destinos para a pedra. Compare esses destinos às possíveis atitudes das pessoas em relação ao tempo.
      As pessoas, assim como as pedras, podem ficar “paradas” no tempo, negando-se a seguir com ele (“enterra-se um pouco”); podem mudar de lugar, ir para longe ou mesmo mudar de lugar e retornar às suas origens.

06 – No último parágrafo, o observador sente-se um estranho, ao mergulhar suas mãos nas águas do rio
a)   O que o faz imaginar-se tão diferente naquele momento?
Ele compara suas mãos de trinta anos atrás com as de hoje, mais gastas pelo tempo. E, assim como as águas do passado que fluíram para o mar e não são mais as mesmas, o observador percebe que o tempo se foi e que ele se modificou.

b)   Interprete esta imagem: “E eu sacudo as mãos molhadas de tempo”.
Sacudindo as mãos, ele está sacudindo a água e o tempo guardados ou contidos até aquele momento.

07 – Por que o observador tenta reter com suas mãos, no presente, “A vida e a verdade” daquela hora?
      Ele sabe que tudo vai passar brevemente, pois o tempo transforma a vida num momento efêmero.

08 – Explique o título do texto: “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”.
      O observador compara o correr do rio ao passar do tempo. Assim como a água passa e não volta, sempre fluindo na mesma direção, o tempo passa e não volta. O rio muda a cada segundo. O tempo muda a cada segundo.