Crônica: Os comícios dos adolescentes
Moacyr Scliar
No Hyde Park, em Londres, existe um
lugar chamado Speaker's Corner, onde, segundo a tradição, qualquer pessoa pode
fazer discursos, criticando até a família real (o que atualmente não é muito
difícil) desde que falando do alto de um estrado ou mesmo de um caixote; isto
é, sem pisar solo inglês. Atualmente os oradores que lá vão são muito chatos, e
frequentemente falam apenas para impressionar os turistas, mas há uma fase na
vida em que o mundo como um todo é para nós um Speaker's Corner, e a nossa
família é mais acatável que a família real inglesa: a adolescência é uma fase
de comícios.

Adolescentes são oradores prodigiosos.
Energia é o que não lhes falta; a intensa quantidade de alimentos que ingerem
precisa ser queimada de alguma maneira, e esportes, games ou fantasias não são
suficientes. daí os discursos, que se sucedem num ritmo implacável: não há
almoço nem jantar em que os pais não ouçam peças de inflamada oratória. Os
adolescentes, principalmente os de classe média, consideram-se oprimidos; não
fazem parte de nenhuma Frente de Libertação, mesmo porque a vida de
guerrilheiro não tem moleza, não dá para acordar ao meio-dia; mas desenvolvem
uma invencível tática de guerrilha verbal , baseada em acusações clássicas: os
pais são quadrados, os pais não compreendem as necessidades dos filhos, os pais
são insensíveis, os pais não compram isto, os pais não compram aquilo ("me
compra" é a reivindicação mais ouvida). É um estado de comício permanente,
como parlamento algum jamais viu. Aliás, e diferente dos nossos deputados, os
adolescentes jamais se ausentam do plenário; mas, como os deputados, sempre
acham que estão ganhando pouco.
De uma coisa, porém, podemos estar
certos: não existirá um Partido de Adolescentes enquanto não se formar um
Partido dos Pais. E Partido dos Pais jamais se formará. Como a Teresa Batista,
de Jorge Amado, que estava cansada de guerra, pais – por definição – são pessoas
cansadas de comícios.
Um país chamado
infância. São Paulo: Ática, 1999, p. 51-52 (Coleção para gostar de ler, v. 18)
Fonte: Português. Uma
proposta para o letramento. Magda Soares – 8º ano – 1ª edição. Impressão
revista – São Paulo, 2002. Moderna. p. 9-10.
Entendendo a crônica:
01 – Qual é a metáfora central
utilizada por Moacyr Scliar na crônica?
Moacyr Scliar
compara a adolescência a um grande comício, onde os jovens, assim como oradores
no Hyde Park, expressam suas opiniões e críticas com fervor.
02 – Por que os adolescentes
são descritos como "oradores prodigiosos"?
Eles possuem
grande energia e necessidade de expressar suas opiniões, o que resulta em
discursos frequentes e apaixonados, especialmente em relação aos pais.
03 – Quais são as principais
"acusações clássicas" dos adolescentes contra seus pais?
As acusações
incluem os pais serem "quadrados", não compreenderem suas
necessidades, serem insensíveis e não comprarem o que desejam.
04 – Como a crônica aborda a
relação entre pais e filhos durante a adolescência?
A crônica retrata
a adolescência como um período de conflito e negociação, onde os jovens buscam
afirmar sua independência e os pais, muitas vezes cansados, tentam manter a
ordem.
05 – Por que, segundo o autor,
é improvável a formação de um "Partido dos Pais"?
Moacyr Scliar
argumenta que os pais, ao contrário dos adolescentes, estão "cansados de
comícios" e preferem evitar confrontos, tornando improvável a organização
de um partido.
06 – Qual a relação da crônica
com o "Speaker's Corner" citado no início do texto?
O "Speaker's
Corner" serve como uma metáfora para o espaço onde os adolescentes
expressam suas opiniões, assim como os oradores em Londres, com a diferença de
que, os adolescentes tem seu espaço de fala, dentro de suas casas.
07 – Qual é o tom geral da
crônica de Moacyr Scliar?
O tom é
humorístico e irônico, com uma pitada de compreensão pelas dificuldades tanto
dos adolescentes quanto dos pais durante essa fase da vida.