CRÔNICA: Blecaute
“Sabia que a luz elétrica, no Brasil,
existe apenas de uns 100 anos pra cá?”
Essa foi a pergunta que meu professor de
violão clássico me fez no meio de um blecaute demorado – culpa de um gerador
queimado por algum raio – que fez com que a aula tomasse outro andamento,
totalmente improvisado, mas não menos proveitoso.
Não. Eu nunca tinha pensado nisso.
Assim como as crianças do século XXI não sabem o que é viver sem computador, eu
também já nasci dependendo da luz elétrica para tudo o que faço. Não me imagino
sem o banho quentinho, o refrigerante gelado, o computador, o abajur e tantos
outros vícios de conforto que nem percebemos que só existem por causa da
eletricidade.
É certo que, em tempos de racionamento,
lembramos o tempo todo de reduzir seu consumo, mas, ficar totalmente sem ela,
jamais. Duvido que algum torcedor fanático deixe de acompanhar o Brasileirão no
rádio ou na televisão. Duvido também que no friozinho matinal alguém se atreva
a tomar um banho gelado. E eu, confesso, não deixo de ligar meu secador de
cabelo nem de usar a internet, e me recuso a sair com a roupa amarrotada… A
energia elétrica, realmente, é essencial.
Mas, além dos benefícios da luz, a
pergunta do meu professor me fez pensar em como as pessoas de 100 anos atrás
viviam. Aposto que o que parece impossível para nós elas tiravam de letra. A
paciência e o tempo eram muito maiores. E o romantismo também.
Para se mandar uma carta, era preciso
escrever à mão, levar ao correio, esperar, esperar, esperar até o destinatário
receber, resolver responder, ir ao correio, esperar outro tanto e, aí sim,
descobrir o que ele pensou do que você quis dizer. Hoje em dia, o assunto já
estaria ultrapassado depois de toda essa espera. E a falta de paciência e o
excesso de ansiedade não mais permitem esse luxo. Agora tudo é feito por
e-mail, e, assim que ele é enviado, já queremos receber a resposta.
Para se enxergar à noite, era
necessário usar velas e lampiões. As pessoas se recolhiam mais cedo,
conversavam mais e passeavam sob a luz da lua, sem medo da violência, que deve
ter nascido na mesma época da eletricidade.
Para se ouvir música, só se fosse ao
vivo. Serenatas, saraus, bandas na praça…Talvez por isso as pessoas de
antigamente tinham mais aptidão musical. Desde cedo eram incentivadas a
“fabricar a música”, ao contrário de hoje, em que já a encontramos pronta em
qualquer estação de rádio.
Tudo é costume. Até alguns anos atrás,
eu vivia perfeitamente sem computador e celular. Agora, se passo um dia sem, me
sinto assim. As pessoas começaram a usar e se esqueceram da tranquilidade de
uma noite realmente escura.
Quando a luz finalmente voltou, minha
aula já tinha acabado. Reacostumar com a claridade foi bem mais difícil do que
me adaptar à falta dela. Os olhos arderam, as pessoas deixaram de ser
espontâneas, o romantismo das velas sumiu.
Talvez esses 100 anos de claridade
noturna não tenham sido tão pouco assim, já que foram suficientes para
esquecermos o bem que a ausência dela faz. O melhor é usar a desculpa do
racionamento, apagar todas as luzes e mudar o andamento da vida, antes que um
clarão mais forte ofusque, irreversivelmente, a nossa visão. E nos faça
esquecer que o improviso de uma vela pode iluminar bem mais…
PIMENTA, Paula.
“Apaixonada por palavras”.
Belo Horizonte: Ed.
Gutenberg, 2015.
Entendendo o texto:
01 – O texto acima é do
gênero:
a) notícia
b) crônica
c) conto.
d) artigo de opinião.
02 – Quem narra o
texto, também é personagem da história. Identifique a passagem que comprova
isso:
a) “E eu,
confesso, não deixo de ligar meu secador de cabelo nem de usar a internet […]”
b) “Para se mandar uma
carta, era preciso escrever à mão […]”
c) “As pessoas começaram a
usar e se esqueceram da tranquilidade de uma noite […]”
d) “Os olhos arderam, as
pessoas deixaram de ser espontâneas, o romantismo das velas sumiu.”
03 – Aponte o fato que
motivou a narrativa:
a) a pergunta feita pelo
professor de violão clássico sobre a eletricidade.
b) o blecaute
demorado na aula de música.
c) a comodidade
proporcionada pela eletricidade.
d) o retorno da luz na aula
de música.
04 – A autora do texto
expõe uma opinião no fragmento:
a) “[…] culpa de um gerador
queimado por algum raio […]”
b) “Assim como as crianças
do século XXI não sabem o que é viver sem computador […]”
c) “A energia elétrica, realmente, é essencial.”
d) “Para se enxergar à
noite, era necessário usar velas e lampiões.”
05 – “Talvez por isso
as pessoas de antigamente tinham mais aptidão musical”. A que a autora do texto
se refere?
A autora refere-se ao fato de que, sem
eletricidade, as pessoas só podiam ouvir música ao vivo.
06 – No trecho “[…]
mas, ficar totalmente sem ela, jamais.”, o pronome “ela” substitui:
a) “a
eletricidade”
b) “a televisão”
c) “a internet”
d) “a roupa amarrotada”
07 – Sublinhe os verbos
que compõem este segmento:
“As pessoas se recolhiam mais cedo, conversavam
mais e passeavam sob a luz da
lua […]”
No contexto acima, eles
indicam:
a) fatos raros na vida das
pessoas em um tempo sem eletricidade.
b) fatos hipotéticos na vida
das pessoas em um tempo sem eletricidade.
c) fatos prováveis na vida
das pessoas em um tempo sem eletricidade.
d) fatos contínuos
na vida das pessoas em um tempo sem eletricidade.
08 – Assinale a frase
em que a locução destacada exprime a ideia de tempo:
a) “Assim como as crianças do século XXI não sabem o que é
viver sem computador […]”
b) “[…] que só existem por causa da eletricidade.”
c) “Agora tudo é
feito por e-mail, e, assim que ele
é enviado […]”
d) “[…] não tenham sido tão
pouco assim, já que foram
suficientes para esquecermos o bem […]”
09 – No fragmento
inicial, as aspas destacam:
a) a pergunta que motivou a
escrita do texto.
b) a parte mais importante
do texto.
c) uma fala que
não pertence à narradora do texto.
d) um questionamento feito
pela narradora do texto.
10 – Pode-se concluir
que a autora escreveu o texto acima para:
a) criticar o leitor.
b) informar o leitor.
c) emocionar o leitor.
d) fazer o leitor
refletir.