Crônica: Pequenos Delitos
Walcyr Carrasco
COMPRAS DO MÊS. Percorro as prateleiras do supermercado olhando gulosamente tudo aquilo que é bom mas engorda. Um senhor magro e grisalho pára diante dos iogurtes. Olha em torno, cautelosamente. Agarra uma garrafinha sabor morango, abre e vira na boca, bem depressa. Esconde a embalagem. Disfarço, mas sigo o homem. Podem me chamar de abelhudo. Sou. Minha desculpa é que só tento entender o comportamento humano para escrever depois. Dali a pouco o homem pega um pacote de bolachas. Abre. Come algumas. A sobremesa? Na banca de frutas. Uvas itália tiradas do cacho. Um pêssego pequeno. Devora. Esconde o caroço no bolso. Nem sei como consegue fazer a digestão, tal a rapidez. Não, não se trata de nenhum MSS — Movimento dos Sem-Supermercado — ou coisa que o valha. É um senhor com jeito de vovôzinho e trajes de classe média. Termina as compras de barriga cheia e com expressão de vitória.
— Faço de tudo para
não praticar pequenos delitos — conta uma amiga. — É uma responsabilidade
pessoal.
Culposamente, lembro
de quando vou comprar fruta seca. Adoro uva passa. Com a desculpa de
experimentar, pego uma. Duas. Três. Trezentas! Outra amiga é absolutamente
contra camelôs. Diz que emporcalham a cidade. Há uma semana chegou com um
brinquedo para os filhos.
— Paguei baratinho —
contou animada.
Era de uma banquinha
do centro da cidade. Espantei-me.
— Você não é contra?
— Sou contra, mas
não sou burra!
Pode? Hoje em dia se
fala muito em ética. Mas, quando podem dar o golpe nas pequenas coisas, muita
gente se sente orgulhosa. Conheço uma livraria, em Pinheiros, onde sempre se
aceita devolução. Recentemente uma senhora levou seu exemplar. A gerente não reconheceu
o livro. A cliente teimou. Ela verificou todas as notas. Simplesmente o título
não havia sido negociado. Insistiu:
— Eu troco, desde
que a senhora me diga a verdade. Não é daqui, é?
A mulher reconheceu:
havia comprado o exemplar há tempos, em outro lugar. Mesmo assim, aceitou a
troca e saiu satisfeitíssima com um livro novo. Outra cliente levou o livro de
atividades do filho, acompanhada pela criança. Trocou. Dias depois se descobriu
que os questionários internos estavam preenchidos a mão. Era golpe.
— Que exemplo essa mulher dá ao filho?
— admira-se a moça.
E quando o troco vem
errado? Confesso que a minha primeira reação é de alegria! De repente, tenho
mais dinheiro do que pensava. Em seguida lembro que a diferença será paga pelo
caixa. Devolvo. Já vi gente feliz da vida porque o dono da loja fez confusão
nos preços. Outra coisa que odeio é emprestar e não receber. Há uma
predisposição, para não pagar pequenas dívidas. Mesmo quem empresta fica sem
jeito.
— São só cinco
reais... não faço questão.
Como se fosse feio
receber o que é seu! Já ouvi, uma vez que reclamei.
— Pão-duro! Você
liga pra mixaria?
Tenho um conhecido
que jamais tem dinheiro para dar ao manobrista.
Sempre me pede um trocado. Se eu não tenho, pede desculpas ao
homem.
— Da próxima vez,
dou em dobro.
Ou então:
— Saí sem talão de
cheques. Hoje você paga o jantar, o próximo é meu.
Ah, que raiva! De facadinha em
facadinha, faz uma bela economia. .
Surrupiar um queijinho no supermercado parece não ter sequer importância. Mas os pequenos delitos, quando somados, tornam a vida na cidade grande ainda mais selvagem.
Entendendo o texto
01. Quem narra a crônica "Pequenos Delitos"?
a) Um senhor magro e
grisalho.
b) Uma amiga do narrador.
c) Um observador abelhudo.
d) Um dono de supermercado.
02. Qual é a desculpa do narrador para observar o comportamento humano
no supermercado?
a) Está com fome.
b) Gosta de fazer compras.
c) Quer entender para
escrever depois.
d) Procura por ofertas.
03. O que o senhor magro e grisalho faz no supermercado?
a) Rouba dinheiro.
b) Experimenta produtos antes
de comprar.
c) Pagar por tudo o que
consome.
d) Faz compras para o
Movimento dos Sem-Supermercado.
04. O que a amiga do narrador faz, apesar de ser contra?
a) Compra fruta seca.
b) Aceita devoluções na
livraria.
c) Adquirir brinquedos de
camelôs.
d) Pratica pequenos delitos.
05. O que a mulher fez ao perceber que o livro não era da livraria em
Pinheiros?
a) Recusou a troca.
b) Aceito a troca.
c) Chamou a polícia.
d) Processar um cliente.
06. O que uma moça admira ao descobrir o golpe com o livro de
atividades?
a) A honestidade do cliente.
b) A esperança do cliente.
c) O exemplo dado ao filho.
d) A habilidade do gerente da
livraria.
07. Qual é a ocorrência do narrador quando recebe algo errado?
a) Fica chateado.
b) Fique feliz.
c) Não percebe.
d) Pede mais dinheiro.
08. O que o conhecido do narrador faz quando não tem dinheiro para dar
ao manobrista?
a) Pede desculpas ao
manobrista.
b) Prometa dar em dobro na próxima vez.
c) Dá um cheque ao
manobrista.
d) Dá uma gorjeta generosa.
09. O que o conhecido do narrador faz para economizar em pequenas
despesas?
a) Pede desculpas.
b) Pede ao narrador trocado
para dar ao manobrista.
c) Cheques de ofertas.
d) Adiar o pagamento de contas.
10. Segundo o narrador, qual é o impacto dos pequenos delitos na vida na
cidade grande?
a) Tornar a vida mais
organizada.
b) Tornam-se a vida mais
selvagem.
c) Não têm importância.
d) Melhoram a convivência
social.
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