Prólogo: Romance Úrsula –
Fragmento
Maria Firmina dos Reis
[...]
Mesquinho e humilde livro é este que
vos apresento, leitor. Sei que passará entre o indiferentismo glacial de uns e
o riso mofador de outros, e ainda assim o dou a lume.
Não é a vaidade de adquirir nome que me
cega, nem o amor próprio de autor. Sei que pouco vale este romance, porque
escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato
e conversação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e que
corrigem, com uma instrução misérrima, apenas conhecendo a língua de seus pais,
e pouco lida, o seu cabedal intelectual é quase nulo.
[...]
Então por que o publicas? – Perguntará o
leitor.
Como uma tentativa, e mais ainda, por
este amor materno, que não tem limites, que tudo desculpa – os defeitos, os
achaques, as deformidades do filho – e gosta de enfeitá-lo e aparecer em toda a
parte, mostrá-lo a todos os conhecimentos e vê-lo mimado e acariciado.
O nosso romance, gerou-o a imaginação,
e não no soube colorir, nem aformosentar. Pobre avezinha silvestre anda terra a
terra, e nem olha para as planuras onde gira a águia.
[...]
Mas, ainda assim, não o abandoneis na
sua humildade e obscuridade, senão morrerá à míngua, sentido e magoado, só
afagado pelo carinho materno.
Ele
semelha à donzela, que não é formosa porque a natureza negou-lhe as graças
feminis, e que por isso não pode encontrar uma afeição pura, que corresponda ao
afeto da sua alma: mas que, com o pranto de uma dor sincera e viva, que lhe vem
dos seios da alma, onde arde em chamas a mais intensa e abrasadora paixão, e
que embalde quer recolher a corrução, move ao interesse aquele que a desdenhou
e o obriga ao menos a olhá-la com bondade.
[...]
Deixai pois que a minha ÚRSULA, tímida
e acanhada, sem dotes da natureza, nem enfeites e louçanias de arte, caminhe
entre vós.
Não a desprezeis, antes amparai-a nos
seus incertos e titubeantes passos para assim dar alento à autora de seus dias,
que talvez com essa proteção cultive mais o seu engenho, e venha a produzir
cousa melhor, ou quando menos, sirva esse bom acolhimento de incentivo para
outras, que com imaginação mais brilhante, com educação mais acurada, com
instrução mais vasta e liberal, tenham mais timidez do que nós.
[...].
REIS, Maria Firmina
dos. Úrsula. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2019. p.
12-3.
Fonte: Língua
Portuguesa – Estações – Ensino Médio – Volume Único. 1ª edição, São Paulo, 2020
– editora Ática – p. 170-1.
Entendendo o prólogo:
01 – De acordo com o texto,
o que significa a palavra corução?
É uma ave de
hábitos noturnos que se alimenta de insetos.
02 – Qual parece ser o
objetivo do prólogo?
Buscar apresentar
a obra para o leitor, explicar o objetivo de sua publicação e fazer um apelo
para que ele a leia.
03 – Como a autora justifica
a escrita do livro e que ela espera de seus leitores?
A autora afirma
ter escrito o romance como uma tentativa, por amor à escrita. Ela declara que
alguns leitores permanecerão indiferentes ao seu esforço e que outros vão
criticá-la, porque é mulher, brasileira, de pouca instrução. Ainda assim,
espera que acolham o romance, isto é, que o leiam. Ela busca, ainda, poder
melhorar sua técnica a partir da crítica dos leitores e incentivar outras
escritoras a escrever.
04 – O que a autora diz a
respeito do romance?
A autora diz que
o romance é “mesquinho e humilde”, de pouco valor, e que não soube colori-lo
nem enfeitá-lo. Compara sua obra a uma avezinha silvestre, que vive com os pés
no chão e não tem grandes pretensões, e a uma donzela sem beleza ou enfeites,
mas que tem vivacidade e se expressa com toda emoção e sinceridade.
05 – O que é possível
destacar sobre a linguagem da autora já no prólogo?
É possível destacar
o uso da comparação e dos adjetivos para caracterizar o livro e da ironia ao
tratar do olhar de outros escritores e críticos sobre ela.